O Entrudo - mais uma vez para mim e já basta - foi-se no inquietante calendário do tempo, ora lento, ora veloz, consoante a diversidade de situações que ao mento humano se coloca.
Acendo um cigarro e matuto completamente descontraído sobre o Carnaval - diversão, euforia, corpo empolgado que se acende para tocar os limites da alma - de imediato se me depara a Páscoa - época de reler a consciência sob a exemplar cena que não cessa de repetir-se todos os dias entre os humanos: os cristos, os judas, os pilatos, os barrabás, as mães trespassadas de dor e a multidão alvoraçada entre o sim e o não, ignorando por completo o que a opção decisiva quer dizer no tempo seguinte. Repare-se bem nos nomes individuais apresentados no plural: Jesus, Judas, Pilatos, Barrabás, Deus. Quem nunca tenha dado por este subtil e inteligente pormenor, num ápice, ficará surpreendido com 'este-nós-todos' que deveras constituímos por dentro e por fora.
Assim discorrendo, então e em Fevereiro, surge-me incontornável o Natal, momento crucial da humanidade, tempo limpo, de renovação, de esperança à partida, oportunidade de recomeço em plena fraternidade, de enlace das almas para que a harmonia se restabeleça e a vida avante se abra como um oásis. Entretanto, atidos ao almejo de que 'para-sempre-assim-seja', o inexorável ciclo impõe-se e a nossa existência roda, translada, acende-se e apaga-se em sucessão permanente.
O cigarro acabou-se-me e volto ao estado corrente dos vivos, os tais que vão para algures e afinal permanecem sempre à volta, envolvidos no imperceptível redemoinho que é o pensamento...
Régio desce-me à cabeça, liga-se positivo ao filamento da realidade, a luz faz-se, e ouço: ' - Não vou por aí!... '. Interrogo-me: - Diacho, se a virtude e o defeito se complementam em inevitável ciclo, para que serve então a inteligência? Temos de descobrir.
António Torre da Guia |