A Primavera anunciava-se. Os campos já estavam cobertos de verde. Aqui e ali, apareciam florzinhas amarelas salpicadas pelo encarnado das papoilas. A temperatura tornara-se mais amena e as chuvas já rareavam.
Uma manhã, quando me levantei, fui surpreendido com o chilrear de um pássaro vindo da varanda. Não abri a janela para não o assustar, mas logo que cheguei à rua, olhei para cima e vi, a um canto da varanda, bem abrigado, um pequeno ninho e um pássaro bem activo, saltitando e depenicando. Deixei durante uns dias de abrir a janela para não o incomodar e passei a olhar da rua, todos os fins de tarde, quando regressava a casa.
Uma noite ouvi uma grande chilreada. Iria jurar que já havia filhotes. No dia seguinte, manhã cedo, a chilreada de novo.
Uns dias mais tarde, da rua, ao espreitar mais uma vez, vi que a mãe empurrava os filhos para fora do ninho para os obrigar a voar.
É bem verdade que só se experimenta, experimentando... Os dois pequenos tentavam resistir e ela ia-os empurrando com ternura. Tentei descobrir quem teria mais medo. Se a mãe, que os fazia descobrir o privilégio de voar, se os filhotes que iam pela primeira vez ser livres como passarinhos... Finalmente, um a um, ela conseguiu precipitá-los no ar e... eles voaram. A mãe logo se apressou a ir para junto deles.
Nunca mais esqueci esta cena a que assisti, era eu ainda um adolescente.
Fui observando, durante a vida, como os animais cuidam das suas crias, dando-lhes em determinado momento a oportunidade de prosseguirem sozinhos os seus caminhos.
Outro tanto acontece com os homens. Enquanto crianças de tenra idade, são quase inteiramente dependentes, mas a pouco e pouco vão conquistando a sua liberdade, ganhando asas para os primeiros passos a solo, muito embora sob o olhar vigilante dos pais.
E assim vai acontecendo, nos estudos, no trabalho e em tudo. Vamos ganhando autonomia e ela será tanto maior quanta a confiança que soubermos transmitir a quem nos tutela.
Coitados daqueles que só sabem fazer o que se lhes manda, mas igualmente coitados dos que só sabem mandar...
Nas relações humanas, pela vida fora, é fundamental saber descentralizar funções, delegar responsabilidades e partilhar tarefas. Pode-se vigiar ou controlar, mas sempre discretamente e apenas com o objectivo de evitar ou emendar algum passo mal dado.
Até nas prisões onde, por definição se está privado da liberdade, o princípio é válido, dentro de óbvias limitações.
Há ocasiões na vida em que, mesmo inconscientemente ou sem querer, somos empurrados para missões mais autónomas. Devemos aproveitá-las, fazendo por merecer a confiança que nos é dada.
Quando estamos no «outro lado da barricada», deveremos saber dar oportunidades aos outros, contribuindo assim para um Mundo melhor e mais responsável.
Lembrem-se, como eu, daqueles pássaros que me encantaram na adolescência! Não fosse o empurrãozinho da mãe, como poderia cada um deles ter voado?
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