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Ensaios-->AS CARTAS DE ANTONIO VIEIRA -- 08/02/2007 - 01:08 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


SUBSÍDIOS PARA O ESTUDO DAS CARTAS DO PADRE ANTÔNIO VIEIRA (1608-1697)


João Ferreira
Brasília 1997
6 de fevereiro de 2007


Introdução

Antônio Vieira é autor de uma obra vastíssima, na qual certamente os sermões ocupam a parte mais conhecida e talvez mais importante enquanto obra oratória e doutrinal religiosa (na edição princeps terá 15 volumes). Mas, além dos sermões, não podemos esquecer aquelas obras que lhe custaram acusações e processos. São elas: Esperanças de Portugal, Quinto Império do Mundo, Primeira e segunda vida delrei D. João IV. Nesta última obra, Vieira, partindo das profecias do sapateiro Bandarra, vaticina a ressurreição de D. João IV, falecido em 1656, e a realização do sonho do Quinto Império, sua tese utópica. Na utopia do Quinto Império, haveria um só poder espiritual no mundo, o do Papa, e um só poder temporal, o do rei português. Por causa desta exposição , Vieira foi levado aos tribunais da Inquisição, e perante esse fato teve a necessidade de elaborar a Defesa perante o Tribunal do Santo Ofício , que foi editado editado na Bahia em 1957, em tempos recentes, por Hernani Cidade, obra que na realidade é uma peça de alto poder dialético, mas incapaz de desviar o Tribunal da sentença que preparou especificamente para ele: Vieira deveria internar-se numa casa dos jesuítas e ficar privado de pregar, durante algum tempo. A História do Futuro é parte desta idéia e Clavis Prophetarum que o próprio Vieira considera sua obra principal ocupa-o nos últimos anos de vida.
Além de “admirável orador sacro”, de “insigne prosador” e de personalidade vigorosa, Vieira aparece na História como personalidade complexa e rica com prestígio entre os jesuítas, na colônia e na corte do rei de Portugal. Era uma pessoa dinâmica na missionação que a Companhia desenvolvia no Brasil, exímio pregador da Corte, homem de ação, conselheiro do rei, eficiente diplomata, enunciador de uma política de defesa do índio, missionário labutador , com missões políticas de grande peso a ele confiadas pelo monarca D. João IV. Para compreendermos sua doutrina, sua movimentação e sua ação, nenhum texto mais próprio do que as Cartas que escreveu. São documentos indispensáveis, imprescindíveis para sabermos e acompanharmos as facetas principais de sua rica biografia dentro da obra global.

As cartas como gênero

Falando de “Cartas” é justo salientar que o gênero representa desde tempos imemoriais um útil instrumento não só de doutrinação mas de comunicação. Só para lembrarmos alguns exemplos históricos, diremos que a carta VII de Platão é um documento notável pelos dados biográficos e pelos dados que oferece para melhor conhecimento da filosofia do fundador da Academia de Atenas;de igual maneira, a Epístola aos Pisões,de Horácio, é uma peça clássica ainda hoje utilizada em nossas universidades para avaliação dos princípios Estética Literária na Antiguidade. No Cristianismo primevo o gênero epistolar é utilizado por S. Paulo aos Hebreus, aos Romanos, aos Coríntios, aos Gálatas e a outras comunidades cristãs. Há cartas dirigidas a pessoas encarregadas da evangelização como Timóteo, Tito e outros. Santo Agostinho e São Jerônimo, entre outros, usaram Epistolas ou cartas para se comunicarem entre eles ou com seus discípulos para discutirem pontos doutrinais e teológicos. Santo Agostinho trocou cartas com Paulo Orósio, presbítero bracarense, sobre o pelagianismo na Península Ibérica. No Brasil é indispensável a citação e o conhecimento da carta de Pero Vaz de Caminha ao Rei D. Manuel sobre o achamento do Brasil. No espólio literário de Luís de Camões há cartas também; na Literatura Portuguesa são internacionalmente conhecidas as cartas portuguesas de Mariana Alcoforado, peça estudada na Literatura e que informa sobre os amores de uma freira de um convento do Alentejo com um oficial francês; na Literatura Brasileira são renomadas as Cartas Chilenas. O gênero, portanto, vem desde a Antiguidade Clássica, e ao escolhê-lo, Vieira é apenas o usuário de uma forma de comunicação e de escrita variada e flexível, que lhe permite, a um tempo só, enviar mensagens, discutir pontos de vista, informar o rei sobre os negócios de que foi incumbido, prestar esclarecimentos, apresentar idéias e até dar uma razão a si próprio da própria razão de vida. As cartas mostram, pelo seu estilo menos empolado e mais espontâneo, uma forma de exposição e de comunicação eficiente.

O Estudo das Cartas de Vieira

Os críticos depressa perceberam a importância destes documentos na obra conjunta do douto jesuíta. É por isso que foram feitas várias edições dentre as quais destacamos a edição de J. Lúcio de Azevedo, feita pela Imprensa da Universidade de Coimbra, em 3 volumes, e da Editora Sá da Costa, de Lisboa, em dois volumes. Há outras edições, algumas com cartas menores, também importantes.
No estudo das Cartas há que ser feita uma seleção dependendo do assunto a ser tratado. Na verdade, todas as cartas são úteis para estabelecer um perfil forte do talento, da ação e das iniciativas deste genial homem de governo. Se nos sermões mostrou a habilidade em transmitir as verdades de salvação e a habilidade em tecer prosa dotada de versatilidade e enriquecida pela dialética das oposições barrocas; se neles mostrou o talento retórico do jogo das semelhanças, das metáforas e dos oxímoros, nas cartas, mostra o discurso direto da sondagem junto aos homens do poder, do espião cioso por adquirir certezas para transmitir, do diplomata capaz de transformar pesado jogo de chancelarias em transparente ilação política útil à ação de seu rei, negociador vidente e persuasivo, talentoso analista das situações explosivas com soluções antecipadas para término do conflito. O cerne das Cartas de Vieira está situado num eixo fundamental: Vieira, político de vocação, vai orientar seu talento, seja como jesuíta ligado à missionação no Maranhão e no Pará, seja como homem da corte, seja como embaixador e negociador na Holanda, seja como religioso processado pelas aversões, intrigas, invejas e esquemas de represália dos ministros do Rei e dos censores do Santo Ofício. Vieira mostrava-se empenhado em reconstruir o Reino de Portugal comandado por seu amigo D.João IV, que se sentia desgastado com a ocupação espanhola durante 60 anos, às mãos com um reino restaurado não inteiramente reconhecido pelos castelhanos, agredido pelos holandeses em seus domínios coloniais, invejado e cobiçado por outras potências. Tudo estava aqui. Ajudar D. João IV a reconstruir o Reino, servir a pátria, erguer um projeto de país, afugentar ações complicativas, buscar a paz com os holandeses, fortalecer a nação, refazer-se, combater a corrupção.
Sabendo antecipadamente deste eixo de preocupações, vamos encontrar no texto das cartas alguns destes assuntos. Estrategista que era, Vieira navegará, em suas ações, por entre algumas contradições do sistema colonial que então vigorava e e tomará como eixo da política do Reino a giratória da política internacional, que tinha a França, a Holanda, a Inglaterra e Castela como principais protagonistas políticos e mercantilistas. Não vamos admirar-nos que seja o jesuíta o genial teorizador de uma estratégia mercantilista em Portugal. Como homem superdotado, com experiência fundada nos movimentos de ocupação e guerras dos holandeses no Brasil, Vieira estava inteiramente preparado para planejar uma ação. Tomando como base a experiência holandesa no Brasil, a amizade de D. João IV, sua fé nacional e toda a experiência diplomática que adquiriu em Paris, em Haia e Lisboa, Vieira tem a noção exata de qual deverá ser a estratégia portuguesa dentro da modernidade.

Propostas politicamente corretas feitas por Vieira ao rei D. João IV de Portugal

Concretamente voltado para a restauração de Portugal e do Brasil, unido nesse tempo à coroa portuguesa, logo após a aclamação do Duque de Bragança D. João IV, propôs ao monarca a fundação de duas companhias mercantis: a companhia oriental, que ficaria voltada para manter o comércio da Índia; a companhia ocidental destinada a manter o comércio com o Brasil. A estratégia de Vieira era a de combater e enfrentar o inimigo em seu próprio terreno. Era através das companhias que os holandeses dominava o comércio internacional. Vieira fazia a previsão de menores gastos e maiores lucros e procurava atrair o capital internacional sobretudo dos cristãos-novos portugueses, muitos deles atuando em companhias holandesas e bem relacionados com Castela. Para atrair este capital internacional, Vieira propunha ao rei que o dinheiro aplicado nas companhias fosse isento do fisco. Com os apertos das guerras da Restauração, a proposta que havia sido guardada em segredo pelo Rei, foi inteiramente abraçada pela Coroa, incluindo a cláusula de isenção do fisco. O resultado prático da execução da idéia de Vieira foi o de que a Companhia Ocidental com o que levava do Brasil dava a Portugal o bastante para sustentar a guerra com Castela(I,57), para conservar o Reino, para restaurar Pernambuco e para acudir a outras ocorrências importantes. Para fecundar ainda mais esta idéia da fundação da Companhia Ocidental, Vieira, numa audaciosa visão de estadista, sugeriu a D. João IV que as drogas e especiarias da Índia passassem a ir do Brasil para a Europa. A ideia agradou ao rei. E então D. João IV encomendou aos seus Vice-Reis e Governadores da Índia que lhe mandassem essas drogas nas naus, já plantadas e regadas para o Brasil. Entre elas, canela e pimenta e outras. Adaptadas essas espécies passavam a ir do Brasil para a Europa. Era mais perto e mais fácil de enviá-las para Portugal, podendo ser vendidas mais baratas do que as que vendiam os holandeses. Vieira tinha tramado a fundação da Companhia Ocidental Oriental de forma semelhante ao que se fazia na Holanda. Agora produzia a segunda idéia, que iria enfraquecer os holandeses também. A terceira idéia que forneceu ao monarca português nasceu de uma chamada de atenção quando aconteceu a tomada de Dunquerque pelos franceses, episódio celebrado com ruidosa festa pelos políticos europeus. Vieira analisou e tirou uma conclusão para comunicar a D. João IV. Os holandeses mantinham uma armada frente ao porto de Dunquerque para assegurarem a passagem do Canal da Mancha a suas naves. Segundo observação de Vieira, tomada Dunquerque pelos franceses, os holandeses ficavam com armada livre para a enviarem ao Brasil(I,60). Vieira deu a dica ao rei. E para ser mais objetivo ainda, soube através de um amigo que e, Amsterdão eram oferecidas 15 fragatas de 30 peças, inteiramente equipadas, que seriam colocadas em Lisboa por 20000 cruzados cada uma, num total de 300000 cruzados. Vieira sugeriu que esta quantia poderia ser facilmente obtida através de um baixo tributo sobre uma frota que havia trazido do Brasil mais de 40.000 caixas de açúcar, comprado barato na Colônia e vendido em Lisboa por “subidíssimo preço”(I,61”. Com a compra das fragatas, observava Vieira, o rei de Portugal poderia ficar servido com duas armadas ou frotas: uma para ficar em Portugal e outra para ir socorrer a Bahia(I,61).Estas propostas estão devidamente expostas na Carta que Vieira escreveu desde a Baía ao conde da Ericeira em 23 de maio de 1689, para responder a algumas inverdades e imprecisões veiculadas na História de Portugal restaurado, fls. 633.

Um nova política para os cristãos-novos

Além da excelência política destas proposições e do êxito alcançado, é justo observar, que além do ajustamento de governo e do sucesso de seu amigo D. João IV, Vieira tinha outros intuitos também declarados: era buscar para a população cristã-nova, parodoxalmente aliada das empresas das descobertas e tradicionalmente perseguida e marginalizada pela coroa, uma chance e melhor tratamento, a fim de atrair ao grande comércio marítimo os enormes cabedais financeiros dos Judeus. Dentro desse plano, era necessária uma certa clemência do Santo-Ofício, um perdão geral de Roma para todas as heresias até à data, chamar de volta judeus foragidos, dando-lhes segurança e garantias de não serem molestados por suas práticas religiosas ou convicções; isentar da pena de confisco os bens móveis empregados no comércio e adoção de novos métodos por parte da Inquisição, com procedimentos claros, semelhantes ao que se praticava nos tribunais civis(p.LIV). Vieira sabia que eram esses judeus portugueses que ajudavam o governo espanhol, os que tomavam contratos de fornecimento para os governos de Madrid e Sevilha e os que concorriam em considerável parte para o capital das companhias comerciais da Holanda(Ib.LV). Vieira estava informado. Sabia de tudo: sabia como se formavam as riquezas quem eram os donos do capital e como se podia organizar uma companhia comercial. Perante o Conselho de Estado de D. João IV era apenas burocrático. Em alguns casos o mostrou Vieira, de maneira direta a sua Majestade.
No Plano econômico de Vieira exposto na carta LIII sugere-se o aproveitamento dos cristãos novos para atrair o capital judeu.
As Cartas nos mostram de perto a inteligência soberana do diplomata, do político, do estrategista e do economista. No fundo há um estrato mais saliente: o ardor e a visão política com que encara as missões dadas pelo amigo D. João IV.
Poderíamos, finalmente sugerir a seleção de algumas cartas para podermos acompanhar a ação de Vieira. Entre elas, algumas delas escritas ao marquês de Nisa e, de modo especial, a que foi datada de Haia em 20 de janeiro de 1648. Em sua viagem a Haia como observador político Vieira conclui pela probabilidade de a França continuar sua guerra com Castela(SC, I,111) e examina o projeto francês de pedir aliança e socorros de Portugal(111). Vieira entende que a continuação da guerra de França com Castela dá a Portugal a oportunidade de suspender as armas e de se refazer e de esperar vantagens para fazer a paz com Castela(112). Não haveria que buscar um compromisso com a França, neste momento, já que não é por amor de Portugal que a França faz a guerra com a Castela. O Cardeal Mazzarino que nesta altura era o primeiro-ministro francês parece ter intuitos de vantagens nas terras coloniais portuguesas. Vieira pensa que na verdade ou ele pretende isso ou liberdade para comerciar nos portos portugueses(I,113). Como antecedentes temos a conquista do Rio de Janeiro pelos Franceses, depois o Maranhão, e depois a ilha de S.Lourenço; quanto ao segundo, houve licenças de comerciantes para irem aos portos do Brasil e de Angola. A opinião de Vieira é a de que não há que facilitar nem dar de graça aquilo que custou tanto a conquistar com sacrifício e sangue114). Quanto ao comércio já perdemos uma parte para os holandeses e não devemos perder a outra para os franceses(114)

OBSERVAÇÂO – Para leitura, pesquisa, comentários e citações de páginas, utilizamos a edição das Cartas feita pelo pesquisador português. J. Lucio D Azevedo, Cartas do Padre António Vieira. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1925, 3 tomos.

João Ferreira
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