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Ensaios-->AS FARPAS - UM LIVRO CRÍTICO -- 03/02/2007 - 00:05 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


AS FARPAS -UM LIVRO CRÍTICO DA SITUAÇÃO PORTUGUESA DO SÉCULO XIX

João Ferreira
Fevereiro de 2007

Quando falamos de “As Farpas”, referimo-nos a uma crônica mensal da Política, das Letras e dos Costumes, que começou a ser publicada em Portugal em junho de 1871 por Eça de Queirós, em co-autoria com Ramalho Ortigão e que durou até 1883. Após a entrada de Eça de Queirós na carreira diplomática em 1872, Ramalho Ortigão, continuou o projeto, durante cerca de doze anos consecutivos, mantendo a regularidade da publicação em fascículos de cerca de 100 páginas.
Os críticos são unânimes em afirmar que “As Farpas” constituem um excelente testemunho de tudo o que aconteceu de importante no final do século XIX no campo da sociocultura em Portugal. A publicação visava particularmente algumas das realidades institucionais com reflexo especial na sociedade portuguesa. Tornaram-se por isso mesmo, uma voz crítica de leitura indispensável. “Eram páginas irônicas, alegres e justas”, como diz Eça no Prólogo.

Princípio crítico norteador

O grande princípio que norteou a iniciativa dos dois escritores está expressa no Prólogo. Vejamos o texto:
“O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos e os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não existe nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Já não se crê na honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos vão abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas idéias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima baixo. O tédio invadiu as almas. A mocidade arrasta-se envelhecida das mesas das secretarias para as mesas dos cafés. A ruína econômica cresce, cresce, cresce [...]. O salário diminui. A renda diminui. O Estado é considerado na sua ação fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.
Neste salve-se quem puder, a burguesia proprietária de casas explora o aluguel. A agiotagem explora o juro. De resto, a ignorância pesa sobre o povo como um nevoeiro.
[...]
Não é uma existência. É uma expiação. “ E a certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências” Cf. EÇA DE QUEROZ, Uma Campanha alegre. Volume I. Porto: Lello e Irmão, 1912, pp. 11-12.
E continua: “ Nós não quisemos ser cúmplices na indiferença universal. E aqui começamos, sem azedume e sem cólera, a apontar dia por dia o que poderíamos chamar “o progresso da decadência” [...]. Esta decadência tornou-se um hábito, quase um bem-estar, para muitos uma indústria. Parlamentos, ministérios, eclesiásticos, políticos, exploradores, estão de pedra e cal na corrupção” (Ib, p. 13).

Estratégia crítica de “As Farpas”

Eça de Queirós e Ramalho Ortigão souberam encontrar uma estratégia adequada à crítica que apresentavam. O dois pontos estratégicos transferidos para o texto foram a sensibilização e a forma humorística de apresentar os factos.
Na sensibilização está até a intencionalidade da escolha do título da crônica. “farpas”!:
“Assim vamos. E na epiderme de cada facto contemporâneo cravaremos uma “farpa”. Apenas a “porção de ferro” estritamente indispensável para deixar pendente um sinal. As nossas bandarilhas não têm cor, nem o branco da auriflama, nem o azul da blusa. Nunca poderão tão ligeiras “farpas” ferir a grande artéria social. Ficarão à epiderme[...]” (Ib.15).
Quanto à estratégia humorística:
“Vamos, pois, rir. “O riso é uma filosofia”. Muitas vezes, o riso é uma salvação. E em política constitucional, pelo menos o riso é uma opinião!” (Ib.15).

Estado decadente das instituições

Em seguida a crítica das farpas é dirigida ao “estado decadente das instituições, poderes públicos e sociedade”. Detalhando, Eça e Ramalho mostram o descrédito e o ceticismo com que a opinião pública encara a prática religiosa na sociedade. Mais gravemente pelo fato de a Carta Constitucional declarar o país “católico e monárquico”. A crítica ao parlamento vem logo a seguir (Ib, p 20). Depois há páginas consagradas à imprensa (pp.22-23), à literatura (p.25), que é julgada ainda ligada ao romantismo, e ao teatro (p. 29): “o teatro perdeu a sua idéia”(29), a sua significação. Os originais levados ao palco são medíocres. Quase tudo traduções.

O povo e a sociedade

Com o intuito de derrubar alguns cidadelas douradas corrompidas pela política e a viciada orientação cultural, Eça e Ramalho procuram desmontar toda a ideologia oficial. Referindo-se ao país,as Farpas atiram: “Portugal, não tendo princípios ou não tendo fé nos seus princípios, não pode propriamente ter costumes” (ib. 32). E desdobram a crítica nestes termos:
“Toda a nação vive do Estado. É tutelada” (Ib. P. 33). “Resulta daí uma pobreza geral”: “Estado pobre, paga pobremente” (Ib.p.33).
“Esta pobreza geral produz um aviltamento na dignidade. Todos vivem na dependência: nunca temos por isso a atitude da nossa consciência, temos a atitude do nosso interesse” (Ib. P. 34).
“A família é a primeira a desmoralizar neste sentido a consciência”.
Com Eça de Queirós correndo o mundo como diplomata (Habana, Cardiff, Paris), Ramalho Ortigão assegurou, de sua parte, a continuidade desta obra que os intelectuais portugueses se habituaram a ler como termômetro cultural e político-social do país. Pelo trabalho desenvolvido durante anos e pela quantidade de fascículos dirigidos, “As Farpas” passaram a ser consideradas por Ramalho como a sua obra. Nelas aplicou toda a sua capacidade de observação e de análise. Inserido mais tarde no grupo dos cinco e na orientação vanguardista das Conferências do Cassino, Ramalho terminou por superar a condição do imediatismo da crônica para se consagrar ao tratamento de temas que a consciência cultural do país exigiam: educação, literatura jornalismo, decadência, moral pública e familiar e outras. “Numa época de consolidação das estruturas sociais burguesas, a sua campanha visa sintonizar Portugal com a modernidade, num sistema de pensamento que articula de forma muito pessoal, a ideologia liberal e positivista da época.”(Helena Santana).

FONTES DE INFORMAÇÃO

QUEIROZ, Eça/ORTIGÃO, Ramalho. As Farpas. Porto: Lello e Irmão, 1912.
ROSA, Alberto Machado da. “Eça de Queirós e Ramalho Ortigão”. In: Era Eça discípulo de Machado?. Lisboa: s. d. [1964].
SANTANA, Helena. “As Farpas”.In: Biblos. Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa. Vol. 2. Lisboa/São Paulo, 1997, cols. 483-486.
SARAIVA, José Antonio/LOPES, Oscar. História da Literatura Portuguesa. 17@ edição. Porto: Porto Editora, 1996.
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