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Ensaios-->POR UMA UNIVERSIDADE DA PROBLEMATIZAÇÃO -- 04/12/2006 - 16:49 (Délcio Vieira Salomon) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
POR UMA UNIVERSIDADE DA PROBLEMATIZAÇÃO

Délcio Vieira Salomon

Uma experiência acadêmica, não academicista, pois que esta se entretém com a sonoridade das palavras, com a descrição dos conceitos e não com a compreensão crítica do real que, em lugar de ser, ele também, puramente descrito, deve ser transformado (Paulo Freire)

Estudávamos filosofia para resolver problemas e não para aprender sistemas (...) Ali na realidade concreta, estudantes e professores aprendíamos como fazer Filosofia, aprendíamos História, Literatura e Sociologia. E cada uma dessas ciências diretamente vinculada à realidade que se vivia no país e não presa a realidades transcendentes, estrangeiras (Antônio Faundez)



RESUMO

Proposta pedagógica nascida do terreno da metodologia científica concebida dialeticamente. Baseia-se no livro do autor A maravilhosa incerteza e no Por uma pedagogia da pergunta de Paulo Freire e Antonio Faundez. Constata-se a necessidade de se propor a institucionalização da problematização, se não no processo educacional em sua totalidade, ao menos no ensino superior. Para justificar a proposta importa começar pela problematização da própria universidade brasileira. Sobretudo diante do desafio de sua reforma exigida desde a década de 60. A problematização há de ser pensada como atitude constante voltada para a cotidianidade da universidade: em sala-de-aula, nos laboratórios de pesquisa, nas reuniões departamentais e até nos corredores das faculdades. Enfatiza-se nova concepção de Aula que deve traduzir o processo do pensar reflexivo do aluno e não a razão demonstrativa do professor e nova forma de elaboração de currículo: em vez de dispor a grade por disciplinas autônomas e afins, introduzir o sistema de módulos, cujos núcleos são os problemas relevantes.




1 PROBLEMATIZAÇÃO DA UNIVERSIDADE


Pelo título o leitor há de perceber que se trata de uma proposta. Nasceu do terreno fértil da metodologia científica para extrapolá-la e transformar-se em proposição pedagógica. Uma proposta derivada do ensaio de metodologia dialética A maravilhosa incerteza, em que procuro mostrar o lugar e o papel da problematização no processo do pensar, do pesquisar, do criar e do agir. Desde a defesa de minha tese de livre-docência, estou convicto da necessidade de se propor a institucionalização da problematização, se não no processo educacional em sua totalidade, ao menos no ensino superior.

Antes, porém, uma justificativa. Talvez uma inversão no título revele sinteticamente toda a força que me move à proposição inicial. A proposta por uma universidade da problematização merece começar pela problematização da universidade. No fundo, a problematização de determinada realidade é condição necessária de todo projeto de sua mudança. Há necessidade urgente de problematizar-se a universidade brasileira. Mas problematizar no sentido marxista, com objetivo de agudizar as contradições. E para que ela consiga transformar-se em universidade que cultive o pensamento problematizante, que tenha como suporte das atividades acadêmicas a metodologia de ensino identificada com a metodologia da pesquisa e ambas com o que Paulo Freire chamava de “pedagogia da pergunta”.

Não me refiro apenas a uma convocação à problematização visando à feitura de um projeto reformista. A problematização há de ser pensada como atitude constante voltada para a cotidianidade da universidade: em sala-de-aula, nos laboratórios de pesquisa, nas reuniões departamentais e até nos corredores das faculdades. Uma atitude que se identifica com a própria problematização enquanto processo integrado ao processo de conhecer para agir e mudar.

De alguns anos para cá estamos vivendo no Brasil o desejo coletivo de reformar a Universidade. Desde a década de 60 temos tentado a duras penas adaptar a Universidade a nossa realidade a fim de adequá-la aos novos tempos. Mas é preciso deixar de importar modelos. A última reforma universitária implantada no Brasil foi feita sob o guante do regime militar e sob a ideologia da segurança nacional, toda lastrada no “Plano Atcon” do norte-americano Rudolph Atcon. A própria LDB da Educação Nacional, inicialmente originada num amplo debate em todo o país, acabou sendo substituída pelo projeto do Senador Darcy Ribeiro.

Ambas tiveram tudo o que o figurino de uma reforma exige: idéias, ordenação e estruturação dessas idéias, ampla justificativa e o status de um ordenamento jurídico. Mas a ambas faltou o fundamental: a problematização da realidade “universidade brasileira”, ponto-de-partida para seu diagnóstico, que por sua vez demandaria a análise da realidade descrita, a fim de proporcionar, ao cabo, o esboço do projeto da “nova universidade”, em cima do qual se promoveria a discussão mais ampla possível, envolvendo, sobretudo, os mais diretamente afetados pela problemática alcançada: alunos e professores.

Nada disso, entretanto, foi feito. No Brasil há sempre os que se julgam iluminados e auto-encarregados pelas mudanças sociais, políticas, econômicas e até pela transformação da universidade. Basta falar na necessidade de mudança e eles já se apresentam com seus ‘tipos-ideais’ para impô-los à realidade. Por mais que admiremos a inteligência e o saber do falecido Professor Darcy Ribeiro, não podemos dizer que fugiu desse tipo de narcisismo iluminista.

Em todos esses projetos, além da falta total da problematização e do diagnóstico da universidade brasileira, nota-se que já existia a priori uma concepção de universidade, verdadeiro simulacro de outras instituições do primeiro mundo. O modelo, sem dúvida, dignifica países ricos e poderosos, mas enquanto copiado e impingido em nossa realidade torna-se um corpo estranho sempre em risco de ser cultural e politicamente rejeitado. Assim idealizam uma universidade que não corresponde à visão concreta e dinâmica que deveria ser exigida do reformador. Por pensarem na universidade como entidade abstrata, jamais conseguem propor algo a partir de uma universidade viva, identificada historicamente com os que nela vivem e são sua razão de ser: professores, alunos e técnicos administrativos. A chamada comunidade acadêmica constitui de fato o legítimo representante da sociedade para a qual a universidade existe e para a qual assume o papel de agente transformador. Os iluminados reformistas esquecem que a universidade somos nós que a fazemos em nossa cotidianidade. O que Paulo Freire falava do exílio, de seu longo exílio imposto pelos militares em 64, aplica-se integralmente à universidade: “o exílio não é uma entidade acima da História, todo-poderosa, comandando o exilado a seu gosto. O exílio é o exilado no exílio” (FREIRE, 1985, p. 33).

Assim também a universidade não é uma entidade acima da História, todo-poderosa, comandando professores e alunos a seu gosto. A universidade são os professores e alunos na universidade fazendo a universidade, porque a universidade é um processo em constante fazer-se. Inconcebível ainda não ser comandada por seus próprios dirigentes, mas pelo MEC, por Conselhos Federais ou Nacionais de Educação, nomeados pelo governo sempre por razões políticas ou razões outras que não são as que criaram a universidade e têm o compromisso de mantê-la, desenvolvê-la e adequá-la à sociedade para a qual é destinada e ao momento histórico para o qual vive. Não é em vão que foi fundada como “universitas magistrorum ac scholarium”.

Há de ser pensada em sua concretude e historicidade. Por isso ocorre-me a feliz observação de Antônio Faundez em diálogo com Paulo Freire para construir o livro falado Por uma Pedagogia da Pergunta, de que foi extraída a citação acima. Há um momento em que ambos discutem a importância da análise da cotidianidade, em decorrência do papel do intelectual no projeto de transformação da realidade social. Paulo Freire tinha observado:

(...) o militante político corre o risco, permanente, ora de se tornar autoritário, ora de intensificar o seu autoritarismo, quando não é capaz de superar uma concepção messiânica da transformação social, da transformação revolucionaria (...) A posição que defende a comunhão com as massas não é a de braços cruzados, não é a de quem pensa que o papel do intelectual é apenas o do assistente, do mero ajudante, do facilitador. O seu papel realmente importante e fundamental será tão maior e tão substantivamente democrático quando, ao por-se a serviço dos interesses das classes trabalhadoras, jamais as tente manipular através de sua competência técnica ou científica ou através de sua linguagem, de sua sintaxe. (...) À leitura crítica da realidade, tem de juntar a sensibilidade do real (...) O intelectual precisa saber que a sua capacidade crítica não é superior nem inferior à sensibilidade popular. A leitura do real requer as duas. (FREIRE, 1985, p.39) [sem grifos no original]


Palavras que fizeram eco a uma citação anteriormente extraída de Gramsci: “o povo tem o sentimento, sente, atua; o intelectual compreende, mas não sente”. A esta colocação, Antônio Faundez retrucou:

A dificuldade em entender a importância da análise da cotidianidade está no fato
de que nós, intelectuais, estamos acostumados a trabalhar com idéias-modelo. Sem dúvida, nós homens, mulheres, e, sobretudo, os intelectuais, precisamos de idéias para compreender o mundo. Mas se estas idéias se transformam em modelos, ou seja, se não são aplicadas criativamente à realidade, corremos o risco de considerá-las como a realidade. Assim passa a ser o concreto que deve adaptar às idéias e não o contrario. Cairíamos no que eu chamaria de um hegelianismo vulgar: pensar que a Idéia é a realidade e que esta não é senão o desenvolvimento daquela através dos conceitos. (FREIRE, 1985, p. 40) [sem grifos no original].

Esta postura reformista-iluminista que estamos criticando é, por sua vez, fruto da falta total de desenvolvimento da atitude problematizante em nossa formação universitária, herdada que foi do bacharelismo coimbrense, todo ele impregnado de autoritarismo, do “magister dixit”, do racionalismo aristotélico-escolástico, da predominância do formal sobre o material, o concreto e o histórico. Tudo alimentado pela aspiração de congelar a realidade em categorias abstratas, universais e absolutas.

Então é pela introdução e pelo exercício da problematização que se pauta a proposta aqui apresentada, ao menos com este despretensioso intuito de colaborar para que se comece a quebrar o círculo vicioso em algum ponto de sua recorrência de projetos de reforma que se sucedem sem nada reformar.

Foi com satisfação e o sentimento de que não estava pregando no vazio que, cinco anos depois de defender minha tese de livre-docência, encontrei esta declaração de Simon Schwartzman intitulada “Conclusão: problematizar a universidade e a educação”, ao terminar o seu Ciência, Universidade e Ideologia - A Política do Conhecimento:

O importante dessa nova agenda não é a validade dessa ou daquela proposta tomada isoladamente, mas a possibilidade que ela pode eventualmente abrir para começarmos a pensar em nosso sistema educacional e nossas escolas superiores e universidades de maneira nova, refrescada, audaciosa e efetivamente problematizada. Antes de encontrarmos as soluções é necessário aumentar, cada vez mais, a consciência sobre a profundidade dos problemas. (SCHWARTZMAN, 1981, p. 122) [sem grifos no original]


Cheguei a pensar que as idéias aqui expostas constituem uma ‘reflexão quase inútil’, conforme denominei a proposta, ao término de minha tese de livre-docência. Mas o tempo e o contato mais intenso com a vida acadêmica em diversas regiões do país mostraram-me que não era tão inútil assim.

A apresentação é feita de forma esquemática, para facilitar sua compreensão, uma vez que tem objetivo pedagógico-didático.


2 CHAMADAS À REFLEXÃO


Assentemos como pontos factuais que sirvam de suporte referencial de nossa reflexão:

• Temos que pensar e assumir a universidade de forma dinâmica: universidade não como entidade abstrata, mas como processo concreto, histórico em constante transformação; assumir, pois, o processo ativamente, conscientes de que somos ou podemos ser agentes de transformação.

• Este processo há de ser concebido à imagem e semelhança de uma espiral: cabe à universidade voltar a suas origens, mas de forma avançada, com o acúmulo de seus conhecimentos e de suas experiências já reciclados; de forma tal que, ao propor-se em termos de metodologia a problematização, nada mais saudável relembrar que em seus primórdios, a universidade implantou e exercitou durante centenas de anos a disputatio escolástica, método para a época revolucionário, apropriado à universitas docendi predecessor da problematização que por sua vez surgiria, sob outra roupagem, para garantir a universitas inveniendi (a universidade da pesquisa) sucessora da universidade do ensino; é preciso que a universidade não estanque no formalismo a sobrevivência da “disputatio” apenas através do ritual da “defesa de tese” (como a de doutor e a de titular) ou da “defesa da dissertação de mestrado”.

Uma universidade que assuma o compromisso, através de decisão de professores e alunos, de que as atividades ensino - pesquisa - extensão sejam indissociáveis enquanto pertencentes a um só e mesmo processo (1).

A interdisciplinaridade como a transdisciplinaridade devem reger a instituição e revelar-se na estruturação dos departamentos, na formulação da política e das linhas de investigação científica, em todos os projetos de pesquisa e, sobretudo, no repúdio e combate à crescente tendência da exagerada especialização que já vem constituindo cancigeneração do saber, como tão bem analisou Hilton Japiassu (Interdisciplinaridade e Patologia do Saber, Imago, 1976); mas para atingir este objetivo há de institucionalizar-se o diálogo. Antônio Faundez foi muito feliz ao dizer: (...) a respeito da ruptura da acomodação intelectual, ou seja, esta tentativa de fazer com que o trabalho intelectual seja um trabalho coletivo. E, sem dúvida, o método que mais se presta a esse tipo de tentativa é o diálogo. (FREIRE, 1985, p. 11-2) [sem grifo no original]

Todo professor deveria convencer-se, e traduzir tal convicção em prática, de que cada aluno é sujeito ativo de seu próprio conhecimento e que este conhecimento deve ser científico, seja em nível descritivo, interpretativo ou explicativo-preditivo. Partindo da constatação de que hoje em dia não se concebe a ciência como produto do pensador ou do pesquisador isolado em sua torre de marfim, mas fruto do trabalho em equipe, sem dúvida há de priorizar este sobre o individual e isolado, mas sem se esquecer que essa priorização venha a significar a morte da reflexão e do trabalho individual. Nesse ponto há de constituir verdade que sobrepaira o processo histórico da produção de ciência o que WHITNEY, após constatar a dificuldade em definir pesquisa, confessa com sua autoridade de filósofo da ciência: “existe um alto grau de coincidência entre os conceitos reflexão, ciência e investigação” (WHITNEY,1970: 26). E o faz, através do paralelismo que existe entre o processo da pesquisa e o processo do pensar reflexivo:

O processo do pensamento equivale à reflexão cuidadosa e ordenada. Brota de um sentimento de dúvida e da necessidade de certeza, dos quais emerge um problema definido. A solução provável se examina à luz de todas as provas disponíveis, por meio de todas as fontes possíveis e de métodos pertinentes às condições da situação – problema. Finalmente a melhor solução se aceita provisoriamente, mas é mantida sob um exame crítico contínuo para se avaliar com amplo critério seu valor preditivo (WHITNEY, 1970: 26)

• A autonomia plena (didática, administrativa, financeira) deve ser assumida por todos (professores, administradores e alunos) como condição necessária para a universidade fazer-se universidade e, por isso, deve ter assegurado seu lugar entre as preocupações e motivos de luta constante dos membros da comunidade universitária.

A educação que se faz na universidade não pode ser outra senão a educação para a liberdade e a democracia e operacionalmente se realiza através do diálogo (inclusive o diálogo interdisciplinar).

A universidade deverá sempre ser vista como sendo os próprios professores e alunos fazendo-a constantemente e agindo para a transformação da realidade social ou da sociedade em que está inserida.

• Há de valorizar-se nesta perspectiva a cotidianidade - uma cotidianidade curiosa e ao mesmo tempo rica que se constrói entre dois agentes que não se elegem mutuamente (ao entrar para a universidade, nenhum aluno escolhe o professor, nem este escolhe aluno algum). O tempo, a própria cotidianidade se encarregam de propiciar a tais agentes a mútua eleição, baseada em afinidade, socialidade, afetividade e identidade de propósitos.

• Quando se coloca a questão de universidade e produção de conhecimento científico, há uma cadeia de elos interligados que o aluno não pode ignorar: - não há produção de conhecimento científico sem pesquisa - não há pesquisa sem método - não há pesquisa, nem método sem problematização.

• Por mais que se batalhe por uma escola ativa do learning by doing, pelo método Dalton estendido ao ensino superior, há uma realidade até hoje inevitável: 90% de ensino na universidade se faz através de aulas e livros de texto (infelizmente, mas esta a realidade!); pertence, pois, ao aluno libertar-se desse jugo e impor sua autonomia para aprender, apesar dos manuais, das apostilas, dos textos xerocados...

• Em fase de transformação, a universidade não precisa ter pejo do sadio autodidatismo, antes, pelo contrario, deve criar condições para que esta forma de independência intelectual e de procura individual se realize dentro de um mundo em que as informações são obtidas em muito maior proporção fora da sala-de-aula do que no sistema convencional de ensino: cabe ao aluno ser o principal agente de sua formação e da produção de seu conhecimento científico.

A partir da construção deste suporte referencial de superação e da constatação de que o pensar reflexivo ou o processo completo do pensar começa pela problematização, uma vez que esta surge da contrastação de nosso conhecimento já dinamicamente sedimentado e/ou à disposição frente à realidade que se apresenta como resistente e desafiadora e de que a pesquisa é uma atividade inerente ao estudo superior que emerge quando se tem consciência de um problema, pois “o pensamento científico começa com perguntas, com dificuldades, não com premissas, como acreditava o velho racionalismo” como escreveu Larroyo (1975, p. 210), que não basta ter o problema, pois é preciso extrair toda a energia que ele contém e aproveitá-la ao máximo e formulá-lo sempre, ainda que mentalmente e de maneira lógica:

a - O aluno de curso superior há de aceitar que um curso pode ser definido operacionalmente como uma série de disciplinas e matérias, sobre as quais já se fizeram milhares de perguntas diferentes (genéricas, específicas, de essência, de causalidade etc), mas cujas respostas é que lhe são oferecidas em forma de leis, teorias, hipóteses ainda não comprovadas, opiniões etc. E tudo isso de maneira já organizada, formando um sistema. E quase sempre através de um trabalho de extração e divulgação, embora em alto nível, mas sem deixar de ser divulgado para atender às necessidades que o autor julga serem didáticas e serem do aluno. Mas que podem ser necessidades do autor “projetadas” no aluno.

b - O aluno há de perceber que um curso jamais lhe comunicará todas as respostas já obtidas àqueles milhares de perguntas.

c - Nem lhe será comunicado número limitado de respostas dentro de uma sistematização ideal, hierarquizada (primeiro, as noções básicas; em seguida, outras mais específicas, mas em seqüência e estruturadas, para reservar, ao fim, as sumamente especializadas).

d - Há de conscientizar-se, então, de que inicialmente ele sonha em penetrar dentro de um sistema, no curso e pelo curso, junto com seus mestres, através de fases que sucedem progressivamente, atendendo a suas necessidades psicológicas e lógicas... e de repente, observa (como o José do poeta Drummond) que o sonho se esboroa, que se sente como alguém que começa a ficar desorientado, perdido...

e - E há de se dar conta de que esse propósito jamais será cumprido, porque as respostas para serem progressivas e organizadas dentro de um sistema, só podem ser dadas, se houver perguntas.

f - E que é impossível haver a mesma pergunta, no mesmo momento e formulada por todos ao mesmo tempo.

g - Também há de perceber que uma coisa é o conhecimento científico, institucionalizado e tem o nome de ciência; outra coisa é o conhecimento científico, em nível individual, de cada um, que se elabora a partir do problema formulado.

h - Então, se percebe tudo isso, já é tempo de convencer-se que é ele que há de formular a pergunta, levantar de maneira correta o problema. E será ele que deverá pesquisar a solução do problema.

i - Tomará consciência de um compromisso muito sério com o curso que está fazendo, mas o curso também terá para com ele. Há o ideal; este, porém, nunca é atingido em setor de atividade humana alguma. É preciso ser realista. Na impossibilidade de o curso ser aquilo que se sonha ser o curso ideal, há a possibilidade de se aproveitar ao máximo o pouco que o curso oferece. Levantemos alguns elementos positivos:

1) O curso oferece um currículo, um programa de cada disciplina, aulas. Ainda que a programação estabeleça que o aluno haverá de ser ativo, que haverá recursos didáticos e pedagógicos para incentivar a criatividade do aluno, sabemos muito bem que a maior parte do curso é feita através de extração de conhecimento já elaborado. Por quê? Porque o curso depende de bibliografia, de leitura, de informações... uma realidade da qual não se pode escapar. Então, só lhe resta um caminho: não aceitar, não ouvir a resposta antes de formular a pergunta. Começar, então, a desenvolver o hábito de fazer perguntas bem feitas, logicamente bem feitas, psicologicamente bem escolhidas, pois o aluno precisa ser motivado para a futura resposta. Perguntar a quem? - A si mesmo, ao livro, ao professor. Nunca procurar nada sem antes especificar inteligentemente, corretamente, o que irá procurar.

2) Há um pressuposto positivo atrás de currículos e, sobretudo, atrás de programas: se o curso lhe está oferecendo aquele conteúdo de disciplina a ser desenvolvido, até naquela ordenação da matéria, provavelmente é porque aquilo é importante, e, freqüentemente, considerado necessário para a formação do aluno. Por isso, independente de professor, de colegas, da própria falta de base, há de se tentar estudar por conta própria o programa. Colocá-lo diante de si como um desafio. Para cada unidade e até para cada item do programa: formular inteligentemente, corretamente, logicamente a pergunta. E começar também inteligentemente a procurar a resposta. É isso que, em termos concretos, para o caso do aluno, consistirá a iniciação na investigação científica. É ele que deverá atingir o conhecimento cientifico e este só se alcança mediante investigação, pesquisa. Se isso resultar em transformá-lo em autodidata, ótimo: não se deve ter medo de ser um autodidata, apesar da universidade.

3) Mas o curso, por pior ou por mais precário que seja, oferece também momentos de trabalho intelectual do tipo formal (fazer um trabalho sobre tal tema - discutir em grupo tal questão - fazer tal prática de laboratório - fazer uma pesquisa tal - apresentar em aula tal trabalho - fazer um paper, uma monografia...). Então é o caso de aproveitar a oportunidade de fazer a coisa bem feita. Assumir o trabalho como sendo realmente de pesquisa que se inicia com a formulação inteligente, logicamente correta do problema.
j - O aluno há de reparar que, quando formula corretamente o problema, este passa a pertencer ao método. Quando se diz que um problema é de pesquisa está-se dizendo justamente que se trata de um problema, cuja solução ou resposta será alcançada através de recursos que a metodologia, até mesmo a lógica, aponta. Então ele pertence ao método. O seu problema merece ser metodologicamente pesquisado. Isso é um convite, mas também uma exigência, a que se cumpram os dois princípios de formulação lógica do problema, isto é, estabelecer o contexto, ou seja, o conhecimento já adquirido, por mais modesto que este seja e o conjunto de informações que se possam obter (1º princípio). E colocar o problema a ser formulado em contraste com o contexto, para verificar as diferenças e ter possibilidade de modificar o que sabia, reformulando ou completando ou ampliando (2º princípio). Tomando como ponto de partida o contexto dentro desses dois princípios, têm-se as condições básicas para formular e delimitar o problema; e, uma vez formulado, tem-se tudo para montar o projeto de pesquisa (ainda que a pesquisa seja naquele momento uma “investigação intelectual”, uma atividade de reflexão, um ato completo de pensamento’).
k - O aluno há de tomar consciência de que, quando se formula corretamente o problema, dificilmente cairá naquela triste cilada de começar indagando: qual o livro que trata disso? ou em que parte do livro há isso? para logo em seguida copiar, isto é, compilar e pior ainda, compilar sem entender...


3 PROBLEMATIZAÇÃO E ENSINO SUPERIOR



Há muito venho meditando sobre o grande problema de nosso ensino superior, sobretudo o progressivo esvaziamento do curso de graduação, o “mito” da pesquisa na universidade, infelizmente adstrita quase que exclusivamente ao curso de pós-graduação, a falta de reflexão de nossos alunos, a desorientação em que vivem professores e alunos no que se refere às aulas. Estamos assistindo a uma série de inovações didáticas, todas perseguindo o mesmo objetivo e insistindo na mesma tecla: é preciso despertar a criatividade dos alunos. A expressão de jargão estudantil “aula expositiva já era” começa a ser substituída por outra, em tão pouco tempo de reformulação didática: “discussão em grupo não resolve; professor não dá aula e aluno nada aprende...” Em contrapartida muitos professores estão à cata de novidade denominada “tecnologia educacional” ou de “técnicas operativas em sala de aula”. A confusão é enorme e não menos o desânimo e até a apatia de muitos.

Ao professor de metodologia científica esta realidade se ergue diante de seu olhar mais resistente e dura que a realidade de que falava Dilthey(2) e mais “revoluta” e obscura que a de Descartes: um autêntico desafio - um legítimo problema não só de investigação, como de ação.

Coincidindo com a preocupação sobre a problematização e a pesquisa científica que resultou nesta comunicação tenho consciência nítida de que este problema pode e deve ser enfrentado metodologicamente. Ao menos como tentativa de formulação e delimitação, visto ainda haver muita coisa para aclarar e mal se consegue esboçar hipóteses de solução.

A - Comecemos por arrolar observações ou constatações feitas:

• A quase totalidade dos alunos demonstra dificuldades imensas para o estudo, a interpretação de textos, a leitura.

• Em geral os alunos dissociam investigação, estudo, ato de reflexão.

• Demonstram quase total incapacidade para a dissertação científica e até para a exposição lógica das idéias.

• Culpam o ensino secundário, o tormento do vestibular, os cursinhos que apenas os adestram e assim os deseducam, os deformam para o curso superior.

• Quase todos reclamam das aulas expositivas apresentando em geral os seguintes argumentos:

a) não conseguem acompanhar o professor, porque não estão entendendo nada
b) o que o professor está falando está nos livros, logo não há necessidade de prestar atenção
c) a aula expositiva é a “anti-aula”: torna o aluno mero receptor passivo e torna-se assim (quando a aula é preparada) apenas um auditório de exibição do mestre.

• As aulas dadas em forma de grupo-de-discussão (os conhecidos GDs), mini-seminários, seminários, ‘apresentação de trabalhos’ por parte dos alunos etc também constituem, em grande parte, perda de tempo (confessam muitos alunos), uma forma de poucos aprenderem e a maioria escorar-se nesta minoria (confessam muitos professores);

• Os trabalhos escritos são quase todos:
a) ou compilados e muitas vezes sem entenderem a mera transcrição automática
b) ou feitos por um ou por poucos e assinados por todos, sem se saber de que se tratou.
• Todo curso, de um modo geral, gira em torno de textos.

• Os textos, quando são encontrados, distribuídos, lidos e até discutidos são freqüentemente traduções mutiladas; se forem livros didáticos, seguem praticamente o mesmo padrão dos livros do curso secundário, constituindo-se assim num constante estímulo para o aluno reagir da mesma maneira errada que vinha fazendo no colégio (isto é sem técnica de leitura, de estudo eficiente, ou seja, com dependência total do livro considerado como depositário de tudo quanto ele, aluno, deve saber);

Este um quadro de observações e constatações.

B - Do outro lado, o da nossa mente, um outro quadro:

Os problemas são muitos, embora todos relacionados entre si. Mas há um que nos está espicaçando a curiosidade, a vontade de enfrentá-lo: aulas, curso, leitura, aprendizagem, ensino na universidade... tudo isso existe para quê?

Para muitos fins, mas parece que um é o dominante: existe em função do conhecimento científico.

O conhecimento científico só é alcançado mediante pesquisa. E pesquisa só se inicia a partir de um problema. Esta constatação foi exaustivamente frisada neste nosso trabalho.

Óbvio que o termo “dominante” para caracterizar o fim que se procura alcançar foi conscientemente usado, porque é sabido que não é exclusivo. O desenvolvimento de atitudes, de aptidões, de psicomotricidade, a obtenção de informações, o enriquecimento cultural e tantos outros motivos são também importantes. Mas não se pode ocupar de todos ao mesmo tempo. Afinal temos de delimitar o problema (ao menos para dar exemplo de coerência!). Ademais não estamos refletindo sobre educação, mas sobre o processo ensino-aprendizagem no curso superior. Mesmo conscientes de que em nossa mente surge o fantasma da teoria de Herbart, que temos de repelir, pois há séculos está superada na ciência e na prática educacionais - a do basta conhecer que toda a educação está garantida (vê-se que foi distorcidamente fundamentada em Sócrates). Fechando a digressão: aulas, estudos, curso, leitura, ensino... tudo isso se propõe dominantemente a produção e obtenção do conhecimento científico e este só se consegue mediante pesquisa e esta só se realiza a partir da problematização. Então, aqui deve estar todo o núcleo da questão: - aulas, estudos, curso, leitura, ensino, aprendizagem... tudo isso se tem constituído em legítima pesquisa? Não, é a resposta, ao menos dentro do universo conhecido.

Eis alguns dados que começam aflorar à consciência:

Comecemos pela aula. O que é uma aula? A de hoje é totalmente diferente da aula tradicional? Esta não surgiu para o aluno ouvir o mestre? (lectio = lição & 61614; ditar & 61614; expor... de um lado; e de outro, o do aluno: ouvir & 61614; aprender & 61614; anotar & 61614; reter & 61614; memorizar...) A aula de hoje não mudou substancialmente. Em lugar do mestre, talvez o texto. Mas tanto lá como cá a situação é a mesma. O aluno vai à aula, assiste à aula para captar, reter, ficar sabendo o quê? Uma série de noções, de conhecimentos já anteriormente elaborados (pelos livros e pelo professor). Então estamos diante de uma inversão do processo investigatório. A solução, a resposta dada vem antes do problema, da pergunta. Mais ainda: não é o aluno que levanta o problema. Quem o levanta é o professor, o livro. Em geral levanta-o em forma de “problemas didáticos” para confirmar a resposta anteriormente dada (como nos livros didáticos de matemática colegial - pioneiros da “problematização como forma de estudo” - em que os problemas vêm após a lição, com o objetivo de fixação da matéria ensinada).

Esta inversão não está ocorrendo só com a entidade aula. Ocorre com a entidade curso (afinal o curso operacionalmente é um conjunto de aulas). Também ocorre com a leitura. Façamos um levantamento: - qual o aluno que lê alguma coisa a partir de um problema, sentido como problema e formulado antes de iniciar a leitura e, portanto, qual o aluno que faz da leitura uma pesquisa? Todos? Muitos? Poucos?

Então temos condição de formular o problema que nos trouxe até aqui. Partindo da constatação de que a instituição ensino, através de suas concreções (especificamente curso, aula, estudo, leitura) não tendo se constituído no legítimo processo de pesquisa, o único que lhe seria indicado para a consecução de seu objetivo (a produção e aquisição do conhecimento científico por parte do aluno), antes, tendo-se, inclusive, invertido este processo (pois ao invés de começar pelo problema começa pela resposta):

a) haverá possibilidade de reformular o conceito de ensino, identificando-o como processo investigatório?
b) esta reformulação será apenas no nível conceitual ou atingirá sua concretude, tais como aula, estudo, curso?
c) se nossa reposta for afirmativa em a e b, há possibilidade de montar uma pesquisa sobre cada uma destas expressões concretas de ensino-aprendizagem, ou, talvez, o mais indicado seria restringir a pesquisa à aula?

C - Primeiras variáveis preponderantes que começam a esboçar-se.

Além das variáveis ligadas diretamente ao processo e que com a correta formulação posterior podem se identificadas como independente, dependente e até interveniente, há uma que merece toda nossa atenção: o da realidade exercida pelos dois princípios constatados na formulação lógico-dialética do problema, a saber: o principio heterotético e o do trânsito dialético. Recapitulando: se a pesquisa começa realmente pelo problema e sua formulação, como será possível o aluno ser o formulador do problema, se 1º) terá que fazê-lo a partir do contexto, ou seja, de conhecimento adquirido? 2º) terá que fazê-lo em forma de contraposição, com o objetivo de negar o adquirido em função do novo ou sob outra forma, com o objetivo de modificar o conhecimento adquirido?

Soma-se a esta dúvida outra: o conhecimento científico que o aluno deve adquirir é o conhecimento científico institucionalizado (o conjunto de conhecimentos de cada ciência particular sistematizado) formando assim um conjunto que, dominado pelo aluno, lhe dá condições, por exemplo, de exercer uma profissão. Como se vê este é mais um problema.

Ao mesmo tempo algo de positivo ou de menos obscuro surge dentro da problematização até aqui feita: - parece ser questão resolvida que o acervo de conhecimento a ser comunicado, ou melhor, a ser adquirido pelo aluno constitui uma realidade aceita, por conseguinte não há necessidade de sofrer contestação (talvez esta seja válida para o momento em que se estabelece o fundamental e necessário neste acervo, a fim de que a avaliação que se fizer não seja prejudicada pela dupla falácia de tomar o acidental pelo essencial e de subestimar a qualidade pela quantidade). Também constitui ponto mais ou menos aceito que o conhecimento que deve ser adquirido no curso superior depende do conhecimento adquirido no curso secundário; este, então, é assumido como o contexto de referência a partir do qual se cumpre o principio do trânsito dialético. É verdade que este contexto é bastante precário. Por mais precário que seja, entretanto, devemos contar é com ele. Frustrar o aluno, tornando-o responsável por uma carência que não provocou, não resolve o problema. Antes, pelo contrário, alimenta e corrobora o “sadismo pedagógico” de que falava Bachelard e que Hilton Japiassu oportunamente assim o retratou:

Durante sua longa carreira de professor, Bachelard procurou a todo custo e demonstrou isso na prática, evitar o engodo do sadismo pedagógico, caracterizado pelo autoritarismo e pelo dogmatismo. Ele próprio foi muito menos alguém que ensina do que alguém que desperta, estimula, provoca, questiona e se deixa questionar. Quis sentir na pele viver intensamente o que ele chama de ‘psicologia da despsicologização’, na medida em que vivenciou as dificuldades daqueles (seus alunos) que pretendia esclarecer ou libertar através do estudo de uma ciência em mutação e não do ensino de uma doutrina científica dogmática. Para ele a ciência não é algo que se conte, transmita ou imponha. Pelo contrário, é preciso que sua emergência seja vivida. E os mestres devem comunicar a seus alunos seu próprio élan. Ao denunciar o caráter bastante aristocrático do ensino das ciências, Bachelard escreve: se fôssemos além dos programas escolares até as realidades psicológicas, compreenderíamos que o ensino das ciências precisa ser inteiramente reformado; dar-nos-íamos conta de que as sociedades modernas parecem não ter conseguido integrar a ciência na cultura geral (...) Bachelard se refere à Escola que deve continuar ao longo da vida. “Uma cultura bloqueada pelo tempo escolar é a própria negação da cultura científica. Só há ciência por uma Escola permanente” (JAPIASSU, 1976, p. 76).


Nada impede, entretanto, que se comece um movimento para que a instituição universitária e os centros de pesquisa sejam convocados para dizer qual o conhecimento científico que o curso superior tem por missão desenvolver (quanto a conteúdo, sistematização, modalidades de aquisição) e qual o conhecimento considerado pré-requisito ou o contexto mínimo para garantir o processo investigatório no curso superior.

Como vemos, este movimento se faz necessário, pois, parece que até hoje este problema tem sido resolvido de forma aleatória ou empírica ou simplesmente por força de tradição. Mas este empreendimento, evidentemente, não pertence, por enquanto à proposta aqui apresentada. Ou melhor: pertence enquanto a proposta é de problematização e não de solução. Voltemos, então, à constatação do que há de positivo na precariedade atualmente existente no contexto formado no período que precede ao curso superior.

Não se pode negar que existe algo de positivo: o aluno conta com seu grande potencial de alfabetização (mesmo deformado há possibilidade de recuperação); noções básicas existem (afinal passou num vestibular!) e um grande acervo de informações. Há, pois, elementos para se montar o contexto.

Assim surgem as primeiras hipóteses de trabalho, como:

a) Possibilidade de reformular o conceito de aula, recolocando-se o processo investigatório em sua devida seqüência, isto é, assumindo-se a aula como autêntica investigação.

b) Propor ao aluno, desde o início esta nova visão.

c) Antes de iniciar a aula concreta, levar o aluno a tomar consciência de que, nesta nova dinâmica de aula-pesquisa, ele é o pesquisador.

d) O professor, previamente, elaborará seu programa de maneira diferente do tradicional, isto é, fará o levantamento do apenas essencial que, segundo sua experiência e informações obtidas, constitui mínimo que deve ser conhecido (não esquecerá o professor que não se trata mais de comunicar um corpo organizado de conhecimentos, mas de fazer com que o aluno “descubra as coisas já descobertas”, como propunha Descartes).

e) Far-se-á a elaboração do contexto geral em relação àquele curso que será iniciado e para cada aula-pesquisa o contexto específico.

f) Como é impossível começar do zero e difícil começar o curso só a partir do contexto e como seria ilusão confiar que cada aluno consiga levantar por si mesmo, desde o primeiro momento, o problema capaz de iniciá-lo na pesquisa, só nos resta um caminho: fornecer um pouco para o contexto (isto é acrescentar algumas informações para ficarem disponíveis ao aluno) e elaborar, só nas primeiras vezes, o problema para o aluno. A partir daí acompanhar de perto como o aluno pesquisa e orientá-lo.

g) A partir de um certo momento desta nova atuação, obedecer ao seguinte esquema de ação didática:

1 – preparação
2 – indicação de texto e fontes de informação
3 – motivação para o trabalho intelectual, apontando meta específica;
4 – levantamento do problema e sua formulação por parte do aluno (exemplo concreto: diante de tal assunto que merece ser estudado, diante de tal texto que merece ser lido e estudado, elaborar ou levantar um problema específico e formulá-lo corretamente)
5 – procura de solução (exemplo: se o texto ou textos lidos, se a observação feita etc trouxeram a resposta procurada... se não, por quê?)
6 – análise das respostas
7 – estudo ou leitura ou documentação ou observação ou discussão em grupos etc
8 – formulação de problemas pelo professor, cuja solução será encontrada nas informações obtidas no item anterior.

h) Dentro da interação dialética da parte com o todo - da aula em relação ao curso - e diante da preocupação com a implantação plena da interdisciplinaridade, importa despertarmos para uma revolucionária inovação didático-pedagógica: montar o currículo de maneira modular. Cada semestre seria regido por um módulo em torno do qual se agrupariam as disciplinas mais afins. O módulo seria a síntese das principais problemáticas de que se ocupariam as disciplinas, em lugar de seu tradicional objeto material e formal. Poder-se-ia tomar como critério para a alocação e evolução dos módulos aspectos como: ir do global para o parcial até atingir o particular e o específico; ou este outro: ir do básico ou fundamental até alcançar o especializado; ou este: do mais concreto para o mais abstrato. Só à guisa de exemplo (nada mais do que isso!) para um curso de Ciências Sociais ou especificamente de Sociologia, poder-se-ia tomar como módulos uma adaptação dos chamados temas básicos arrolados por Adorno e Horkheimer(3): 1) O conceito de sociologia - 2) Sociedade - 3) Indivíduo - 4) O grupo - 5) A massa - 6) Cultura e Civilização - 7) Sociologia da arte e da música - 8) Sociologia e investigação social empírica - 9) Família - 10) Estudos da comunidade - 11) Preconceito - 12) Ideologia. Em torno de cada um desses doze módulos (ou em maior ou menor número de acordo coma adaptação a ser feita) se alocariam as disciplinas afins ou, melhor ainda, as problemáticas, desde as teóricas até as empíricas ou práticas, passando pelas metodológicas.

i) Há de recomendar-se como a técnica pedagógica por excelência para conseguir esta mudança radical de ensino e aula, visando até à modernidade (no sentido sadio) da prática acadêmica: o brainstorming, tanto o coletivo como o individual, sobretudo quando se enfatiza a necessidade de transformar o departamento - de instituição de alocação de disciplinas meramente afins em instituição onde se opera a autêntica nterdisciplinaridade.

Não é outro o motivo por que Roger Bastide - uma das maiores autoridades da defesa da interdisciplinaridade - aponta o brainstorming como a metodologia para a introdução da interdisciplinaridade no meio acadêmico, conforme tive ocasião de mostrar em artigo escrito para Caminhos. (SALOMON: 1993, p.22-32)

Esta a idéia. E como toda idéia-problema parece dotada de grande força para levar o interessado à reflexão e, em seguida, à ação.

____________________

Notas

(1) Ao contrário dos que defendem (como Cláudio de Moura Castro, conforme Folha de São Paulo de 23.06.98) a separação do ensino e da pesquisa, para que a universidade brasileira possa realmente reformar-se, sou dos que estão convictos de que a indissociabilidade ensino - pesquisa - extensão é condição necessária para que a universidade se realize como centro superior de produção de conhecimento e de formação intelectual e profissional. Em artigo escrito em CONEXÃO - revista da Pró-Reitoria de Extensão da UFMG, tive oportunidade de refletir sobre esta indissociabilidade, tendo como suporte, de um lado minha vivência na universidade e de outro, muita leitura sobre o ensino e a pesquisa na universidade. Em determinado momento afirmei: “Tal reflexão levar-nos-ia inferencialmente a uma colocação que mereceria ser analisada e discutida aqui e agora: - a de que ensino-pesquisa-extensão foram sempre na história, um só e mesmo processo. A ênfase emprestada a um aspecto do processo é que freqüentemente o faz diferenciar dos outros. Apenas uma exemplificação didática: determinado departamento de uma universidade propõe um projeto de extensão em uma comunidade periférica, do tipo “educação de jovens e adultos”. A ênfase e a burocracia acadêmica (geralmente de tipo cartorial) é que obrigam o responsável pelo projeto a rotulá-lo de “extensão”. Mas é sabido que sua realização implicará atividades de ensino e pesquisa, onde se envolveriam outras práticas acadêmicas, como o estágio, o exercício da razão crítica em cima de problemas sociais reais, concretos, localistas, o exercício da “praxis”, o teste da “teoria funcionar ou não na prática”.(SALOMON, 1989, p.32)

(2) Dilthey, filósofo fenomenologista, instituiu o que denominou de “intuição de caráter volitivo”. Segundo ele não é a razão que descobre a realidade das coisas. A existência viva das coisas não pode ser demonstrada pela razão. Nem pode ser descoberta prioritariamente pelo entendimento ou pela inteligência. Ela tem de ser intuída com uma intuição de caráter volitivo, que consiste em percebermo-nos como entes de desejos, de vontade, de apetites, antes que entes de pensamentos. Nosso querer tropeça com dificuldades. E essas dificuldades convertemo-las em coisas. São elas que nos dão a notícia primeira da existência da realidade.

(3) Ver HORKHEIMER, M.; ADORNO, T. W. Temas básicos da sociología (Nach Vortragen und Diskussionen). São Paulo: Cultrix, 1973




REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA


1 BACHELARD, Gaston. Filosofia do novo espírito científico: a filosofia do não (La philosophie du non) Lisoboa: Presençca, 1972.

2 FREIRE, Paulo; FAUNDEZ, Antonio. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

3 HORKHEIMER, M.; ADORNO, T. W. Temas básicos da sociología (Nach Vortragen und Diskussionen). São Paulo: Cultrix, 1973.

4 JAPIASSU,Hilton. Interdisciplinaridade e Patologia do Saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
5_________. Introdução à epistemologia da psicologia. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

6 _________. O mito da neutralidade científica. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

7 SALOMON, Délcio Vieira. A maravilhosa incerteza: ensaio de metodologia dialética sobre a problematização no processo do pensar, pesquisar e criar. São Paulo: Martins Fontes, 2000

8 SCHAVARTZMAN, Simon. Ciência, universidade e ideologia: a política do conhecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.















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