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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->CLIMA DE TERROR -- 26/08/2003 - 23:10 (medeiros braga) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Capítulo do livro "INSURREIÇÃO NO CAMPO" de Medeiros Braga

...............CLIMA DE TERROR...................

Não faltaram boatos sobre a retomada da Fazenda Mata Grande pelo dr. Lacalgoz. Uma hora se falava que a justiça julgara pela liminar que concedia a reintegração de posse; outra hora era que a polícia, mesmo sem um mandato judicial, mas, cumprindo ordem do secretário de segurança, respaldado pelo governo, iria expulsar, e finalmente, que o dr. Lacalgoz com a sua milícia formada por capatazes e capangas, recentemente contratados, iria atacar de qualquer forma. O clima de terror, portanto, atemorizava as cento e oitenta famílias de trabalhadores rurais e representantes que lhes prestavam irrestrita solidariedade. A maioria das pessoas vivia com os nervos à flor da pele.
Agrimar que já vinha acompanhando de longe o problema da reforma agrária, sabia que os trabalhadores não tinham como manter esse estado de espírito por muito tempo. Ele tinha certeza que se essa situação perdurasse, demoradamente, o objetivo buscado estaria comprometido, fadado ao fracasso, o que seria muito ruim para toda luta pela reforma agrária. Então, ele defendia nas reuniões do sindicato e das comunidades as propostas colocadas:
-Companheiros, não há como sustentar esse movimento por muito tempo. Por isso, eu proponho que seja feito um movimento grande, uma grande mobilização, a maior possível, para que, com o apoio das entidades já identificadas com a nossa causa, todos juntos possamos fazer uma ocupação em massa de várias propriedades a serem selecionadas. Os trabalhadores já assentados e a sociedade organizada darão, com certeza, total apoio a todas as ocupações que forem sendo feitas em toda Região do Oeste. Temos cerca de cento e trinta grandes propriedades improdutivas e apenas oito dessas estão sob ocupação e, mesmo assim, sem que nenhum órgão responsável pela reforma agrária se pronuncie. Então, por uma questão de sobrevivência, temos que avançar. Primeiro vamos fazer, essa é a minha proposta, uma grande manifestação aqui em Rochedo e, conforme a participação dos companheiros de todos os municípios, nós tomaremos uma decisão. Se não fizermos isso, e logo, seremos prejudicados. Vamos reaquecer a luta, antecipando a ofensiva dos latifundiários, da qual todos nós já sabemos.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais deu total apoio às colocações de Agrimar e chegou, inclusive, a propor a data do evento para treze de setembro, o que foi aceito por todos os presentes. Foi tirada uma comissão que faria a divulgação e prepararia os materiais que seriam distribuídos por todos os municípios que compunham a Região do Oeste. Vários programas de rádio, comprovadamente, comprometidos com a luta pela reforma agrária, deram total cobertura. Principalmente, a Rádio Liberdade de Prestolândia e a Rádio Educativa de Rochedo, ambas com um raio de ação que cobria toda área. Todos os dias, no turno da manhã e noite, o programa “Visão no Campo” fazia referência ao evento e estimulava a participação dos trabalhadores rurais.
Em todos os treze municípios o evento era comentado e a maioria da população urbana já se manifestava simpática à implantação da reforma agrária. Essa maioria compreendia que a reforma agrária era boa, não apenas para os trabalhadores rurais, mas, para os consumidores e para os comerciantes, industriais e pessoas que vivem de prestação de serviço. Na verdade, a reforma agrária é boa para o campo e cidade; para a economia a partir da geração de emprego e renda, e na área social é boa para a saúde, a educação, segurança, habitação, transporte. Ao contrário da concentração da terra que cria problemas, a reforma agrária é uma solução para uma série incontável de questões.
No que pese, porém, a força da organização dos trabalhadores rurais que ocuparam a Fazenda Mata Grande, o clima de terror não cessara. Durante várias horas da noite, vez por outra, a comunidade era despertada pelo barulho de tropel de animais, gritos enfurecidos e estampidos de armas de fogo. Eram os capangas do dr. Lacalgoz que, embriagados, procuravam amedrontar os trabalhadores. E a tática, também, desses agressores passaria a ser colocada em prática fora da comunidade. Vez por outra, trabalhadores de Mata Grande eram interceptados nas estradas que se estendem a Rochedo e no comércio e ruas dessa cidade. Então, procuravam intimidar, soltavam gracejos, humilhavam. Esses casos eram levados ao conhecimento da justiça que não se pronunciava e da polícia que nenhuma providência tomava. E, devido as “vistas grossas” da justiça e da polícia, as afrontas se tornavam mais agressivas e mais freqüentes. Certa vez a ousadia extrapolou, pois, os capangas pegaram o presidente da associação de Mata Grande, puseram-no sobre a sela de um animal e o levaram à presença do dr. Lacalgoz que, apoiando a iniciativa, se dirigiu a Josildo dizendo-lhe:
-Olhe aqui, meu filho!... você tá nas minhas terras. Você invadiu as minhas terras... você não quer sair das minhas terras. E você sabe que tá errado. Sabe de uma coisa?... eu conheci o seu pai. Um bom homem!... muito trabalhador, muito obediente. Mas, os comunistas mudaram a cabeça dele. Eu não culpo por isso. A culpa é desses comunistas que querem tomar o que é dos outros. Eu faço um negócio com você. Você se encarrega de desocupar a minha propriedade e ai eu vou lhe dar uns cinqüenta hectares de terra pra você com seu pai viverem independentes pelo resto da vida. Tá bom, assim?
O presidente, ainda atordoado pelo acontecido, balançava com a cabeça, negativamente. Em uma das vezes respondeu ao seu interpelante:
-Olhe aqui, dr. Lacalgoz, o senhor pode ter... pode ter, não... o senhor tem muito mais dinheiro do que eu, mas, dignidade, não! Eu não sou traidor. Eu não sou um Judas para trocar meus companheiros por suas trinta moedas. Não há nada que compre a minha...
Dr. Lacalgoz, inda sob controle, e na esperança de poder convence-lo a deixar a Fazenda Mata Grande, interrompeu-o:
-Não se trata de dignidade ou de covardia. Trata-se de uma coisa que todo mundo tem, que é o interesse pessoal. Todos lá estão lutando por um objetivo que é ter um pedaço de terra, e se surge uma oportunidade melhor de ter, qualquer um pegaria.
Porém, cada resposta dada por Josildo, deixava o dr. Lacalgoz sempre mais irritado. Por conta disso, depois de várias tentativas de persuasão frustadas, o dr. Lacalgoz chamou o seu capataz e o orientou para que logo que escurecesse, chamasse dois asseclas, dessem uma boa lição e fossem deixar próximo aos outros invasores de terra. E, assim, foi feito. Depois de baterem bastante em Josildo a ponto de deixa-lo desacordado, por volta das oito da noite, já próximo do acampamento, jogaram o seu corpo ao chão e bateram em retirada. Os cachorros sentiram a presença de pessoas e latiram, alertando toda comunidade que saiu em busca de saber o que estava acontecendo. Com a ajuda dos cachorros, a comunidade terminou por encontrar Josildo. Ele estava ainda um pouco tonto e bastante machucado. Os trabalhadores pegaram-no e, sobre os braços, levaram para a sua casa. Enquanto a sua mulher fazia o tratamento, Josildo narrava, detalhadamente, tudo o que acontecera com ele.
Reginaldo, Agrimar e padre Felipe, que se encontravam na cidade, logo que souberam se deslocaram ao acampamento da Fazenda Mata Grande. Como acharam que deviam denunciar na imprensa, os três passaram na casa do jornalista Sérgio Leôncio e o convidaram para fazer a cobertura jornalística, o que foi aceito. Eram seis horas da manhã.
Contrastando com a escabrosa notícia, o dia em Mata Grande amanheceu maravilhoso. A mata verdejante e um sol saudável eram contemplados pela sonoridade que fugia das cordas musicais da passarada. Os raios dourados que, sob o canto rijo do galo, pontilhavam a poucas horas, a barra no nascente, à medida em que subiam, aumentavam a sua ação sobre toda a natureza. Uma brisa pura, suave e perfumada vagava pelo paraíso que se chama campo.
Foi nesse êxtase campesino que Reginaldo, Agrimar, padre Felipe e Sérgio Leôncio chegavam à casa de Josildo. Ficaram estarrecidos, condoídos e revoltados com o que acabavam de ver. Havia hematoma em várias partes do corpo. Isso foi o resultado de muitos empurrões, quedas, socos e pontapés. Recuperando-se do que aconteceu, Josildo narrava aos quatro e mais alguns presentes como tudo se desenvolveu. Disse, inclusive, que um dos capangas queria convencer os outros de que “a gente devia matar esse comunista aqui mesmo e depois era só dizer ao doutor que ele não agüentou a viagem e morreu.” Mas, segundo Josildo, o capataz, por lealdade ao patrão, não concordou com a trama.
O acontecimento chegou ao conhecimento da população de toda a Região do Oeste. O programa “Visão no Campo”, acompanhado por outros, sempre estava divulgando e comentando o massacre sobre o presidente da associação de Mata Grande. O padre Felipe falava nos seus sermões costumeiros e o sindicato e as associações fechavam o cerco ao incognicível. Portanto, da cidade ao mais distante rincão da Região do Oeste, todos os seus habitantes tomavam conhecimento e comentavam a violência do fato. Mesmo céticos quanto ao posicionamento da justiça e da polícia, várias lideranças registraram as suas queixas àquelas instituições. Nada foi feito, diga-se de passagem. No entanto, no dia em que um dos capangas procurou desmoralizar e até agrediu um estranho em um bar da cidade, recebendo por revide um tiro de raspão que atingiu a orelha esquerda, o que o deixou desacordado, ai então, a polícia agiu rápido. Deslocou-se com todo efetivo à Fazenda Mata Grande em busca do criminoso. Vasculhou tudo, interrogou vários trabalhadores. Como não poderia deixar de ser, nada foi encontrado. Enquanto isso o estranho fugia com tranqüilidade.
O incidente verificado com o presidente da associação de Mata Grande, só serviu para mobilizar todos os presidentes em manifestações de solidariedade e no fortalecimento do evento pela reforma agrária previsto para treze de setembro, faltando apenas oito dias.
Os latifundiários que já faziam algumas restrições às formas públicas das contratações de capangas pelo presidente da Associação Rural Patronal, agora estavam insatisfeitos com a atitude pública que foi tomada contra Josildo. Eles se sentiam prejudicados. Que a sociedade, não vendo com bons olhos tudo o que estava acontecendo, já se colocava, totalmente, contra. Inclusive, muitos dos seus amigos, tradicionais conservadores, vinham se afastando do costumeiro círculo de conversas. E isso tinha reflexo no próprio sindicato patronal que já não conseguia reunir os seus associados.
E a verdade é que todos sabiam que o responsável maior era o seu presidente, embora ninguém tivesse a coragem de responsabiliza-lo. A única vez que alguém teve a coragem de desaponta-lo em uma pequena reunião do sindicato, ao condenar a sua prática, se deu muito mal. O seu presidente respondeu duramente, chamando-o de traidor da classe, frouxo, covarde. Ninguém teve a coragem de sair em defesa de ninguém, tendo sido a reunião encerrada em clima de total constrangimento.
Mas, nem por isso, as milícias deixaram de crescer. Quase todos os latifundiários contratavam pessoas para a
guarda das suas propriedades. Vinham de várias partes e eram constituídas por gente de formação as mais diferentes. Porém, no geral, eram pessoas arrogantes, desrespeitosas, precipitadas e violentas, até.
Havia entre elas um tal de Joaquinzão, um capanga perigoso que trabalhara em uma usina de cana-de-açúcar e que não se cansava de contar as suas basófias, principalmente, quando se encontrava em uma mesa de cachaça:
-Meu amigo, eu vou contar a você o que a gente fazia lá numa usina onde eu trabalhei como segurança. Trabalhador lá não tinha colher de chá, não!... era “escreveu não leu, o pau comeu”. Olhe, eu dei lá muita surra em cabra safado, bronqueiro. Tinha nego que se mijava todinho!...
Ele ai dava estéreis, alongadas e estridentes gargalhadas. E retomava a conversa:
-Sabe?... tinha um canavieiro lá, que quando eu levantava o chicote, ele se mijava todo.
Fazia uma pausa para novas lapadas de cana e gargalhadas e recomeçava tudo:
-Teve um empregado que botou o patrão na justiça. Eu disse a ele que não botasse e ele teimou e botou. Eu não gostei nadinha do que ele fez e tive que dar uma lição. E não é que eu exagerei um pouquinho?... Que Deus lhe proteja!
Um amigo seu entrou na conversa:
-Aqui também tem uns cabrinhas que tão precisando de uma boa lição. Lá na Fazenda Mata Grande tem um cara todo sisudo, metido a besta... é um que anda num cavalo alazão. Ele...
Joaquinzão interrompeu:
-Ah, eu sei quem é, Severino!... É um tal de Afonso. E ele é meio cismado pra o meu lado. O negócio é o seguinte: ele tem uma filha de uns quinze anos que é bem bonitinha. Pois, não é que ele descobriu que eu tava dando em cima?...
Um outro capanga interveio:
-É esse mesmo, homem!... e eu não vou muito com a cara dele, não! Qualquer dia eu pego aquele cabra!...
Mas, Joaquinzão com o seu ar de valentão:
-Ah, não!... quem vai pegar sou eu!... e eu vou fazer um bom serviço nele. Vocês vão ver... no mínimo ele vai sair todo mijado!... isso eu garanto!
Na mesa ao lado havia uma outra turma bebendo e um deles era amigo de vários trabalhadores lá da Fazenda Mata Grande. Participou, inclusive, dos trabalhos de arrecadação de gêneros alimentícios quando da ocupação da Fazenda Mata Grande. E ele estava ali, sem que ninguém percebesse, prestando toda atenção no que os capangas conversavam. Posteriormente, na primeira oportunidade, foi avisar a Afonso sobre o que ouvira de Joaquinzão.
Além do descarte dessa surpresa, Joaquinzão imaginava, equivocadamente, que Afonso era um simples trabalhador. Um desses trabalhadores rurais pacatos que sempre viveu só para o roçado e para a família. Não sabia ele que Afonso bem antes de chegar à Fazenda Mata Grande trabalhou, por mais de dez anos, como vaqueiro de uma fazenda de gado, em uma região muito perigosa, exatamente, por conta de roubo. Por isso, os vaqueiros eram treinados na forma de melhor usar uma arma de fogo para enfrentar perigosíssimos ladrões de gado.
Os dias foram se passando, menos a vontade de Joaquinzão em pegar Afonso – muito pelo contrário. E como diz o ditado que “quem espera sempre alcança”, Joaquinzão terminou alcançando o que há muito esperava, É que na estrada que liga a Fazenda Mata Grande à cidade de Rochedo, numa aba de serra, encostado a um pé de angico, estava Afonso com o seu alazão. Aproximava-se dele, exatamente, Joaquinzão, que ao reconhece-lo foi logo dizendo:
-Oh, que coisa boa!... eu tava doido pra falar com você... a gente tem uma continha pra acertar!
E foi logo se desmontando do seu cavalo. Mas, Afonso não se intimidou:
-Eu também, achei muito bom. A gente precisa acertar essa continha... continha, não... conta grande!
E Joaquinzão:
-Olhe, seu cabra safado, eu jurei que ia lhe dar uma surra tão grande que você ia se mijar todo.
Afonso advertiu:
-Pois, tenha cuidado que eu tou armado!...
E Joaquinzão subestimando:
-Pois, antes de morrer você vai apanhar é armado mesmo.
E foi logo, de chicote em punho, descendo-o sobre o ombro esquerdo do seu oponente. Afora o aviso, Afonso não deu a menor chance. Ao contrário de Joaquinzão, ele sabia com quem estava lidando. E eis que, quase à queima-roupa, disparou a sua arma contra o capanga. Este, atingido no coração, foi caindo e morrendo. Só deu tempo de dizer:
-Ai, eu tou morrendo...
Foi um incidente fatal, relâmpago. Afonso, conhecendo que o seu desafeto já estava sem vida, montou no seu cavalo e desapareceu mata adentro.
O incidente fatal que se deu em um trecho da estrada com razoável movimento, chegou rápido ao conhecimento do povo de Rochedo, principalmente, da polícia e do dr. Lacalgoz para quem trabalhava.
O delegado e mais dois policiais se deslocaram até lá. Encontraram Joaquinzão estendido ao solo em desnível, cabeça para a parte baixa, boca escancarada, braços abertos, corpo todo ensangüentado. A polícia ficou atordoada, sem saber a quem atribuir aquele crime de morte, principalmente, praticado contra um homem tão habilidoso no uso de arma de fogo. Ela fazia a sua investigação, mas, jamais poderia imaginar que fosse coisa de trabalhador rural. Por conta disso, ficava perdida na pista, sem saber por onde começar.
Os dias foram se passando e com eles os comentários desse crime que foram dando lugar à divulgação da grande manifestação programada para o dia treze de setembro. Toda a atenção sobre o crime era desviada, porque além da perspectiva de um público numeroso, havia uma incerteza da sua efetivação levantada pelo lado avesso `a realização do evento, é claro. Mas, os meios de comunicação de Rochedo, entre os quais a própria difusora com seus potentes auto-falantes colocados ao alto dos postes, neutralizavam essas falsas informações. Mas, nem por isso, a dúvida deixava de pairar no ar.

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