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Ensaios-->Santos=Dumont: 100 anos do 14-Bis -- 24/10/2006 - 12:23 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Santos Dumont: 100 anos do 14-Bis

Félix Maier


Foto clássica de Santos Dumont
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Santos_Dumont)

Pai da Aviação e Patrono da Aeronáutica, Santos Dumont recebeu o posto honorífico de marechal-do-ar, atribuído pela Lei 6.636, de 22 de setembro de 1959. No dia 26 de julho de 2006, “Alberto Santos Dumont recebeu a maior honraria cívica da pátria, no Panteão da Pátria e da Liberdade, na Praça dos Três Poderes, Brasília. (...) Alberto Santos Dumont é o nono Herói da Pátria a ser inscrito no Livro de Aço, ombreando com Joaquim José da Silva Xavier, o proto-mártir, Zumbi dos Palmares, Dom Pedro I, marechal Deodoro da Fonseca, Plácido de Castro, almirante Tamandaré, almirante Barroso e o Duque de Caxias” (in Jornal da Comunidade, 9 a 15 de setembro de 2006, pg. B4).

No dia 22 de outubro de 2006, nas comemorações do centenário do vôo do 14-Bis, por volta das 16:45 horas, uma réplica do invento de Alberto Santos Dumont decolou no gramado central da Esplanada dos Ministérios, na Capital brasileira (http://www.cabangu.com.br/pai_da_aviacao/8-mais/comemora.htm). A data foi antecipada em um dia, para um domingo, de modo que uma grande concentração de pessoas pudesse comemorar o feito histórico de Santos Dumont. No entanto, devido ao mau tempo, apenas umas três mil pessoas compareceram.


Réplica do 14-Bis que “desfilou” em Brasília – 7/9/2006
(http://pt.wikipedia.org/wiki/14_Bis)

O 14-Bis que “desfilou” na Esplanada dos Ministérios na parada de 7 de setembro de 2006 e voou no dia 22 de outubro foi construído pelo empresário Alan Calassa, de Caldas Novas, GO, que há quatro anos se dedica à construção de uma réplica da aeronave pioneira. Com custo superior a R$ 1,5 milhão (parte financiada pela Embraer), Calassa construiu várias réplicas do 14-Bis. Cada aparelho pesa 200 kg, é feito de bambu e seda, as rodas são de bicicleta, aro 26, o comando é manual, com peças de máquinas de costura. A “cabine” do piloto é um cesto de bambu, com 0,93 m de profundidade e 0,75 m² de piso. Inicialmente, o aparelho tinha um motor de 25 HP, porém foi substituído por outro de 50 HP, para ganhar mais potência. Aline Hallem de Paula Calassa, de 23 anos, filha de Alan Calassa, era a principal candidata para dirigir o aparelho em Brasília. Aline tem 1,65 m de altura e pesa 54 quilos, dimensões diminutas que facilitam o vôo. Porém, quem realizou o vôo na Esplanada foi Alan Calassa. Santos Dumont tinha 1,52 m de altura e pesava entre 49 e 52 kg e, embora usasse sapatos com plataforma, era conhecido entre os parisienses como “petit Santos” (pronuncia-se “petí Santôs”), o “pequenino Santos”.

No dia 10 de novembro de 2006, uma réplica do 14-Bis voou no Campo de Bagatelle, em Paris, palco do vôo histórico de Santos Dumont. “No mesmo lugar, em 12 de novembro de 1906, Santos Dumont e seu 14-Bis fizeram o primeiro vôo homologado pela Federação Internacional da Aeronáutica. Esse vôo é tido como mais importante que o anterior (23 de outubro), por ter ultrapassado 100 m de distância” (Correio Braziliense, 17/9/2006, pg. 34). A réplica de Calassa não voou na mesma data em que Santos Dumont realizou o vôo histórico porque o governo francês organizou outro evento para o dia 12 de novembro, segundo informação da Comissão Interministerial para as Comemorações do Centenário do Vôo do 14-Bis.


O gato “Júlio”

Alberto Santos Dumont nasceu no dia 20 de julho de 1873, em Cabangu, hoje Santos Dumont, MG, filho de Henrique Dumont e Francisca de Paula Santos. Seu pai era descendente de franceses da Normadia e sua mãe de portugueses de Trás-os-Montes. Tinha dois irmãos, Henrique e Luiz, e cinco irmãs, Maria Rosalina, Virgínia, Gabriela, Sofia e Francisca.

Henrique Dumont era engenheiro, formado na França, e elaborou o projeto de esgotos e canalização de água em Ouro Preto, MG, e construiu uma via férrea entre Arraial João Gomes e João Aires, da Estrada Dom Pedro II. Depois de viver em Inhaúma, no Rio de Janeiro, e em Ribeirão Preto, compra em Minas a Fazenda Dumont, onde nasceria Alberto.

Na infância, Santos Dumont dividia seu tempo lendo livros de ficção científica de Júlio Verne, ao mesmo tempo em que desmontava máquinas de beneficiamento de café e as reconstruía. “Com o Capitão Nemo e seus convidados explore as profundidades do oceano, nesse precursor do submarino, o ‘Nautilus’. Com Fileas Fogg fiz em oitenta dias a volta do mundo”, afirmou Santos Dumont (JORGE: 2003, 7). “Além dessas obras, um outro livro de Júlio Verne iria impressioná-lo muito: Robur, o conquistador. Neste romance o ficcionista criou uma aeronave ‘mais pesada do que o ar’, o aparelho Albatroz, feito com ‘uma superfície tão dura que mesmo a faca-punhal de Phil Evans não podia risca-la’, e cujas vigorosas hélices, redemoinhando, o sustentavam nas nuvens, perto do ‘rutilante império das estrelas’ (...) Aliás, o próprio Robur, alter ego de Júlio Verne, declara de modo solene e convictamente: ‘O progresso não está nos globos aerostáticos, cidadãos globistas. Está nos aparelhos voadores. O pássaro voa e não é globo. É máquina!” (JORGE: 2003, 7).

“Ao observar que as peneiras das máquinas não eram rotatórias, seu primeiro invento foi bolar uma engrenagem que se movimentava movida pelo vento e assim construiu seu primeiro dínamo aéreo. Fascinado com o movimento, fazia ainda pequenas rodas d’água, balões coloridos para festas juninas, pipas com papel de seda e aviõezinhos de palha, que impulsionava com estilingue” (in Gazeta Mercantil, 22 e 23/09/2001, pg. 1). Nos folguedos que hoje chamamos de “pegadinhas”, junto aos irmãos e amigos, Santos Dumont era o único a admitir que “o homem voa”, sendo, por isso, motivo de troça.

Aos que acreditam em mediunidade: quando Santos Dumont tinha três anos de idade (30/7/1876), o médium Ernesto de Castro recebeu a seguinte mensagem profética do espírito de Étienne Montgolfier, publicada no jornal O Reformador, do Rio de Janeiro, na data de 1º de agosto de 1883: “Vencer o espaço com a velocidade de uma bala de artilharia, em um motor que sirva para conduzir o homem, eis o grande problema que será resolvido dentro de pouco tempo. Essa máquina poderosa de condução não será uma utopia. O missionário que traz esse aperfeiçoamento à Terra já se encontra entre vós” (JORGE: 2003, 4).

Santos Dumont conhecia as façanhas de Bartolomeu Lourenço de Gusmão, o “padre maluco”, a bordo do aeróstato Passarola. Conhecia também os feitos de Montgolfier: “Em 1783, o primeiro Montgolfier tinha alçado o seu vôo; onde o primeiro aeronauta fez a sua primeira ascensão; onde tinha sido lançado o primeiro balão de hidrogênio; onde uma aeronave havia, pela primeira vez, navegado no ar, com a sua máquina a vapor, o seu propulsor, a sua hélice e o seu leme” (JORGE: 2003, 13).

Alguns pioneiros da conquista do espaço chamavam a atenção de Santos Dumont: “os dois irmãos Montgolfier, inventores dos aeróstatos denominados Montgolfières; o mecânico Henry Giffard, que concebeu um injetor de vapor e um novo tipo de dirigível; o físico Jacques-Alexandre-César Charles, que substituiu pelo hidrogênio o ar quente dos balões; e Jean-François Pilatre de Rozier, fundador do Museu de Paris, intendente do gabinete de física do irmão do rei Luís XVI, e que no dia 21 de novembro de 1783, na companhia do marquês de Arlandes, realizou a primeira viagem em balão, do castelo de Muette a Mutteaux-Cailles” (JORGE: 2003, 15). Em 1883, Gaston Tissandier e seu irmão Albert, “construíram um balão dirigível equipado com motor elétrico, e neste balão conseguiram voar contra uma corrente de vento” (JORGE: 2003, 17).

“Em 1880, Santos Dumont fez sua primeira tentativa aeronáutica: pediu a seu amigo Giuseppe que o ajudasse na experiência. Fez uma pipa de tamanho maior que o costume e pediu a ele que subisse no alpendre de sua casa com a pipa e o seu gato Júlio, e do chão ficou com a linha para puxar a pipa com o ‘aeronauta’ Júlio, homenagem ao escritor Júlio Verne. O gato Júlio com suas unhas rasgou a ‘aeronave’ em forma de pipa e caiu no chão, fugindo para o mato. Dessa risível experiência, Santos Dumont passou a admirar os balões juninos e a reler, intensivamente, a ficção científica de Júlio Verne e a exercitar sua imensa capacidade com engenhos mecânicos” (Jornal da Comunidade, 9 a 15 de setembro de 2006, pg. B4).


O “rei do café”

O pai de Santos Dumont tornara-se o “rei do café”. Sua propriedade era uma das maiores daquele tempo, com área igual a 314 milhões de metros quadrados. “Aos 11 anos de idade já dirigia as locomotivas Baldwin que seu pai encomendara na Europa. A fazenda chegou a ter 5 milhões de pés de café e 96 quilômetros de ferrovia interna servida por sete locomotivas” (Gazeta Mercantil, pg. 1). Aos 12 anos, Santos Dumont pilotou uma locomotiva, da fazenda do pai até Ribeirão Preto. Teve contato com o balonismo quando viajou com o pai até São Paulo. Em 1891, quando Santos Dumont tinha 18 anos, seu pai Henrique sofreu sério acidente com uma charrete, batendo a cabeça em uma pedra, provocando uma hemiplagia em todo o lado esquerdo do corpo. Henrique Dumont, que era o maior exportador brasileiro de café, resolve vender a Fazenda Dumont e ir a Paris para buscar tratamento médico. A fazenda foi vendida por 6 milhões de dólares.

No dia 6 de abril de 1891, Santos Dumont embarca no navio Elbe junto com os pais e suas irmãs Francisca e Sofia, com destino a Lisboa, onde moravam suas irmãs casadas com os irmãos Villares. De Lisboa viajam de trem a Paris.

Em Paris, Santos Dumont assistiu as comemorações do primeiro centenário da Revolução Francesa, em 1889, quando foi realizada a Exposição Universal de Paris, com a apresentação do conhecimento tecnológico da humanidade até aquela época. Para o evento, foi construída a Torre Eiffel. Santos Dumont, que só conhecia a propulsão a vapor das locomotivas de seu pai na Fazenda Dumont, passou então a conhecer os motores elétricos e a combustão de petróleo.

Conhecendo os pendores naturais do filho, Henrique orienta Santos Dumont a não cursar estudos universitários formais, mas a se dedicar ao estudo da física, química, eletricidade e mecânica. Para isso, deu-lhe parte da herança que lhe cabia na venda da Fazenda Dumont.

Não obtendo melhora na saúde, Henrique decide voltar ao Brasil, chegando a Santos em 25 de novembro de 1891. No desembarque, chamou a atenção o automóvel Peugeot que Santos Dumont trouxe de Paris, o primeiro a chegar ao Brasil.


Automóvel Peugeot, de Santos Dumont, o primeiro a rodar no Brasil
http://www.cabangu.com.br/pai_da_aviacao/13-estilo/1-garboso.htm

Para que Santos Dumont tomasse posse de sua herança e pudesse voltar a Paris para completar os estudos, seu pai o emancipou no dia 12 de fevereiro de 1892.


“Por ares nunca de antes navegados”


Dirigível Nº 6 contornando a Torre Eiffel
(http://www.cabangu.com.br/pai_da_aviacao/3-dirig/05e6/5-deutsch.html)

Em Paris, Santos Dumont recebeu aulas do professor espanhol Garcia, que lecionava ciências. Ele aconselhou Santos Dumont a estudar na Universidade de Bristol, Inglaterra, que tinha o melhor curso de construções mecânicas, aeronáuticas e navais. Depois de freqüentar como ouvinte as aulas em Bristol, Santos Dumont retorna a Paris, onde mantém contato com Hilaire Lachambre e Aléxis Machuron, sócios de uma empresa de balões, que passam a fabricar balões desenhados por Santos Dumont. Essa firma havia construído o enorme balão Águia para a expedição do engenheiro sueco, Salomon August Andrée, ao Pólo Norte, em 1897, que acabou de modo trágico, ocasião em que morreram, além de Andrée, seus companheiros Kurt Fraenkeol e Nils Strindberg. Não morreram de frio, nem de fome, mas foram vítimas das triquinas, vermes intestinais provenientes da carne crua de urso que haviam consumido.

Um dos primeiros projetos de Santos Dumont, um balão construído com seda chinesa pela Lachambre e Machuron, recebeu o nome de “Brasil” e voou por diversas vezes nos céus de Paris com a bandeira brasileira. Santos Dumont, em seu livro Dans l’air, equivocou-se quando afirmou que o Nº 1 havia sido sua primeira aeronave. “Ele se esqueceu do Brasil, construído no mesmo ano, e de um outro, anterior, ao qual não forneceu nome” (JORGE: 2003, 46, nota de rodapé).

Em muitas de suas viagens aéreas com balões, Santos Dumont viu a morte de perto. Em uma dessas ascensões, ele viajou a noite inteira, debaixo de chuva, relâmpagos e trovões, aterrissando de manhã na Bélgica, numa fazenda de criação de carneiros. “De 1898 a 1909, planejou, construiu e experimentou mais de vinte inventos, relativos a balões livres, balões dirigíveis, monoplanos e biplanos” (Mirador, pg. 10201).


Caricatura de Santos Dumont, feita por seu amigo 'Sem', para o Jornal 'Le Cri de Paris', 11 de Agosto de 1901
(http://www.cabangu.com.br/pai_da_aviacao/1-cronol/acervo_familia/cd02.htm)

Santos Dumont alugou uma casa na esquina da rua Washington com a avenida Campos Elíseos. O inventor, vivia literalmente “nas nuvens”: “Na sala de refeições instalou uma cadeira e uma mesinha, que ficavam penduradas no teto com o auxílio de arames, a uma distância de um metro e oitenta centímetros do soalho. Para se sentar na cadeira, equilibrava-se em pernas de pau, e uma vez ali aboletado, ordenava que lhe servissem o almoço ou o jantar. O criado, esticando os braços, erguia a bandeja até aquelas culminâncias. Mas depois de certo tempo o reboco do teto começou a ceder, a fragmentar-se, e Alberto mudou o processo, desistiu dos arames e mandou fabricar uma mesa e diversas cadeiras bem singulares, pois estes móveis eram dotados de pernas com quase três metros de altura! E por que ele procedia desta maneira? Apenas para se acostumar aos locais elevados. Um aeronauta deve sempre fugir da terra e alcandorar-se nos píncaros...” (JORGE: 2003, 45).

Tendo sempre em mente a Passarola do “Padre Voador” e o lema permanente que guiava seus estudos, “descer sem sacrificar o gás, subir sem sacrificar o lastro”, Santos Dumont não via a Torre Eiffel como um monumento horroroso, como achavam personalidades como Verlaine, Maupassant, Charles Gounod, Alexandre Dumas Filho. Para Santos Dumont, a Torre Eiffel era “um monumento interessante para contornar”. Seria em volta dessa torre, “babel de ferro”, “quinquilharia soberba”, “fanal de naufrágio e de desespero”, que Santos Dumont iria escrever seu nome na História.

Santos Dumont motorizou seu dirigível “Santos Dumont Nº 1” com motor a combustão de gasolina de 3,5 HP. Como, até então, os balões eram esféricos, os críticos estranharam a nova forma inventada por Santos Dumont: “Esse não é um balão, mas um charuto!” E alertaram para um grave acidente que podia ocorrer se alguma fagulha do motor atingisse o balão cheio de hidrogênio, altamente inflamável. Santos Dumont explicou que isso não iria ocorrer, porque havia direcionado para baixo o escapamento do motor e, em testes no chão, havia observado que nenhuma fagulha havia atingido o balão. Numa experiência, o “Nº 1” foi arrastado e chocou-se contra as árvores, dobrando-se ao meio. “Era a primeira vez que se aplicava motor a um balão, coisa até então inimaginável. Dois acidentes marcaram a experiência com o “Nº 1”, mas, graças a ele, ficou cabalmente demonstrada a dirigibilidade dos balões” (Mirador, pg. 10201). Na verdade, já haviam sido realizadas experiências com balões motorizados, porém com motor elétrico e a vapor, muito pesados e impraticáveis. Nos dirigíveis 2 e 3, Santos Dumont teve acidentes quase fatais. No “Nº 3”, foi aplicado pela primeira vez o gás de iluminação, ao invés de hidrogênio, mais caro.

Anteriormente, Tissander havia tentado usar um motor elétrico para impelir um balão, e Giffard, uma máquina a vapor. Ambos fracassaram.

Na época em que fez várias subidas com o Nº 3, Santos Dumont construiu um grande hangar em Saint Cloud, em área pertencente ao Aero Clube da França. O hangar, com portas corrediças em cima de carretilhas – outra inovação do inventor – possuía 7 metros de largura, 11 de altura e 30 de comprimento.

“Em uma reunião no Aeroclube de Paris, o empresário petrolífero e filantropo Henri Deutsch de La Meurthe, defensor de artistas e músicos (ele próprio compositor da ópera Icare), estabeleceu um prêmio de 100 mil francos ao primeiro aeronauta que conseguisse partir do Parque de Saint-Cloud, contornasse a Torre Eiffel e retornasse a Saint-Cloud” (Jornal da Comunidade, pg. B5).

No balão “Nº 4”, Santos Dumont sentava-se numa sela de bicicleta, de onde controlava o motor, o leme de direção e as torneiras do lastro. “E pela primeira vez na história da aeronáutica usou o lastro líquido, guardados em dois reservatórios de cobre, os quais tinham a capacidade de armazenar cinqüenta e quatro litros” (JORGE: 2003, 62). Santos Dumont subiu com grande sucesso em 1º de agosto de 1900, durante a Grande Exposição e o Congresso Internacional Aeronáutico. O inventor brasileiro não conseguiu vencer o concurso La Meurthe com os dirigíveis “Nº 4” e “Nº 5”. A bordo do “Nº 5”, Santos Dumont teve outro acidente, quando se chocou contra as castanheiras do parque de Edmund Rothschild. Resgatado do alto de uma árvore, recebeu um lanche da Princesa Isabel, filha de D. Pedro II e esposa do Conde d’Eu. Alguns dias depois, o inventor recebeu uma medalha de ouro, de São Bento, com uma carta:

“1º de agosto de 1901.
Senhor Santos Dumont:
Envio-lhe uma medalha de São Bento, que protege contra acidentes.
Aceite-a e use-a na corrente do seu relógio, na sua carteira ou no seu pescoço.
Ofereço-a pensando na sua bondosa mãe, pedindo a Deus que o socorra sempre e lhe ajude a trabalhar para a glória da nossa pátria.
Isabel, Condessa d’Eu” (JORGE: 2003, 67).

A partir de então, Santos Dumont nunca mais se separou da medalha, “trazendo-a sempre no pulso, presa a uma correntinha de ouro” (JORGE: 2003, 67).

O deputado federal Augusto Severo de Albuquerque Maranhão, admirador dos trabalhos de Santos Dumont, mandou fabricar um balão na firma de Lachambre e Machuron. Tinha o nome de “Bartolomeu de Gusmão” e ficava num hangar de Realengo, subúrbio do Rio. “A aeronave, em várias ascensões, demonstrou o equilíbrio perfeito do sistema e a horizontalidade exata do seu eixo de tração” (JORGE: 2003, 70). Em sessão na Câmara, no dia 17 de julho de 1901, Severo pediu para inserir na ata dos trabalhos um voto de louvor a Santos Dumont, “felicitando-o pelo resultado obtido na experiência feita com o seu balão dirigível na tarde do dia 13 do corrente (julho de 1901), em Paris” (JORGE: 2003, 71). Severo afirmou que “pela segunda vez, um aeróstato, de forma comprida, de barca também comprida, suspensa, dotada de hélice e leme, ‘com motor elétrico ou a petróleo, sobe, governa-se e volta ao ponto de partida, fazendo itinerário previamente determinado, ambos sobre a cidade de Paris’. O primeiro, em 1884, era o La France, dos capitães Renard e Krebs, e o outro, em 1901, o Dirigível Nº 5, pertencia a Alberto Santos Dumont” (JORGE: 2003, 72). Severo não sabia que o dirigível de Charles Renard e A. C. Krebs era uma cópia exata de um balão construído pelo aeronauta brasileiro Júlio César Ribeiro de Souza, membro da Société Française de Navégation Aérienne, que havia realizado experiências com os balões Vitória e Santa Maria de Belém. Júlio havia escrito um protesto contra o furto dos capitães franceses, que foi publicado em Belém do Pará, no dia 25 de outubro de 1884, e em Paris, no dia 7 de dezembro do mesmo ano. O vôo dos aeronautas lalaus “partiu de Chalais-Meudon e aí retornou ao cabo de uma viagem de vinte e três minutos, durante a qual eles percorreram sete quilômetros e meio” (JORGE: 2003, 72 – nota de rodapé). Na mesma sessão da Câmara, do dia 17 de julho, Severo leu o projeto do Congresso Nacional, em que o Governo é autorizado a abrir um crédito de 100:000$000 (cem mil contos) ao Ministério da Viação, para doação a Santos Dumont, como prêmio de sua experiência com o “Nº 5”.

Santos Dumont continuou as experiências com o “Nº 5”, com o intuito de contornar a Torre Eiffel e receber o Prêmio La Meurthe. Em uma dessas viagens, com o balão murchando velozmente, Santos Dumont escapa de bater na Torre Eiffel, porém bate num muro alto de um dos edifícios da Société dês Hôtes du Trocadéro, ocasião em que o balão explodiu. Alberto escapou por milagre: “ ‘A travessa de pinho e as cordas de piano, de Nice, haviam-no salvo a vida!’, confessou o inventor no seu livro Dans l’air” (JORGE: 2003, 77).

Os trabalhos de Santos Dumont tinham o valioso auxílio do mecânico Chapin, e eram acompanhados pelo chargista “Sem”, amigo íntimo do inventor: “Ele forjava, com suas mãos, sobre uma pequena bigorna, peças de metal para a fuselagem: limava-as, ajustava-as, estendia os estais, retificava os comandos. E eu observava, curioso, esse homenzinho inquieto, armado com seus alicates, agindo, obstinando-se, ao redor da grande massa amarela, como uma formiga laboriosa, agarrada, por suas mandíbulas, a um grão de trigo” (JORGE: 2003, 81).

Santos Dumont não era um sujeito que se acovardasse diante do perigo. No mesmo dia em que sofreu o grave acidente no Trocadéro a bordo do “Nº 5”, que ficou completamente estraçalhado, mandou a firma de Henri Lachambre confeccionar o “Santos Dumont Nº 6”. Esse balão, com motor mais possante, de 20 HP, refrigerado a água, tinha em seu interior um balão compensador de 60 m³ de capacidade, e três válvulas automáticas. Nessa época, foi modificado o regulamento do Prêmio Deutsch: o percurso deveria ser feito em 30 minutos. “A manobra foi mesquinha e tornou a prova mais difícil. No fundo temiam que um sul-americano abiscoitasse o prêmio, pois tal glória, na opinião dos chauvinistas, deveria caber a um filho da França, a pátria de Montgolfier, de Blériot, de Gabriel Voisin, de Clément Ader, de Henry Farman, de Delagrange, ‘dos maiores pioneiros da aeronáutica’ ” (JORGE: 2003, 85).

Na primeira viagem com o “Nº 6”, Santos Dumont escapou novamente da morte, quando a corda principal enroscou-se nos galhos de uma árvore do parque de Rothschild e o balão teve que ser rebocado, porém elevou-se a uma altura de 100 metros ao passar perto de cabos elétricos, ocasião em que o balão escapuliu dos que o conduziam. Tendo em vista o sucesso de outros balonistas, como o conde Zeppelin, o inglês Patrick Alexander (que atravessou o Canal da Mancha), os franceses Henry de La Vaulx e Castillon de St. Victor (que estabeleceram recorde oficial, ao viajar de Paris até Korostychev, percorrendo 1925 km), Santos Dumont trabalhava contra o tempo, pois ambicionava receber o Prêmio Deutsch.

No dia 18 de outubro de 1901, Santos Dumont avisou à Comissão Científica do Aero Clube de que iria concorrer ao Prêmio Deustsch. “A data marcada caiu num sábado. Agindo com prudência, evitou a sexta-feira, pois neste dia, segundo o Dictionnaire des Superstitions de Robert Morel, é preciso não fazer nada: não se casar, não sair em viagem, não trocar de camisa, não pentear os cabelos, a fim de impedir o aparecimento de piolhos, e conforme se acredita na Bretanha, até não realizar enterros, porque, do contrário, ter-se-á mortos na família, antes do fim de doze meses” (JORGE: 2003, 87).

No dia 19 de outubro, às 14:42 horas, Santos Dumont iniciou o percurso. Cinco membros da Comissão acompanharam o trabalho do inventor: o marquês Albert de Dion, presidente do Aero Clube, e Besançon, Emmanuel Aimé, Wilfrid de Fonvielle e Henri Deutsch de la Meurthe. Ao contornar a Torre Eiffel, o motor apresenta falhas, o vento está ao contrário e “Alberto empurra para trás o guiderope (corda-guia) e os pesos deslocáveis. O dirigível apruma-se, ganha uma posição diagonal e volta a subir” (JORGE: 2003, 88). Santos Dumont sobrevoa Longchamp, acompanhado dos aplausos de uma multidão. O motor, agradecido, “recuperou a antiga velocidade”, porém acentuou a inclinação da proa. Santos Dumont moveu os pesos e o guiderope, a uma altura de 150 metros, e com ímpeto de um campeão cruzou o rio Sena e o Bosque de Boulogne, “deixando atrás de si os juízes e os espectadores que ali se agrupavam” (JORGE: 2003, 89).

“Neste momento, como informa no seu livro Dans l’air, eram três horas, onze minutos e trinta segundos, o que correspondia a um tempo exato de vinte e nove minutos e trinta segundos” (JORGE: 2003, 89). Em seguida, Santos Dumont fez uma curva e se dirigiu para o ponto de chegada. Assim disse Santos Dumont: “ ‘Levada pelo impulso, a aeronave passou como passa um cavalo diante do poste de chegada, como passa um iate diante da linha, como um automóvel que continua correndo depois que o júri registrou o seu tempo. A seguir, tal o jóquei de um cavalo de corrida, fiz meia volta e regressei ao aeródromo’ ” (JORGE: 2003, 89).

Quando o guiderope foi agarrado, Santos Dumont perguntou:

- Ganhei?

A multidão respondeu:

- Sim!

Porém, o Marquês Albert de Dion considerou que ele perdera o prêmio por 40 segundos, o que revoltou Santos Dumont e a platéia.

Santos Dumont enviou o seguinte protesto à Comissão Científica:

“ ‘Cumpri todas as condições do programa. Como, porém, por minha parte, não realizei a ascensão para ganhar dinheiro, caso vos esquiveis de conceder-me o prêmio que ganhei, prejudicarei apenas os pobres de Paris e os operários, que até hoje me ajudaram e a quem eu tencionava distribuir a quantia que me entregásseis’ ”(JORGE: 2003, 93).

Depois da pressão popular, que ameaçava apedrejar a sede do Aero Clube, e com o apoio do príncipe Roland Bonaparte e do advogado Georges Devin, foi realizada uma sessão secreta, em que o pleito foi favorável a Santos Dumont: 13 contra 9.

“O dinheiro do prêmio, 100 mil francos, foi por ele dividido em duas parcelas: uma parte destinada a seus auxiliares e aos operários franceses que tivessem suas ferramentas de trabalho empenhadas por dificuldades financeiras; e outra, aos pobres registrados na polícia de Paris” (Mirador, pg. 10201). “Contando-se os juros e outras recompensas, a importância atingiu o total de cento e vinte e nove mil francos. O vencedor destinou cinqüenta mil aos operários e mecânicos que o ajudaram, e o restante da quantia, a três mil e novecentos e cinqüenta pobres de Paris” (JORGE: 2003, 93).

Assim como mais tarde Charles Chaplin concentrava multidões por onde passava, o mesmo ocorreu com Santos Dumont depois de receber o Prêmio Deutsch. Thomas Alva Edison, “o maior inventor dos tempos modernos”, enviou a Santos Dumont uma fotografia com os seguintes dizeres:

“A Santos Dumont,
O Bandeirante dos Ares,
Homenagem de
Edison”
(JORGE: 2003, 94).

Santos Dumont recebe a visita da rainha Elizabeth, da Romênia, e de Leopoldo II, da Bélgica. Em seu livro O que eu vi, o que nós veremos, Santos Dumont escreveu:

“ ‘No meu hangar encontravam-se pessoas de todas as classes e opiniões. Um dia apanharam numa fotografia a ex-imperatriz dos franceses ao lado de Rochefort. Tinham sido os maiores inimigos; pois bem, no meu atelier, do qual Rochefort era um freqüentador assíduo, estavam um ao lado do outro!’ ” (JORGE: 2003, 95).

“A fama de Alberto tornara-se tão grande que ele foi ‘caricaturado, biografado, musicado, desenhado, pintado, esculpido, endeusado, anedotizado, criado por todas as penas, todos os lápis, todos os buris...’ E apareciam centenas de objetos inspirados na sua pessoa: jóias, bibelots, fotografias, cartões-postais, ternos à Santos Dumont, gravatas à Santos Dumont, sapatos à Santos Dumont, e até mesmo, no carnaval carioca, as mulheres usavam fantasias à Santos Dumont, que eram compostas de um balãozinho dirigível no penteado, blusa justa, comprida, de cetim azul, e fitas de gorgorão branco na cintura, com pontas esvoaçantes” (JORGE: 2003, 95).

Artur Azevedo escreveu um soneto em homenagem a Santos Dumont, milhares de cartas foram enviadas ao inventor, o New York Herald “propõe a Alberto, num telegrama, o custeio de uma viagem ao Pólo Norte, fornecendo-lhe, além disso, a aeronave já pronta e o prêmio de cem mil dólares” (JORGE: 2003, 97). O governo Campos Sales, com o Decreto 4.240, de 17 de novembro de 1901, “abre no Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas, o crédito de 100:000$000 (cem contos de réis), com o fim de ser entregue ao Sr. Alberto Santos Dumont, como prêmio pelo resultado de sua experiência de um balão dirigível” (JORGE: 2003, 97). “Gilberto Freire acentua que ‘nunca ninguém foi mais herói para seu povo do que Alberto Santos Dumont’ ” (JORGE: 2003, 98).

Santos Dumont aceita o convite do Aero Clube do Reino Unido e no dia 22 de novembro chega a Londres, “onde é acolhido de modo caloroso pelos membros do Aero Clube da Inglaterra, do Automóvel Clube e do Parque Aerostático Militar” (JORGE: 2003, 103). O tribuno da Abolição, Joaquim Nabuco, então embaixador do Brasil na Inglaterra, saúda o herói brasileiro: “ ‘Qualquer que venha a ser o futuro da navegação aérea, sentir-nos-emos convictos de que o nome de Santos Dumont viverá na sua história, quer seja como precursor da época em se deu a solução científica do problema, ou, pelo menos, se tal problema não for resolvido, como o primeiro homem que navegou numa embarcação voadora e que dirigiu o seu curso através do vento e contra o vento” ” (JORGE: 2003, 103). Após os discursos do coronel Templer, diretor dos Balões Militares de Sua Majestade, e de Lorde Dundonald, com a presença de inúmeras personalidades, como o milionário Paris Singer, Santos Dumont “agradeceu ao Aero Clube do Reino Unido pelo motivo de ter sido eleito o fundador e o primeiro membro honorário desta entidade” (JORGE: 2003, 105).

“Campos Sales ordenara à Casa da Moeda do Brasil que fossem cunhadas duas medalhas comemorativas, a propósito da vitória de Alberto: uma de ouro, a fim de ser entregue ao aeronauta, e outra de prata, destinada a permanecer na Biblioteca Nacional” (JORGE: 2003, 107).

O Príncipe Alberto I, de Mônaco, ofereceu-se para financiar as pesquisas e inventos de Santos Dumont, em vôos sobre a água. Para isso, o Príncipe mandou construir um imenso hangar e uma usina de hidrogênio, trazendo, de Marselha, 6 mil litros de ácido sulfúrico e lascas de ferro que, em reação química, iriam produzir hidrogênio para encher os balões.

Por 4 vezes, Santos Dumont voou pela Baía de Mônaco, no Mediterrâneo, sendo acompanhado pelo príncipe em um dos vôos. No dia 13 de julho de 1902, uma chuva com fortes ventos lançaram o “Nº 6”, que contornara a Torre Eiffel, no mar e esse explodiu, sendo Santos Dumont resgatado na Baía. “O belo Nº 6, vencedor do Prêmio Deutsch, sumiu sob as ondas, mas o brasileiro, com a roupa molhada, ainda permaneceu duas horas na embarcação, tentando recuperar alguma coisa. (...) Mais tarde, depois de muitos esforços, os homens conseguiram reaver o motor, a quilha e os restos do balão” (JORGE: 2003, 128-129).

O Aero Clube da Inglaterra propôs que o “Nº 6”, reconstruído, fosse apresentado no Crystal Palace de Londres. Santos Dumont aceitou o convite e despachou a aeronave, porém, “quando tiraram o balão do caixote, verificou-se que o envoltório estava dilacerado. O rasgo parecia ter sido feito por uma faca. Alberto se encheu de fúria e logo pensou num ato de sabotagem, julgou que aquilo fosse a ação de algum canalha invejoso” (JORGE: 2003, 130). Depois de ouvir um comentário sarcástico de um inglês, devido ao dano sofrido do dirigível, “Alberto avançou na direção do linguarudo, colocou-se na ponta dos pés e torceu-lhe o nariz. E não se limitou a esta violência: exigiu uma satisfação. De acordo com a cerimônia dos duelos, ambos trocaram os cartões. (...) Todavia, ao tomar conhecimento do incidente, o Aero Clube agiu de modo rápido, contornou a situação e eliminou a possibilidade do duelo” (JORGE: 2003, 130).

Santos Dumont viajou a Nova York, para tomar parte no Congresso e Concurso Aeronáutico de Saint Louis. “O presidente Theodore Roosevelt o convidou para discutir, com altas patentes da Marinha e do Exército, a possibilidade da utilização do dirigível como arma contra os submarinos. E Santos Dumont, o adversário da força bruta, dos engenhos bélicos, teve de abordar este assunto, primeiro em Washington, depois no Centro Naval de Anápolis” (JORGE: 2003, 131). O “Bandeirante dos ares” e o “Feiticeiro de Menlo Park”, Thomas Alva Edison, “percorreram os laboratórios de West Grange e trocaram idéias sobre o emprego da energia elétrica nos aeróstatos” (JORGE: 2003, 131).

No dia 12 de maio de 1902, Augusto Severo e seu mecânico francês Sachet, embarcaram no balão Pax, em Paris, “ostentando a bandeira brasileira”. “Depois de quinze minutos, quando se achava a quatrocentos metros de altura, o dirigível explodiu. Os seus dois pilotos, numa velocidade alucinante, despencaram-se através do espaço. Caíram na avenue du Maine, reduzidos a postas sangrentas” (JORGE: 2003, 131). O acidente foi provocado pela ascensão muito rápida do balão, com a eliminação abrupta de grande lastro, ocasionando a dilatação do balão e conseqüente explosão.

Glória colossal de Santos Dumont, dor ainda mais colossal: “Alberto teve uma grande amargura: também começou a pagar o imposto que todos nós devemos à vida: dona Francisca, a sua mãe, suicidou-se em Portugal, na cidade do Porto, durante um acesso de neurastenia” (JORGE: 2003, 139).

O dirigível “Santos Dumont Nº 7” era um “dirigível de corrida”, atingindo velocidades de 70-80 km/h, com motor de 60 HP. Tinha 7 metros de diâmetro e 40 de comprimento. “A força motriz se originava de dois propulsores, cada um medindo cinco metros de diâmetro, acionados por um motor Clément de noventa cavalos, de quatro cilindros e resfriado a água. Um dos propulsores estava na popa, servia para empurrar, e o outro na proa, a fim de exercer uma ação de puxamento” (JORGE: 2003, 139).

Santos Dumont inscreveu-se para concorrer ao prêmio de uma exposição internacional, em St. Louis, EUA, em 1904. Porém, o balão “Nº 7” foi inutilizado às vésperas da prova, provavelmente por sabotagem.

Supersticioso, Santos Dumont pulou do “Nº 7” para o “Nº 9”. Este tinha 12 m de comprimento e motor Clément de 3 HP. Era “o menor dos dirigíveis possíveis, e apesar de tudo, muito prático. (...) Os jornalistas lhe deram a alcunha de Libélula Aérea” (JORGE: 2003, 139). Foi no “Nº 9” que a linda milionária cubana Aida d’Acosta, casada com o advogado Henry Breckinridge, pertencente à alta sociedade de Nova York, amiga do inventor (e, possivelmente, uma paixão reprimida do mesmo), viajou sozinha até Bagatelle, retornando a Neuilly-Saint-James, depois de receber algumas instruções de Santos Dumont. “Chamaram o aeronauta de insensato, pelo motivo de ter deixado a moça arriscar a vida. ‘Mas, não há perigo nenhum’, - replicou Alberto. - ‘Voar é uma coisa tão simples que qualquer menina de escola pode facilmente aprender’ ” (JORGE: 2003, 143).

No dia 5 de julho de 1903, Santos Dumont, em um vôo no “Nº 9”, próximo da ilha Puteaux, “o carburador incendiou-se. Alberto, para apagar as chamas, usou o chapéu, que a partir daí ficou com as abas caídas. Desde então, nunca mais quis separar-se dele, passou a estimá-lo como uma relíquia” (JORGE: 2003, 144).

No dia 14 de julho, Santos Dumont fez uma demonstração da dirigibilidade do “Nº 9” para as tropas francesas, que comemoravam o dia da pátria. “O Nº 9 descreveu círculos, aproximou-se dos regimentos, fez evoluções, tanto para a direita como para a esquerda, à semelhança de um dançarino do espaço, de um Nijinski das nuvens. E após completar uma volta em redor do prado, deteve-se nas alturas, diante do palanque do presidente Loubet. Então Alberto teve um gesto magnífico, digno de um brasileiro, de um filho dos trópicos: disparou uma salva de vinte e um tiros de revólver” (JORGE: 2003, 146). “Inebriado pelo sucesso, Alberto enviou uma carta ao ministro da Guerra, onde colocava a sua flotilha à disposição da França, ‘em caso de hostilidade com um país qualquer que não fosse das duas Américas’ ” (JORGE: 2003, 146).

Em 20 de agosto, Santos Dumont saiu de Paris, a caminho do Brasil, a bordo do navio Atlantique. O delegado de polícia no Recife, Dr. Alfredo Freyre, pai do sociólogo Gilberto Freyre, assim se referiu ao inventor em seu livro de memórias Dos 8 aos 80 e tantos: “Nunca me esquecerei dos olhos aflitos de Santos Dumont, no primeiro andar do então palacete, sede da Associação Comercial de Pernambuco. Temia que o palacete inteiro desabasse, sob o peso da multidão que ali se comprimia” (JORGE: 2003, 148).

No Rio de Janeiro a recepção também foi calorosa. Alunos da Escola Militar da Praia Vermelha subiram ao cume do Pão de Açúcar e lá desfraldaram a bandeira nacional e uma faixa com a legenda “Salve, Santos Dumont!”. Após a descarga de três morteiros – que era um sinal que haviam estabelecido quando o Atlantique transpusesse a barra – “várias embarcações partem do Boqueirão, do cais Pharoux e da ilha das Cobras. Elas vão comboiar o navio, constituem a guarda de honra do herói. É a primeira homenagem que Santos Dumont recebe da capital do seu país. O Brasil inteiro vibra, palpita de emoção, sente-se orgulhoso em acolher o filho tão ilustre” (JORGE: 2003, 149).

“Quando o navio ancora na frente da ilha de Villegaignon, é invadido por uma turba estuante, frenética... Todos querem ver e abraçar o aeronauta, tocar no seu corpo, cumprimenta-lo, proferir frases amáveis ou discursos bombásticos. Alberto tem um sorriso nos lábios. Está elegantíssimo: traz luvas de couro gris-perle, chapéu-do-chile de abas caídas, e um comprido sobretudo cinza, que apresenta duas filas de botões” (JORGE: 2003, 149). Com muita paciência, Santos Dumont ouve as “breves palavras” de inúmeros oradores bombásticos, ouve fanfarras e os clarins do Primeiro Regimento de Cavalaria, e a canção “A conquista do ar”, do seresteiro Eduardo das Neves, que assim inicia os versos:

“A Europa curvou-se ante o Brasil,
E clamou parabéns em meigo tom;
Brilhou lá no céu mais uma estrela:
Apareceu Santos Dumont”
(JORGE: 2003, 151).

O cortejo toma a rua do Ouvidor, alcança o largo de São Francisco. Nas escadarias da Escola Politécnica, Manuel Bastos Tigre improvisou “um discurso inflamado, altissonante, abarrotado de imagens (...) O momento é tão emocionante, o arrebatamento é tão intenso, que dona Maria Torres, viúva do general Braga Torres, cai morta ao atirar pétalas de rosas na carruagem de Alberto” (JORGE: 2003, 152). O inventor se hospeda na residência de José Carlos Rodrigues, diretor do Jornal do Commercio. Durante o almoço, os discursos se sucedem. “O Jornal do Brasil reproduz esta frase do sábio Wilfrid de Fonvielle, autor de Le monde des atomes e um dos fundadores do Aero Clube da França: ‘Santos Dumont é o Fulton da navegação aérea’ ” (JORGE: 2003, 153).

Tempos verborrágicos, parnasianos, em que imperavam os discursos laudatórios sem fim de Herbert Moses, José do Patrocínio, Múcio Teixeira, Monteiro Lobato, Coelho Neto. Mas nem tudo são ovações ao inventor. O poeta paranaense Leôncio Correia faz essa investida estrambótica no Correio da Manhã: “Santos Dumont sem o seu balão é Dante sem Beatriz, é Rafael sem Fornarina, é Camões sem Natércia. E tanto mais se me confrange o coração diante do inesperado e do absurdo do fato, quanto é certo que ele nega à pátria o que tão prodigiosamente deu ao estrangeiro. Deu à França, a essa França que nos amesquinha e ridiculariza, a essa França republicana que não nos perdoa o crime de termos deixado sem trono o Sr. Conde d’Eu... deu à França mais que os espetáculos das ascensões gloriosas: deu o seu próprio invento como futura e formidável arma de guerra, tendo tido a longanimidade de distinguir o Brasil, sua pátria, com uma ficha de consolação” (JORGE: 2003, 153-154).

Em 9 de setembro, Santos Dumont começa a viagem de trem para São Paulo, “acompanhado do seu irmão Henrique, do jornalista Ernesto Sena, de alguns repórteres e de vários estudantes da Escola Militar e da Faculdade de Medicina” (JORGE: 2003, 155). Ao longo do percurso do trem, em quase todas as paradas, o inventor é sempre recebido de forma calorosa – além de ter que ouvir, cheio de sono, os infindáveis discursos. Em Barra do Piraí, “duas bandinhas de música, a Filarmônica e a João do Carmo, tocaram o hino nacional. O boteco da estação distribuiu chocolates e taças de champanha. E vieram os discursos, nada menos do que cinco: o de um sujeito chamado Praxedes, em nome do povo; o do Sr. Braz Curto, em nome da colônia italiana; o do engenheiro Alfredo Pena, ‘porta-voz’ do comércio; o do cônego Nascimento Castro, pelos ‘operários católicos’; e o do sr. Emílio Costa, representante da Associação dos Empregados do Comércio” (JORGE: 2003, 156).

Em Mogi das Cruzes, Santos Dumont teve recepção calorosa de pessoas de sua família, de representantes do governo, da Câmara e do Senado, dos secretários do Interior e da Agricultura, de professores e de alunos. Ramalhete de flores é entregue a Santos Dumont por uma aluna do Grupo Escolar Josefina Franco, que lê um discurso. “O trem parte soberbo, vagaroso, sob a cadência do dobrado Santos Dumont, composição de um professor de Caçapava, chamado Henrique Escudero” (JORGE: 2003, 157).

Na capital paulista, as homenagens se sucedem ao longo do dia 10 de setembro. Na Mooca, “três bandas de música, em uníssono, começaram a tocar o hino nacional” (JORGE: 2003, 158). Depois de Santos Dumont receber uma chuva de flores e ouvir mais três discursos, começa a romaria pela cidade, tendo o inventor ao seu lado, como “escolta de honra”, o irmão Henrique e estudantes da Faculdade de Direito. “Na rua Quinze de Novembro o aeronauta agüentou os rasgos de eloqüência do sr. Eurico de Góes e do sr. Tancreto do Amaral. E na de São Bento, a verbosidade do Vitalino Rotellini, diretor do jornal Fanfulla” (JORGE: 2003, 158). A salvo na residência de seu cunhado Guilherme Villares, na avenida Paulista, “nem aí, ‘dentro da própria casa de sua família, no próprio reduto do apetecido repouso’, ele pôde livrar-se da calamidade: teve de ouvir, paciente e estóico, mais um discurso, desta vez desfechado pelo estudante José de Paula Rodrigues Alves” (JORGE: 2003, 158).

À noite, no Jardim da Luz, Santos Dumont ouviu um concerto da Força Policial, regido pelo maestro Antão. A massa não queria música, só queria ovacioná-lo: Viva Santos Dumont! Viva Santos Dumont! “Para escapulir do carinho opressivo, asfixiante, daquele povo em delírio, precisou correr pelos gramados e saltar por cima de bancos e cadeiras. (...) Ao subir no landau, alguns fanáticos quiseram desatrelar os cavalos e puxar o veículo até o centro da cidade. Entretanto, Alberto ordenou ao cocheiro que fustigasse os animais. Graças a tal decisão, a carruagem partiu com rapidez e desapareceu em disparada pela rua José Paulino” (JORGE: 2003, 159). No Teatro Santana, Santos Dumont viu a Darclée cantar A Tosca, estando presentes secretários do governo e Bernardino de Campos, presidente do Estado de São Paulo. No intervalo do segundo ato, João Monteiro, diretor da Faculdade de Direito, lascou mais um discurso, sendo ao final freneticamente aplaudido pelos espectadores com vivas ao “bandeirante dos ares”.

No dia 11 de setembro, Santos Dumont visitou o presidente do Estado, Bernardino Campos. Esteve também no Senado, na Câmara, na Escola Politécnica e na Faculdade de Direito. Santos Dumont, antes de regressar ao Rio, naquele mesmo dia, ainda teve fôlego de sete gatos: visitou as redações da Platéia, do Fanfulla, do Diário Popular, do Correio Paulistano, do Commercio de São Paulo e do Estado de S. Paulo.

No Rio, o governo da República ofereceu um banquete a Santos Dumont, com a presença de distintas figuras, como Lauro Muller, Pereira Passos, Pinheiro Machado, o barão do Rio Branco.

No dia 18, Santos Dumont visitou Campinas “num trem especial, de locomotiva toda enfeitada” (JORGE: 2003, 162). Ao estilo parisiense, Santos Dumont “beijava com cerimônia as mãos e as faces das moças e das senhoras que o cumprimentavam. Hábito comum, rotineiro, entre as pessoas distintas da capital francesa... Mas aqui no Brasil, esta ‘mania’ do inventor causou espanto. Um jornalista daquele tempo, inspirado no fato, compôs o seguinte triolé:

‘Santos Dumont em Campinas
Beijou toda a moçarada,
Beijou grossas, beijou finas,
Santos Dumont em Campinas” .
(JORGE: 2003, 163).

Santos Dumont também viajou a Minas Gerais, visitando Belo Horizonte e Barbacena: “O local em que ele veio ao mundo pertencia ao município de Barbacena. E por isto, aproveitando a oportunidade, Alberto visitou a casa onde nascera, em Cabangu, o inesquecível chalé antigo, patriarcal, de varanda larga de dentro de um vale protegido por montanhas” (JORGE: 2003, 165).

“Depois Alberto foi a Juiz de Fora, de onde regressou ao Rio de Janeiro. Antes de embarcar para a Europa, resolveu conhecer o balão de José do Patrocínio, que tinha o nome de Santa Cruz. Este dirigível, cujo esqueleto era formado por um arcabouço de tubos de alumínio, possuía nove metros de altura, vinte e dois de largura e quarenta e cinco de comprimento” (JORGE: 2003, 166). Quando os dois se encontram frente ao dirigível, o delírio do povo recomeça: Viva Santos Dumont! Viva José do Patrocínio. “Pobre negro de talento, pobre sonhador... O Santa Cruz jamais haveria de voar. Pouco tempo depois da morte do tribuno, a carcaça de seda e metal foi vendida como ferro-velho, e muitas de suas peças acabaram nos depósitos de lixo” (JORGE: 2003, 167).

A bordo do Atlantique, Santos Dumont voltou à França. O jornalista que acompanhou permanentemente o inventor em sua estada no Brasil, Ernesto Sena, traçou um perfil bastante fiel de Santos Dumont, em seu trabalho Rascunhos e perfis. Segundo o jornalista, Santos Dumont era “dominado por um tique nervoso”, vivia “repuxando, de maneira rápida, o lábio superior para baixo”. Ao sentar-se, “dobrava sempre a perna direita, comprimindo o joelho entre as mãos cruzadas”. “O seu passo era veloz, tendo o costume, quando em marcha, de conservar os braços colados às costas”. Ao subir uma escada, “galgava três degraus de cada vez, lépido, ligeiro, com uma agilidade felina”. Preferia “o paletó saco, os ternos de casimira”, as “gravatas rubras” e a luvas “cor de barro vermelho, sem botões”. Santos Dumont “não fumava”, “jamais havia jogado, a não ser o bilhar, e usava as calças dobradas na bainha, nunca esquecendo de recompô-las, sempre que ia a certos ambientes”. “O seu modo de falar era célere, precipitado, e se algo lhe desagradava, dizia isto: ‘Não, não, não, absolutamente não’ ”. Os sorrisos de Santos Dumont eram acompanhados de “uma gargalhada curta, nervosa, inexpressiva”. O inventor só conseguia repousar “se o quarto estivesse mergulhado nas trevas, pois qualquer réstia de luz, por menor que fosse, podia tirar-lhe o sossego”. O repórter também conta que “Santos Dumont sentia adoração pelos gatos, com os quais brincava efusivamente, proporcionando-lhes numerosos afagos”. O gato “Júlio” confirma o carinho do inventor, do alto da pipa construída por Santos Dumont...

“Era ‘um tanto fetichista’ em relação ao seu chapéu-panamá, de abas caídas, com o qual, numa das suas ascensões, apagou o incêndio de um motor. A partir daí, consagrou um grande afeto a este chapéu, ‘passou a considerá-lo uma mascote’. Ele próprio o lavava e o mantinha perto do leito. Não permitia que ninguém pusesse as mãos naquela coisa de formato esquisito. Quando lhe vinha o cansaço, e queria ‘tirar uma soneca’, colocava o velho panamá sobre o rosto” (JORGE: 2003, 170-171).

Ernesto Sena continua: “Modesto, simples por natureza, sem a menor preocupação de exagerar essa virtude, é, no entanto, um indivíduo abstrato. No meio de uma conversação, por mais interessante e animada que seja, parecendo atento, pelo seu silêncio, está, entretanto, pela imaginação, bem longe dos circunstantes, divagando em pontos distantes, para onde se encaminhou o seu espírito na quietação de quem observa e dirige uma idéia fixa, predominante” (JORGE: 2003, 171).

Além da linda cubana Aida d’Acosta, parece que Santos Dumont arrastou também suas asas em direção a uma norte-americana, Miss Lurline Sprekels, em 1903. Muito popular nos EUA, volta e meia a imprensa comentava as atividades aeronáuticas de Santos Dumont. “Em março, o New York Herald publicou uma notícia a respeito de um ‘caso amoroso’ do inventor. (...) O idílio começou em Paris e não foi avante porque a severa genitora partiu com a filha, abandonou a França” (JORGE: 2003, 174). Olavo Bilac, sabendo do caso, não perdeu a oportunidade de usar sua prosopopéia e escreveu na Notícia que “não faltam homens que queiram e possam casar-se, ao passo que pouca gente é capaz de se expor aos perigos das aventuras de Ícaro”. Para o poeta, mulheres de todo o mundo haviam se enamorado do inventor: “espanholas ardentes, inglesas frias, alemãs cismadoras, impetuosas italianas, russas extravagantes, francesas irrequietas” . Quantas dessas mulheres, segundo o poeta, desejariam “a glória de aprisionar o voador, de lhe amarrar e paralisar as asas, em cadeias de flores, de forçá-lo a volver os olhos e a alma, do fulgor celeste, para as delícias que a terra dá a quem a ama!” (JORGE: 2003, 174-175). Em 1904, a americana Edna Powers também aparece como “a noiva” do inventor.

“Em 1904, Alberto teve a glória de ser citado por Júlio Verne, num artigo que o genial romancista escreveu para o World de Nova York e onde mostrou, de maneira profética, como seria o mundo no século XX: “Quanto ao porvir dos globos aerostáticos, creio como Santos Dumont que o problema está em inventar um motor de tanta energia e tão leve que, sem necessidade de aumentar a força ascensional do aeróstato, este possa lutar contra o vento” (JORGE: 2003, 173).

O “Nº 10”, conhecido como “ônibus”, com 2.010 m³, foi o dirigível de maior capacidade construído por Santos Dumont. Tinha 9 m de diâmetro e 42 m de comprimento. “A quilha era dupla, em treliça: por baixo da quilha comum, que sustentava o piloto, havia uma outra, destinada aos passageiros, provida de quatro barquinhas. Cada um destas poderia conter quatro ou cinco aeronautas. O motor de sessenta cavalos acionava a hélice. Alberto confessou, no livro Dans l’air, que viu no “Nº 10”, após maduras reflexões, ‘o agente mais apropriado para a vulgarização prática e rápida da navegação aérea’ ” (JORGE: 2003, 140).

Em março de 1905, Alberto recebeu o título de Cavaleiro da Legião de Honra da França.

Em 1905, em artigo publicado na revista Je Sais Tout, Santos Dumont predisse várias coisas sobre o futuro da navegação aérea e a possibilidade de se atingir o Pólo Norte com um dirigível – o que efetivamente ocorreu no dia 21 de maio de 1925, com Road Amudsen. “Os alemães, muitos anos depois, construíram um dirigível que recebeu o nome de ‘Graf Zeppelin’. Pois essa aeronave tinha os contornos e as características a que se refere Santos Dumont nesse artigo, em 1905” (VEADO: 1973, 121).

A seguir, Santos Dumont construiu o “Nº 11”, quer era um planador equipado com flutuadores. Depois, construiu o “Nº 12”, concebido como “um helicóptero de dois rotores, isto é, com duas hélices contra-rotativas. Os estudos e os trabalhos para a sua construção iriam durar mais de um ano. Havia uma dificuldade quanto a este aparelho: precisava de um motor leve e potente” (JORGE: 2003, 180). O “Nº 13” era uma aeronave de dois balões, destinada a longas viagens, “um dirigível grande e semi-rígido, um verdadeiro ‘iate aéreo’. Possuía hidrogênio e ar quente. Alberto jamais subiu nesta aeronave, e isto talvez lhe salvou a vida, pois a associação do ar quente ao hidrogênio poderia causar um estouro fatal, horripilante” (JORGE: 2003, 180). Santos Dumont não é bem-sucedido em nenhum desses projetos.

O “Nº 14” ainda era um balão, sem maiores inovações. No entanto, a ele foi preso o 14-Bis, a 1ª máquina que, mais tarde, se ergueria acima do solo pelos próprios meios.

O “Nº 15” lembrava o 14-Bis e tinha motor Antoinette de 50 HP, localizado acima da cabeça do piloto. Depois de algumas experiências e ferimentos, abandonou o aparelho e prosseguiu nas experiências, modificando o 14-Bis. Depois de realizar um vôo, “o avião perdeu o equilíbrio transversal, oscilou no espaço, aterrissou de modo violento e bateu a asa esquerda no solo. Santos Dumont nada sofreu, mas podemos afirmar que este foi o seu último vôo no célebre aeroplano” (JORGE: 2003, 209).

O “Nº 16” era um “híbrido monstruoso”, uma mistura de avião e aeróstato. “Na primeira quinzena de junho, Alberto quis efetuar uma experiência. Depois de percorrer uns trinta metros, o Nº 16 subiu, porém um falso manejo causou a queda do aparelho, havendo ruptura dos estais, rasgões no invólucro, avarias nas peças metálicas e quebra do ‘triângulo de agarre’. Mais uma vez Santos Dumont saiu incólume, livrou-se da morte” (JORGE: 2003, 210). Alguns autores afirmam que esse retrocesso de Santos Dumont já era o prelúdio da esclerose múltipla que o afetaria dali para a frente.

Não houve a construção do “Nº 17”. Depois do 14-Bis, o aparelho fabricado por Santos Dumont que teve repercussão foi o “Nº 18”, chamado hydro-glisseur, com deslizador aquático – precursor do hidroavião. A aeronave tinha uma hélice de três pás, acionada por um motor Antoinette de 100 HP, colocado acima do lugar do piloto. Havia dois flutuadores compridos, no centro, e dois menores, nos lados. “Alberto queria que o Nº 18 corresse sozinho sobre a água, mas o hidroplano tinha um defeito, quando a velocidade ia além de cinco quilômetros por hora: afundava um pouco, ora de um lado, ora de outro” (JORGE: 2003, 213).

No dia 26 de outubro de 1907, Henry Farman, em vôo realizado na planície de Issy-les-Moulineaux, bateu o recorde estabelecido por Santos Dumont um ano antes: 770 metros, em 52 segundos.

De 1907 a 1909, Santos Dumont construiu 4 tipos de aeronaves, com os números 19 a 22.

O “Nº 19” tinha um motor demasiado fraco, não era capaz de manter o aeroplano em vôo. Santos Dumont diminuiu o peso do aparelho, fez algumas modificações às pressas e pintou um “bis” diante do número 19, pretendendo ganhar o prêmio Deutsch-Archdeacon, que foi ganho por Henry Farman, em 13 de janeiro de 1908, ao voar 1500 metros em circuito fechado, no tempo de 1 minuto e 28 segundos, em aparelho construído pelos irmãos Voisin.

“O Nº 20 de Alberto era um pouco maior do que o 19-bis e recebeu o apelido de Demoiselle. Aliás, os dois modelos anteriores também possuíam a mesma denominação. Entretanto, foi com esse nome que o Nº 20 se tornou mais conhecido” (JORGE: 2003, 217).


O 14-Bis

14-Bis realizando um de seus testes
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Santos_Dumont)

Em 18 de julho de 1906, Santos Dumont inscreve-se no Aeroclube da França, para disputar duas provas de “aparelhos mais pesados que o ar”: a Taça E. Archdeacon, para o aparelho que conseguisse realizar um vôo completo de mais de 25 metros, e o Prêmio Aeroclube da França, para o aparelho que realizasse um vôo de mais de 100 metros.

“Nesta época Alberto construiu o aeroplano 14-bis, apelidado Ave de Rapina. Quem o ajudou na feitura do aparelho foi Gabriel Voisin. Era um planador de seis células, unidas por um dos lados e dispostas de três em três, constituindo duas asas que ‘simulavam um V aberto no alto’. Empregou-se, como material, seda, vime e bambu. As asas eram fixas a uma trave armada e traziam, na sua ponta dianteira, um leme formado por uma célula igual às demais. Tal leme podia ser movido em qualquer direção. Na extremidade posterior da trave, encontrava-se a hélice. Esta seria acionado por um motor Levavasseur de vinte e quatro cavalos. Quanto à barquinha, Alberto colocou-a perto do motor, no vértice do ângulo composto pelas asas. O aeroplano tinha doze metros de envergadura e dez de comprimento. A superfície de sustentação era de oitenta metros quadrados. Achava-se montado sobre rodas munidas de molas muito flexíveis, que lhe permitiam tomar o seu impulso numa pista especial. E o peso completo, sem o piloto, atingia cento e sessenta quilos” (JORGE: 2003, 181).

“Desejando adquirir perícia no manejo da máquina, Alberto dependurou-a no seu último balão, o Nº 14, que por este motivo foi separado da barquinha. Daí, em conseqüência disso, o aeroplano recebeu a denominação de 14-bis” (JORGE: 2003, 182).

“Depois de uma falsa manobra dos seus ajudantes, que fez o 14-bis cambalear e sofrer ligeiras avarias no leme, Alberto resolveu substituir o motor Levavasseur por um outro de sua invenção, em formato de V e com cinqüenta cavalos. O mecânico Anzani, sob tal aspecto, prestou-lhe um excelente auxílio” (JORGE: 2003, 183).

Em algumas tentativas, Santos Dumont venceu os dois prêmios:

13 de setembro de 1906, Campo de Bagatelle: 07:50 horas, Santos Dumont parte com o 14-Bis, percorre 350 m no solo e é sentida uma inclinação. Após fazer algumas alterações, às 08:40 realiza nova tentativa; as rodas deixam o solo e o aparelho percorre cerca de 7 m no ar, a uma altura de 1 m. “A proeza obteve enorme repercussão. Uma das mais prestigiosas publicações da época, a revista La Nature, afiançou com absoluta segurança: ‘... o dia 13 de setembro de 1906 será doravante histórico, pois, pela primeira vez, um homem se elevou ao ar por seus próprios meios’ ” (JORGE: 2003, 184). Continua a revista francesa: “Nós pudemos constatar de visu, e trezentas pessoas o fizeram conosco, que sobre o gramado de Bagatelle, no Bois de Boulogne, Santos Dumont ergueu-se aproximadamente a um metro do solo, num espaço de sete a oito metros. É bem pouco, evidentemente, mas é o bastante para provar que se pode transportar uma fonte de energia que permite evoluir no espaço” (JORGE: 2003, 184).

23 de outubro de 1906, Campo de Bagatelle: o 14-Bis foi envernizado, para aumentar a sustentação, e feitas alterações na carcaça, para reduzir o peso. “Resultado: o 14-bis ficou mais leve, passou a pesar quarenta quilos menos. Também acrescentara um outro carburador, e tal medida proporcionou melhor rendimento ao motor, Este, em vez de dar mil giros, fornecia mil e quinhentos” (JORGE: 2003, 186). Às 16:45 horas, a aeronave decola e percorre 75 m, numa altura de cerca de 3 m. O “grande pássaro branco”, semelhante “às garças mansas do pantanal de Mato Grosso” “de maneira elegante e graciosa, descreve um círculo e desce, executa a aterrissagem. Esta se processa com uma certa rudeza, porém sem prejuízo para as rodas ou o piloto” (JORGE: 2003, 186). “Mais de mil pessoas, perplexas, maravilhadas, contemplam o milagre. A emoção é geral. Todos se acham mudos, não existem palavras ou interjeições que possam traduzir o assombro da multidão siderada” (JORGE: 2003, 186). Santos Dumont ganha a Taça E. Archdeacon.

“O aeronauta militar Ferdinand Ferber, professor da École d’Application, de Fontainebleau, um dos homens que mais contribuíram para o progresso da aviação, comentando o feito de Alberto, asseverou num artigo publicado pela revista L’Aérophile: ‘... este acontecimento é da mais alta importância, pois ele fixa, através de controle oficial, um resultado definido’ ” (JORGE: 2003, 188).

Na Europa havia notícias de que os irmãos Wright haviam solucionado, desde 1903, o problema do “mais pesado que o ar”. Ferber não deu crédito a tais rumores. Queria provas públicas: “De agora em diante há um fato precioso. Partindo do solo, um homem, numa máquina voadora, percorreu no ar mais de cinqüenta metros. Não se trata de um desses resultados apócrifos, ou simplesmente afirmados, como aqueles dos irmãos Wright. A propósito, sempre acreditei no sucesso destes últimos, porque me dei conta, pelas minhas próprias experiências, de que o vôo é atualmente possível. Hoje, porém, creio que se os irmãos Wright não fizerem experiências públicas, eles perderão não somente o objetivo que almejam, senão mesmo a glória de serem os primeiros inventores” (JORGE: 2003, 188).

“Os jornais da época são unânimes em afirmar que foi Alberto Santos Dumont o primeiro homem que voou com os próprios meios de bordo. Os Wright não se elevavam do solo a poder de motor. Eles eram apenas lançados de uma torre, onde um peso que caía projetava o seu aparelho para a frente” (VEADO: 1973, 135).

O feito de Santos Dumont teve repercussão mundial. “O Daily Mail de Londres apresentou uma série de editoriais, antevendo ‘o formidável alcance de tão extraordinário acontecimento’. E a revista The Illustrated London News, a mais importante da Inglaterra, no seu número 3.524, de 3 de novembro, publicou uma fotografia do ‘memorável evento’, frisando o seguinte: ‘The first flight of a Machine heavier than air: Santos Dumont winning the Archdeacon Prize’ (‘O primeiro vôo de um aparelho mais pesado que o ar: Santos Dumont ao ganhar o Prêmio Archdeacon’) ” (JORGE: 2003, 189).

O Petit Journal, na edição de 24 de outubro de 1906, escreveu: “ ‘... Com efeito, o senhor Santos Dumont é o primeiro homem que conseguiu, com um aparelho mais pesado do que o ar, levantar-se e elevar-se apenas com os meios de bordo e realizar um vôo planado’ ” (VEADO: 1973, 129). O jornal Le Matin, igualmente, comemorou o feito de Santos Dumont: “ ‘O homem conquistou o ar. O sr. Santos Dumont fez ontem uma experiência sensacional’ ” (VEADO: 1973, 130). A Illustrazione Italiana, no dia 24 de outubro de 1906, anunciava: “ ‘Santos Dumont, com seu novo aeroplano nº 14-Bis, baseado no princípio do mais pesado do que o ar, ontem, em Paris, venceu a Taça Archdeacon. Depois de percorrer cerca de cem metros com os próprios meios a uma altura de cinco metros, num percurso de cinqüenta metros’ ” (VEADO: 1973, 134). Nos jornais americanos nunca houve nenhuma notícia do vôo dos Wright, porém o New York Herald, de propriedade do jornalista Gordon Bennett, que havia “colado” um jornalista nos calcanhares de Santos Dumont, acompanhando todos seus passos, noticiou o vôo histórico do brasileiro com a seguinte manchete: “ ‘O PRIMEIRO VÔO MECÂNICO DO HOMEM’ ” (VEADO: 1973, 139). Sobre os Wright, nenhuma vírgula sequer. No dia 26 de outubro de 1907, Henri Farman quebrou o recorde estabelecido por Santos Dumont um ano antes, ao percorrer com uma aeronave a distância de 770 metros, em 52 segundos, no campo de Issy-les-Monlineaux – como já foi dito acima. Também não se falou, na ocasião, sobre os Wright. Por quê? Ora, porque nada haviam realizado de concreto até aquele ano.

Durante banquete oferecido a Santos Dumont, com a presença de autoridades francesas e dos escritores Afonso Arinos e Souza Bandeira, da Academia Brasileira de Letras, Ernest Archdeacon, presidente da Comissão de Aviação do Aero Clube, afirmou: “ ‘Se algum dia eu pudesse pecar por inveja, pecaria hoje invejando o meu amigo Santos Dumont, que conseguiu conquistar uma das glórias mais belas que o homem pode ambicionar neste mundo. Acaba de realizar, não em segredo, nem diante de testemunhas hipotéticas e complacentes, mas à plena luz meridiana e perante uma multidão, um soberbo vôo de sessenta metros, a três metros de distância do solo, o que constitui um fato decisivo na história da aviação’ ” (JORGE: 2003, 189). O Sr. Archdeacon, assim como Ferber, deu um recado aos Wright: venham a Paris e voem no “Flyer”. Os irmãos Wright foram a Paris somente em 1908 e não conseguiram voar com o “Flyer”, porque o motor, de 12 HP, era muito fraco. Somente quando instalaram um motor de 100 HP, no final de 1908, o “Flyer”, enfim, voou. Não há qualquer dúvida: o inventor do avião é Santos Dumont, não os irmãos Wright, que impulsionaram o avião com catapulta ou descendo morro em trilhos, não se elevando, antes de Santos Dumont, com seus próprios meios. Com o auxílio de uma catapulta ou sendo lançado morro abaixo, contra um vento de 40 km/h, “até uma locomotiva levanta vôo”, diziam os críticos há 100 anos...

12 de novembro de 1906, Campo de Bagatelle: nesse dia, “dois aeroplanos já estavam ali pousados, à espera do momento da partida: o Blériot IV, construído por Louis Blériot, mas cujo piloto era Gabriel Voisin, e o 14-bis, a ‘ave de rapina’, o ‘oiseau de proie’ de Alberto Santos Dumont, o estranho aparelho de um filho dos trópicos, ‘grande pássaro branco, semelhante às garças mansas do pantanal de Mato Grosso’. Há uma enorme diferença morfológica, se assim podemos nos exprimir, entre as duas aeronaves. Os ‘planos celulares’ do Blériot IV são retilíneos e o leme, em forma de elipse, localiza-se na parte traseira. Tem o estabilizador na proa. E o avião ainda apresenta duas hélices, acionadas por dois motores independentes. Quanto ao 14-bis, este possui dois novos órgãos de comando: os lemes laterais, isto é, os ailerons, as asículas complementares em formato de losango. Cada uma destas asículas se acha ajustada, pelas extremidades da maior diagonal, sobre dois montantes. (...) A inovação é uma coisa genial, ‘formidável, a que ninguém dá importância’. Os lemes vão ser os pontos de apoio do aeroplano, para este ‘completar a curva e do salto passar ao vôo” (JORGE: 2003, 190). Hoje, os aviadores sabem que os ailerons “se destinam a restabelecer o ‘nível transversal’ do aparelho em vôo, no momento em que, ‘por qualquer circunstância, voluntária ou não’, a aeronave se inclina para um dos lados: ‘Se a inclinação não for corrigida, o avião tende a girar sobre o seu próprio eixo, ou a cair para esse lado – o que era ainda mais verdade em relação aos primitivos aparelhos de vôo construídos pelos pioneiros aeronáuticos dos começos deste século vinte’ ” (JORGE: 2003, 191).

“O Blériot IV foi o primeiro a dar a saída, porém não tardou a sofrer um acidente: ao atravessar um talude as suas hélices se partiram” (JORGE: 2003, 191. Por volta das 16:45 horas, Santos Dumont percorreu com seu 14-Bis alguns metros e alçou vôo, atingindo a velocidade de 41,3 km/h, ao longo de pouco mais de 82 m de distância. Meia hora mais tarde, inicia seu quarto e último ensaio daquele dia: “O 14-bis corre sobre a relva e depois, livremente, soberbamente, como uma verdadeira ‘ave de rapina’, ergue-se, liberta-se do solo, e com mais facilidade do que nas outras vezes, pois agora se arroja contra o vento” (JORGE: 2003, 194). “A ‘ave de rapina’ adeja em cima dos espectadores. Vai para a direita, ruma para a esquerda, na ânsia de encontrar um caminho livre. Querendo evitar um acidente, Alberto executa viradas bruscas. Numa dessas curvas o fio de um tensor se enrosca em redor da hélice. A velocidade diminui e o 14-bis, após virar mais uma vez, cai de chapa. Ninguém se feriu, nem o próprio piloto, mas uma das asas do aeroplano, sem maiores conseqüências, esbarra numa mulher desnorteada. (...) O aeroplano pouco sofreu: apenas houve numa das asas alguns bambus quebrados. Surcouf, Jacques Faure e Ernest Archdeacon, membros do Aero Clube, mediram o trajeto do avião e constataram que ele percorreu, em vinte e um segundos, sem tocar no solo, a distância de duzentos e vinte metros. Portanto, Santos Dumont acabara de estabelecer, com um aparelho mais pesado do que o ar, o primeiro recorde mundial de altura, distância e duração de vôo” (JORGE: 2003, 195). O 14-Bis fez o percurso a 3 m de altura, atingindo velocidade de 37,4 km/h. Santos Dumont ganha o Prêmio Aeroclube da França e o seu vôo foi o primeiro a ser homologado pela Federação Internacional de Aeronáutica. Contente com o feito, Santos Dumont afirma aos jornalistas que os 6.600 francos serão doados a seus mecânicos. Onde estavam os irmãos Wright naquele dia? Por que eles não posicionaram o “Flyer” ao lado de Blériot e de Santos Dumont, para concorrer ao prêmio?

Em carta ao capitão Ferdinand Ferber, Wilbur Wright escreve essa carta:

“Caro capitão Ferber:

Meu irmão e eu tomamos conhecimento, por uma correspondência de Paris, publicada no New York Herald, que o público francês apreciou grandemente um vôo de 220 metros em linha reta de Santos Dumont, num aeroplano de sua construção. Ficaríamos muito satisfeitos de conhecer notícias exatas sobre essas experiências de Bagatelle, e estamos certos de que fareis para nós um relatório fiel dos ensaios e uma descrição da máquina voadora, acompanhada de um esquema. Já tivemos a oportunidade de ver, numa gravura do New York Herald, que o aeroplano repousa na terra sobre três rodas, e deduzimos então que necessário se faz, a Santos Dumont, uma corrida prévia para decolagem, isto realizado sobre um campo extenso e bem uniforme. Com a catapulta de lançamento que empregamos, Orville e eu saltamos diretamente no ar, com a velocidade adequada, de uma forma mais prática. Desde que os franceses julgam ‘sensacional performance’ um vôo em linha reta de apenas 220 metros, estamos certos de encontrar um excelente ambiente se chegarmos a fazer exibições na França. Entretanto, a viagem e o transporte da máquina e da catapulta obrigarão a despesas demasiado elevadas para os dois pobres mecânicos de Dayton. Por isto, caro capitão Ferber, se técnicos franceses, escolhidos por vós, desejarem vir a Dayton, para eles faríamos a exibição da máquina no campo vizinho, com um vôo de cinco minutos, em circuito completamente fechado, cedendo-lhes opção para a performance e venda da máquina, mediante o pagamento de 50.000 dollars-cash.

Sinceramente,

Wilbur Wright”
(JORGE: 2003, 207-208)

“Esta missiva é um documento curioso sob vários ângulos. Revela a estupefação dos Wright diante do meio empregado por Santos Dumont, a fim de alçar vôo. Ambos desejam obter ‘notícias exatas’, a respeito das ‘experiências da máquina voadora, acompanhada de um esquema’. Todavia, o detalhe que mais os preocupava, que os deixa mortos de curiosidade, é o processo do 14-bis efetuar a decolagem sem o auxílio de catapultas e de torres providas com discos de metal. Eles não afirmam, na carta, que são capazes de fazer o mesmo, que o avião no qual executam vôos pode subir, realizar o deslocamento através da atmosfera, e finalmente aterrissar, tudo isto pelos próprios recursos do aparelho. Outro pormenor importante: Wilbur Wright não assegura, nestas palavras dirigidas ao capitão Ferber, que ele e Orwille foram os primeiros que voaram num ‘mais pesado que o ar’. Quanto a este fato, silenciam de modo completo, não apresentam nenhuma reivindicação. E verifica-se, além disso, que acima de tudo os Wright eram comerciantes, business men, indivíduos essencialmente materialistas, obcecados por dólares, e cujos corações só batiam desta maneira: ‘money, money, money, money, money, money, money, money, money, money, money, money, money, money, money, money, money, money, money, money...” (JORGE: 2003, 208).

“Os Wright já haviam mandado cartas aos deputados do estado de Ohio, nas quais perguntavam se o governo dos Estados Unidos estaria interessado numa excelente ‘máquina voadora’. Um parlamentar, chamado Robert M. Novin, transmitiu a proposta à Junta de Intendência e Fortificação do Exército. Depois de certo tempo, esta junta declarou que não poderia dotar uma verba destinada ao ‘aperfeiçoamento experimental de dispositivos para o vôo mecânico’, porque a tal máquina ainda não chegara ‘à fase da operação prática’. Além do mais, as autoridades nada fariam, enquanto não se fabricasse um engenho capaz de ‘transportar um operador’ e de ‘produzir vôo horizontal’ ” (J0RGE: 2003, 208).

A revista L’Illustration fez uma descrição do 14-Bis: “A sustentação está constituída de seis células de servovolantes Hargrave, em bambus e caniços guarnecidos de seda, unidas por um de seus lados e dispostos três a três, de modo a formar duas asas simulando um V aberto no alto. As asas são fixadas a uma trave armada que tem na extremidade da frente um leme formado de uma célula análoga à das asas, e que pode mover-se em todos os sentidos. Na extremidade posterior da trava acha-se a hélice, acionada por um motor Levavasseur de 21 cavalos. O assento do piloto está colocado atrás do motor, no vértice do ângulo formado pelas asas. Comprimento total: 10 metros; envergadura 12 metros; superfície de sustentação, 80 metros quadrados; peso 160 quilos, não compreendido o aeronauta” (VEADO: 1973, 126-127).

Lourenço Hargrave, um mestiço australiano, foi o inventor do servovolante. “O servovolante era um aparelho que se compunha de um ou muitos quadros rígidos, feitos de madeira e lona, de certo modo combinados e mecanicamente presos ao sistema e, todas por sua vez, unidas em uma única corda que era fixada ao solo. Quando se puxava essa corda com violência, ou o vento imprimia sobre o quadro uma determinada resistência, o sistema tendia a subir” (VEADO: 1973, 126).

A madrinha do motor do 14-Bis era Antoinette Gastambide. Por isso, o motor era também conhecido como “Antoinette”.

O livro Santos Dumont, escrito por Gondin da Fonseca, “foi a primeira biografia de Santos Dumont que se escreveu no Brasil. E nessa biografia, Gondin da Fonseca trouxe provas incontestáveis. Tão sérias, firmes e sólidas que uma jornalista norte-americana, de nome Marion Lowndes, admitiu publicamente que a argumentação do escritor Gondin da Fonseca não podia ser respondida, pois os fatos não mentem, segundo expressão dela mesma. Disse ela assim: ‘É impossível contestar que Santos Dumont é the father of Flight’ ” (VEADO: 1973, 145).

Depois do vôo do 14-Bis, mais de uma centena de fabricantes de aviões começaram a vendê-los, junto com os irmãos Wright, inclusive para o mercado militar. Santos Dumont nunca quis registrar a patente de seus inventos. Seu sonho era atravessar o Canal da Mancha. Em 1909, a bordo do monoplano “Blériot Tipo X”, seu amigo Louis Blériot faria a travessia sem sua companhia. A partir de 1910, a esclerose múltipla lhe tira as forças das mãos e dos braços.

Santos Dumont foi o primeiro aeronauta a obter as cartas de piloto de balão dirigível, biplano e monoplano.


Demoiselle

Demoiselle, a obra-prima de Santos Dumont
(http://www.cabangu.com.br/pai_da_aviacao/5-demois/pg05.htm)

O projeto do Demoiselle foi o mais caro, uma diminuta aeronave que lembra um ultraleve moderno, considerada a obra-prima de Santos Dumont. O nome foi dado em homenagem à sua amiga Cristina Prado. “Ela viu o avião ainda no hangar de construção e o achou parecido com uma demoiselle, que pode ser tanto uma libélula quanto uma senhorita em francês” (Gazeta Mercantil, pg. 1).

“Nesta terceira Demoiselle, a autêntica, o aeronauta instalou um motor Darracq, de cinqüenta quilos e trinta cavalos de força. Tal motor movia uma hélice de madeira, construída por Lucien Chauvière e montada diretamente na extremidade do virabrequim. A hélice tinha um metro e oitenta de diâmetro e executava, num minuto, mil e oitocentas rotações. O domínio dos breques, da direção das rodas, cabia às mãos do piloto. Estas serviam de calços. A execução dos comandos se processava pelos movimentos do corpo do aviador, ou melhor, pelas inclinações do seu torso. E para a descida, Santos Dumont utilizava-se dos pés, a fim de abrandar o choque da retomada de contato com o solo. Ele modificou o carro de pouso, colocando em posição oblíqua as duas rodas dianteiras. Montou-as sobre suportes cruzados, pois queria evitar acidentes nas aterrissagens, ‘uma vez que não podia contar com os seus pés senão até um determinado limite’ ” (JORGE: 2003, 217).

“Evocando o Nº 20, o aeronauta declarou: ‘A Demoiselle media 10 metros quadrados de superfície de asas; era 8 vezes menor que o 14-bis! Com ela, durante um ano, fiz vôos todas as tardes e fui, mesmo, em certa ocasião, visitar um amigo em seu castelo. Como era um aeroplano pequenino e transparente, deram-lhe o nome de Libellule ou Demoiselle. Este foi, de todos os meus aparelhos, o mais fácil de conduzir, e o que conseguiu maior popularidade’ ” (JORGE: 2003, 217).

“Os materiais que emprega compõem uma poesia: a fuselagem é feita com longarinas de bambu; as asas, cobertas de seda japonesa; a hélice, de madeira; as juntas, de metal. Santos Dumont criou até o motor, um arranjo de dois cilindros horizontais opostos, baseado em um motor Dutheil-Chalmers para motocicleta. Colocou-o na frente do avião, e assim o piloto podia permanecer sentado durante o vôo. Seu desempenho era extraordinário. Atingiu velocidades superiores a – incríveis para a época – 100 quilômetros por hora e ganhou vários prêmios” (Gazeta Mercantil, pg. 1).

“O sucesso extraordinário da Demoiselle não despertou nenhuma ambição mesquinha no espírito de Alberto. Nobremente, ele fez este pedido a um repórter: ‘Se quer prestar-me um grande obséquio, declare, pelo seu jornal, que desejoso de propagar a locomoção aérea, eu ponho à disposição do público as patentes de invenção do meu aeroplano. Toda gente tem o direito de construí-lo, e para isto pode vir pedir-me os planos. O aparelho não custa caro. Mesmo com o motor, não chega a cinco mil francos’ ” (JORGE: 2003, 220).

“Aos pedidos de compra do projeto, para surpresa geral, Santos Dumont responde abrindo mão de qualquer direito. Chega a publicá-lo em detalhes, na revista americana ‘Popular Mechanics’. Henrique Lins de Barros, do Museu de Astronomia e Ciências Afins do Rio de Janeiro, conta que depois dessa publicação dezenas de pessoas em vários países do mundo copiaram o projeto do Demoiselle, fizeram pequenas modificações e patentearam como criações próprias, inclusive inventores como Fokker. Mais de 200 aparelhos semelhantes foram feitos nos anos seguintes” (Gazeta Mercantil, pg. 1).

“Com o ‘Demoiselle’, oficialmente, ele conquistou os prêmios de velocidade e bateu também o recorde de decolagem, deixando o solo depois de uma corrida de apenas 70 metros, enquanto que a marca menor estava nas mãos de Curtiss, um grande aviador norte-americano, que, em Bréscia, deixara o solo com 80 metro de corrida. Isso, para quem, há três anos passados, voava a 40 quilômetros horários” (VEADO: 1973, 162).

O almanaque brasileiro de O Malho, em 1909, corroborando a frase de que “ninguém é profeta em sua própria terra”, tentou desprestigiar a obra de Santos Dumont, em benefício dos irmãos Wright: “ ‘Mas tudo isso, que parecia assombroso, foi ultrapassado pelo gênio inventivo de dois norte-americanos, os irmãos Orville e Wilbur Wright, que resolveram positivamente o problema da navegação aérea pelo mais pesado do que o ar’ ” (JORGE: 2003, 224). “O fulano que rabiscou isto se esqueceu de que os irmãos Wright haviam requerido em 1904, na Inglaterra, a patente para um planador simples, sem motor. Ora, se eles voaram com um ‘mais pesado do que o ar’ em 1903, conforme afirmavam, por que razão queriam tirar a patente? E além de tudo, que valor podemos dar a fotografias autenticadas pelos próprios interessados?” (JORGE: 2003, 224).

“É necessário acentuar o seguinte: naquela época o embaixador norte-americano em Paris, o sr. Henry White, dirigiu e custeou uma campanha a favor dos irmãos Wright, destinada a proclamar que ambos eram os ‘inventores do avião’, os únicos que tiveram ‘a glória de realizar o primeiro vôo num aparelho mais pesado do que o ar’. E o diplomata ianque não gastou apenas milhões de dólares: para alcançar o objetivo, fez valer toda a influência do seu cargo junto a personalidades científicas” (JORGE: 2003, 224-225).

“Quando o Salão da Aeronáutica foi inaugurado no Grand Palais dos Campos Elíseos, a Demoiselle logo se tornou o aeroplano mais popular. Suplantou em garbo, em prestígio, em souplesse, os outros aparelhos, que ao lado dela assumiram o aspecto de enormes e pesadas caranguejolas. No dia 8 de novembro, Alberto obteve um prêmio da Academia de Ciências de Paris: a medalha de ouro. Ele a recebeu devido aos serviços prestados à aviação” (JORGE: 2003, 225). Por que os irmãos Wright não obtiveram a mesma medalha, apesar dos milhões de dólares injetados pelo diplomata americano na cuca dos cientistas franceses? Ora, porque não mereciam, pelo menos até então, receber nenhuma medalha, nem mesmo de lata.

Ainda sobre a “Libélula” de Santos Dumont: “A frágil e mimosa libélula de asas de seda proporcionou grandes emoções a Santos Dumont. Graças ao seu ‘inseto’, o inventor obteve a ‘carta de piloto’ de monoplanos: ‘Fiquei, pois, possuidor de todas as cartas da Federação Aeronáutica Internacional: piloto de balão livre, piloto de dirigível, piloto de biplano e piloto de monoplano. Durante muitos anos, somente eu possuía todas estas cartas, e não sei mesmo se há já alguém que as possua. Fui, pois, o único homem a ter verdadeiramente direito ao título de Aeronauta, pois conduzia todos os aparelhos aéreos. Para conseguir este resultado, me foi necessário não só inventar, mas também experimentar, e nestas experiências tinha, durante dez anos, recebido os choques mais terríveis; sentia-me com os nervos cansados” (JORGE: 2003, 225).

Santos Dumont “imaginava que um dia os aviões seriam como automóveis aéreos e cada pessoa teria um para ir ao trabalho. Não ficou contente com os rumos que a aviação comercial tomou, ao construir aviões maiores e mais caros, desviando-se do que ele tinha como objetivo (aviões a preço de automóvel). Chegou a vender 40 Demoiselles e não se opunha a que outros copiassem o projeto e o comercializassem” (http://pt.wikipedia.org/wiki/Santos_Dumont - “Curiosidades”).

A revista A Ilustração de 12 de fevereiro de 1910, mostrava um anúncio de fabricantes de aviões. “Um ‘Blériot nº 11’ custava 12.000 francos, sendo gratuita a aprendizagem; um ‘Antoinette’, 25.000 francos; um biplano ‘Voisin’, sem motor, 12.000 francos; um ‘Farman’, 13.000 francos. Os motores tinham mais ou menos preço idêntico. O ‘Demoiselle” era o mais barato. Um, sem motor, 2.000 francos; com motor de 30 cavalos, 9.000 francos; com motor leve, 5.000 francos” (VEADO: 1973, 169-170).


Santos Dumont, cidadão do mundo

Em março de 1910, correu a notícia de que Santos Dumont encontrava-se esgotado e que iria abandonar a aviação, dispensando seu mecânicos, entre os quais o Sr. Chapin. “Se em 1918, conforme sabemos, Alberto era um caso completamente diagnosticado e insofismável de esclerose múltipla, podemos presumir que no ano crucial de 1910 ele já apresentava alguns sintomas dessa doença. Sim, pois ela, em regra, é de evolução demorada, de natureza progressiva. A vítima, depois do aparecimento dos primeiros indícios, quase sempre chega a viver cerca de vinte anos” (JORGE: 2003, 228).
“Só há uma explicação lógica para justificar a atitude de Santos Dumont no começo de 1910: a sua certeza de estar com uma doença incurável. E é bem possível que o seu médico não lhe ocultou a verdade” (JORGE: 2003, 229).

Santos Dumont foi descansar e se tratar em Nice. O Aero Clube da França fez uma homenagem ao inventor, construindo no campo de Bagatelle uma coluna de granito, com a seguinte inscrição:

“Ici
Le 12 Novembre 1906
Sous Le Contôle De
L’Aéro Club De France
Santos Dumont
A Établi Les Prmiers
Records D’Aviation Du Monde.
Durée: 21 s 1/5
Distance: 220 ms”
(JORGE: 2003, 230).

Começa a “época heróica” da aviação, em que os “loucos voadores” (fous volants) começam a fazer loucuras para quebrar todos os recordes e alcançar a “glória das asas” (la gloire dês ailes) – a começar pelo general Mensier que, à semelhança de um certo presidente, não se lembrava do que havia assinado 10 anos antes...

“No dia 23 de setembro (de 1910), o sul-americano Géo Chavez consegue sobrevoar os Alpes. Subiu a uma altura de dois mil e seiscentos metros, porém ao aterrissar próximo a Domodóssola, as asas do seu Blériot cederam e se quebraram. Ele faleceu, embora o tirassem ainda vivo dos destroços. Tinha apenas vinte e três anos e pertencia a uma das mais nobres famílias do Peru” (JORGE: 2003, 230).

“Em 6 de dezembro de 1912, Roland Garros atingiu a altitude de cinco mil, seiscentos e dez metros. Desta maneira, realizou-se a previsão de Santos Dumont, feita na época das suas primeiras experiências: o aeroplano ainda seria capaz de elevar-se a altitudes superiores a cinco mil metros” (JORGE: 2003, 231).

O presidente da França, Raymond Poincaré, apresentou à Câmara um “projeto de lei sobre a navegação aérea”, em que citava, em duas passagens, o nome do inventor do Demoiselle:

“Em 12 de novembro de 1906, Santos Dumont efetuava o primeiro vôo devidamente controlado, sobre o prado de Bagatelle, mas não ultrapassando mais do que duzentos e vinte metros. (...) Nasceu uma nova forma de locomoção, sendo suficiente, para caracterizar a rapidez do seu desenvolvimento, citar os seguintes recordes: Em 1906, Santos Dumont: vôo de duzentos metros” (JORGE: 2003, 232).

No dia 14 de outubro de 1911, era fundado no Rio de Janeiro o Aeroclube do Brasil, por Irineu Marinho, Luís Guimarães, Sampaio Corrêa, César Vergueiro, Vitorino de Oliveira e Maurício de Lacerda.

Os sócios do Aero Clube de Paris conseguiram que Santos Dumont fosse promovido a comendador da Legião de Honra. “E também resolveram erguer-lhe um monumento em Saint-Cloud, no bairro de Val d’Or. Esta obra seria montada pela firma Leliévre e construída pelo escultor Georges Collin, um dos expoentes da ‘escola do realismo bruto’. (...) Sobre uma coluna de granito, via-se a figura de Ícaro, abrindo as asas, levantando-se na ponta dos pés, de peito estufado, músculos retesos, lábios contraídos, expressão severa e olhar enérgico, ambicioso, de quem deseja voar em companhia das águias ou dos condores. Embaixo da estátua, na pedra, o perfil de Alberto achava-se num medalhão de bronze. A seguir, havia esta legenda:

‘Ce Monument
A Été Eleve
Par
L’Aéro-Club De France
Pour Commémorer Lês Expériences
De
Santos Dumont
Pionnier
De La Locomotion Aérienne’ ”
(JORGE: 2003, 232-233).

Logo após a homenagem de inauguração do monumento, que ocorreu no dia 19 de outubro de 1913, Santos Dumont participou de um almoço, ocasião em que seu fiel auxiliar, o mecânico Chapin, foi agraciado com lês palmes d’Officier d’Académie, “distinção honorífica que é concedida não só aos artistas e intelectuais, mas também aos que se distinguem no setor da técnica ou da mecânica” (JORGE: 233).

Segundo conta o jornalista e escritor Edmar Morel, autor do livro O Pai da Aviação, “logo que as tropas nazistas invadiram a França, em 1940, elas derrubaram o monumento. Tinham fome de bronze para fazer canhão e munição. Meteram o Ícaro nas fornalhas e lá ele se derreteu como se derreteu a cera do Ícaro da lenda. (...) Os franceses, sempre amigos do Brasil, mal terminou a guerra, com a derrota do nazismo, demonstraram essa amizade e sua repulsa por esse ato de verdadeiro barbarismo e de atentado à civilização: mandaram reconstruir o Ícaro, na mesma oficina onde fora fundido o primitivo” (VEADO: 1973, 230).

No dia 2 de janeiro de 1914, Santos Dumont retorna ao Brasil, desembarcando no Rio de Janeiro. A acolhida foi calorosa e, da mesma forma que o povo comemorou o feito do dirigível “Nº 6” em volta da Torre Eiffel, houve “discursos inflamados, chuvas de flores, bandas de música, aclamações delirantes. Ele entrou num carro à Daumont e um grande cortejo o acompanhou até a casa do seu irmão Henrique” (JORGE: 2003, 236). Era a Belle Époque da capital, e Santos Dumont assistiu junto com a haute gomme a obras líricas, como A bela madame Vargas, de João do Rio. Era a época em que desfilava na sociedade Dona Laurinda Santos Lobo, a “marechala das elegâncias”, se ouvia gramofones Pathé, as madames tinham “cinturas de vespa” e ostentavam chapéus que pareciam “jardins suspensos”, cheios de fitas, flores e plumas, como se fossem “ninhos de passarinho”. No carnaval de 1914, a música mais cantada foi A cabocla Caxangá, de Catulo da Paixão Cearense. Santos Dumont mantém-se afastado dessa “irreprimível demência coletiva”.

Poucos dias depois de sua chegada ao Rio, Santos Dumont vai a Petrópolis, abriga-se na casa de seu amigo Paulo de Frontin. Regressa depois ao Rio, segue para Ribeirão Preto e, mais tarde, para Minas, longe dos estertores da Belle Époque, que começa a findar ao som do primeiro canhão da I Grande Guerra, quando em 4 de agosto os alemães invadem a Bélgica. “Alguns dias depois o dirigível Z-IX lança nove bombas sobre Antuérpia, que matam mais de vinte pessoas. Em 8 de outubro, os aviões do Royal Flying Corps bombardeiam Colônia. Só no dia 21 de dezembro a Alemanha se vinga desse ataque aéreo, pois um dos seus aeroplanos despeja, pela primeira vez, várias bombas no solo da Inglaterra” (JORGE: 2003, 237-238).

Santos Dumont tem depressão psíquica, pois seu invento estava sendo utilizado como arma mortal contra outros seres humanos. “Apesar do seu amor à paz, Alberto alista-se para ajudar a França. E com este objetivo, trabalhando como simples motorista, prestou serviços em Bordéus”. Logo que a frente ocidental se estabilizou, ele resolveu passar uma temporada na sua casa de Bénerville. E lá voltou a usar o telescópio. A habitação, construída no alto de uma encosta, vivia iluminada todas as noites. Por causa disso, alguns moradores do lugarejo, excessivamente desconfiados, acharam que aquele estrangeiro estava fazendo sinais para os submarinos inimigos... Conseqüência: Santos Dumont foi acusado de ser espião! E embora houvesse apresentado protestos veementes, um chefe de polícia mandou efetuar uma busca na residência. A fim de desfazer o equívoco, tornou-se necessária a intervenção da diplomacia brasileira. E quando o caso se encerrou, o governo francês pediu desculpas a Alberto, mas este ficou possesso, sentiu-se ultrajado. Decidiu arrumar as malas e voltar à América do Sul. Antes de viajar, dominado por um acesso de furor, queimou todos os seus papéis: notas, cartas, projetos, centenas de documentos. Destruiu tudo. Metamorfoseou este dossiê valiosíssimo, de importância básica para a compreensão de sua alma, num punhado de cinzas” (JORGE: 2003, 238).

No dia 28 de dezembro de 1915, é inaugurado em Washington o Segundo Congresso Científico Pan-Americano. Membro desse conclave, Santos Dumont pronunciou um discurso surpreendente, em que o pacifista se transforma em estrategista militar: “O aeroplano provou a sua importância suprema nos reconhecimentos. De seu bordo, podem-se localizar as trincheiras inimigas, observar os seus movimentos, o transporte de tropas, munições e canhões. De bordo do aeroplano, por meio da telegrafia sem fios, ou de sinais, pode-se dirigir o fogo das forças. Por meio de informações transmitidas pelo telégrafo sem fios, grandes peças de artilharia podem precisar seus tiros contra as trincheiras e baterias inimigas. O avião é de maior valor na defesa das costas do que os cruzadores. A aviação revelou-se a mais eficaz arma de guerra, tanto na ofensiva como na defensiva” (JORGE: 2003, 241).

Em 1916, após o Congresso Científico Pan-Americano (que acabou no dia 8 de janeiro de 1916), Santos Dumont aceitou o convite do Aero Clube da América para representÁ-lo em março no Chile, por ocasião do Congresso Pan-Americano de Aeronáutica. De Valparaíso, Santos Dumont chegou a Santiago, onde o esperavam representantes do Aero Clube Chileno e uma multidão que desejava cumprimentá-lo e pedir autógrafo. “Realizou-se, em sua honra, um imponente banquete, os jornais publicavam longos artigos sobre ele, e as ‘Anitas, Pepas, Conchitas e Luchas’ solicitavam-lhe fotografias com dedicatórias” (JORGE: 2003, 243). Hospedado, enfim, num hotel, ao lado do diplomata Luís Gurgel do Amaral, Santos Dumont fez esta pergunta: “ ‘Seu Amaral, como vamos aqui de mulherzinhas?’ Deixemos o nosso representante descrever o impacto que recebeu: ‘Sem nunca ter sido nenhum pudibundo e muito menos disfarçado santarrão, confesso, no entanto, ter ficado chocado com essas iniciais provas de intimidade de quem mal acabara de conhecer, sensação assim como se por primeira vez ao lado de Thomas Edison, ouvisse dele o apelo de leva-lo a um bordel!... Esquecia-me que as celebridades têm seus fracos...’ ” (JORGE: 2003, 243). E ainda tem gente que diz que Santos Dumont tinha pendores homossexuais!

Santos Dumont fez uma viagem de aeroplano, pilotado por David Fuentes, de Santiago até Viña del Mar, perto de Valparaíso. Ao voltar da viagem, o inventor queixou-se a Gurgel do Amaral: “O rapaz era meio maluco e, ao meu lado, quis fazer bonito, mostrando habilidades perigosas! Vi as coisas pretas e não gostei nada da brincadeira! Agüentei firme, mas em outra não me meto!” (JORGE: 2003, 244).

No dia 23 de agosto de 1916, foi criada a Escola de Aviação Naval. Seu primeiro comandante foi o capitão-de-fragata Protégenes Pereira Guimarães, mais tarde ministro da Marinha.

Em 1918, acaba a I Guerra Mundial. Segundo a obra “La conquête de l’espace, de Marie-Hélène Reynard, Patrick Facon e Philippe de La Cotardière, na época do conflito a França perdeu 5.533 pilotos; a Alemanha, 8.648; a Inglaterra, 9.378” (JORGE: 2003, 252). No mesmo ano, no dia 17 de setembro, chega ao Rio de Janeiro a gripe espanhola, a bordo do Demara. Esse flagelo levou à sepultura cerca de 20 milhões de pessoas, só na Índia foram 12 milhões.

No final do mesmo ano, “uma emenda ao orçamento da Viação para 1919, assinada pelos deputados Efigênio Sales, Augusto de Lima e Francisco Valadares, determina que seja entregue, a Santos Dumont, a casa em que ele nasceu, lá na região da Mantiqueira” (JORGE: 2003, 260). Santos Dumont passa a guardar no chalé os seus troféus, as medalhas, as condecorações, os livros, jornais e revistas que descrevem suas façanhas. Santos Dumont colocou o nome de “Fly” em sua cadelinha da fazenda, por quem tinha grande afeição. Seria uma homenagem ao cão “Flyer” dos irmãos Wright, ou apenas uma gozação? “Eu pretendo ir aí na segunda-feira. Tome cuidado para que a Fly não vá com outro cachorro. É melhor prendê-la no galinheiro de noite” (JORGE: 2003, 264).

No dia 10 de julho de 1919, nasceu a Escola de Aviação Militar, subordinada ao Exército e localizada no Campo dos Afonsos, Rio de Janeiro. “O seu primeiro comandante foi o tenente-coronel Estanislau Vieira Pamplona, que tinha a colaboração de uma missão francesa, chefiada pelo coronel Etienne Magnin. E, em 1927, pela Lei nº 5.168, de 13 de janeiro, era criada a Arma de Aviação do Exército, ao lado com as demais Armas – a Infantaria, a Cavalaria, a Artilharia, a Engenharia e a Intendência” (VEADO: 1973, 31). O ministério da Aeronáutica foi criado em 20 de janeiro de 1941, pelo Decreto-lei nº 2.961, com as assinaturas de Getúlio Vargas, presidente do Brasil, do general Eurico Gaspar Dutra, ministro do Exército, e do almirante Aristides Guílhem, ministro da Marinha.

Depois da I Guerra Mundial, Santos Dumont voltou novamente à França. Além de bom “adestrador” de balões, o inventor mostrou-se também competente na arte de domar cães: “Adquiriu um galgo de cor escura e, após treiná-lo, fez o animal ganhar uma ‘corrida de cães’: o Grand Prix de Saint-Cloud” (JORGE: 2003, 271).

Em 1927, a bordo do “Spirit of St. Louis”, Charles Lindbergh, dos EUA, voou de Nova York a Paris, sem escalas.

Em 1927, Santos Dumont “experimentou em Belleville, à beira-mar, um outro invento de sua autoria: ‘o canhão salva-vidas’. Este atirava, a uma distância de quatrocentos metros, dois balonetes que se enchiam de gás quando entravam em contato com a água. Portanto, transformavam-se em bóias salva-vidas. Segundo informa Fausto de Almeida Prado Penteado, o canhão, logo na primeira experiência, salvou dois franceses que estavam sendo arrastados pelo mar em fúria. E o mesmo autor declara que devido a isto, Alberto ganhou a condecoração da Grande Cruz da Legião de Honra, ‘somente atribuída aos salvadores de vidas’ ” (JORGE: 2003, 278).

No dia 3 de dezembro de 1928, Santos Dumont chega ao Rio de Janeiro, a bordo do transatlântico Cap Arcona. “Ao encontro do navio saíram diversos barcos embandeirados e um aeroplano da Companhia Kondor, chamado ‘Santos Dumont’, no qual viajava um ‘comitê de recepção’, formado pelas seguintes pessoas: Tobias Moscoso, Amoroso Costa e Ferdinando Laboriau, professores da Escola Politécnica; Frederico de Oliveira Coutinho, presidente do diretório acadêmico deste estabelecimento; Amauri de Medeiros, representante da Academia de Medicina; o engenheiro Paulo de Castro Maia e o jornalista Abel de Araújo, acompanhado da esposa. (...) De súbito, ao tentar desviar-se de um outro aparelho, perdeu o equilíbrio, começou a cair e precipitou-se no mar. Em breves segundos, desapareceu no seio das águas. Botes, lanchas e canoas, em plena velocidade, rumaram para o local. Esforço inútil, ninguém escapou, todos morreram, inclusive os pilotos e um funcionário da Kondor” (JORGE: 2003, 278). Santos Dumont ficou muito entristecido com a tragédia e murmurou com os olhos úmidos: “ ‘Sempre tenho pedido que não voem à minha chegada... O alvoroço causa grandes imprudências... Quantas vidas sacrificadas por minha humilde pessoa!’ Mas o seu calvário não havia terminado: fez questão de assistir, dias e dias a fio, a todos os trabalhos para a recuperação dos corpos. Sempre que um era achado, ele adquiria uma coroa e acompanhava o enterro até o cemitério” (JORGE: 2003, 279).

No final de dezembro, “Alberto concedeu uma entrevista ao O Malho, durante a qual mostrou como funcionava o ‘transformador marciano’. E ainda se referiu a um novo aparelho que ele inventara, chamado ‘ornitóptero’. Este apresentava semelhança com o outro. O repórter quis saber de que modo seriam feitas as asas do tal aparelho. Santos Dumont explicou: ‘Numa peneira, já construída, por sinal, distribuí em tubos atravessados por fios metálicos, animados por uma pilha elétrica, plumas de pelicano. Em ação, a peneira desce, ao mesmo tempo que as plumas se elevam, surgindo desse desencontro de forças o movimento preciso que um pássaro faz quando está voando...’ ” (JORGE: 2003, 279). Pura distração do inventor, ou seria uma prova da confusão de idéias que assolava seu íntimo, causada pelo avanço da esclerose múltipla?

Santos Dumont foi um forte defensor do hidroavião: “ ‘Os grandes rios, que cortam o Brasil em todas as direções, são todos eles linhas de penetração de primeira ordem para as bandeiras aéreas que deverão pôr o litoral em comunicação permanente com o sertão. Não vejo em que se deva, por exemplo, falar em linhas de aviação daqui para São Paulo. Entre São Paulo e Rio, no que se deve pensar é em estabelecer por enquanto, como sistema de comunicação aérea, as linhas de hidroplanos. A costa daqui até Santos oferece condições e muito mais segurança do que a natureza acidentada da Serra do Mar. No atual momento da aviação, acho que não se deve pensar em comunicações entre Rio e São Paulo de avião, mas sim insistir nas ligações por hidroavião’ ” (JORGE: 2003, 281).

Santos Dumont regressou uma vez mais a Paris, hospedando-se na casa de um amigo. Seu sobrinho, Jorge Villares, afirmou que o inventor passou a ter “crises de amnésia repentina, em contraste com um dinâmico poder de memória, noutras ocasiões. Enquanto a lucidez da sua lembrança, certas vezes, espantava pela precisão de minúcias, em outras, que eram raras, de nada sabia, perdendo por completo o sentido do passado a até do presente, do que o circundava” (JORGE: 2003, 281). Com a influência do embaixador Souza Dantas, Santos Dumont foi promovido pelo governo francês a Grande Oficial da Legião de Honra. Num banquete organizado no Claridge Hotel pelo Aero Clube da França, a condecoração foi entregue pelo próprio ministro do Ar, Laurent Eynac.

No dia 4 de outubro de 1930, um dirigível britânico, o “R.101”, iniciou uma viagem com destino à Índia. Transportando 54 passageiros, o dirigível atravessou o canal da Mancha e explodiu em Allones, próximo a Beauvais. Apenas 4 pessoas sobreviveram ao desastre. Abatido, prostrado na cama em estado de completo esgotamento nervoso, Santos Dumont foi aconselhado por amigos a procurar repouso num sanatório de Préville, em Orthez, nos Baixos Pirineus. “Apreensivo, cada vez mais agitado, e após uma tentativa de suicídio, Santos Dumont resolve abandonar Orthez, pois o inverno o irrita, bole com os seus nervos. E ele se transfere para um sanatório em Biarritz. Yolanda Penteado, a bela jovem que Alberto cortejava, foi visitá-lo. Ela o achou com um ar alheio, distante, estendido no leito. Fitando a moça, ele pertuntou ao médico: ‘Quem é essa mulher?’ A jovem se despediu muito triste, sentindo um peso no coração. E pensou: ‘tudo tinha acabado’. De fato, nunca mais viu o amigo, o homem gentilíssimo que lhe trazia flores, bonbons e a levava a passear...” (JORGE: 2003, 283).

No dia 4 de julho de 1931, Santos Dumont tornou-se membro da Academia Brasileira de Letras, apesar dos comunicados de desistência do inventor enviados da Europa.

Antônio Prado Júnior, expulso do Brasil pela ditadura Vargas, ao chegar a Paris, procura obter notícias de Santos Dumont, localiza o velho amigo e manda telegrama à família, relatando a precária situação do inventor. Jorge Dumont Villares, sobrinho de Santos Dumont, viaja à Europa e volta com o tio enfermo, em meados de 1931. Reportando a chegada de Santos Dumont ao Brasil, assim se expressa o jornalista M. Paulo Filho: “ ‘Quando de seu último regresso de Paris, atracando o navio no porto do Rio de Janeiro, a reportagem foi encontrá-lo de maneira curiosa e até pitoresca. No deck, andando de um lado para o outro, Dumont tinha amarrado às costas um estranho aparelho que de longe se afigurava aos demais um torpedo de menos, talvez, de meio metro de comprimento, cheio de pilhas e enfiações. Explicava ele que aquilo era o símbolo do moderno homem-voador. Seria o seu derradeiro invento. A ciência desmancharia a lenda do Ícaro. Com aquele aparelho às costas, o homem voaria e se dirigiria para onde quisesse. Os jornalistas, como já haviam feito os demais a bordo, perceberam que o inventor não era o mesmo retraído e discreto de sempre. Falava, agitava-se, exibia-se. Queria que todos o vissem e embasbacassem’ ” (JORGE: 2003, 284). Uma coisa é certa: a esclerose múltipla estava se propagando, sem dó nem piedade.

No dia 7 de setembro de 1931, Santos Dumont comparece ao Cartório do Segundo Ofício, em Sorocaba, onde o tabelião Renato Mascarenhas lavra o testamento do inventor, prova eloqüente de sua bondade:

“ ‘Primeiramente, depois de pagas todas as despesas do espólio, impostos, taxas, vintém, etc., quer que seja distribuída a quantia de 100 contos de réis entre casas ou instituições de caridade, da capital do Estado de São Paulo e do Rio de Janeiro, à escolha e juízo de seu inventariante testamenteiro, assim como quer que seja distribuída a quantia de 5 contos de réis a cada um de seus afilhados, que são Henrique, filho de sua sobrinha Virgínia; Alfredo, filho de sua irmã Gabriela; Alberto, filho de sua sobrinha Flávia; Thierry Tissandier, filho de seu amigo Tissandier, de Paris; um filho de seu amigo Emmannuel Aimée, também de Paris; um filho do sr. Efigênio Sales, seu amigo do Rio, cujo filho também batizou; e Beatriz, filha de seu fornecedor Orlando, em João Aires, também sua afilhada’ ” (JORGE: 2003, 285-286). Santos Dumont mostrou seu reconhecimento a Jorge Villares: “ ‘No primeiro caso, a importância maior será atribuída ao meu sobrinho Jorge Dumont Villares, como lembrança pela companhia excepcional que me fez em fins de minha vida. No segundo caso, excedendo à quantia de mil e quinhentos contos, uma das quotas, terças ou então equivalentes, deverá ser atribuída ao mesmo sobrinho’ ” (JORGE: 2003, 286).

Em 1932, Santos Dumont assiste seu invento ser utilizado para bombardear cidades brasileiras durante a Revolução Constitucionalista de São Paulo, que estourou em 9 de julho. Durante a Guerra do Contestado, que durou de 1912 a 1916, o Exército já havia utilizado aviões em Santa Catarina e no Paraná, apenas para reconhecimento e observação aérea. Durante a Guerra, em 1915, morreu em desastre aéreo o capitão Ricardo João Kirk, atual patrono da Aviação do Exército. “A Aviação do Exército ressurgiu através do Decreto n° 93.206, de 03 de setembro de 1986, com a criação do Primeiro Esquadrão de Aviação do Exército em Taubaté, no interior do estado de São Paulo. Após sucessivas reorganizações, no dia 01 de janeiro de 2005 os Esquadrões de Aviação passaram a ser denominados Batalhões de Aviação, com a estrutura composta basicamente por uma Companhia de Comando e Serviços, duas Companhias de Helicópteros de Emprego Geral que realizam principalmente operações aeromóveis e uma Companhia de Manutenção e Suprimento. Como integrantes da Força de Ação Rápida (FAR), os Batalhões de Aviação do Exército, dentro de suas capacidades, podem atuar em qualquer lugar do país” (http://www.spotter.com.br/esquadroes/exercito_02.htm).

Em 23 de julho de 1932, Santos Dumont estava hospedado em um hotel em Guarujá, com seu sobrinho Jorge Villares. Santos Dumont ouviu sons de um bombardeio próximo ao Guarujá e pediu que seu sobrinho levasse um recado à portaria. Santos Dumont subiu até o quarto pelo elevador e “enforcou-se com o pescoço atado a duas gravatas vermelhas nas ferragens do banheiro” (Jornal da Comunidade, pg. B5).

“Quando os policiais chegaram ao hotel, eles viram, da clarabóia do banheiro, o corpo de Alberto ‘pendurado numa gravata ou num cordão do roupão’. Arrombaram a porta. E dali tiraram o cadáver de Santos Dumont, que impressionou a todos, pois ele estava magríssimo, parecia ‘um feixe de ossos’. Dois amigos do morto, vestidos de luto, Arnaldo Vilares e Ricardo Severo, levaram a notícia ao palácio dos Campos Elíseos. Então o governador Pedro de Toledo ordenou de modo peremptório: ‘Não haverá inquérito, Santos Dumont não se suicidou’. O dr. Tirso Martins, chefe de polícia, comunicou-se com o delegado Raimundo de Menezes e transmitiu a ordem: ‘Como se trata de glória nacional, não abra inquérito a respeito. Constate a morte, por meio do legista. Entregue o corpo à família. Não forneça dados do ocorrido à imprensa’. Devido a isto, só a 3 de novembro de 1955, seria registrado o óbito. Portanto, vinte e três anos depois do falecimento” (JORGE: 2003, 289).

A obra de Wilson Veado opta também por esconder a causa mortis de Santos Dumont para o público – talvez uma imposição não-declarada dos governos militares pós-1964: “Santos Dumont padece. Está nos últimos momentos. Não pode resistir mais à dor que lhe amargura o coração. O aeroplano, o seu aeroplano, usado para matar irmãos! E ele sucumbe à aflição. A mágoa é profunda e não tem fim. Agora, ele deverá ir descansar na mansão dos heróis. E um dia... um dia, o Condor abaixou as asas. Curvou o pescoço. A cabeça altaneira e dominadora inclinou-se. Não mais voaria. Santos Dumont morrera! Era o dia 23 de julho de 1932. Matara-o a angústia” (VEADO: 1973, 244).

“Em sua homenagem, o general Góis Monteiro, comandante das forças legalistas, decretou um armistício nos combates e o Brasil entrou em luto. A nação brasileira o tem homenageado com seu nome em ruas, praças, aeroportos e o Ministério da Aeronáutica conseguiu do governo brasileiro o título de Marechal-do-Ar e Patrono da Aviação. (...) O coração de Alberto Santos Dumont está numa redoma de vidro no pequeno Museu da Força Aérea Brasileira, no Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro, e seu legado está agora no Panteão da Pátria como um Herói da Pátria e da nação brasileira que o Estado de Minas Gerais deu ao Brasil, e o Brasil à humanidade” (Jornal da Comunidade, pg. B5).

Quando o corpo de Santos Dumont foi transladado para o mausoléu que ele próprio construíra no Rio de Janeiro, no dia 17 de dezembro, quase ninguém estava à sua espera na Estação D. Pedro II. O repórter Edmar Morel assim descreve o rápido olvido do verdadeiro herói nacional, substituído por um herói efêmero: “A despeito de ter sido um dia de domingo, um dia de intensa vagabundagem, não foi possível reunir mais de 100 pessoas na estação de D. Pedro II. Note-se que setenta e duas horas antes, num dia de trabalho, esta mesma gare estivera superlotada, sendo necessária a intervenção policial. Vinte guardas foram solicitados pela Confederação Brasileira de Desportos para impedir que uma multidão, no auge do delírio, esmagasse a figura nacional de Fausto, um jogador de futebol que havia realizado um feito notável, um feito que caracteriza a época. Fausto, com uma patada, empolgara milhares de brasileiros, homens, mulheres e crianças, fãs do clube cuja camiseta Fausto soube defender com inteligência e com glória’ ” (JORGE: 2003, 290-291).

Depois de sua morte, foi encontrado na casa de Santos Dumont, em Minas Gerais – que ele devolvera ao governo federal, certamente para ser um futuro museu -, o retrato de uma jovem e bela mulher, com a seguinte dedicatória: “Au conquerant de l’air, une toute petite étoile – M. Ricolle” (“Ao conquistador do ar, uma pequenina estrela – M. Ricolle”)”. “É possível que esta ‘pequenina estrela’, tão humilde, tão simples, tivesse uma luz profunda, maravilhosa, luz que talvez iluminou e aqueceu, durante muitos anos, a vida cheia de lutas e de glória do nosso grande Alberto Santos Dumont” (JORGE: 2003, 291).


O cão “Flyer” dos irmãos Wright

Aeroplano “Flyer”, dos irmãos Wright
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Wrightflyer.jpg)

Os irmãos Wright (http://pt.wikipedia.org/wiki/Irm%C3%A3os_Wright) eram fabricantes de bicicletas artesanais. Inspirados pelo alemão Otto Lilienthal, resolveram projetar um aparelho mais pesado que o ar e voar. Inicialmente, fizeram testes com planadores, nas praias de Kitty Hawk, na Carolina do Norte, onde há ventos permanentes de 40 km/h. Só existe uma foto dos quatro vôos que realizaram em 17 de dezembro de 1903.

Só a partir de 1908, 2 anos após o vôo de Santos Dumont, os irmãos
Wright admitiram mostrar seu invento em público. Deram o nome de “Flyer” ao seu aparelho, em homenagem ao cãozinho da família. Ou seja: a primazia da invenção do avião é uma verdadeira briga de cão e gato, do gato “Júlio” de Santos Dumont, contra o cão “Flyer” dos Wright. Ou, se quiserem, é uma briga entre cachorros mesmo: a cadelinha “Fly” de Santos Dumont, contra o cachorro “Flyer” dos Wright...

“A celeuma que ainda persiste de que os irmãos Wright teriam decolado em um aeroplano não foi documentada e é risível do ponto de vista da engenharia aeronáutica. O 14-Bis levantou vôo propulsado por um motor, enquanto o ‘Flyer’ dos Wright correu sobre um trilho numa alta duna de areia para aproveitar a Lei da Gravidade e, assim, ser favorecido por ela. Mesmo depois de o homem ter ido à Lua e toda evolução aviônica, aterrissar em um trilho é impossível. Quanto à utilização da catapulta, ela só é utilizada em aviões militares baseados em porta-aviões, e estes possuem rodas e são propulsadas por motores a combustão e a jato puro. Tomando por reforço o cancioneiro brasileiro, o vôo sem testemunhos dos irmãos Wright seria o samba ‘Conceição’. Ninguém sabe, ninguém viu” (Jornal da Comunidade, pg. B5).

No dia 17 de dezembro de 2003, os EUA comemoraram o Centenário da Aviação. “Para eles, o avião foi inventado pelos irmãos Wright, Wilbur e Orville, e voou, pela primeira vez, no dia 17 de dezembro de 1903. Segundo o físico Henrique Lins de Barros, autor do livro ‘Santos-Dumont, a Invenção do Vôo’, os norte-americanos só saíram do chão graças à força do vento, de 40 quilômetros por hora. ‘Com esse vento, qualquer um sai do solo numa asa delta’, afirma. ‘A máquina dos Wright não tinha potência suficiente (12 HP), nem trem de pouso, peça indispensável para fazer o movimento de rotação (subida do nariz) para decolar’. Além das provas científicas, há documentos que questionam a primazia dos Wright. Eles mantinham correspondência com um militar francês, o capitão Ferdinand Ferber – um visionário da aviação. Uma carta de Wilbur para Ferber, escrita em 1905, diz que não obtiveram sucesso em suas tentativas. Eles somem por três anos. Quando voltam à cena, seu aparelho tem rodas e um motor de 100 HP” (Correio Braziliense, 14/12/2003, pg. 22).

“O Flyer tinha apenas 12 HP de potência, insuficiente para um avião que pesava, vazio, 305 kg. O sistema de transmissão do motor para as hélices era feito por corrente, que desperdiçava 20% da força disponível. Sem sistema de pouso e decolagem era formado por esquis fixos, que não permitiam o movimento de rotação – transição entre a corrida em solo para o vôo, onde a cauda abaixa para o nariz subir” (CB, 14/12/2003, pg. 22).

Segundo Henrique Lins, “Wilbur e Orville Wright voaram escondidos e patentearam tudo. Historicamente conseguiram até atrasar a indústria aeronáutica americana com essa atitude. Santos Dumont voava diante do público, tinha a preocupação em provar para a sociedade que isso é possível. É uma posição muito romântica. Ele não está interessado na indústria, quer difundir o invento, incentivar outros a seguirem. E essa é a razão pela qual ele vai saindo de cena. O dirigível que a Goodyear tem hoje nos céus de São Paulo é o mesmo que ele projetou, só mudou o gás, mas ninguém sabe, porque outros foram colocando seus próprios nomes nas invenções dele” (Gazeta Mercantil, pg. 1).

“Wilbur, na França, efetuou vôos notáveis. Mas estes foram realizados nos fins de 1908, isto é, depois que o americano aproveitou as experiências de Santos Dumont, Farman, Blériot e de outros, para modificar a estrutura do aparelho. E só mais tarde, no campo de manobras de Auvours, no dia 8 de dezembro, ele chegou a voar quase cem quilômetros em circuito fechado, numa altitude de cento e dez metros e durante uma hora, cinqüenta e quatro minutos e cinqüenta e três segundos. Nesta ocasião, Wilbur ganhou, merecidamente, um prêmio instituído pelo Aero Clube de la Sarthe” (JORGE: 2003, 216).

“Os irmãos Wright alegavam que haviam voado em 1903, 1904 e 1905. No entanto, apenas diziam isso, sem apresentar provas de que haviam efetuado realmente seus vôos. Segundo se sabe, somente cinco pessoas assistiram a esse propalado primeiro vôo dos Wright, mas eram parentes deles ou amigos. Não houve nenhum registro oficial. Quando esses dois norte-americanos estiveram em Paris, no ano de 1907, solicitados a reproduzir seu vôo, tanto na capital francesa, como em Londres, não o fizeram. Por quê? Certamente porque ainda não estavam capacitados para fazê-lo. Tanto isso é uma verdade que procuraram Paris, que era o centro de aeronáutica mais importante do mundo naqueles tempos em que a navegação aérea ainda engatinhava” (VEADO: 1973, 56-57).

“Houve sempre prêmios polpudos e atraentes. No entanto, os dois Wright nunca apareceram para conquistá-los ou disputá-los publicamente, claramente. Até mesmo quando houve a afamada Exposição de Aeronáutica de Saint Louis, cujo prêmio maior era de 200 mil dólares, ou um milhão de francos, lá nos Estados Unidos mesmo, os dois irmãos não apareceram” (VEADO: 1973, 140).

“E foi só no dia 21 de setembro de 1908, em Auvours, na França, que Orville Wright e Wilbur Wright fizeram um vôo. Mas era assim: deslizavam sobre trilhos e uma máquina chamada ‘catapulta’ os jogava aos ares!... Ainda não voaram com os próprios meios, quando na França isto já era comum... Enquanto Santos Dumont voava a 23 de outubro de 1906, os dois irmãos só o faziam, de modo muito duvidoso, 22 meses e 28 dias depois. E o brasileiro subiu e desceu em Bagatelle num aparelho de três rodas: duas na frente e uma atrás, o que existe até hoje!” (VEADO: 1973, 142).

Mas não foram somente os irmãos Wright que tentaram ludibriar a opinião mundial. “O octogenário general Mensier declarou que em 1897 vira ‘nitidamente’ o Avion de Clément Ader deixar o solo, e depois ‘seguir assim a pista durante cerca de duzentos metros’. Portanto, segundo o general, foi Ader o primeiro homem que executou um vôo num aparelho ‘mais pesado do que o ar’. À vista disso, os franceses se encheram de orgulho. Ernest Archdeacon, comentando o fato, publicou um artigo sob o título ‘Qui a volé lê permier?’, onde solicitava, se fosse verdade o que se dizia, ‘uma reparação para Clément Ader’. Devido ao barulho provocado pelo caso, o general Brun, ministro da Guerra, divulgou um relatório de 1897, o qual afirmava, de modo inequívoco, que o Avion não havia voado. O documento, com a data de 21 de outubro de 1897, tinha as assinaturas do próprio general Mensier, presidente da comissão destinada a apurar o fato, do general Grillon, comandante de Engenharia do Governo Militar de Paris, do general Delambre, inspetor-geral permanente dos Trabalhos de Engenharia de Costa, e dos senhores Sarreau e Léauté, membros do Instituto e professores de mecânica da Escola Politécnica. Foi como ‘água em cima da fogueira’: o entusiasmo arrefeceu. Mesmo assim, até hoje, muitos franceses acreditam que Clément Ader, antes de Santos Dumont, realizou o vôo num ‘mais pesado do que o ar’ ” (JORGE: 2003, 230-231). Que feio, monsieur Mensier!


A invenção do relógio de pulso

Relógio “Santos”, de Louis Cartier
(http://www.cabangu.com.br/pai_da_aviacao/13-estilo/1-garboso.htm)

Muitos historiadores afirmam que Santos Dumont foi o criador do relógio de pulso. Puro engano, pois relógios de pulso já existiam na segunda metade do século XIX. “Nosso pai da aviação usava um relógio amarrado ao pulso e, dândi que era, lançava moda em Paris. Louis Cartier desenhou um relógio de pulso e batizou-o com o nome Santos. Era o suficiente para garantir o sucesso de vendas. (...) Os historiadores de guerra falam dele como objeto grosseiro, criado pelo exército prussiano e usado por comandantes de pelotões, que podiam coordenar seus ataques ao marcar a hora exata das ações. O relógio de bolso não seria prático o suficiente para quem estivesse num campo de batalha. A partir daí, o relógio de pulso passou a ser utilizado na vida civil e, apesar de ameaçado nos últimos tempos pelo telefone celular – que substituiu vários objetos cotidianos, como agenda, despertador e até lanterna – não saiu da vida da maioria” (Revista Florense, pg. 13).


A “Casa Encantada” de Petrópolis

Em Petrópolis, RJ, Santos Dumont começou a construir, no início de 1918, a “Casa Encantada”, localizada num terreno íngreme, à Rua do Encanto. Para o projeto, foi contratado Eduardo Pederneiras, que construiu no Rio o Copacabana Palace.

Casa de Santos Dumont
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“A Casa Encantada não tinha paredes internas. As divisões dos cômodos são feitas por sua localização nos diferentes planos do terreno. No plano mais baixo fica uma pequena oficina mecânica e uma câmara escura para fotografias. No segundo, a sala de estar-jantar e biblioteca. Desse plano sai uma escada que teve seus degraus desenhados como meio degrau, de forma que só é possível subir começando com o pé direito. Dizem que a disposição atende a uma proverbial superstição do inventor. (...) No terceiro plano fica o banheiro e um misto de escritório e dormitório. É que ele não tinha cama: usava a mesma superfície onde trabalhava, desenhava e escrevia durante o dia para colocar um colchonete à noite. (...) O banheiro, aliás, tinha uma grande novidade: um chuveiro feito com um balde colocado ao contrário, furado, e que tinha a água aquecida a álcool e duas alavancas: uma para abrir e fechar o registro, outra para regular a temperatura. Muitos autores, por desconhecerem registros de outros chuveiros até esse momento, atribuem a ele mais essa invenção. Desse plano sai uma porta dos fundos. Dali, uma passagem de madeira liga ao terraço de onde sai outro acesso, esse de folha de flandres, para a cobertura com um observatório astronômico” (Gazeta Mercantil, pg. 12).

O livro de Wilson Veado, Santos=Dumont – o menino de Cabangu em Paris, comete um equívoco ao dizer “Essa escada era, porém, diferente: os degraus foram recortados de tal maneira que, para se subir no primeiro, forçosamente tinha-se que usar o pé esquerdo” (VEADO: 1973, 233). Na verdade, a superstição de Santos Dumont mandava que se começasse a pisar primeiro com o pé direito, como se pode observar na figura abaixo.

Escada com meio degraus
http://www.cabangu.com.br/pai_da_aviacao/11-encantada/degraus_ext.jpg

“Vários objetos podem ser admirados na casa-museu. Alguns quadros mostram o 14-bis, a Demoiselle, e os diversos balões construídos pelo aeronauta. O retrato de uma bela jovem, cercado por moldura de prata, é a única figura de mulher que se vê na residência. A foto apresenta uma dedicatória quase ilegível, que nos obriga a fazer um esforço visual:

‘Uma admiradora chilena.
Luiza Villagran Imar
14 de junho de 1916 – Santiago’ ”
(JORGE: 2003, 257)

“Aqui há um mistério. Por que Santos Dumont guardou o retrato desta beldade? Ela foi ‘a mulher fatal’ de sua vida? Peter Wykeham acha que Alberto ‘pertencia àquele tipo de homem raramente descrito, e não infreqüente entre os ricos e vencedores, que é sexualmente neutro’. Mas o comandante Amadeu Saraiva, amigo íntimo do inventor, afirmou com segurança: ‘Santos Dumont não se casou porque desejava ser livre para arriscar a vida como entendesse, sem causar dano a ninguém. Como todo gentleman, ele não saía a contar a todo mundo as suas aventuras. Mas bem que ele as teve. Ele amou apaixonadamente uma atriz francesa, de certa projeção, com a qual chegou a viver algum tempo. Seu nome só quem sabe é André Gasteau, antigo mecânico de Santos Dumont’ ” (JORGE, 2003, 257).

Armando de Paiva Lacerda, autor do livro O médico e a serra, disse que Santos Dumont “não se contentava em apenas descrever as ‘arriscadas experiências aviatórias’, pois também se comprazia na evocação das suas aventuras nos cabarés de Paris, aventuras ‘bem menos perigosas e mais agradáveis e divertidas’ Só aos jovens patrícios, acrescenta Paiva Lacerda, o aeronauta se dispunha a soltar essas confidências, utilizando-se de um fino humor” (JORGE: 2003, 258).

Santos Dumont também arrastou suas “asas” para cima Yolanda Penteado, dama da sociedade paulista, autora de Tudo em cor-de-rosa, livro de memórias, e a convidou para uma visita em sua casa, em Petrópolis. A moça foi com a mãe e uma prima. “Santos Dumont a cortejava, revela a memorialista. Trazia-lhe flores e bombons, saindo com ela a passeio: ‘As pessoas que o conheciam melhor diziam que, quando ele me via, ficava elétrico. Ele andava muito a pé. Fazia alpinismo, e quando o conheci tinha por hábito subir e descer a pé o morro do Corcovado’. Yolanda e a tal prima, acompanhadas do inventor, costumavam tomar chá na Colombo, a tradicional confeitaria do Rio de Janeiro. A mãe da jovem, entretanto, pelo fato de enxergar isto de cenho franzido, sempre resmungava: ‘Esse velho, mais velho do que eu, e namorando a minha filha, só porque pensa que voa!’ ” (JORGE: 2003, 259).

A namorada platônica de Santos Dumont também afirmou que o inventor possuía “uma elegância refinadíssima” e que lançou a moda da bainha alta nas calças, chamada de “elevadores”. Segundo Yolanda, “Alberto era, sobretudo, muito supersticioso. Não pegava em nota de cinqüenta mil réis, tinha horror ao número treze. Contou-me que, quando voava, levava em volta do pescoço uma meia de Madame Letellier, que foi uma das mulheres mais famosas da Europa e tinha tido muita sorte na vida’ ” (JORGE: 2003, 259).

Santos Dumont, que era amigo também de Rodin e da Princesa Isabel, nunca se casou e há três interpretações para o fato: 1º) sofreria de uma homossexualidade não assumida; 2º) teria romances proibidos – o nome mais citado é o da rica cubana Aída D’Acosta, moradora de Nova York, e que freqüentou seu hangar em Paris, ocasião em que Santos Dumont a ensinou na arte de dirigir balões; e 3º) outros acham que os grandiosos projetos de Santos Dumont impediram uma vida familiar, que iria atrapalhá-lo nos inventos. Pelo que conhecemos de Santos Dumont, apresentado até aqui, a terceira hipótese é a mais aceitável. Embora tivesse alguns maneirismos e fosse um sujeito um tanto esquisito, a prova é que sempre correu atrás de mulheres e até propôs casamento, não aceito pela mãe da moça, devido à grande diferença de idade.

A TV Globo, na minissérie Um só coração, conta um pouco dessa história, em que Cássio Scapin, sósia do inventor, compete com o intérprete de Assis Chateaubriand, pelo amor de Yolanda Penteado (http://pt.wikipedia.org/wiki/Um_S%C3%B3_Cora%C3%A7%C3%A3o).


Outros inventores brasileiros

Santos Dumont nunca quis registrar seus inventos. Mão aberta que era, distribuía os prêmios conquistados entre seus empregados e pobres de Paris. Se ele tivesse registrado a patente de seu 14-Bis, com o qual recebeu dois prêmios em Paris, em frente a centenas de testemunhas, feito homologado pela Federação Internacional de Aeronáutica, além de efetivamente ser o “Pai da Aviação”, sem contestação dos irmãos Wright, teria trazido enormes benefícios ao Brasil. Infelizmente, Santos Dumont era apenas um rico jovem romântico, descuidou-se de patentear o invento, e logo outros o fizeram, iniciando a criação de várias empresas de construção de aviões e empresas de transporte aéreo. O mesmo descuido não teve, p. ex., Graham Bell, inventor do telefone, que patenteou o invento e o resultado foi a criação de um gigante das comunicações mundiais, a ITT. O Brasil é campeão mundial do desleixo neste sentido.

Outros brasileiros foram também inventores pioneiros. O Padre Landell de Moura, muito antes do invento do italiano Marconi, fez uma demonstração de comunicação sem fio (ondas rádio) ao imperador D. Petro II, no Rio de Janeiro, que apenas achou que o invento era uma simples “curiosidade”, coisa de “padre maluco”. O Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, o “padre-voador”, tornou-se famoso na corte de D. João VI com seu balão dirigível, a “Passarola”. Francisco João de Azevedo inventou uma máquina de escrever em 1861 e apenas recebeu uma medalha de ouro de D. Pedro II. Os irmãos José de Sá Bittencourt Accioli e Manuel Ferreira da Câmara Bittencourt criaram inovadora tecnologia de mineração, quando o mundo todo usava a bateia. Um francês estabelecido em Campinas, Hercules Florence, criou um processo fotográfico cinco anos antes que Daguerre o fizesse na França, a daguereotipia. Florence tinha a vantagem de já utilizar o negativo – como ocorre hoje em dia, pelo menos nas câmaras não-digitais -, para cópias múltiplas, ao contrário do processo daguereótipo, que utilizava um processo “positivo”, ou seja, uma chapa de cada vez, sem possibilidade de cópias. Quantos benefícios esses inventos genuinamente brasileiros poderiam ter trazido ao País, se seus inventores tivessem tido uma visão prática da criação de suas obras extraordinárias! Ou que, pelo menos, o Governo tivesse se interessado por algumas dessas criações!

O mesmo se pode dizer do criador do identificador de chamadas telefônicas, o “bina”, criado por Nélio Nicolai. Até agora, de prático, Nicolai recebeu apenas o reconhecimento através de um selo comemorativo da ECT (Empresa de Correios e Telégrafos). “Nicolai patenteou o aparelho em 1981, e 11 anos depois atualizou o sistema para ser empregado em aparelhos celulares. Segundo o inventor, o Brasil está deixando de receber mais de US$ 1,3 bilhão por mês em royalties, pois não briga pela patente industrial do identificador de chamadas. ‘O mundo tem cerca de 1,3 bilhão de celulares. As operadoras de telefonia cobram de US$ 6 a US$ 10 mensais dos usuários pelo identificador. Se recebêssemos US$ 1 em royalties por cada celular, poderíamos faturar US$ 15,6 bilhões por ano’, afirmou”
(http://si3.inf.ufrgs.br/HomePage/noticias/noti04082.cfm).

Em 1966, “o cientista cearense Expedito Parente criou o biodiesel, um óleo combustível devivado de plantas oleaginosas capaz de substituir, com vantagens, o diesel derivado de petróleo usado pelas indústrias pesadas, caminhões, usinas geradoras e outros equipamentos. (...) A pesquisa era tão séria que o então ministro da Aeronáutica, Délio Jardim de Matos, entusiasmado, mandou que as pesquisas de Expedito continuassem no Centro Tecnológico da Aeronáutica, em São José dos Campos” (“Os novos irmãos Wright”, in jornal Inconfidência, nº 100, outubro 2006, pg. 15). Em 1991, quando caducou a patente, a Alemanha e a Áustria “ressuscitaram a idéia. E aí a Europa passou a produzir o biodiesel” – disse o inventor em entrevista à repórter Olga Bardawil, da Agência Brasil.

O inventor brasileiro do biodiesel também criou a “vaca mecânica”, para fazer leite de soja, e o bioqueresene para aviões, o “prosene”: “Primeiro, nós fizemos ensaios em turbinas estacionadas, em bancada. Depois de muitos testes, nós decidimos fazer o teste num vôo. Usamos um Bandeirante, da Embraer, que saiu de São Jose dos Campos no dia 23 de outubro de 1984. Era o Dia do Aviador. E voou até Brasília. Eu quis ir nesse avião, mas me foi negado o acesso, porque eu não era militar. Eles fizeram questão de voar só com o prosente, sem uma gota de combustível de petróleo. O tanque estava cheio de querosene vegetal. E isso foi fantástico, porque lá em cima não tem acostamento, não!” Por que a Petrobrás não se interessou pelo invento? “O país não estava motivado. Além disso, a produção de petróleo do país começou a crescer, o preço do petróleo caiu. E a Petrobrás não deu a mínima bola para o combustível, apesar de eu ter procurado a empresa muitas vezes” – lamentou o inventor na mesma entrevista a Oga Bardawil.

Por fim, vale a pena acessar http://pt.wikipedia.org/wiki/Santos_Dumont e conhecer as homenagens que já foram feitas a Santos Dumont. Vale acrescentar, como já foi dito nesse trabalho, que o Aero Clube de Paris construiu um monumento a Santos Dumont, em Saint-Cloud, com uma estátua representando Ícaro e uma imagem do inventor incrustada na coluna. Uma réplica do monumento foi construída em cima da sepultura de Santos Dumont, no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro. Há, ainda, um outro monumento construído em Bagatelle, o campo de testes preferido de Santos Dumont.

Na Enciclopédia Mirador Internacional, lê-se: “Santos Dumont escreveu três livros: A Conquista do Ar (1901), Dans l’air (1904), publicado em português com o título de Os Meus Balões (2ª ed. 1973) e O que eu vi, o que nós veremos (1918)”. “Todavia, a rigor, são dois os livros de Alberto: Dans l’air e O que eu vi, o que nós veremos. Sim, pois A conquista do ar é um pequeno folheto impresso em Paris, da Editora Aillaud. O seu título por extenso é este: A conquista do ar pelo aeronauta brasileiro Santos Dumont – 1901. E o folheto, além disso, não traz o nome do autor” (JORGE: 2003, 298). O que eu vi – uma autobiografia de Santos Dumont - foi escrito na “Casa Encantada”, em Petrópolis, e é uma obra ambivalente, às vezes confusa, prova dos conflitos psicológicos provocados pela esclerose múltipla.

No Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro, localiza-se o Museu Aeroespacial (http://www.musal.aer.mil.br/links_aeron.htm), que possui réplicas do 14-Bis e do Demoiselle, construídas em 1973.


Curiosidades

O Brasil sempre teve tradição na busca da conquista do ar. Além de Santos Dumont, destacam-se o padre jesuíta Bartolomeu Lourenço de Gusmão, o “padre-voador”, Júlio César Ribeito de Sousa e Augusto Severo de Albuquerque Maranhão. A primeira experiência com balões foi feita por um brasileiro, o “padre-voador”, em 8 de agosto de 1709, em Lisboa, porém muitos consideram erroneamente os irmãos Montgolfier como sendo os protagonistas deste feito, realizado somente em 1782, também com um balão com ar quente, imitando o “padre-voador”. O povo de Lisboa chamava o balão de Gusmão de “Passarola”, algo equivalente a “pássaro”.

As primeiras vítimas de desastre aéreo foram Pilâtre de Rozier e Romain, quando tentaram atravessar o canal da Mancha a bordo de um Montgolfière. O balão se incendiou e os pilotos morreram.

O Duque de Caxias, durante a Guerra do Paraguai, usou balões para observar as posições inimigas.

O primeiro “navegador aéreo” brasileiro foi um tenente de Cavalaria, que passou para a Arma de Aviação, Juventino Fernandes da Fonseca. Fez especialização na França em Navegação Aérea e, ao voltar ao Brasil, foi criado um Núcleo de Aeroestação, no Rio de Janeiro. Infelizmente, ao fazer uma demonstração ao então ministro da Guerra, marechal Hermes da Fonseca, no dia 20 de maio de 1908, houve uma falha na válvula de escape do balão e o oficial morreu na queda.

Clémont Ader foi o inventor da palavra “avião”. Na Europa, atribui-se a ele o primeiro “salto” (vôo sem controle) de uma aeronave, o “Eole”, em 1890.

Os irmãos Otto e Gustav Lilienthal, nascidos na Alemanha, construíram em 1891 um planador monoplano, que pesava vinte quilos e era feito de junco, bambu e algodão. Durante 5 ou 6 anos, chegaram a realizar mais de 2.000 vôos, cobrindo distâncias superiores a 380 metros. Otto Lilienthal foi o primeiro a perceber a importância da curvatura das asas do avião para o sucesso do vôo. O avião voa porque a asa possui uma curvatura maior na superfície superior. Assim, o ar passa mais rápido por baixo e empurra a asa para cima. Por isso o avião consegue decolar e se manter no ar, obviamente com a ajuda de potentes motores. Em 1888, Lilienthal publicou o livro O vôo dos pássaros, como base do vôo artificial – obra que, provavelmente, Santos Dumont teve conhecimento. “Os Lilienthal construíram um biplano, cujo motor funcionava com dióxido de carbono. Este motor, em vez de estar unido a um propulsor, ia ficar diretamente ligado às pontas giratórias das asas. (...) Em 9 de agosto de 1896, por ocasião do primeiro teste, quando o aparelho se encontrava a quinze ou dezessete metros de altura, uma das partes superiores sofreu um rasgão e o planador despencou-se ‘com a rapidez de uma seta’, fragorosamente. Otto foi retirado dos destroços. A queda causou a fratura da sua coluna vertebral e ele morreu no dia seguinte, na clínica de um cirurgião. Eis, segundo alguns autores, as últimas palavras do audaz pioneiro: ‘Os holocaustos são necessários’ ” (JORGE: 2003, 200).

Alberto Santos Dumont assinava o nome “Santos=Dumont”, com sinal de igual, “para mostrar que o nome brasileiro era tão importante quanto o francês, herdado de seus avós paternos” (CB, 14/12/2003, pg. 23).

O “Demoiselle”, construído por Santos Dumont, em 1908, foi, na verdade, um ultraleve com apenas 60 quilos de peso.

No dia 18 de abril de 1922, dois portugueses realizaram uma façanha extraordinária: viajaram no hidroavião “Lusitânia”, de Lisboa, Portugal, aos rochedos de São Pedro e São Paulo, Brasil. “O Papa Pio XI disse o seguinte: ‘A travessia aérea do Atlântico pelos heróicos aviadores portugueses, Gago Coutinho e Sacadura Cabral, foi ato sublime de fé, de ciência, de coragem e de amor pátrio; e nela, sob o auspício sacrossanto da Cruz de Cristo, refulgiu gloriosa a alma da nobre Nação Portuguessa’ ” (VEADO: 1973, 193).

Em 1941, com a criação do Ministério da Aeronáutica, o Correio Aéreo Militar foi juntado ao Correio Naval e passou a chamar-se Correio Aéreo Nacional (CAN). Os pioneiros do CAN foram os tenentes aviadores Casemiro Montenegro e Nélson Freire Lavenere Wanderley. Na Amazônia, fizeram história os aviões Catalina, chamados pela população local de “Pata Choca”, que tinham flutuadores para descer nos rios da região.

Em 18 de dezembro de 1943, pelo Decreto-Lei nº 6.123, o presidente da República criava o 1º Grupo de Caça, com a finalidade de combater os nazistas na Europa. “No dia 3 de janeiro de 1944, o comandante do Grupo de Caça seguia para Orlando, na Flórida, Estados Unidos, acompanhado de 36 auxiliares, entre oficiais e praças. (...) Depois, em 18 de março de 1944, seguiram eles para o Panamá, na América Central, onde existe o canal do mesmo nome. E foi aí que se desenvolveu um período duro de treinamento de guerra, fazendo com que os nossos pilotos, nossos mecânicos, todo o pessoal, se transformasse num grupamento altamente eficiente e capaz” (VEADO: 1973, 209-210).

A expressão “Senta a pua” foi sugerida pelo então 1º tenente Rui Moreira Lima, como grito de guerra. O capitão Fortunato Câmara desenhou o distintivo: um avestruz, “um bichão com um revólver na mão, um escudo azul, tendo no centro o Cruzeiro do Sul, um boné da Aeronáutica e uma cara de poucos amigos, como quem está com raiva e pronto para a briga” (VEADO: 1973, 212). Em seu livro “Missão 60”, o então 2º tenente Fernando Pereyron Mocellin escreveu: “ ‘E ficou ‘SENTA A PUA’! A gíria carioca que significava força, garra, agressividade, sentou como uma luva no personagem criado por Fortunato. O Comando aprovou o distintivo e uma outra batalha começou: a batalha para pintar o distintivo nos narizes dos aviões’ ” (VEADO: 1973, 213). Mocellin cumpriu 59 missões de combate e, ao voltar para o Brasil, escreveu um livro, que passou a considerar como sendo a sua “Missão 60”. O humorismo do brasileiro também pôde ser constatado na expressão “a cobra está fumando”, da Força Expedicionária do Brasil (FEB), essa gloriosa Força comandada pelo Marechal Mascarenhas de Morais, que projetou heróis da têmpera de um sargento Max Wolf, famoso comandante de patrulhas, morto por uma rajada de balas.

Em 1959, o avião Boeing 707, dos EUA, foi o primeiro jato comercial a ser usado em larga escala e em vôos transatlânticos. Em 1969 aparece o Boeing 747, o “Jumbo”. No mesmo ano, o avião Concorde, fabricado por um consórcio anglo-francês, é o primeiro supersônico usado comercialmente, porém foi retirado do serviço em 2003, devido aos altos custos.

O primeiro satélite foi o Sputnik, lançado ao espaço pela União Soviética no dia 4 de outubro de 1957. O primeiro astronauta a girar em torno da Terra foi o russo Yuri Gagarin, no dia 12 de abril de 1961, a bordo da cápsula espacial Vostok I. Lá do alto, Gagarin pronunciou a célebre frase: “A Terra é azul!”

No dia 20 de julho de 1969, o astronauta norte-americano Neil Alden Armstrong desembarcou na Lua, num módulo levado ao espaço pela Apolo 11. Lá deixou a seguinte mensagem: “Aqui, homens do planeta Terra pisaram na Lua pela primeira vez. Nós viemos em paz, em nome de toda a Humanidade”. Coincidência ou não, o feito foi realizado no mesmo dia e mês do nascimento de Santos Dumont. “O destino, que é talvez o executor de uma vontade mais alta, quis assim homenagear o brasileiro ‘que saíra do sertão para ensinar aos homens, em Paris, o roteiro das estrelas...’ ” (JORGE: 2003, 292). Ao todo, de 1969 a 1972, os americanos fizeram cinco viagens à Lua.

Os russos prometeram enviar uma nave tripulada a Marte, no ano de 1978, como uma resposta aos americanos, que haviam conquistado a Lula. Não conseguiram realizar a promessa. Os americanos ainda não mandaram astronauta a Marte, mas lá colocaram para passear o robô Pathfinder, que foi lançado ao espaço em 1996 e que pousou no planeta vermelho em 1997, mandando preciosas imagens à Terra durante aquele ano.

O primeiro ônibus espacial, da NASA, voou em 1981. Em 1986, ocorreu o mais grave acidente com um ônibus espacial, a Challenger, que matou todos seus tripulantes, inclusive uma mulher, a professora Christa MacAulife, a primeira civil a participar de um vôo espacial (http://pt.wikipedia.org/wiki/Programa_espacial_estadunidense).

Em novembro de 2006, começa a operar o maior avião do mundo, o A380, da Airbus, nas versões passageiros e carga, uma resposta comercial ao domínio da Boeing. Ao custo de 250 milhões de euros, o “superjumbo” poderá transportar até 845 passageiros (http://pt.wikipedia.org/wiki/Airbus_A380).

Sobre Santos Dumont, convém destacar o que pensam dois norte-americanos, apaixonados pela obra do inventor. “A jornalista americana Nancy Winters soube dele por acaso: seu relógio Cartier quebrou, e depois de muitas idas e vindas o vendedor lhe entregou um Santos Sport, explicando que era o nome de um aviador. Interessou-se por ele e aos poucos constatou, como diz, ‘uma história dos sonhos, da ousadia, da perseverança’. (...) O resultado é ‘The Man Flies!’, primorosa edição em capa dura, formato pequeno (14x20 cim) e 127 fascinantes fotos e ilustrações, publicada pela Bloomsbury em Londres em 1998 e traduzida para o português no ano passado (2000) pela DBA” (Gazeta Mercantil, pg. 2). O americano Paul Hoffman, presidente da Encyclopaedia Britannica, é autor de Wings of Madnass, que foi lançado no Brasil pela Objetiva, em 2004, sob o título Asas da Loucura (360 páginas). “Hoffman só soube do inventor quando um amigo seu lhe contou que veio ao Brasil e pousou num aeroporto chamado Santos Dumont. ‘É uma injustiça que quero reparar. Nós, americanos, o desconhecemos por causa dos irmãos Wright’ ” (Gazeta Mercantil, pg. 2).

Há dois projetos cinematográficos dispostos a reconstituir a vida e a obra de Santos Dumont, porém não decolam. Marcone Pereira Simões tem pronto o roteiro de “Santos Dumont: O Filme”, que começou a ser escrito em 1994, em parceria com o jornalista José Luzeiro. O autor Pedro Cardoso é cogitado para viver o personagem de Santos Dumont, pelo seu apropriado physique-du-rôle. Outro roteiro pronto é o da cineasta Tizuka Yamasaki, diretora de Gaijin (Cfr. http://www.cabangu.com.br/pai_da_aviacao/8-mais/pg83.htm).

Em 2002, a Beija-Flor de Nilópolis contou e cantou a saga de Santos Dumont na Avenida Marquês de Sapucaí.


Conclusão

Assim, 23 de outubro é o Dia do Aviador porque nessa data, há 100 anos, Santos Dumont venceu a Taça E. Archdeacon, ao voar uma distância de 75 metros, a uma altura de 3 metros. Foi a primeira vez que tal façanha havia sido realizada - o vôo do mais pesado que o ar - na frente de centenas de testemunhas e de um júri de renomados cientistas.

Os irmãos Wright, até aquela data, não haviam realizado nenhum vôo com o “Flyer”, com os próprios meios do avião. O que eles utilizavam era uma catapulta para dar um empurrão no aparelho (como hoje se vê nos porta-aviões), que, em função disso, chegou a planar alguns metros. Outro método utilizado pelos americanos foi um declive acentuado, por onde, em trilhos, o aparelho deslizava até enfrentar um vento de 40 km/h e então planar por alguns instantes. Mesmo em 1908, quando os irmãos Wright se apresentaram pela primeira vez na França, não conseguiram levantar vôo, porque o motor do aparelho (12 HP) era muito fraco. Só depois que eles colocaram um motor de 100 HP, em setembro do mesmo ano, é que o avião conseguiu levantar vôo com os próprios meios e realizar demonstrações espetaculares na França. Antes disso, nem mesmo o governo americano se mostrou interessado pelo invento dos Wright, porque a tal máquina ainda não chegara “à fase da operação prática” e apenas se interessariam pelo caso se os Wright fabricassem um engenho capaz de “transportar um operador” e de “produzir vôo horizontal” (Cfr. J0RGE: 2003, 208).

Portanto, sem patriotada, o verdadeiro inventor do avião é Santos Dumont. Embora tivesse um aparelho desengonçado muito mais feio que o dos irmãos Wright, embora o estranho aparelho “andasse de ré”, com a “cauda” na frente, embora os 14-Bis utilizasse o princípio das células servovolantes Hargrave para voar, ao contrário dos Wright, que utilizavam o princípio da sustentação das asas criado pelo alemão Otto Lilienthal, Alberto Santos Dumont foi o primeiro homem a realizar o feito de voar com um aparelho mais pesado que o ar, pelos próprios meios, como é feito ainda hoje por todos os aviões – conjunto de três rodas para decolagem e aterrissagem. O 14-Bis já tinha três rodas para levantar vôo e aterrissar, ao contrário dos Wright, cujo aparelho tinha esquis. Ora, levantar vôo com esquis, só se for no gelo, e morro abaixo, com um vento forte contra. Como diziam os críticos dos Wright, há 100 anos: 'Assim, até uma locomotiva levanta vôo'...

1. O que é servovolante?

'Lourenço Hargrave, mestiço australiano, inventor do 'servovolante'. O servovolante era um aparelho que se compunha de um ou muitos quadros rígidos, feitos de madeira e lona, de certo modo combinados e mecanicamente presos ao sistema e, todas por sua vez, unidas em uma única corda que era fixada ao solo. Quando se puxava essa corda com violência, o sistema tendia a subir' (in Santos=Dumont - O menino de Cabangu em Paris, de Wilson Veado, Editora do Brasil S/A, 1973, pg. 126).

2. Por que o avião voa?

O avião voa porque a asa possui uma curvatura maior na superfície superior. Assim, o ar passa mais rápido por baixo e “empurra” a asa para cima. Por isso o avião consegue decolar e se manter no ar, obviamente com a ajuda de potentes motores.


Bibliografia consultada:

1. BARROS, Henrique Lins de. Santos Dumont e a invenção do avião. Rio de Janeiro, 2006. Ministério da Ciência e Tecnologia – MCT/Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas – CBPF. http://www.cbpf.br/Publicacoes/SantosDumont.pdf

2. JORGE, Fernando. As Lutas, a Glória e o Martírio de Santos Dumont. T. A. Queiroz Editor, São Paulo, 2003 (4ª edição, revista e aumentada). Fernando Jorge é biógrafo de Olavo Bilac, D. Pedro I e do Aleijadinho.

3. Jornal da Comunidade, Brasília, 9 a 15 de setembro de 2006, “Memória”, pg. B4 e B5. Texto “O senhor dos céus pousa no Panteão da Pátria”, de Jarbas Silva Marques, diretor do Patrimônio Histórico e Artístico do DF.

4. Jornal Correio Braziliense, 14 de dezembro de 2003, “Mundo”, pg. 22.Texto “Afinal, quem é o pai da aviação?”, de Pedro Paulo Rezende e Ary Moraes.

5. Jornal Correio Braziliense, 26 de maio de 2006, “Cidades”, pg. 32. Texto “A Filha da Aviação”, de Renato Alves.

6. Jornal Correio Braziliense, 17 de setembro de 2006, “Cidades”, pg. 34. Texto “No céu de Brasília a proeza de Dumont”, de Renato Alves.

7. Jornal Correio Braziliense, 22 de outubro de 2006, “Cidades”, pg. 30. Texto “Celebração do centenário do 14 Bis”, de Guilherme Goulart.

8. Jornal Correio Braziliense, 23 de outubro de 2006, “Cidades”, pg. 18. Texto “Réplica do 14 Bis voa 400 m na Esplanada”, de Érica Montenegro.

9. Jornal Gazeta Mercantil, “Fim de Semana”, 22 e 23 de setembro de 2001, pg. 1, 2, 12 e 13. Texto “Santos Dumont”, de Adélia Borges.

10. Jornal Inconfidência, 15 de outubro de 2006, pg. 15. Texto “Os novos irmãos Wright”, de Rangel Cavalcante, e “Inventor brasileiro do biodiesel também criou vaca mecânica e bioquerosene para aviões”, entrevista do inventor, Expedito Parente, a Olga Bardawil, repórter da Agência Brasil (http://www.grupoinconfidencia.com.br).

11. Mirador, Encyclopaedia Britannica do Brasil, Tomo 18, pg. 10201 e 10202, São Paulo e Rio de Janeiro, 1992.

12. Revista Florense, inverno de 2006, Ano 3, nº 10, pg. 12 a 16. Texto “Beleza Mortal”, de Ethel Leon.

13. Usina de Letras. Texto “Sobre a propriedade intelectual”, de Félix Maier, endereço http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=2512&cat=Ensaios&vinda=S.

14. VEADO, Wilson. Santos=Dumont – O menino de Cabangu em Paris. Editora do Brasil S/A, 1973.




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