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Ensaios-->ACERCA DE EXPERIMENTOS FORMAIS EM FLORILÉGIO DE ALFARRABIO -- 02/07/2006 - 10:15 (Jayro Luna) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
ACERCA DE ALGUNS EXPERIMENTOS FORMAIS EM FLORILÉGIO DE ALFARRÁBIO DE JAYRO LUNA
Por: Prof.ª Dr.ª Cristina F. L. Marques - UNIP/SP

O livro de poesias Florilégio de Alfarrábio (São Paulo, Epsilon Volantis, 2002) de Jayro Luna não é um só livro, mas um conjunto de livros diversos que o autor - em sua maioria - deixava permanecer inédito. Como diz o quase-heterônimo e prefaciador Machado Penumbra F.° “é uma antologia de poemas inéditos, escritos a partir de 1987, e que permaneceram em grande parte inéditos devido ao desinteresse das editoras”. O mesmo Machado Penumbra F.° escreve na segunda orelha do livro: “Os textos aqui colocados originalmente pertenciam aos mais variados projetos e intenções.” A diversidade de “projetos e intenções” é uma das características de Florilégio de Alfarrábio. Não é a primeira vez, porém, que Jayro Luna compõe uma obra que é uma reunião de outras obras. Quando venceu o concurso “Cadê o seu Talento?” (Projeto Nascente - USP/Abril Cultural, 1991) foi com um livro de poesias intitulado “Seleta de Versos de 8 livros inéditos”. Livro que não chegou a ser publicado, ao que parece, pelo fato de não ser um livro, mas um “seleção” de alguns poemas de 8 livros, portanto, caracterizado por um recorte, mais ou menos, casual ou pelo menos, ao gosto pessoal, de um produção bem maior.
Em Florilégio de Alfarrábio encontramos livros bem definidos como “Terra do Brasil” (p.131-160) ou “Hiléia” (p.161 - 191), além de poemas avulsos ou dispersos que não compunham originalmente qualquer projeto de livro, em sua maior parte agrupados entre as páginas 9 e 61 de FA. Entre os “livros” que compõem FA não existe de imediato uma uniformidade temática, se “Terra do Brasil” e “Hiléia” podem ser relacionados em função do nacionalismo e da valorização poética de aspectos da história do Brasil, o mesmo não se dá com “Fitas” (p. 62-69) ou “Arquivo Confidencial Pasta 410: O Escaravelho de Prata” (p. 115-129) em que uma impressão do vago simbolista evanescente se dispersa entre poemas de variadas formas, desde o soneto à prosa poética. Entre os poemas avulsos, um grande poema - em extensão - intitulado “Ode às Putas” (p.. 102-113) apresenta-nos um caráter novo na poesia de Jayro Luna que é a poesia erótica. Com desenvoltura e ousadia o autor distribui pelos versos de “Ode às Putas” um conjunto de imagens provocantes e polêmicas acerca do tema, recuperando, inclusive, referências em Bocage e Gregório de Matos.
Ao lado de tudo isso, desenvolve-se entre as páginas de versos alguns poemas que se caracterizam pelo experimento formal de vanguarda com fundamentos no Concretismo e no pós-concretismo (poema processo, neoconcretismo, poesia-práxis).
É sobre esses poemas de Florilégio de Alfarrábio que pretendo tecer alguns comentários.
Começo por comentar um conjunto específico de poemas que surge quase ao final do volume, “Videogramas reciclados com legenda”. O termo “Videograma” é já um achado. A SPA (Sociedade Portuguesa de Autores) define “Videograma” como “Videograma é o registo resultante da fixação, em suporte material, de imagens, acompanhadas ou não de sons, bem como a cópia de obras cinematográficas ou audiovisuais.”
Em Jayro Luna, “Videograma” se refere a um conjunto de 8 poemas, todos iniciados por reproduções de ideogramas japoneses. O texto que segue os ideogramas, em versos livres ou até em prosa poética, tem como ideograma o sentido de um comentário poético acerca da sugestão imagética que os caracteres orientais causam no poeta. Assim, por exemplo, no primeiro poema do conjunto, “O Sol e o Horizonte”, após uma conhecida seqüência de ideogramas que compõem a frase “O Sol nasce a leste” lemos os versos: “O Sol aparece pela janelinha de um pagode. / Por isso o sol é quadradinho e cortado ao meio...”
Se nesse primeiro “Videograma” existe uma correlação semântica entre o significado do Ideograma e os versos do poema, em outros, apenas o aspecto da imaginação explorando a visualidade do ideograma é que dá origem aos versos. No poema “5. João Batista e Salomé”, a relação entre o ideograma e o mito bíblico é produzida por esse aspecto exploratório das possibilidades imaginativas que o desenho ideogramático oferece.
Se Ernest Fenollosa, Ezra Pound, Eisenstein e Haroldo de Campos viram no ideograma oriental capacidades poéticas exatamente pelo aspecto icônico e estético que encerra essa escrita, Jayro Luna recupera o ideograma num sentido que faz dos versos desses poemas, espécie de tradução de uma percepção ao nível da primeiridade, descolando dos caracteres sua camada tênue de significação para recriá-los como pictogramas originais.
Assim, o primeiro poema que se segue aos 8 “Videogramas” é um intitulado “Auto-retrato verbivocovisual”. Poema em que um arranjo espacial de letras de diferentes tipos e tamanhos justapostos forma a caricatura de um rosto, as letras não me parecem casuais, uma vez que consigo ler a palavra “poeta” com algumas delas.
Antecedendo os “Videogramas” temos mais dois poemas visuais: “Pendão da Esperança” e “Xico Xavier Photopsicografado”.
O primeiro é formado pela bandeira do Brasil, em tudo idêntica à verdadeira, exceto pela inscrição na faixa central na abóbada, no lugar do lema positivista “ordem e progresso”, o poeta coloca o lema poundiano “obra em progresso”. A substituição tem vários significados, entre eles, o de que o Brasil é um país ainda em construção, de uma nacionalidade em desenvolvimento, não apenas econômico ou político, mas também cultural. Existe uma versão anterior desse poema, numa plaquette de 1993, “Rolling Poetry”, o poema aparece sem título e frase é no original poundiano, em inglês, “work in progress”.
O outro, “Xico Xavier Photopsicografado” já possui uma provocação na ortografia do título e na epígrafe (onde se lê: “ ‘Engana-se, replicou o animal, nós vamos a origem dos séculos’. Maxado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas”). Sugere assim uma ortografia fonética, ao modo - e parece-me referenciado - de Franklin Maxado (poeta repentista que propõe uma ortografia fonética para o português). O termo “photopsicografado” sugere um processo de obtenção de imagem fotográfica pela psicografia e o poema visual se constitui de uma foto de rosto de Chico Xavier sobre uma foto de miniatura de um Hipopótamo. Assim, faz o autor uma provocação sobre o processo misterioso pelo qual Brás Cubas - de Machado - se comunica com o leitor, mas essa provocação é em mão dupla, no sentido irônico - pois também infere sobre a natureza do processo psicográfico dos espíritas.
Pouco após o conjunto de “Videogramas” seguem-se também dois poemas de característica visual: “Quadrophenia” e “Energia Cósmica”. Ambos são poemas já publicados em plaquettes no início da década de 90.
“Quadrophenia” é um poema matemático construído sobre a estrutura dos quadrados mágicos (artifício matemático usado por cabalistas e alquimistas medievais, em que a soma das colunas ou das linhas ou das diagonais dá sempre o mesmo resultado). Existe um quadrado mágico maior na base de 3x3 (denominado de “Selo de Saturno”, cuja soma de cada linha, coluna ou diagonal dá 15, e tem os números de 1 a 9), das 9 células para colocação dos números de 1 a 9, notamos que 5 delas foram substituídas por quadrados mágicos menores de base 4x4 (“Selo de Júpiter”, soma: 34, números de 1 a 16). Estes quadrados mágicos de Júpiter também têm números substituídos por letras. Por um processo de correlação entre número e letra é possível reconstituir um verso enigmático que se acha inscrito esotericamente no quadrado mágico central. Não creio que o poeta se proponha como um mago alquimista, mas sim que faz uso do estratagema lúdico para motivar o leitor a um trabalho de leitura e descoberta.
Em “Energia Cósmica”, as palavras são dispostas a compor um “caligrama” - ao modo de Apollinaire - na forma de uma pirâmide. A energia dessa “pirâmide”-poema não me parece que venha do espaço sideral ou esotérico, mas do processo estético de leitura do poema.
Na página 100 de Florilégio de Alfarrábio nos deparamos com um poema visual: Ode ao Mecenas (Salve o Patrocinador Artístico). Tomando por base um processo paródico em que se apropria de uma reprodução fotográfica do quadro “Nascimento de Vênus” de Sandro Boticelli, o poeta vai inserindo em vários lugares e objetos da tela ícones e logomarcas de conhecidas empresas. Assim, a concha marinha que da qual Vênus parece surgir tem o patrocínio da Shell (empresa multinacional do ramo petrolífero), o ventre da musa tem a logomarca da Rede Globo de Televisão, e assim por diante, logomarcas de empresas como a Ford (automóveis), Kodak (fotografia), Coca-cola (bebidas) e outras “patrocinam” a tela de Boticelli. Evidente crítica ao processo de subvenção e filiação econômica de projetos artísticos, em que muitas vezes, o artista se vê obrigado a recorrer tendo em vista a falta de recursos e de meios, tendo, por vezes, que aviltar aspectos criativos de sua obra em favor das características e exigências do processo de patrocínio.
No quadro de Boticelli, Jayro Luna coloca “patrocinando” a ação dos Ventos D’oeste (que representariam as paixões terrenas) as marcas Kodak, Ray-ban, Windows e Uol, portanto marcas ligadas a produtos relativos à visão (fotografia, óculos escuros, Windows e provedor de Internet), já “patrocinando” a Hora (deusa das estações) que oferece um manto de flores à deusa citeréia, temos as marcas: Benetton, Cacharel, Mcdonald’s e Coca-cola (marca de grife, perfume, refrigerante e fast food) como representativos da efemeridade. O mar ao fundo tem o “patrocínio” da cerveja Antarctica (bebidas, portanto, líqüido), e a margem em que está Hora tem a marca Ford (automóveis, transporte terrestre). Como já dissemos, o ventre da deusa tem o “patrocínio” da Rede Globo, numa evidente ironia ao processo de transformação de notícia que coisifica e mitifica pessoas em estrelas de telenovelas.
Um conjunto de três poemas visuais relacionados à idéia do “auto-retrato” se dispersam pelo poema. O primeiro é “Auto-retrato composto” (p. 55), formado pela justaposição geométrica de 6 fotografias do autor tiradas em viagens. Uma foto banhando os pés na praia, ligeiramente distorcida no sentido vertical se sobrepõe a uma foto em que se vê o poeta ao longe, próximo, ao que parece a um encosta coberta de matagal, embaixo, uma pequena foto, mais escura, com o poeta de perfil vendo/lendo a tela de um computador, ao lado uma foto (também ligeiramente distorcida na vertical) com o poeta tomando um banho numa cachoeira e, acima, duas fotos de tamanhos diferentes, uma maior em que o poeta aparece pondo as mãos à cabeça como quem se surpreendesse ou se preocupasse com alguma coisa repentinamente, a outra, menor, uma foto do poeta sentado em uma poltrona ou sofá olhando diretamente à frente. O poema tem uma rubrica abaixo do título: “Muito embora, muitas vezes, eu sinta que este Auto-Retrato é Simples”. Aqui a tensão se instala entre a simplicidade e a complexidade. O arranjo geométrico das fotos se sobrepondo é relativamente simples, assim como o tema abordado nelas: viagem para o contato com a natureza, o poeta em sua casa (trabalhando no computador ou sentado numa poltrona) e a foto com a preocupação do poeta acerca disso tudo, ou seja, da vida e de sua obra. A complexidade está justamente na percepção desses temas, ao final das contas, filosófico e existencial.
Na página 99 do livro encontramos o “Auto-retrato simples” com a rubrica “Porém, muitas vezes, eu sinto que este é o Auto-retrato complexo!” A tensão entre simplicidade e complexidade se instala na observação já da fotografia, uma única, ao contrário do “Auto-retrato complexo”. O poeta de costas, observa a imensa paisagem à sua frente, um lado e a floresta ao fundo. De mãos cruzadas colocadas para trás, parece que o poeta está pensativo, meditando. A simplicidade da fotografia, o tema da natureza, a meditação se convertem em complexidade na medida em que buscamos observar detalhes como o fato do poeta estar de costas, isto é, sua interioridade, os aspectos mais subjetivos de seu processo criativo, só a ele pertencem, a Natureza diante de si dá os elementos de Mimesis, de verossimilhança e de unidade da obra como valores a serem trabalhados clássica ou modernamente, mas não vemos o rosto do poeta, não sabemos de fato seus aspectos mais íntimos, afinal, como dizia o Pessoa, “o poeta é um fingidor”.
O terceiro poema é um “Auto-retrato Verbivocovisual” (p. 197) constituído por um conjunto de letras de tipos e tamanhos diversos sobrepostas, sugerindo a forma de um rosto. Um “O” imenso forma o contorno do rosto, dois “rr” minúsculos, um de cada lado, fazem as orelhas, um “a” o nariz, um “e” deitado sugere uma boca e parte de um “a” mais abaixo o contorno do queixo. Um “o” e um “p” sobre o “a” do nariz fazem os olhos e também a armação dos óculos que lhe é característico. Parece estar embaixo dos óculos um “A” maiúsculo completando o desenho de olhos/óculos. As letras não são casuais, com elas podemos ler de orelha à orelha: orar, operar, ópera (obra). No sentido vertical dos olhos ao queixo podemos ler poeta e poetar. Assim, recuperando a técnica maneirista das alegorias de Giuseppe Arcimboldo, o poeta compõe seu rosto como que formado por letras da poesia. Ao lado, um retângulo como se fosse um imenso “I” maiúsculo representa um volume de sua obra, talvez, o presente livro, visto de lombada. Não é por acaso que na página de rosto do livro está uma pequena reprodução do quadro “O Bibliotecário” de Arcimboldo, como que a sugerir a relação com seu “Auto retrato verbivocovisual”. O termo aliás, retirado da teoria da poesia concreta, demonstra a possibilidade de se classificar esse poema como um poema semiótico, visual, concreto.
Outros poemas visuais e experimentais se encontram no volume, seria aqui dispendioso e além do espaço a que se destina esse artigo comentar todos eles. Mas cada um guarda uma chave interpretativa, em que os mais variados recursos semióticos e visuais são utilizados na sua composição, como o misterioso poema da página 95, “Index Prohibitorum” formado por um conjunto de letras e números, para mim, ainda indecifráveis; ou ainda, os poemas “Poema Processo num Autógrafo-I” e “II” (p. 70 e 81) feito ao que nos parece a partir da reprodução xerográfica de dedicatórias de poetas em livros para Jayro Luna. Temos ainda o poema “Br” (p. 56) e “Epílogo” (p. 57), este, aliás, pelo que sei, é uma paródia de um poema visual de Jaroslav Supek, que por sua vez, fez o seu numa tríplice justaposição paródica de poema de Richard Konstelanetz, Radomar Masic e o seu próprio. Jayro acrescenta ao conjunto um signo que é retirado da logomarca de um filme de ficção (“Signs” - dirigido por M. Night Shyamalan, com Mel Gibson e Joaquin Phoenix no elenco, 2002).
Assim, nos parece que a poesia visual e experimental continua sendo uma tônica forte do trabalho poético de Jayro Luna, uma poesia visual rica de elementos semióticos que discute a própria natureza metapoética da poesia visual e sua capacidade comunicativa ao âmbito estético e também contextual.





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