Creiam, estimados Leitores, há 15 anos a esta parte, que me dedico devotada e persistentemente ao estudo experimental - e que experiência! - das implicações do palavrão, e derivadas adjacências, na vida das pessoas ditas do género comum. Inclusive, já fiz diversos e curiosos ensaios entre aqueles que se presumem de escalão pessoal superior.
Há pelo menos uma década que faço anotações e registos com algum pormenor, a ponto de obter interessantes estimativas gráficas, as quais considero elementos fidedignos na revelação do leque de efeitos.
Usei uns quantos estratagemas e estratégias, manhas, artimanhas de ordem anódina e insignificante, por forma, por um lado, a sentir-me tranquilo de consciência, e por outro lado, a não incorrer deliberadamente em áreas sob a alçada da lei.
Tenho provocado, em consequência, as mais incríveis reacções, quase a tocar as raias do grotesto, mas, quem a tão insólita tarefa aplica inteligência e labor, tem de arcar airosamente com as enormes inconveniências decorrentes e, sobretudo, correr alguns riscos de circunstância perigosamente imediata.
A matéria que abordo é vastíssima em diversidade e comportará, no mínimo, 200/220 páginas de texto para que satisfatoriamente abarque a complexidade em que se envolve e desenvolve.
Não venho pois, neste momento, alongar-me na vertência, mas tão-só colocar-vos dois pormenorzinhos que, apesar de muito exíguos, estou certo de Vos proporcionar alguma satisfação cultural e quiçá sugerir-vos ponto de voo para outros mais longuíssimos raciocínios em busca do trono do 'santíssimo palavrão'.
1. - O miudinho tem três aninhos e anda animadíssimo na articulação dos primeiros difíceis vocábulos.
- Diz, meu filho, diz, pa-ta-ra-ta...
- Pa... Pa-ra-ta-ta...
Até que uns dias adiante, o pai toma-se de velocidade e quer que o filhote, numa palavra só, avance dez anos.
- Diz, Nandinho: fi-lho-da-pu-ta...
O rapazinho, tira o dedo da boca, coloca a mão à frente dos luminosos olhos e diz a sorrir de emotivo esplendor.
- ...i-lho-pu-ta...
E o miudinho ri, ri, ri feliz, ri o pai, ri a mãe, entrelaçam-se os três em dez segundos de indizível carinho e ternura.
2. - Numa das mais importantes colunas do meu gráfico sobre a obscenidade, concluí que 65% das pessoas exprimem o palavrão motivadas por intenção invejosa, a qual, na ocorrência, tem origem sub reptícia que o ofendido, no momento, sequer sonha, ou seja: por causa daquilo que desconhece leva com aquilo que estupidamente acontece.
Ainda, no que ao célebre 'filho da puta' concerne, em 90% dos casos trata-se de um hábito em desnexo que não tem coerência efectiva alguma e que tão só quer dizer 'não me agradas', 'não gosto de ti', 'antipatizo contigo'.
- Quê?... O quê? Estás a chamar-me 'Viado'?... Ó grandessíssimo filho da puta, boca suja de merda, vou matar-te. Pum...
E foi Deus que matou os dois, só que, ao melhorzinho, deu paz infinita, e ao mauzão deu-lhe o inferno vivo da vida por castigo.
António Torre da Guia |