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Artigos-->MEDO DA VERDADE -- 21/05/2012 - 20:28 (Délcio Vieira Salomon) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos



MEDO DA VERDADE





Délcio Vieira Salomon








As reações à Comissão da Verdade produzidas pelo ex-ministro do Exército Leônidas Pires Gonçalves (para quem a Comissão da Verdade é uma “moeda falsa, que só tem um lado e a presidente Dilma deve deixar de olhar o passado”) ou pelo Clube Naval, que anunciou a criação de uma “comissão paralela” para acompanhar os trabalhos da Comissão da Verdade e outros pronunciamentos congêneres de militares da reserva são manifestações claras dos que têm medo da verdade.








Parece que tal paura não os permitiu ouvir as palavras de nossa presidente, a lhe darem a dimensão de legítima estadista: “A verdade é algo tão surpreendentemente forte que não abriga nem o ressentimento, nem o ódio, nem tampouco o perdão... é, sobretudo, o contrário do esquecimento".





Se ainda há vivos entre os que praticaram crimes de tortura e crimes contra a humanidade, são estes os que certamente temem o veredicto oficial e formal da condenação, se não a dos tribunais (oxalá acontecesse!), ao menos a da história (o que com ou sem a Comissão da Verdade ocorreu, ocorre e ocorrerá diante da implacabilidade de própria história). A estes se unem, como sempre se dá, em certas instituições, sobretudo as militares, os “companheiros” que, em nome do “esprit de corp”, julgam-se na obrigação de prestar solidariedade. O que causa estranheza é fazer do corporativismo barreira contra a apuração da verdade.








Mais estranheza causa é verificar que tais atitudes revelam, além do medo da verdade, ameaça contra o propósito de refazer a história que não é a escrita por eles, mas pelos fatos que eles covarde e monstruosamente ocultaram. Parece que foi Petrônio o autor da frase, ao referir-se à maioria dos imperadores do império romano, responsáveis por sua decadência: “Que monstros cria o império!”. Parafraseando-o somos levados a dizer: que monstros criou a ditadura de 64! Quantos militares e civis se julgaram acima do bem e do mal, acima de todas as instituições e de toda a humanidade, com o propósito de cometer crimes de tortura, assassinatos nas masmorras e nos DOPS da vida, desparecimento de corpos, lançamento de prisioneiros em alto mar...








Ontem e hoje lavam as mãos, dizendo cinicamente que o fizeram, em nome da Pátria e em sua defesa”.


Qual a diferença entre eles e Hitler e Stalin? Nenhuma. Quando um governante (eleito ou não) se torna ditador e se transforma em tirano, passa a encobrir todos os crimes que, em nome do regime por ele implantado, se cometem. Portanto, pela causa da verdade, os ditadores de Castelo Branco a Figueredo devem ser responsabilizados perante a história.








Que nossa história não continue escrita como história militar como foi a da descoberta até a República Velha. Não o fosse, só a título de exemplificação, deveríamos nos envergonhar de certos fatos acontecidos, sob pomposos nomes como (apenas para lembrar alguns) Independência do Brasil, Guerra do Paraguai e Proclamação da República.








Mas, virando a página, este medo da verdade revelado por militares da reserva me faz reportar a certos fatos da recente história do Brasil e me espicaça a curiosidade sobre o ranço político-ideológico que penetrou na caserna, sobretudo, nos anos cinquenta, portanto com força de infiltração na década de sessenta, culminando com o golpe de 64.








Que o leitor me perdoe o tempo que lhe vou roubar. Faço-o, por saber que muita gente não se recorda dos fatos a serem lembrados. E acredito que a associação a ser feita por poucos já foi considerada.








Refiro-me especificamente, primeiro, ao Memorial dos Coronéis de 20 de fevereiro de 1954. Obviamente não subscrito por todos com tal patente, mas pelos pertencentes à facção conservadora das Forças Armadas de então, onde o udenismo lacerdista se fez notar, para atacar duramente o governo Vargas. O clima criado pela exacerbação lacerdista penetrou forte na caserna, sobretudo na Aeronáutica, e culminou com o suicídio de Getúlio Vargas.








Não satisfeitos com o fatídico episódio que abalou o Brasil e suas instituições, a UDN, ou melhor os lacerdistas, continuaram a tumultuar o governo de Café Filho, a ponto do presidente ter de demitir seu ministro da Guerra , general Euclides Zenóbio da Costa. Para pacificar as Forças armadas, principalmente o Exército, o presidente nomeia em seu lugar o General Henrique Batista Duffles Teixeira Lott.


Felizmente para tristeza dos golpistas, o tiro saiu pela culatra.








Registre-se, então, o segundo fato: as eleições de 1955. A UDN, capitaneada por Lacerda, sugere, com artimanha viperina, a ideia de se apresentar, para a eleição presidencial de 1955, candidatura única voltada à união nacional, consolidada por uma aliança entre a UDN e o PSD e apoiada pelas Forças Armadas, com objetivo de pacificar politicamente o país.








O governador de Minas, Juscelino Kubitschek de Oliveira, junto com seus correligionários do PSD mineiro intuíram as pretensões sub-repticiamente personalistas e maliciosas de Lacerda naquela proposta, e foi lançada a candidatura de JK. Graças à liderança inconteste do General Lott, as Forças Armadas foram controladas e não embarcaram no jogo de Lacerda.








Vitorioso JK, Lacerda, que a esta altura já enredara em seu círculo Café Filho, promove mais uma agitação no país. Novamente o Clube Militar surge em cena. Ao comemorar o aniversário do atentado que vitimou o major Vaz, seu presidente, general Canrobert Pereira da Costa, faz duro pronunciamento contra a candidatura e a posse de Juscelino. A Tribuna da Imprensa, jornal de Lacerda, divulga carta apócrifa endereçada a João Goular, revelando pacto com o presidente argentino Juan Domingo Perón, para implantação de uma república de orientação social-sindicalista no Brasil, com garantia de contrabando de armas para sustentar milícias dispostas à sublevação. Ficou conhecida como a Carta Brandi. Inquérito Policial Militar concluiu por sua falsidade.








Não satisfeito, novamente Lacerda tumultua a opinião pública com a alegação de que o resultado da eleição deveria ser impugnado, uma vez que JK não obtivera a maioria do eleitorado.








Parte da oficialidade preconiza o impedimento de JK e de Jango (seu vice), em 1º de novembro de 1955, quando do sepultamento do general Canrobert, presidente do Clube Militar, falecido na véspera. Nessa ocasião o coronel Jurandir Mamede ataca, em discurso, os candidatos eleitos, pugnando por seus impedimentos.








Lott, como ministro da Guerra de Café Filho, tenta punir o coronel, mas se vê impedido diante da legislação: Mamede era subordinado à Escola Superior de Guerra, por sua vez não submetida à jurisdição do Ministério da Guerra. Recorre infrutiferamente ao Presidente Carlos Luz, então no lugar de Café Filho adoentado. Ao notar que Carlos Luz, apesar de pertencer ao PSD, traíra JK e se unira a Lacerda e tinha pretensões de barrar a posse de JK, fica revoltado e pede demissão. Era o que desejava o presidente interino. Em seu lugar foi nomeado o general reformado Alvaro Fiúza de Castro, que mal tomou posse, deslocou dos postos chaves os militares de confiança de Lott.








Tal atitude provocou o contragolpe chefiado pelos generais Odilio Denys e Olympio Falconiere com o apoio de diversos oficiais-generais. Decidem não aceitar a dispensa de Lott do Ministério. Informado de tal decisão, Lott determina o cerco ao Palácio do Catete, o que obriga Carlos Luz, junto com Lacerda e o coronel Mamede e parte de seu ministério, embarcarem no Cruzador Tamandaré, comandado pelo almirante Silvio Heck. Neste ínterim, o governador de são Paulo Janio Quadros, acena com a possibilidade de resistência e utilização das tropas militares do estado para garantir a permanência de Luz na presidência , sob a liderança do brigadeiro Eduardo Gomes.








A reação de Lott foi estratégica: encaminha ao presidente do Senado Nereu Ramos requerimento para que se vote o imediato impedimento de Carlos Luz que deixaria o território brasileiro sem autorização do Congresso Nacional. O impedimento é aprovado em regime de urgência. Em São Paulo, o General Falconiere desembarca na capital paulista para comandar as tropas da Zona Militar Centro em defesa do afastamento de Luz. O que leva Janio a recuar e apoiar o movimento organizado por Lott.








Em 24 de novembro Nereu Ramos obtém do Congresso Nacional a aprovação do estado de sítio até janeiro para garantir a posse dos eleitos (JK e Jango).








Pouco depois de empossado, JK foi criticado por alguns oficiais militares, especialmente da Aeronáutica. Inclusive esboçaram, para intimidá-lo, movimentos e levantes entre seus comparsas, como o de Jacareacanga e o de Aragarças. Mas foram de pronto esvaziados diante do pulso forte do marechal Lott, seu ministro da Guerra e, sobretudo, pela atitude de grande estadista que era Juscelino.








Esta recapitulação histórica foi feita com único propósito: o que levou ao golpe de 64 tem, como a mais forte contribuição, a mesma atitude ideológico-política do udenismo lacerdista, uma vez que, desde a década de cinquenta, ela já havia penetrado significativamente entre militares, sobretudo os da Escola Superior de Guerra. Basta atentar para este detalhe: combater o “comunismo liderado por Jango” constitui falsa bandeira, que, infelizmente, grupo de militares dentro das forças armadas conseguiu erguer como se fosse o grande leitmotiv da quartelada. Bastaria levantar os nomes dos oficiais militares que eclodiram o movimento de 64 e/ou o apoiaram desde a primeira hora e levantar-lhe os dados biográficos. Notar-se-á que as ideias do líder da UDN são comungadas pela maioria deles.








Um parênteses: os militares contra a Comissão da Verdade costumam declarar que não aceitarão revanchismo. Esquecem que o golpe de 64 tem em sua raiz a peçonha do revanchismo, conforme foi acima registrado.








Basta registrar que mal terminou o governo JK, a UDN, ou melhor Carlos Lacerda, lançou Jânio Quadros. Frustrados com sua renúncia, os udenistas, tudo fizeram para evitar a eleição de Jango. Não o conseguindo , armaram ciladas, desde o início de seu governo para sua queda, o que só conseguiram levando os militares a darem o golpe, sob a alegação de que, com Jango, o comunismo seria implantado no Brasil, tal qual o fora em Cuba. O que naturalmente encontrou todo o apoio dos Estados Unidos.








E o que aconteceu daí para frente todos o sabemos. Só não sabíamos que a ganância pelo poder dos ditadores militares trazia em seu bojo tanto ódio e tanta sanha de vingança. Não podíamos prever que tanto desejo de revanchismo acumulado criasse monstros como os torturadores e assassinos protegidos pela ditadura.








Getúlio, antes de suicidar, profetizou o que acabo de apontar, conforme se lê em sua carta-testamento:








“Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes”


(...)


“Não querem que o povo seja independente.”


(...)


“Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.”





Importa lembrar que Lacerda e sua UDN sempre lutaram contra os interesses do povo. Partido elitista, e com grande penetração na classe dominante, sempre fez o jogo dos grupos multinacionais, notadamente norte-americanos. Um de seus notáveis líderes se celebrizou com a frase: “o que é bom para os americanos é bom para nós”.








Como dizia velho udenista: “não tolero cheiro de povo”.








Diante do exposto, fica fácil entender o esperneio dos que têm medo da verdade.


 



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