Hoje em dia, dado o desenvolvimento e a evolução das diversas ciências que concorrem para a preservação da existência humana, os especialistas, com as técnicas, sofisticados apetrechos e medicamentos de que dispõem, alcançam já patamares de intervenção deveras surpreendentes, algo do outro mundo há uma vintena de anos atrás.

Sou do tempo em que uma cirurgia no estômago significava um gravíssimo risco para os pacientes. Todavia, tive a sorte de apanhar a dealba do ponto óptimo. Fui operado ao estômago numa clínica dos arredores de Paris em 1977. Então, o médico operador, após minha recuperação, garantiu-me estômago para vinte anos. A tão simpática e eficiente garantia já expirou há nove anos e ainda tenho o papo em forma para aguentar umas lautas feijoadas à brasileira, daquelas de deixar um tipo com vontade de voar a seguir.

Consabe-se que os períodos de pesquisa, experiência e efeito tendem a diminuir consoante a base das descobertas e alcances anteriores, espécie de pirâmide que vai alargando a base e elevando o vértice. Não duvido que, daqui a mais meio-século, a existência humana logrará ascender, em média excelente, aos 100 anos.

A fonte genética donde os indivíduos partem é fundamental e constitui o alicerce basilar ao êxito das longas sobrevivências.

Eu, por exemplo, sou oriundo de uma família, cujos elementos, em maioria, ultrapassam facilmente os 70 anos e morrem, de um momento para o outro, 9/10/11 anos adiante. Salvo os casos que pereceram por acidente, assim tem sido a partir de meus avós paternos e maternos.

Desde que me conheço, nunca consultei um médico por causa daquelas doenças que aparecem por si dentro de nós. As poucas vezes que entrei nos hospitais e enfermarias deveram-se a acidentes exteriores. O meu caso operatório foi provocado por uns comprimidos que tomei para as dores de dentes e me perfuraram o estômago.

Assim, em Junho próximo vou festejar o meu 67º. aniversário. Bebo razoavelmente e fumo de mais.
Em Janeiro transacto, sentado ao computador uma quinzena de horas a fio, fumei sem dar por isso oito maços de cigarros. Deitei-me, de sábado para domingo, cerca das 5 horas da manhã. Acordei repentinamente às 9 horas com uma sensação de esquisita imobilidade. Logo que raciocinei, senti-me incapaz de movimentar-me. Levado para o hospital, lá permaneci cerca de 20 horas em análise. O meu TAC, segundo o doutor, era esplêndido.

Ora pois, o que é que me aconteceu? Um pequeno vaso, no tecido que me envolve a massa encefálica, rebentou. A paralização deveu-se ao período em que o derrame estava a ocorrer.

E cá estou - bem, ok, capaz de ir ali num ápice e voltar aqui à vontadinha sem deitar as goelas de fora - para descrever a minha experiência e deixar opinião pessoal sobre o que a sobreviver concerne.

Estou convicto que vou morrer de repente sem saber que morri. É excelente, pois então é? Só que, santinho meu, nunca se sabe o que o dia de amanhã nos reserva.

Por mim, com os mais sinceros votos de Bom Natal para as Usineiras e Usineiros, praza que todos nós, seja na altura que for, morramos sem saber que morremos. Pronto, já está, adeus tristeza que sequer saberemos se é tristeza ou não.