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Ensaios-->AS INTERMITÊNCIAS DA MORTE DE JOSÉ SARAMAGO -- 29/11/2005 - 15:08 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
AS INTERMITÉNCIAS DA MORTE OU O NOVO ROMANCE DE JOSÉ SARAMAGO

João Ferreira
Novembro de 2005

O escritor José Saramago fez oitenta e três anos no dia 16 de novembro de 2005. Antes de celebrar seu octogésimo terceiro aniversário lançou, a 26 de outubro de 2005, no Palácio das Artes de Belo Horizonte, e, no dia 30 do mesmo mês, no Centro Cultural da Caixa Econômica Federal, no Rio de Janeiro, inteiramente superlotado, com filas enormes se estendendo até fora do recinto, em comentada noite de autógrafos, o novo romance “Intermitências da Morte”. O livro é editado pela Companhia das Letras, de São Paulo e já virou um bestseller.
Construído a partir de uma narrativa circular estruturada com base num elo fundamental constituído pela frase: “No dia seguinte ninguém morreu”, a nova obra de Saramago mereceu do crítico Gabriel Perissé, uma nota na revista “Veja” na qual chama As Intermitências da Morte de “romance macabro”. Se o leitor levar em consideração as cenas românticas das últimas páginas, a análise crítica pode realmente inclinar-se para esta designação e chamá-lo de romance macabro. Mas se formos mais fundo, poderemos achar que esse rótulo não é suficiente para definir a amplitude temática e a riqueza narrativa do livro, havendo outros ângulos e outras rotas a considerar.

Enredo

A temática que preenche todas as páginas do romance é a temática da morte. Mas de uma maneira variada e original. Iniciando a exposição com a frase: “No dia seguinte ninguém morreu”, Saramago apresenta uma narrativa em que conta uma história singular. A história de que, num pequeno país, na passagem de ano, ninguém morreu. Esse fato era novo na história desse pequeno país e, ao que se sabe, na história da Humanidade. Nesse período de fim de ano, houve desastres com sangue e hospitalizações, mas ninguém morreu. Nem a caminho do hospital nem no próprio hospital. Lá pelo fim da tarde já adiantada de primeiro de janeiro, começou a correr a notícia de que desde as zero horas deste dia um de janeiro em todo o país nenhum falecimento havia sido constatado. A notícia circulou como boato. Mas o boato mobilizou os repórteres. As respostas dadas pelos hospitais, pela Cruz Vermelha, pela Morgue, agências funerárias e polícia confirmavam que naquele dia ninguém tinha morrido. Verificava-se um tipo de greve da morte.A notícia alarmou. Alarmou-se o governo, alarmou-se a Igreja. O cardeal telefonou ao primeiro-ministro para se certificar do que estava ocorrendo. Para o cardeal sem morte não há ressurreição e sem ressurreição não há igreja. Constatado o fato, os responsáveis políticos e religiosos ficam-se perguntando o que irão fazer o Estado e a Igreja se ninguém morrer. Em muita gente surgiu um estado de euforia e de otimismo e até de fervor patriótico. Alguns cidadãos proclamavam e gritavam que “agora, sim, a vida é bela” . Mas nem tudo era euforia. Importantes setores profissionais preocuparam-se com a situação. As agências funerárias, e também os hospitais onde os doentes se acumulavam e já começavam a sobrar nos corredores , assim como os lares da terceira e quarta idades, os lares do feliz ocaso, os gerentes dos cemitérios, as companhias seguradoras, além das Igreja e do Estado estavam preocupados. Confirmado o fato de que ninguém morria nesse país, estabelece-se um debate público entre os representantes das várias religiões, e as várias categorias de filósofos, otimistas e pessimistas. Há campanhas nacionais de orações, procissões, como era tradição no país sempre que se anunciavam calamidades públicas. Há porém alguns casos terminais que exigem acompanhamento e paciência. Numa família pobre de agricultores perto da fronteira há o caso de um menino de poucos meses inteiramente desenganada pelo médico. Na mesma casa, vegeta também um avô desenganado, sem que tenha formas oficiais par sair desta situação. Por indústria própria, o velho encontra uma solução, que termina por comunicar à filha e esta ao conselho de família.Em resumo, ele pedia que o levassem ao outro lado da fronteira onde a morte ainda estava em vigor. Esta decisão é convertida em lance dramático da narrativa. A família saiu a caminho da fronteira, por atalhos, numa carroça puxada por uma mula. A vizinhança soube e fez comentários. Depois de pouco tempo, a notícia correu veloz pelo país, houve críticas e vitupério aos atores que intervieram no caso, mas rapidamente a prática se estendeu a outros recantos nas regiões fronteiriças do país. Outras carroças e outras mulas levaram outros corpos inermes para chegarem a um ponto onde deveriam ser descarregados. Isto passou a ser a prática de uma nova guilhotina. O Governo condenou a desumana ação. E rapidamente a máfia entra para controlar e agilizar toda a movimentação dos doentes que eram levados para morrerem no lado de lá da fronteira. Em poucas palavras, “a máfia passou a tomar conta do negócio”. Neste ponto, o narrador se entrega a descrever os fatos com enorme dose de ironia política , se aprofundando na feroz crítica à máphia , mostrando o modo de agir e a estratégia da máphia. O Governo cede à proposta da máphia que era de se encarregar de todos os negócios dos doentes terminais e desová-los além da fronteira. Neste ponto, a narrativa mostra a máphia passando a controlar as mortes e a indústria dos enterros. A situação no país era a de que a morte havia tirado férias. Ou seja, a morte adiara sua vinda. Em virtude disso, a morte adiada é discutida pelos filósofos em geral e especificamente pelo espírito que paira sobre a água do aquário e pelo aprendiz de filósofo, acendendo no pensamento dos governantes o enorme problema e a dor de cabeça que era o ter de pagar milhões de pensões no futuro. No contexto, vem à baila para os administradores do Estado, a verdade do peso dos velhos. Surge o artigo de um famoso economista que levanta frontalmente a questão. Ele indaga diretamente: “com que dinheiro o país, dentro de uns vinte anos, mais ponto menos vírgula, pensava poder pagar as pensões aos milhões de pessoas que se encontrariam em situação de reformados por invalidez permanente e que assim iriam continuar por todo os séculos dos séculos e aos quais outros milhões se viriam reunir implacavelmente? À medida que a realidade mostra a sua cara, cresce a politização do problema dos velhos no Governo e no parlamento. Raia no país o problema de um amanhã preocupante. Há nos políticos preocupação e angústia declaradas.O ministro da saúde e o governo analisam a questão. Toda a narrativa vai se concentrando por aqui. A nível de ficção, Saramago apresenta uma situação na sociedade dos homens simulando o caso em que a morte faz uma trégua unilateral por sete meses. Essa situação põe o leitor para imaginar as várias reações, seja das pessoas, seja da sociedade em geral, seja das instituições, da Igreja e do Estado. Aparentemente, a ausência da morte seria o melhor de todos os mundos, um esquema edênico de vida na terra. Mas havia o corpo que envelhecia e demandava cuidados e por fim se tornava problema social e administrativo. A narrativa mostra como a greve da morte se tornou um problema político e preocupante para o próprio parlamento, para o primeiro-ministro, para o rei. Até que finalmente, ao cabo dos sete meses, a morte, estabelece uma nova estratégia. Ela prepara uma carta misteriosa que entrega na direção da TV nacional e manda que a carta seja lida publicamente. O diretor da TV depois de levar o problema ao primeiro-ministro prepara com solenidade e tensão a leitura da carta. Nessa carta, a morte dizia literalmente: “senhor diretor-geral da televisão nacional, estimado senhor, para os efeitos que as pessoas interessadas tiverem por convenientes venho informar de que a partir da meia noite de hoje se voltará a morrer tal como sucedia antes, sem protestos notórios, desde o princípio dos tempos até ao dia trinta e um de dezembro do ano passado. Na carta, a morte explica a intenção que a levou a interromper a sua atividade, a de parar de matar, ou seja, a de embainhar a emblemática gadanha. Ela diz explicitamente que a intenção dela foi oferecer aos seres humanos que tanto a detestam uma pequena amostra do que para eles seria viver sempre, eternamente. A morte sentenciava ainda na carta que decorridos sete meses de prova de resistência e tendo em conta os lamentáveis resultados da experiência , sob todos os pontos de vista, o melhor era realmente reconhecer o equívoco e voltar à normalidade. A partir desta carta, a morte anuncia ainda que mudará de estratégia. Ao repor a normalidade, avisava que toda a gente passaria a ser prevenida por igual com um prazo de oito dias para pôr em ordem o que ainda restava de vida, para fazer testamento e dizer adeus à família.
A narrativa mostra os problemas sociais surgidos após o retorno à normalidade da morte. Os serviços funerários são apanhado de surpresa. A máphia tira proveito e se impõe através de seus métodos criminosos.
Na nova estratégia da morte que agora passava a se anunciar com oito dias de antecedência, a narrativa entra em nova etapa, que vai proporcionar a trama do breve romance que se desenvolverá na parte final do livro. E o caso é o seguinte. Entre os milhares de cartas enviadas pela morte anunciando o fim às pessoas que viram chegada a sua hora, há uma carta que retorna ao emitente. Esse fato surpreendeu a própria morte. Reenviada ainda duas vezes, a carta sempre retorna. O orgulho da morte se impõe e ela própria vai querer identificar o misterioso destinatário. Trata-se de um violancelista de 49 anos, que vive sozinho com seu cachorro. A morte vai ter com o violancelista. Entra invisivelmente em sua casa e observa o gênero de vida que ele leva. A morte resolve depois entregar pessoalmente a mensagem, contida numa carta violeta onde está escrita a sentença. Para esta missão, a morte transforma-se em mulher bonita e jovem de trinta e seis anos, veste-se como se mulher fosse, hospeda-se num hotel perto da residência do violancelista, compra um camarote para assistir ao concerto de que participará o violancelista, assiste ao solo da suíte número seis de Bach tocado pelo violancelista e entre dificuldades de diálogo com seu interlocutor-artista, estabelece como último ato, bater à porta do mesmo, quando já estava chegando o último dia de sua existência. Aqui o narrador entra no clímax de um rápido romance da morte com o artista: superadas algumas dificuldades de entendimento mútuo, a morte cede, oferece a boca, entra no quarto com o violancelista, os dois se despem e fazem amor. Depois disso, a morte buscou maneira de deixar a carta violeta em qualquer local da residência, pois essa era a razão de sua missão quando decidiu ir ao encontro do violancelista. Mas não o fez. Destruiu a carta, voltou para a cama, abraçou-se ao violancelista e adormeceu. “No dia seguinte ninguém morreu”.

Processo narrativo da escrita

Um dos pontos altos da escrita de Saramago é a técnica narrativa. É Saramago um exímio narrador, um grande ficcionista, um estrategista da efabulação. Ele sabe construir a fábula com mestria e fá-lo com controle como ninguém. Num livro onde a temática foi estabelecida dentro das fronteiras da morte, ele conseguiu inventar e tirar partido das menores situações criando um foco narrativo, com detalhes que levam o leitor a se integrarem na rota da fábula movidos pela habilidade do narrador. A capacidade crítica, a boa cultura de que dispõe, a observação psicológica de seus contemporâneos, fá-lo criar situações de bem sucedida ironia e até de paródia. O texto não se vende. Ele nasce e sobrevive como voz autônoma para dizer e relatar o social. . Não alicia ninguém. Nem o Estado, nem a Igreja, nem a sociedade, nem os indivíduos. Saramago é frontal, é frio, caminha, narra, e sabe colocar a problemática contemporânea em seu livro. Partindo da técnica de um discurso urdido e movimentado por uma narrador onisciente e multifuncional, a narração torna-se por vezes sentenciosa, outras vezes informativa, outras vezes crítica e irônica. O narrador vê todas as situações. Recolhe juízos, sentenças e fá-las chegar ao leitor pela boca dos personagens, estabelecendo diálogo, transmitindo informações da mídia, documentais. Ele narra, descreve, relata, conta. Tudo num conjunto que forma a integração de sentidos, em forma discursiva concentrada. Utiliza na maior parte das vezes o discurso indireto e transforma sua prosa num autêntico relato social. Utiliza parábolas discursivas das sociedades, das empresas e fala e coloca no cerne da problemática os governos, as máphias, os políticos, os empresários, as famílias, os profissionais de artes liberais, Insere modelos de discursos oficiais, discursos desgastados que revelam os interesses mercadológicos das companhias, das seguradoras exploradoras, das comissões temáticas, dos representantes do próprio exército.
A história é contada e colocada no coração de um país pequeno, presidido por um rei, governado por um primeiro ministro e seus colegas das várias pastas ministeriais. Esse país, pelos dados detalhados que aqui e ali são colocados, e identifica com o próprio país do autor, Portugal. No cerne da história está o fato de que um dia deixou de haver morte naquele país. A partir desse núcleo da história, o narrador relata todas as situações daí derivadas, transformando-se esse fato na pior calamidade que aconteceu desde a fundação da nacionalidade. No cerne da história, o narrador debate os problemas preocupantes dos próximos tempos para todos os governos. A velhice e as pensões, o que fazer com uma sociedade que está envelhecendo mais e como pagar a tantos pensionistas. Esta idéia dá ao livro de Saramago a grande nota de contemporaneidade social e política, uma vez que é o grande fantasma de todos os governos europeus e de todos os países do mundo, mais industrializados ou menos industrializados. Discutindo a situação de um país onde não se morre, o autor cria uma fábula interessante, verossímil, mesmo partindo de uma situação irreal.
A estratégia narrativa está bem concebida. O autor sabe narrar e nos momentos próprios sabe inventar a variação. Quando o narrador diz “mudemos de assunto” é porque o superego do arquitexto que comanda o discurso quer introduzir uma variação importante. Explora notícias, fofocas, alarmes, sentimentos e emoções. Exemplo disto é a explanação que faz sobre o nojo enquanto luto.
Na condução da trama, além da exposição linear, Saramago consegue variar e introduzir a seu tempo a alternativa de um super-narrador ou de um supervisor da narrativa ou até de um eu superior, ou “eu onisciente do autor” que a tudo preside. Esses detalhes ocorrem duas ou três vezes no livro. Numa delas, a intervenção retifica o relato do narrador, servindo-se da pessoa de um super-narrador: “Corrigido a tempo o lapso, posta a verdade no seu lugar, vejamos então o que disse a vizinhança”. Interpretamos esta passagem como uma técnica que procura melhorar e variar a estratégia narrativa. Na variedade dos seus explícitos e implícitos personagens que interferem na narrativa, encontramos uma passagem onde Saramago admite esta variedade de padrão narrativo: “ Outro espírito curioso dos que sempre interrompem o narrador, estará perguntando como podiam os médicos saber a que moradas se deviam dirigir para executar uma obrigação sem cujo cumprimento um morto não estará legalmente morto, ainda que indiscutivelmente morto esteja” .



Empréstimos linguísticos.

Na variação da linguagem em que todo o escritor se empenha, Saramago não se descuidou em ser e parecer um escritor bem contemporâneo e ao mesmo um clássico. Teve o cuidado de semear pelo texto vernáculo algumas expressões importadas de outras línguas, desde o latim e o grego ao alemão, francês, italiano e inglês. Desde tempos antigos, os escritores sempre gostaram de dar esse tom da variedade na linguagem. Com isso, eles mostram ao leitor tanto a versatilidade cultural quanto a circunstância lingüística com que trabalham os personagens para caracterizar melhor sua identidade. Recolhemos a lista desses empréstimos a título de informação. Através dela o leitor poderá ver a quantidade, a qualidade e a variedade lingüística dos empréstimos em “As Intermitências da Morte”.



Acherontia átropos.
Texto de Saramago: “Conforme se pode ver na imagem que vem no livro, a caveira é uma borboleta, e o seu nome latino é acherontia átropos. É nocturna, ostenta na parte dorsal um desenho semelhante a uma caveira humana, alcança doze centímetros de envergadura e é de coloração escura, com as asas posteriores amarelas e negras”. Ibidem, pág. 173 E ainda: 'Isso explicaria, por exemplo não só a inquietante presença de uma caveira branca no dorso desta borboleta acherontia átropos, que curiosamente além da morte, tem no seu nome o nome de um rio do inferno,como também as não menos inquietantes semelhanças da raiz de mandrágora com o corpo humano”. Saramago, ib. 174
Nomenclatura técnica dada por Lineu em 1758 para designar uma borboleta grande com cabeça negra, e asas amarelas e negras, símbolizando a morte. Lineu parece ter-se inspirado nos nomes de Acheronte, que era o rio que os condenados deviam atravessar para chegar ao Hades ou Inferno. E Caronte, a figura mitológica que acompanhava as almas condenadas nessa travessia. A expressão encontrada por Lineu em si é grega, latinizada para ajustar a nomenclatura.

Ad infinitum.
Expressão latina: “...multidões de pais, avós, bisavós(...) ad infinitum”.Saramago. Ibidem, pág.32

Ad petendam pluviam.
Expressão latina. Na terminologia da Igreja foi usada na organização de procissões para pedir a Deus que mandasse chuva,. A expressão correta é: “ad petendam pluviam”. O texto de Saramago traz uma ligeira gralha quando cita “ad petendem(sic!) pluviam”.: “E também vamos fazer sair à rua em todo o país procissões a pedir a morte, da mesma maneira que já as fazíamos ad petendem(sic!) pluviam, para pedir chuva, traduziu o católico”(...) Saramago. Ibidem, pág. 38

A latere.
Texto de Saramago:“As arcas do Estado não podiam continuar a suportar o contínuo crescimento das despesas da casa real e seus a altere, e toda a gente o compreenderia. Era verdade e não ofendia”. No contexto de Saramago, em sentido amplo, poderíamos traduzir “seus a latere” por “seus assistentes”
Saramago. Ibidem,pág. 83

Átropos
Nome grego que significa “borboleta”.Aqui personifica a borboleta da morte. Cloto, Lachesis, e Átropos são as três Parcas que na mitologia grega personificavam o destino. Átropos é filha de Júpiter e Têmis. Era chamada de irremovível. Cortava o fio quando a vida que representava chegava ao fim.
Texto de Saramago:“A passagem do ano não tinha deixado atrás de si o habitual e calamitoso regueiro de óbito, como se a velha átropos da dentuça arreganhada tivesse resolvido embainhar a tesouro por um dia.”
Saramago. Ibidem, pág. 11

Background:
Texto de Saramago: “A resposta também é simples , e vamos dá-la utilizado um termo actual, moderníssimo, com o qual gostaríamos de ver compensados os arcaísmos com que, na provável opinião de alguns, hemos salpicado de mofo este relato, Por mor do background. Dizendo background, toda a gente sabe do que se trata, mas não nos faltariam dúvidas se, em vez de background, tivéssemos chochamente dito plano de fundo, esse aborrecível arcaísmo, ainda por cima pouco fiel à verdade, dado que o background não é apenas o plano de fundo, é toda a inumerável quantidade de planos que obviamente existem entre o sujeito observador e a linha do horizonte”.
Saramago.Ibidem,
Termo de língua inglesa. O próprio Saramago se encarrega de dissertar sobre o horizonte da significação do termo:
pág. 67

Banniera rossa.
Texto de Saramago: (... ) “cantando canções patrióticas como a marselhesa, a banniera rossa...”.Saramago, Ibidem, pág. 63.
“Banniera rossa” é a forma popular de “Bandiera rossa”, hino do partido comunista italiano que canta nos primeiros versos:
“Avanti o popolo, alla riscossa,
Bandiera rossa, Bandiera rossa
Avanti o popolo, alla riscossa,
Bandiera rossa trionferà.


Bunker
Texto de Saramago: “Só quando o jornal saiu à rua é que o director se atreveu a sair do bunker em que se havia encerrado a sete chaves ”.
Saramago. Ibidem, p. 113
Empréstimo tirado da língua alemã. Significa fortaleza, fortim.

Ça ira
Texto de Saramago: (...)”Cantando canções patrióticas como a marselhesa, o ça ira...” Ibidem, 63
.Expressão francesa.Esta foi talvez a mais popular canção da Revolução Francesa. Traduzida a letra: “A coisa caminhará”. Ou seja, “a coisa irá pra frente”.

Carpe diem
Texto de Saramago: “houve muitas que pondo em prática uma interpretação mais do que viciosa do carpe diem horaciano, malbarataram o pouco tempo de vida que ainda lhes ficava entregando-se a orgias de sexo, droga e álcool...”. Saramago. Ibidem, pág. 131
Trata-se de uma expressão conhecida tirada das q Odes (Livro I. 11) do poeta romano Quinto Horácio, que viveu nos anos que vão de 65 a 8, antes de Cristo . A expressão dita o espírito epicurista de um período da vida de Horácio, que mais tarde haveria de abraçar o estoicismo. Carpe diem, significa “aproveita o dia, curte os prazeres que o dia te oferece”.

Causa mortis
É uma expressão latina. Saramago diz, a págs. 142: “nunca tinha tido uma falha operacional, e agora precisamente quando tinha introduzido algo de novo a relação clássica dos mortais com a sua autêntica e única causa mortis, eis que a sua reputação(...)...
Expressão latina conhecida do falantes de língua portuguesa. Significa: causa da morte.


Chant du marais.
Texto de Saramago: (...)”cantando canções patrióticas como a marselhesa(...) o chant du marais”. Ibidem, pág. 63
Entre as várias alusões que faz a canções patrióticas Saramago inclui o Chant du marais, hino revolucionário e guerreiro que se tornou o hino dos deportados para os campos de concentração. Rigorosamente, este hino é uma obra coletiva criada em julho-agosto de 1933 no campo de concentração nazista de Boergermoor, na Alemanha. Transformou-se no decorrer do tempo num hino da resistência, da dignidade e da esperança. A origem do nome está no fato de que os detidos eram obrigados a cantar durante a caminhada que levava até um pântano que eles deviam secar e enxugar. Ele já era conhecido antes da guerra e tomou várias versões na Europa. Era cantado nas prisões e nos campos de concentração na França criados durante o regime de Pétain.

Desideratum

Texto de Saramago: “ a morte(...) deverá (...) tomar as medidas que a sua experiência lhe vier a aconselhar a fim de que seja irremissivelmente cumprido o desideratum que em toda e qualquer situação sempre deverá orientar as suas ações”. Saramago.Ibidem, 162.
Termo latino. Significa desiderato, desejo, intenção.

Design
Texto de Saramago: (...)“estão sempre a aparecer novos modelos, novos designs, tecnologias cada vez mais aperfeiçoadas(...)”. Termo inglês recorrente no marketing e publicidade modernos.
Saramago. Ibidem, pág. 137

Deutschland ueber alles
Texto de Saramago:...”cantando canções patrióticas como a marselhesa(...), o deutschland ueber alles(...). Entre as canções patrióticas citadas nesta parte do livro, Saramago cita também o deutschland uber alles composto por Heinrich Hoffmann Von Fallersleben em 1841 como o hino alemão (Deutschenlied) e que durante a vigência do nazismo hitleriano se tornou num hino imperialista e racista abominado pela comunidade internacional. Banida após o ano de 1945, a Deutschlandlied, voltou a ser o hino nacional alemão, mas apenas a terceira estrofe é usada, tendo sido absolutamente proibida a primeira estrofe que proclamava o “Deutschland, Deutschland uber alles/Uber alles in der Welt (...) e passando a ser usada apenas a terceira estrofe a partir desse ano de 1945: “Einigkeit und Recht und Freiheit/Fuer das deutsche Vaterland”. A partir de 1945, os alemães cantam apenas a Unidade, o Direito e a Liberdade para a pátria alemã!
Saramago. Ibidem, pág. 63.



Et caetera.
Expressão latina conhecida dos dicionários de Língua Portuguesa, significando “ e o resto”.
Saramago. Ibidem, pág. 110-111

Fac símile
Texto de Saramago: ...”se não fosse a estranha caligrafia com que o seu nome está nele escrito, igualzinha à do famoso fac simile publicado no jornal”(...). Em português, a expressão latina fac símile significa cópia.
Saramago. Ibidem, pág. 124

God save the king
Texto de Saramago:…”cantando canções patrióticas como a marselhesa (... ), o god save the king”(...). É uma alusão ao hino oficial inglês God save the Queen/God save the King, que remonta ao ano de 1745 em sua primeira redação, hoje com variações.
Saramago. Ibidem, pág. 63

Know how
Texto de Saramago: …”sendo portanto necessário reformular de alto a baixo o nosso tradicional know how (...). Expressão inglesa corrente em nosso linguajar contemporâneo
Saramago. Ibidem, pág. 27, 69

Last but not least
Texto de Saramago: …(…) “Finalmente, last but not least, a igreja católica, apostólica e romana tinha muitos motivos para estar satisfeita consigo mesma.” Uma frase em inglês, internacionalizada.
Saramago. Ibidem, pág. 120

Mais où sont les neiges d’antan
Texto de Saramago:... “se juntarão uma atrás de outra como folhas que das árvores se desprendem e vão tombar sobre as folhas dos outonos pretéritos, mais où sont les neiges d’antan, do formigueiro dos que, pouco a pouco, levaram a vida a perder os dentes e o cabelo”(...)
Expressão em francês extraída da Ballade des dames du temps jadis (Balada das damas de outrora) de Georges Brassens: “Dites moy ou n’en quel pays/Est Flora la belle Romaine/Archipiade né Thais/Qui fut sa cousine germaine/(...) Qui beaulté or trop plus qu’humaine/ Mais ou sont les neiges d’antan?”
Saramago. Ibidem, pág. 32

Mare magnum
Texto de Saramago: “foram-se juntando ao mare magnum de cidadãos que aproveitavam todas as ocasiões para sair à rua e proclamar e gritar, que agora a vida é bela.”
Expressão latina.
Saramago. Ibidem, pág. 24

Memento homo quia pulvis es et in pulverem reverteris
Texto de Saramago: “-Olá, sou eu, que é a versão corrente, por assim dizer familiar, do ominoso latim memento homo qui (sic!) pulvis es et in pulverem reverteris”. Texto latino da liturgia da Igreja Católica no dia de cinzas.
Saramago. Ibidem, pág.187

Modus operandi
Texto de Saramago: ...” que embora em muitos casos o modus operandi seja o mesmo para ambas...”. Expressão latina, significando “a maneira de fazer, de agir”.
Saramago. Ibidem, pág. 174

Numerus clausus
Texto de Saramago: “...O chefe do governo(...) não encontrou melhor saída para a dificuldade que propor uma nova negociação, agora com o estabelecimento de uma espécie de numerus clausus, qualquer coisa como o máximo de vinte e cinco por cento do total de vigilantes...”
“Numerus clausus” significa aqui “número fechado”, “proposta fechada”.
Saramago. Ibidem, pág. 54

Outlook Express da Microsoft
Texto de Saramago: “(...)No mesmo instante em que a pessoa abre o Outlook Express da Microsoft já está filada...”. Este empréstimo em inglês mostra como Saramago lida com a tecnologia da informática também.
Saramago. Ibidem,pág. 137

Post scriptum
Texto de Saramago:”Não estou para sustentar burros a pão-de-ló, desabafava em post scriptum, um segurado particulamente mal disposto.”
À letra, a expressão latina “post scriptum” significa “depois do escrito”. Ou seja, depois do texto principal. Normalmente, o post scriptum entra como uma nota ou como um adendo ao texto.
:Saramago. Ibid., pág 33

Pro forma
Texto de Saramago: “No fim, aplicavam uma penitência pro forma”...
Expressão latina.
Saramago.Ibidem, pág.132

Qui pro quo (=quiproquó).
Texto de Saramago: “Umas quantas luzes e sintaxe elementar e uma maior familiaridade com as elásticas subtilezas dos tempos verbais teriam evitado o qüiproquó e a consequente descompostura que a pobre moça, rubra de vergonha e humilhação, teve de suportar do seu chefe directo.”
“Qui pro quo” originariamente é uma expressão latina e significa “uma coisa pela outra”, equívoco, engano. Já aportuguesado, da maneira empregada por Saramago, escreve-se “qüiproquó”, uma palavra só, com trema sobre cada um dos “u”, para corresponder à pronúncia latina.
Saramago. Ibidem, pág. 14

Realpolitik
Texto de Saramago:”Infelizmente quando se avança às cegas pelos pantanosos terrenos da realpolitik, quando o pragmatismo toma conta da batuta e dirige o concerto sem atender o que está escrito na pauta, o mais certo é que lógica imperativa do aviltamento venha a demonstrar afinal que ainda havia uns quantos degraus para descer.” Saramago. Ibidem, pág. 59.
Saramago recorre ao empréstimo em alemão “realpolitik” para referir-se à política pragmática, aquela que realiza e atende necessidades reais como a fome e outras carências, antes de se preocupar com ideologias ou moralismos.

Rosette de Malherbe
Texto de Saramago: “Será como aquela pequena rosette de malherbe que, convertida em rosa, mais não pôde durar que a brevidade de uma manhã”. Saramago refere-se a um texto do poeta francês François Malherbe (1555-1628) onde se diz que “...' Et Rosette vécut ce que vivent les roses, l’espace d’un matin ': Rosette viveu o que vivem as rosas, o espaço de uma manhã” .Saramago. Ibidem, pág. 104

Sequoiadendron giganteum
Texto de Saramago:”Já pensaste se a morte era a mesma para todos os seres vivos, sejam eles animais, incluindo o ser humano, ou vegetais, incluindo a erva rasteira que se pisa e a sequoiadendron giganteum com os seus cem metros de altura...”. Saramago, Ibidem, pág.72
Esta sequoiadendron é uma árvore gigante, do gênero da coníferas, descrita e catalogada por Bucholz em 1939. Encontra-se a Califórnia e Serra Nevada e há espécimes dela no Reino Unido também.

Serial killer
Texto de Saramago: “...e minuciosa análise grafológica a que procedi apontam a que a autora do escrito é aquilo a que se chama uma serial killer, uma assassina em série...”. A passagem registra um empréstimo em língua inglesa.
Saramago. Ibidem, págs. 114, 126

Stars and stripes
Texto de Saramago: (…) cantando as canções patrióticas como a marselhesa(...), as stars and stripes(...)”. Alusão à canção norte-americana Stars and Stripes forever. A bandeira norte-americana tem também o nome de Stars and Stripes, pelas 50 estrelas e várias listras ou bandas que contém..
Saramago. Ibidem, pág. 63

Tânatos
Texto de Saramago: “arrastando para longe da vista a longa sombra de tânatos”. A palavra thánatos é grega e significa morte.
Saramago. Ibidem, pág. 24

A qualidade literária de Saramago
Ao lermos Saramago, a primeira qualidade do escritor nos aparece soberana.Essa qualidade se identifica com sua grande capacidade ficcional e imaginária, com um profundo nível literário e narrativo, assim como com a elevada qualidade crítica e social dos textos. Ao lado de tudo isto, porém, o leitor atento tem suas interrogações e suas dúvidas para apresentar ao autor.

A importância da ortografia na escrita do romance
Achamos pouco interessante a crítica ter de se ocupar de questões aparentemente menores de um grande escritor,como é o caso da ortografia. Mas Saramago não é apenas um grande escritor. É também um homem público. Um prêmio Nobel. Teoricamente uma referência. Um modelo. Em vista disso, achamos de suma importância torná-lo mais próximo de qualquer tipo de leitor, sobretudo dos alunos-leitores que frequentam nossas escolas. Para isso é fundamental que a crítica faça uma mediação entre seus textos e o ponto de vista dos leitores, discutindo efeitos imediatos e dificuldades da recepção, para serem afastadas incompreensões, e preconceitos. A boa metodologia para encarar o assunto é a frontalidade. Nesta linha de raciocínio, “As Intermitências da Morte”, tal como os demais livros de Saramago não podem ser subtraídos do contexto escolar e das normas que regem o ensino da língua portuguesa As escolas do ensino fundamental e médio e também as de ensino superior estudam uma linha normativa de escrita que orienta o comportamento do produtor de textos. Essa linha normativa abrange não apenas a ortografia que inclui a acentuação gráfica, e o emprego de maiúsculas e minúsculas mas também os sinais de pontuação. As normas ortográficas de Língua Portuguesa procedem de pareceres emitidos pela Academia Brasileira de Letras e pela Academia de Ciências de Lisboa, instituições que detêm a tradição convencional da Língua assim como a Convenção ortográfica celebrada entre o Brasil e Portugal em 29 de dezembro de 1943. Estes são, de momento, os principais instrumentos de autoridade em que se baseia a norma, enquanto a comunidade linguística espera a ratificação de um acordo ortográfico mais amplo a ser aprovado por todo os países que constituem a comunidade de Língua Portuguesa. Face a essa normatização que é obrigatória em todas as instâncias da vernaculidade válida para a escrita de textos de qualquer natureza - e particularmente para os compêndios escolares, para as provas oficiais de concursos públicos, para os diários oficiais, jornais, revistas,periódicos de qualquer natureza, panfletos, livros e cadernos, a que obrigatoriamente se atém a numerosa falange de escritores, redatores e revisores, que praticam uma escrita ortograficamente uniforme e normativamente correta -, os textos de Saramago analisados pelo lado da escrita física, surpreendem. Surpreendem pela prática de uma pontuação subversiva e pela anarquia no emprego de maiúsculas e minúsculas, entre outras coisas. A pergunta que se colocaria perante essa atitude monárquica de um grande escritor seria saber onde estariam as vantagens dessa prática.. Ponderado o lado literário, estilístico, linguístico, narratário e estético, a conclusão dos leitores mais críticos é a de que não há vantagem constatada nesses campos. Há, sim, uma insistência solitária do escritor em algo estranho à escrita convencional da língua portuguesa. E nisso, Saramago não leva qualquer mérito para seu laurel nobelístico, ficando a dever a muitos milhares de leitores uma disposição discursiva dialógica que facilite a leitura e uma ortografia que não meta confusão.. Curioso é que depois da vírgula multifuncional que introduz na articulação dialógica, Saramago coloca maiúscula para sinalizar a intervenção dos personagens. E aí, as coisas viram código idiolético próprio. Mas o que neste livro é mais contrastante é que para os nomes próprios, Saramago inventou de os escrever com minúscula. E então acontece uma confusão insólita. Quando se trata de nomes conhecidos como Johann Sebastian Bach, ou Wagner, ainda passa. Mas como vai o leitor médio perceber que o “drácula da transilvânia” é o Drácula da Transilvânia, que o “antigo testamento” é o bíblico Antigo Testamento, que a “antiga irlanda” é a “antiga Irlanda” que a “fonte do epiro” é a fonte do Epiro na Grécia, que chopin é “Chopin”, que frança é “França” e que nereu é Nereu? Nem sempre é fácil de adivinhar. Quanto conhecimento e tino cultural Saramago exige de seu leitor que se quer muito erudito e elitizado!
No contexto daquilo que discutimos, seria lógico concluir que Saramago com este modo de escrita está favorecendo o sistema injustamente seletivo e pouco democrático em relação a seus leitores. Talvez esteja aumentando, mesmo sem o querer, o fosso entre o escritor e o leitor, quando deveria simplesmente aproximar. Seus livros já são de difícil leitura, pela densidade dos argumentos, da narrativa e pela simples disposição gráfica compacta que usa, com raríssimos parágrafos. Ao abolir a maiúscula em nomes próprios, na hora da leitura, quem vai saber que coisa é essa da rosete de malherbe ou qual é esse antigo testamento, de que fala? Só pesquisadores irão adivinhar que rosette de malherbe é Rosette de Malherbe e antigo testamento é o bíblico Antigo Testamento.
Em contrapartida, Saramago mostra-se também um apreciável observador do quotidiano. No livro há menção de conversações telefônicas, de procissões, doenças, famílias de camponeses pobres, criança de poucos meses, criança de 8 anos, mãe de menino, filha que beija o pai na testa e sai do quarto a chorar, emigrantes, famílias pobres e honestas, tia solteira, mula atrelada à carroça, pá e enxada, bichos do mato, luzes de uma povoação, maneira de pisar da mula e outras situações concretas que mostram um escritor observador. Saramago mostra que sente e não ignora em seu livro a verdade de situações variadas do dia a dia. Nisto, ele aproxima seu leitor. Sem dúvida nenhuma. É um efeito claro que obtém sobre o leitor através da escrita. Mas, como que colocado em pólo oposto, parece ser claro também que não aproximará o leitor ao fazer tábua rasa de maiúsculas e minúsculas, toldando o discernimento cultural pelo possível ocultamento da referência real da coisa ao seu leitor. Há morosidade, complexidade e ambiguidade na leitura quando o leitor se defronta com barão de munchhausen, com rostoprovitch, matusalém, briseida ou pátroclo. Nomes próprios com minúscula. Na floresta dos signos há que oferecer as normais condições para a decodificação. Já não é fácil jogar o leitor em inumeráveis encruzilhadas de erudição, quando o código maiúsculo convencional o ajuda a identificar a classe em que deve situar-se lingüisticamente para pesquisar, em caso de desconhecimento ou dúvida. Confusão extrema é semear na profusão do discurso palavras que não oferecem um princípio de classificação, como é o caso da anarquia no emprego das maiúsculas.
Análise lexical e lingüística
A discursividade geral do livro “As Intermitências da Morte” se constrói e flui através de um sistema de escrita que tem no volume global do discurso a versão normal do português padrão erudito válido para os falantes de língua portuguesa com preparação cultural capaz de garantir o acesso a termos e expressões eruditas avançadas. A juntar a este padrão erudito há alguns dados específico a ter em conta.
Um livro é um painel formado de variadas texturas em que entram termos, expressões e linguagens do tamanho da intenção do escritor ao descrever ou narrar um episódio ou uma história. O fato de ser um escritor culto, leva Saramago a enveredar por uma composição onde constam palavras da melhor ascendência greco-latina: voz estentória (155), discípulos de Euterpe(148), filha de Ares e Afrodite(149), pentagrama (151), tantalizante(196), nomes e numerosas figuras mitológicas como: Aquiles, Agamêmnon, Pátroclo, Heitor, Anfitrite, Nereu, Dóris, fonte de Epiro, acherontia átropos(173), tânatos(24,131), veleidades macróbias(29), pletora de hospitais(31), entalado entre Sila e Caribdes(54)labirinto de Cnossos, serpente pitão (32), dialético(35), labiríntico (113), práxis cansada 162, espada de Dâmocles (131). De outro lado, estão as palavras eruditas em conexão com o patrimônio cultural de Roma, algumas delas derivadas de palavras latinas e outras utilizadas por Saramago como literais empréstimos lingüísticos. Assim, temos: sacrificial(21), lampejo(21), mare magnum(24), grêmio fúnero 26, esfíncteres 29, ad infinitum 32, sempiternamente 33 breve adenda 33 cálculo actuarial 34, nó górdio 54 quádrupla crise 63, áscuas 55, sobrescrito 87.91 conspirativo 93, beneplácito do governo 96, defunção 109, hemos 67, objectores 74, incréus 75, acme 78cegante 92putridez 108, colação 113, calcâneos 127. Mas há também a presença de outras culturas no vocabulário de Saramago, sem contarmos os empréstimos em variadas línguas, a saber: francês (gabardine 25, maquilhar 98), hebreu (matusalémicas idades 32, matusalém 158, Antigo Testamento 158), italiano (máphia 50, 60), e até se encontra, embora de leve, uma infuenciazinha brasileira (alegrão à tropa 59), assim como informações químicas e ambientais (redução do ozono na atmosfera 82), expressões híbridas como teleponto 98, palavras de origem árabe (xeque-mate 67, ), e palavras aportuguesadas do inglês (brande por brandy 115, flarte por flirt), etc.
O vocabulário de Saramago é dinâmico e próprio e é apto para fazermos uma competente cobertura da consciència cultural contemporânea.Além da alusão antropológica ao homo sapiens 183, o escritor transita por caminhos culturais dos povos primitivos (xamã 167), pela penumbra da gênese política européia (antiga irlanda 181), pelos meandros da política portuguesa (ministro da tutela 93), pelos espaços musicais (atril 149, 166), pelos gavetões da informação (arquivística 158, dicionários 172), pelas preocupações da medicina (cancro 139) pela terra dos vampiros (drácula da transilvânia 181), pelas quebrantadas consciências das famílias (81), pelos campos da filosofia (obviedade filosófica 160, o aprendiz de filósofo 72, espírito que pairava sobre a água do aquário 72), pela alusão a símbolos dramáticos enxertados na consciência européia e mundial (titanic 167)), demonstrando em várias instâncias uma insistente cultura musical para documentar suas referências ao violancelista que tanto perturbou a Morte em sua última fase pelo país onde se narra a história, com referências intensas e detalhadas a Bach, Chopin, Rostoprovitch.
Em primeiro lugar, para o leitor brasileiro há que destacar algumas especificidades lexicais que ocorrem no livro de Saramago. Essas especificidades são de dupla natureza. Umas podem ser caracterizadas como típicas expressões lusitanas. Outras são próprias do idioleto saramaguiano. Por outro lado, há também algum vestígio do português do Brasil como denotam as expressões “alegrão à tropa” (p. 59), boquejar (p.71). No volume global do discurso há que considerar simplesmente a versão normal do português padrão erudito válido para os falantes de língua portuguesa com preparação cultural capaz de garantir o acesso a termos e expressões eruditas avançadas.
Quanto os termos de uso preferencialmente lusitano, citamos: cancro 139, despautério 162, arrastadeira (=comadre) 29 furgoneta(kombi, van) 60 gadanha 99, regueiro 11 planificador 30, ranhos 29, estalo de chicote 25, até aos gorgomilos 18, camisa-de-onze-varas 18, flarte 199 (forma brasileira : flerte), ecrã (=tela)81, 100, sem dizer água-vai 100 candeia 99 maquilhar 98, maquilhado 98, ministro da tutela 93, cavalo de batalha 75, sobrescrito 87, rebuçado 103, bichanar 100, dez horas e um quarto 88, ozono 82, canhenho 64, gadanha 99, alvissareiros 61, vossemecês 112, amavioso 81, pacóvio 115.
Entre as expressões e termos eruditos, citamos em grafia lusitana: ricto amargo 156, ecrã 81.100, maquilhar 98, maquilhado 98, vossemecês 112, brande 115, voz estentória 155, porta-penas 138, atril 149, 166, gabardina 25, esfíncteres 29, pletora 31, entalado entre sila e caribdes 54, serpente pitão 32, nó górdio 54, áscuas 55, dinheirame 64, calcâneo, acme 78, defunção 109, teleponto 98, festoado 110, adenda(adendo) 33.
Como termos mais específicos do idioleto saramaguiano registramos: grêmio fúnero (em vez de “funéreo”, funerário fúnebre) 26, carpideiro coro 25 lares do feliz ocaso 30,31, velhorros 32, matusalémicas idades 32, máphia, maphiosos 55, enterradores 62, prática sepulcrária 65, arlequinesco 74, cegante 92, masorético 158, tantalizante 196, ancestre 133, que soa a galicismo.

FONTE TEXTUAL
Para achar as citações feitas em nosso ensaio, procure em: SARAMAGO, José. As Intermitências da Morte. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
João Ferreira
Brasília, 29 de novembro de 2005
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