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Artigos-->Professora Odívia Carrano Albuquerque, minha mãe -- 28/04/2012 - 18:16 (Pedro Wilson Carrano Albuquerque) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
PROFESSORA ODÍVIA CARRANO ALBUQUERQUE, MINHA MÃE



Há um ditado no adagiário brasileiro de que o tempo é o melhor remédio para as dores com as perdas e separações: “Dar tempo ao tempo”, é o conselho dado.

Rachel de Queiroz discorda: “Falam que o tempo apaga tudo. Tempo não apaga, tempo adormece.”

No caso de minha mãe, nada é apagado. Adormecimento? Jamais! São lembranças claras e permanentes. Boas e relaxantes recordações. Pode haver ausência física, mas não a falta, porque a Dona Odívia está em cada célula de meu corpo, em todos os momentos de minha vida.

Vale recordar, a propósito, Carlos Drummond de Andrade, que a minha querida progenitora conheceu por meio do genro Antônio Carlos de Oliveira, amigo do poeta:

“Por muito tempo achei que a ausência é

falta. E lastimava, ignorante, a falta.

Hoje não a lastimo.

Não há falta na ausência.

A ausência é um estar em mim.

E sinto-a, branca, tão pegada,

aconchegada nos meus braços,

que rio e danço e invento exclamações

alegres.

Porque a ausência assimilada,

ninguém a rouba mais de mim.”



O escritor francês Anatole France, laureado com o Nobel de Literatura de 1921, pelo conjunto de sua obra, deixou, em seu livro “Le Livre de Mon Ami”, o seguinte comentário:

“O melhor e o mais sábio dos homens, Sr. Littré, desejava que cada família tivesse seus arquivos e sua história moral. Disse ele: “Depois que uma boa filosofia me ensinou a estimar enormemente a tradição e a preservação, eu lastimei muitas vezes que, durante a idade média, famílias burguesas não tivessem pensado em formar modestos registros onde fossem consignados os principais incidentes de sua vida doméstica, que seriam transmitidos enquanto a família durasse. Como seriam curiosos os registros que tivessem alcançado nossa época, por mais sucintas que fossem as notas! Quantas noções e experiências perdidas, que teriam sido salvas com um pouco de cuidado e perseverança!” Pois bem, eu realizarei de minha parte o desejo do sábio ancião: isto será guardado e será o começo do registro da família. Não percamos nada do passado. É com o passado que se faz o futuro.”

Minha mãe seguiu o conselho do Sr. Littré. Havia uns cadernos em que registrava, desde seus tempos de Recreio (MG), os fatos de sua vida. Poucos anos antes de sua morte, resolveu passar a limpo suas anotações, retirando, segundo ela própria, alguns acontecimentos desagradáveis, escritos em momentos de desânimo e tristeza. Muitos dados que se seguem foram retirados desses apontamentos.

Era filha de José Carrano e Maria da Conceição Lima, tendo nascido no dia 13 de maio de 1912, cinco anos antes do primeiro aparecimento de Nossa Senhora de Fátima, em Portugal, às crianças Lúcia, Francisca e Jacinto. Sua vinda ao mundo deu-se na Rua Ferreira Brito, nº 60, no então Distrito de Recreio, Município de Leopoldina (MG), onde seus pais residiam.

Segundo meu avô José Carrano, eram ouvidos, então, batuques comemorativos dos vinte e quatro anos da abolição da escravatura. Conforme registrei em meu livro “Palavras Cruzadas e Descruzadas”, o Brasil era governado pelo Presidente Hermes da Fonseca e o Papa Pio X chefiava a Igreja Apostólica Católica Romana.

Quando abriu os olhos pela primeira vez, suas avós (Maria Carolina Tavolaro e Maria Joaquina de Jesus) e o avô materno (Francisco Antônio de Lima) não mais estavam neste mundo e o avô paterno, Nicola Carrano, encontrava-se na Itália, de onde só retornou em 1914. Ele era muito atencioso com a neta, procurando diverti-la quando estavam juntos. Gostava de entoar canções italianas com sua voz forte e afinada. Minha mãe o perdeu em 1920, quando tinha oito anos de idade.

Com oito meses, saiu pela primeira vez da cidade natal, viajando com os pais para Santos Dumont (MG). Ali, foi batizada, juntamente com a prima Gabriela, no dia 31 de janeiro de 1913. Seus pais foram os padrinhos de Gabriela e ela afilhada dos tios Antônio da Costa Grilo, nascido em Portugal, e Geraldina de Lima Grilo.

Sua mãe faleceu no dia 17 de fevereiro de 1916. Era muito alegre e brincalhona. Estava grávida da Nair quando perdeu a Olga. Certamente por isso, andava muito nervosa durante o resguardo da filha Nair. Faleceu de forma inesperada, deixando cinco filhos, tendo a caçula apenas trinta dias. Minha mãe ainda não havia completado quatro anos. O ocorrido deu origem à minha crônica “Mensagem de Amor”, publicada no livro “Palavras Cruzadas e Descruzadas”.

Quando tinha três ou quatro anos de idade, minha mãe teve o primeiro amigo, que se chamava Nabor. Ele ia diariamente à sua casa para brincar, mas, de repente, parou de visitá-la. Diante disso, foi até a residência da mãe do garoto, que chorou quando viu a pequena Odívia, que assim narrou o encontro: “Perguntei pelo Nabor. Ela segurou a minha mão, levou-me para seu quarto, onde havia uma grande mala, e dali tirou um retrato do menino, que me deu dizendo que ele tinha ido para o céu. Ainda tenho a foto, da qual nunca me separei. Até hoje sinto a saudade do meu primeiro amiguinho.”

Antigamente, havia o costume de se fazer e pagar visitas. Minha mãe, bem pequena, acompanhava a sua tia Antonieta nessas ocasiões. Tinha que se comportar bem, não podendo, por exemplo, balançar as pernas, que de tão curtas não alcançavam o chão.

Apesar da perda prematura da mãe, a Dona Odívia tinha boas lembranças de seu tempo de criança. Chamavam-lhe Divinha. Todos, parentes, professores e colegas, eram muito bons e compreensivos com ela, que só pensava em brincar. Não tinha preocupações. Levou oito anos para fazer os quatro do curso primário. Se não estudava, ninguém se preocupava com isso para não a magoarem. Frágil e órfã de mãe, todos ficavam penalizados com a sua situação.

A Dona Zizinha foi sua professora no quarto ano, esforçando-se muito para a aluna ir para colégio interno, em Cataguases, a fim de se preparar para a obtenção do diploma de professora. O curso, naquele tempo, era de seis anos, sendo dois de adaptação e quatro do normal. A boa mestra, que posteriormente foi diretora do Educandário Santa Terezinha, em Leopoldina (onde concluí o primário), achou que a discípula estava preparada para pular os dois anos de adaptação. Ficou um mês no internato se preparando para a seleção. Foi feliz, matriculando-se no primeiro ano do curso normal. Algumas meninas que já estavam n 1º e 2º anos de adaptação não conseguiram, infelizmente, a aprovação pretendida.

Foi muito feliz na escola. Nos teatrinhos fazia o papel principal e, além disso, era a oradora oficial quando recebiam pessoas importantes, como o Governador de Minas Gerais e o Bispo Diocesano, o que se repetiu na cerimônia de formatura de sua turma. A Dona Zezé (Maria José Reiff Guimarães Carrano), sua madrasta, era muito boa com a enteada, sempre lhe enviando doces e outros quitutes. Cacilda era uma grande colega, presenteando-a sempre (mais tarde, foi minha madrinha de batismo).

Quando minha mãe se encontrava no terceiro ano normal, o Governo editou um decreto estabelecendo que a duração do curso passaria a ser de três anos. Tirou Distinção e Louvor em Prática Profissional e recebeu elogios da Diretora, que escreveu em sua caderneta, com letras graúdas, que tinha sido “a melhor das tirocinantes”.

Na época em que estudava em Cataguases, como aluna interna, recebeu das irmãs carmelitas recomendação no sentido de que, no início das férias, a primeira coisa que deveria fazer quando chegasse à sua casa era visitar as tradicionais e antigas famílias do lugar onde morava.

Minha mãe cumpria tal obrigação. Visitava a família do Dr. Batista, do Sr. Santos, jornalista – em cuja casa viu pela primeira vez a máquina que editava o jornal “O Verbo” -, bem como as Sras. Guiomar, Benildes, Eliza, Antonica, Rosa, Carmelita, Chiquinha, Maritas, além de outras pessoas de famílias tradicionais do lugar. Era muito bem recebida, nunca faltando o tradicional cafezinho. Não se esquecia das famílias mais humildes, em suas casinhas de sapé, onde também era servido um bom café adoçado com rapadura e servido em canequinha de lata que brilhava de tão limpa. Como já a esperavam, voltava para casa com frutas (pinhas, jabuticabas, etc.).

Queria ser irmã carmelita, mas seu pai, ao tomar conhecimento de tal pretensão, ficou muito triste, negando-se a dar o consentimento solicitado.

Concluída a sua formação para professora, meu avô, como prêmio, resolveu enviá-la à cidade de Palmira (atual Santos Dumont) para conhecer o lugar em que fora batizada e visitar a tia e madrinha Geraldina.

Ao voltar, teve a surpresa de encontrar sua nomeação para professora no Grupo Escolar Olavo Bilac. Tentou, então, lecionar para a classe de quarenta alunos que lhe foi destinada. Não conseguiu. Certa vez, tentou segurar um garoto e ele a mordeu. Seu pai, então, não permitiu que continuasse a ensinar, pelo menos naquela ocasião, por considerar que a saúde da filha merecia cuidados. Além disso, a jovem vivia num mar de rosas e o pai encontrava-se muito bem financeiramente. Ele foi a primeira pessoa a comprar automóvel em Recreio, bem como a possuir rádio na localidade.

Ficou noiva aos dezessete anos, marcando o casamento com Wilson Albuquerque para o dia 21 de junho de 1930, dia de São Luís Gonzaga. Os membros de sua família gostavam do noivo, que conversava com todos e tinha um papo agradável.

O mano Edson também pretendia casar-se com a jovem Lucília, muito amiga de minha mãe desde a infância (situação que se manteve enquanto viveram). Pois bem, Edson disse que só se casaria depois de suas irmãs, marcando seu casamento para os fins de 1929.

Entretanto, meu avô estava muito preocupado com a saúde da filha Odívia e entendia que ela precisava alimentar-se melhor e fortalecer-se antes do casamento. O leite ficava separado para que ele verificasse se a moça o havia tomado. Certa vez, queria que ela engolisse uma gema crua colocada em uma colher. Desejando convencê-la a consumir o alimento, chegou a fazê-lo ele mesmo para mostrar que não havia qualquer problema. Ensinou-a, também, a comer verduras e legumes, inclusive jiló.

Em certa ocasião, passou por Recreio um médico muito bom e conceituado, que estudara Medicina na Alemanha. Meu avô pediu-lhe que examinasse minha mãe. O doutor conversou muito com a paciente, submetendo-a a um exame completo. Recomendou, por fim, que fosse adiado o casamento por seis meses para que a noiva pudesse obter mais vigor. Achava a jovem muito nova para o matrimônio.

Como o enlace matrimonial do Edson e Lucília já tinha sido ajustado para dezembro, acabou ocorrendo antes do de meus pais, que só se deu, como já vimos, no dia 21 de junho de 1930, com a realização da cerimônia na casa de meu avô. O Padre Guido foi o celebrante.

Em 7 de novembro de 1931, o Presidente doestado de Minas Gerais, Dr. Olegário Maciel, assinou a nomeação de Dona Odívia para o cargo de professora do Grupo Escolar Olavo Bilac, onde lecionou até 1953.

O casal teve um punhado de filhos: José, em 1932, Luís, em 1934, Maria Patrocínia (Cininha), em 1936, Maria Emília, em 1938, Paulo, em 1939, Maurício, em 1941, Pedro Wilson, em 1943, Daniel, em 1946, Eduardo, em 1949, Maria Georgina, em 1953, e José Maria, em 1957. Com exceção dos dois últimos, que nasceram em Leopoldina, todos tiveram Recreio como torrão natal.

Eu, o sétimo filho, tive sorte com os pais que Deus me deu. Amorosos, tudo faziam pela prole, esforçando-se para que nada lhe faltasse.

Sempre me senti seguro com a presença e o apoio de minha mãe. Sua tranquilidade e os carinhos dispensados aos filhos davam-nos a proteção necessária à nossa evolução. Suas zangas e palmadas eram sempre leves e bem absorvida. Eu, particularmente, nunca apanhei dela ou de meu pai.

Os filhos não prejudicavam a atuação da professora, sempre competente e querida por seus alunos. Por outro lado, as aulas nunca atrapalharam a criação dos meninos e meninas que agitavam a casa. Os cuidados com a nossa educação, saúde e alimentação eram constantes e prioritários. Sabia combinar amor com energia. As interrupções em sua atividade escolar somente ocorriam nas licenças para a maternidade.

Em 1953, resolveu com o esposo residir em Leopoldina, onde a maioria dos filhos estudava em colégios internos. Como lecionava em Recreio, tinha de enfrentar diariamente, com uma filha no ventre, desconfortáveis viagens nos ônibus que ligavam as duas cidades. Isso se deu até o momento em que o Governador Juscelino Kubitschek a transferiu para o Grupo Escolar Ribeiro Junqueira, em Leopoldina, onde exerceu o magistério até sua aposentadoria, deixando fama de professora de grandes predicados.

A “Gazeta de Leopoldina”, em sua edição de 24 de fevereiro de 1957, no artigo “Aposentadoria”, assim se referiu ao enceramento de suas atividades escolares:

“Pelo Governo do Estado, acaba de ser aposentada a professora Odívia Carrano Albuquerque. Lecionando durante longos anos no Grupo Escolar Olavo Bilac, de Recreio, e, ultimamente, no Ribeiro Junqueira, Dona Odívia, mestra competente e mui dedicada, fez-se credora da estima de seus numerosos ex-alunos e da consideração das autoridades escolares. Nos últimos meses, bibliotecária no Grupo Escolar Ribeiro Junqueira, reorganizou a valiosa biblioteca, facilitando às colegas e aos alunos o intenso movimento das consultas. Recebendo, agora, o merecido prêmio aos seus esforços, a Gazeta envia-lhe felicitações.”

Os momentos difíceis foram muitos em sua vida, mas a amada genitora sempre os enfrentou corajosamente. Além dos pais, perdeu o esposo e quatro filhos (José, Cininha, Eduardo e José Maria), mas não se deixou abater, apesar do grande sofrimento, pois os seus meninos e meninas ainda vivos, apesar de crescidos, sempre precisavam de seu alento, compreensão e carinho.

Lembrava sempre que passou a ser órfã quando perdeu os pais, viúva quando ficou sem o esposo, mas que não havia nome para qualificar quem se separava dos filhos quando estes realizavam sua última viagem, por tão absurda que era a despedida. Problemas no relacionamento do casal devem ter ocorrido, como é natural, mas ela sempre soube contorná-los com sabedoria, podendo-se dizer, com certeza, que foi um casamento de quarenta e oito anos com muitas alegrias e amor.

Acima de tudo, ela e o marido não conseguiam manter distância dos filhos, Para acompanhar seus estudos em Leopoldina, haviam mudado de Recreio para aquela cidade. Da mesma maneira, transferiram-se para o Rio de Janeiro, onde a prole teria um campo mais fértil para desenvolver-se profissionalmente.

De repente, o bebê de 1912, a escolar de 1920, a professora de 1928, a jovem esposa de 1930, viu-se completando noventa e seis anos em 13 de maio de 2008. E, como sempre, sua preocupação maior era com os filhos, netos e bisnetos, que muito amou até seus últimos dias. Era indescritível a alegria com que recebia os inúmeros descendentes em sua residência no Leblon. Ligava pra todos nos dias em que comemoravam seus aniversários.

Para uma menina considerada frágil, pode-se dizer que não teve problemas sérios com a saúde. Assim, nunca foi internada em hospital, a não ser para o nascimento dos dois últimos filhos. A única cirurgia a que foi submetida, para eliminar catarata, durou poucos minutos e se deu quando já beirava os noventa anos. Ela não podia ficar sem as leituras de seus livros, revistas e jornais.

Em 22 de agosto de 2008, um dia como outro qualquer, acompanhava as notícias do mundo divulgadas no Jornal Nacional. Sentindo-se indisposta, avisou ao neto Ricardo, que se encontrava ao seu lado, que iria deitar-se. Segundo ela, não era nada sério, sendo desnecessário telefonema pra filho ou médico. Poucos minutos depois, quando o jovem foi perguntar-lhe se estava tudo bem, ela já tinha embarcado, suavemente, para o Paraíso.

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