Usina de Letras
Usina de Letras
75 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62138 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10447)

Cronicas (22529)

Discursos (3238)

Ensaios - (10332)

Erótico (13566)

Frases (50548)

Humor (20019)

Infantil (5415)

Infanto Juvenil (4749)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140778)

Redação (3301)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1958)

Textos Religiosos/Sermões (6172)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->O Exilado -- 29/11/2002 - 21:32 (Domingos Oliveira Medeiros) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O EXILADO
(por Domingos Oliveira Medeiros)

Entrou correndo no seu ex-emprego, e não sabia. Depois de trinta dias de intensa participação no movimento paredista, a greve chegara ao fim. E foi considerada ilegal. E ele foi demitido do seu emprego. Era um bom trabalhador. Honesto e cumpridor de seus deveres. Pagava suas contas em dia. Inclusive os impostos. Tanto os que eram descontados, mensalmente, em folha, como o encontro de contas anual que fazia junto à Receita Federal.

Por ironia, a greve teria sido motivada porque o governo, segundo o sindicato, não estaria cumprindo uma determinação inserta na Constituição Federal. Aquela segundo a qual o governo é obrigado a conceder, anualmente, e na mesma data, e nos mesmos percentuais, reajustes lineares aos servidores públicos, em geral. E fazia, na época, seis anos que o presidente não reajustava os vencimentos dos funcionários dos três Poderes. O Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Teria o governo, na verdade, descumprido o mandamento constitucional com o agravante de priorizar, com aumentos diferenciados, algumas categorias integrantes de carreiras específicas, consideradas “típicas de Estado”, em detrimento dos demais servidores.

Mas, como se isso pudesse servir de consolo, o governo alegava, sempre, que reconhecia a pertinência das reivindicações e que o aumento pleiteado se fazia necessário. Reconhecia os baixos salários, porém alegava falta de recursos; próprios e suficientes para atender a demanda. E sempre que o governo era pressionado e taxado de incoerente, em face de seus constantes pronunciamentos dizendo que a arrecadação de impostos crescia, cada vez mais, o presidente se defendia afirmando que os recursos eram insuficientes para manter o pagamento dos juros da dívida em dia. A prioridade do governo.

Para isso o governo trabalhava intensamente. E não media esforços para aumentar ou criar impostos.Até a Tabela do Imposto de Renda, defasada, àquela altura, em mais de seis anos, não era reajustada. Contribuindo para corroer, ainda mais, os salários dos servidores.

E soubera, o servidor demitido, que o governo havia prometido acabar com a violência. Mas não sabia, exatamente, de que violência o governo falava. Certamente, não seria daquela que estava sendo vítima. E passou a rememorar uma série de fatos.

Não conseguia entender o porque de tantas Comissões Parlamentares de Inquérito consumirem meses e meses de investigações, de debates, inquisições, com apresentação de vários relatórios apontando fraudes diversas, desvios de verbas, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, tráfico de influência, falsificação de documentos, favorecimento de informações privilegiadas, ajuda indevida a bancos falidos, quebra de sigilo de painel de votação eletrônico do senado, processos de privatizações de empresas estatais duvidosos, enfim, sem que se tivesse notícia de realização de prisões na mesma proporção das provas documentais e testemunhais dos indiciamentos feitos. Não sabia, além de um juiz chamado Nicolau, de mais alguém na cadeia.

Só ele ficara trancado, em silêncio, preso aos seus pensamentos. Tudo que queria lhe parecia justo. E aos olhos do presidente da República, também. Mas havia certos detalhes que lhe passavam despercebidos. A Reforma do Judiciário era um deles. A greve no serviço público já era garantida nos termos da Constituição. Mas esse direito, segundo renomados juristas, ainda não tinha sido disciplinado. Como assim? É fácil explicar.

Nossos parlamentares trabalham muito. E não dispõem de tempo para entrar em detalhes. Além disso, dois ou três dias por semana, precisam estar em suas “bases” eleitorais. Não sabem resolver os problemas por telefone, por computador ou delegar competência a alguém para fazê-lo.

Assim, a maioria dos dispositivos da Constituição Federal e das leis aprovadas pelos parlamentares o são de forma genérica. E eles costumam apelar para a expressão: “lei posterior, ou decreto, conforme o caso, disciplinará esta questão”. E assim o direito fica e não fica, ao mesmo tempo, garantido. Uma espécie de “faz de conta” jurídico.

E isto apesar do princípio segundo o qual ninguém pode alegar em sua defesa o desconhecimento da lei. E que nem tudo que é legal é justo, e vice-versa. Com esses dois pensamentos jurídicos, digamos assim, não há direito que resista. Primeiro, que algumas leis são dúbias. Depois tem questão da enxurrada de medidas provisórias que, diariamente, eram encaminhadas para o Congresso. Algumas até sobrepondo-se às leis existentes. Outras criando flagrante conflito entre elas. O cidadão não tinha como acompanhar tudo isto. A menos que o Brasil inteiro resolvesse cursar a faculdade de Direito. E mesmo assim ainda iria demorar alguns anos para que todos entendessem o “desordenamento jurídico vigente”.

E assim o pobre servidor ingressou em um movimento de mobilização social. Começou a incentivar as massas. Entrou para o mundo do sindicalismo. Participou de movimentos paredistas. Distribuiu propaganda contra o governo. Ingressou em outros movimentos. Invadiu propriedades improdutivas, que serviam à especulação financeira. E acabou preso.

Enquadrado na Lei de Segurança Nacional. Rotulado como Anarquista. Depois, promovido a Terrorista. Perdeu seis direitos políticos. Perdeu sua cidadania. Foi exilado do país que tanto orgulho ele tinha. Foi ferido de morte em sua dignidade. E terminou seus dias no exílio. Com estranhos. Gente de “mãos grossas”, como alguém já definira. Que por mais que faça alguma coisa por nós, paira sempre uma dúvida no ar. Uma sensação de indiferença.


E voltou a estudar. Pensando um dia em retornar à sua pátria, resolveu cursar Engenharia Florestal. Para que, quando chegasse o grande dia, pudesse retornar ao seu país de origem e cuidar de uma planta tenra e bela: a Democracia.

Domingos Oliveira Medeiros

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui