Usina de Letras
Usina de Letras
118 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62159 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22530)

Discursos (3238)

Ensaios - (10345)

Erótico (13567)

Frases (50571)

Humor (20027)

Infantil (5422)

Infanto Juvenil (4752)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140790)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6182)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Artigos-->OVIVER NO CASULO DA LAGARTA OU... -- 15/04/2012 - 22:53 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

 


OU NO VOO DAS BORBOLETAS?



 


 


 


Tudo, pois, que rasteja partilha da terra

Heráclito


 


 



 



Rosidelma Fraga*



 



Ontem abri a porta e tinha uma borboleta aparentemente bonitinha olhando para mim. O olhar dela suplicava para entrar, mas não deixei. Dormi pensando que ela poderia rastejar suas asas e entrar pela janela aberta porque sempre tive medo de lagartas e “aquela borboletinha veio da lagarta", pensei. Que ela vá para um jardim cheio de rosas. Não gosto de rosas, de coqueiros e nem de horta, pois lá no fundo, misturado a alguma planta verde e camuflada, pode ter uma ou várias lagartas sofrendo em seu isolamento de indivíduo para criarem asas. E se elas não tiverem asas? Sempre temi que uma borboleta voasse e caísse sobre mim e suas asas não resistissem ao vento e ela voltasse a rastejar com seu jeito sensual ou que, inesperadamente, eu olhasse para o telhado no escuro e vislumbrasse milhões de lagartas que nasceram lágrimas e braços humanos e com os olhos soltando fogos. São os medos da infância que a mãe passava na gente para ser submissa. Ela dizia que se uma menina menstruada urinasse no fundo do quintal e depois uma lagarta rastejasse em cima, a menina ficaria grávida e nasceria uma multidão de vermes que iriam gemer em nossa barriga por nove meses e depois a gente morreria no parto porque elas sugariam todo o sangue. Minha mãe é uma tecedora de sonhos e invenções e, por ironia, tem rosas até no nome.

Na madrugada fechei os olhos e, como nas visões do Apóstolo São João, eu vi uma lagarta gorda e marfim, com olhos cor de mel, feito a menina Maribel, com seios de silicone, toda barbuda, olhando e piscando para mim. Credo em cruz! Deveria ser Lúcifer disfarçado de anjos da noite? Gritei como se o mundo inteiro me ouvisse. Fiquei com a sensação estranha de ser engolida pela lagarta e corri para a folha branca da poesia como as lagartas abraçam as folhas verdes e formam leitos e buracos, provocando a própria morte. Resolvi desvendar o mistério, pesquisando sobre todas as lagartas que me atormentam desde a infância. E fiquei pensando... “Toda mulher gosta de flores, rosas e mais rosas e eu não gosto”. Que mal há em ser diferente? De fato, não aprecio nada que cause contemplação efêmera. Sempre imagino que detrás de uma pétala de rosas pode esconder um verme, tentando encontrar a comunhão entre o belo e o ínfimo. Há pessoas que preferem o belo das lagartas ao ínfimo das rosas espinhosas. Pode ser que detrás de um galho verdejante esconde uma peste verde, com olhos negros a olhar para mim como se estivesse observando Monalisa ou até me esperando há muitos anos e o seu casulo a mim se identificasse.

Foi então que decidi pensar no significado de abandono e solidão das lagartas. Entre o chão e as alturas parece haver discrepâncias, assim como entre lagartas e borboletas. Nem tudo que rasteja parece diabólico e tudo que voa parece divino. Eu quis ser o chão abrindo as asas do amanhecer. Para Heráclito, tudo que rasteja partilha da terra e a terra é santa. Mas o baixo não existe em oposição ao elevado? É preciso ser águia, borboletas, garças e até urubus que comem os restos de lagartas quando elas não conseguem realizar seu casulo, mas é preciso voar muito alto para não ser devorado pelos vermes. Entre a diferença e a semelhança de lagartas e borboletas, senti que o bem e o mal precisam do outro. Ninguém buscaria o céu se não fosse pela oposição ao inferno. São as dicotomias da vida que movem o universo.

Logo, vi que uma intérprete de sonhos e ilusões estava vendendo sentidos. Ela descreveu que sonhar ou ter visões com lagartas significa que boas novas estarão por vir, já que a lagarta, ao entrar no casulo, adquire energia e luz e também se isola porque sabe que sua hora de morte está para chegar. No entanto, ela transforma-se em borboleta. E a vida é uma renovação no voo dos bebês de asas. Foi então que resolvi escrever poesia porque voar é preciso. Abri a folha e não vi outra saída a não ser falar da poesia em meu isolamento de indivíduo para colher os versos em forma de águias. Mas a poesia não rende lucros, não paga conta, não dá moradia e não tem cartão de créditos. Disso todos os poetas sabem. E por que então a tecedora de ilusões veio falar em prosperidade e boas novas a um ser que rasteja pelos vales secos como eu? “As respostas para as perguntas estão na terceira dimensão do casulo”, disse-me a tecedora de sonhos. É preciso pegar nas asas invisíveis da alma para transcender e encontrar a luz. Ao final de minhas visões, não escrevi nenhuma poesia. E se não há poesia nisso, há muita luz e pegadas de borboletas no fim do túnel. Dedico essas pegadas de poesia ao meu amigo Manoel de Barros.



 





*Rosidelma Fraga é matogrossense, reside em Goiânia - GO, onde é professora universitária e doutoranda em Estudos Literários. Mas, principalmente é poeta de primeira ordem  e ensaísta de grande fôlego, vastro conhecimento e bom estilo.

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui