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Artigos-->Saboroso prato para a dialética -- 30/03/2012 - 22:48 (Délcio Vieira Salomon) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


 



Saboroso prato para a dialética



Délcio Vieira salomon*



Para quem tem a visão dialética da realidade, os últimos acontecimentos forneceram saboroso prato. Apenas para ilustrar: a visita do Papa a Cuba, o rumo da nossa democracia diante da corrupção de nossos políticos, Dilma a defender, no BRICS, “economia virtuosa”, diante do pífio desenvolvimento do Brasil, a festa de premiação outro dia, no Copacabana Palace, a figuras como o cientista Miquel Nicolelis juntamente com o ex-menino de rua da rocinha, Getúlio Fidelis. Vou ficar apenas com um: a visita do papa a Cuba.



Em discurso, entre outras coisas condena “os que se fecham na sua verdade e tentam impô-la aos outros”. Compara-os aos “legalistas obcecados que, ao verem Jesus ferido e ensanguentado, exclamam enfurecidos: Crucifica-o”. Em determinado momento, aludindo aos que sempre entenderam que fé e razão são praticamente inconciliáveis, assim se pronunciou: “Fé e razão são necessárias e complementares na busca da verdade. Deus criou o homem com uma vocação inata para a verdade e, por isso, dotou-o de razão. Certamente não é a irracionalidade que promove a fé cristã, mas a ânsia da verdade. Todo o ser humano deve perscrutar a verdade e optar por ela quando a encontra, mesmo correndo o risco de enfrentar sacrifícios".



Textos pinçados, sabemos, não traduzem o pensamento global de seu autor. Sobretudo se colocados fora do contexto em que se produziram. Por outro lado, são sempre úteis numa análise do discurso. Não tenho pretensão de ser analista, mas as palavras do Chefe da Igreja Católica me puseram a refletir com meus botões.



Se o papa proclama alto e bom som que ninguém tem o direito de impor sua verdade aos outros, como explicaria o comportamento da igreja em impor sua doutrina, seus dogmas, a ferro e fogo, como a história o tem mostrado?



 Não precisamos ir muito longe. Há alguns anos este mesmo papa, quando cardeal responsável pela Congregação para a Doutrina da Fé, impôs ao então Frei Leonardo Boff a lei do silêncio, face à pregação da Teologia da Libertação.



Ao tocar nesse ponto, sou levado a lembrar texto meu sobre a condenação do aborto pela Igreja, porque en passant, me referià teologia da libertação:



Assim escreveu um dos teólogos da libertação, o Padre João Batista Libânio, professor de Teologia no Instituto Santo Inácio:



“Bento XVI propõe primeiro trabalhar os valores, cuidar para que o indivíduo tenha uma sólida formação religiosa e, com esta bagagem, aproximar-se da realidade. Pela Teologia da Libertação, primeiro vou compreender a realidade. Vou recorrer aos meios sociológicos, psicológicos, políticos e, conhecendo bem a realidade, procuro saber que perguntas ela faz à minha fé. Bento XVI busca aplicar sua fé à realidade. Nós, da Teologia da Libertação, preferimos primeiro auscultar a realidade, compreender a pobreza, as suas causas. Nunca diríamos, como diz o papa, que Cristo é a solução para a violência. Antes tentamos ver as causas da violência: a miséria, as drogas. Sem levantar as causas sócio-político-econômicas, achamos difícil dizer uma palavra de fé. Para o papa, esta palavra de fé já é tão clara que sequer é preciso fazer uma análise para apresentar uma solução aos problemas reais”



Digamos que a contradição faz parte do comportamento humano e que o pontífice certamente deve ter mudado de ideia. Ruy Barbosa ironicamente respondeu a crítico no Parlamento: “Só muda de opinião quem tem opinião”. Será que o pensamento do Cardeal Ratzinger era um e o de Bento XVI é outro?  A mim não me parece. Ainda que o aceitasse, vejo que o papa, na pessoa do homem Ratzinger, poderia mudar de opinião, porém não como o Chefe da Igreja, como o porta-voz de sua própria infalibilidade (que para os católicos crentes e que prezam sua fé é dogma, ou seja, verdade absoluta que não comporta contestação, sem incorrer em excomunhão).



            Mais curioso é notar que o teólogo Ratzinger, ao se tornar papa, não perdeu o vezo de teologizar suas concepções que seriam racionais, mas que são sufocadas pelo hábito de priorizar o pensamento dogmático sobre a razão, ao defender a doutrina e sua concepção de teologia.



 É sabido que razão e fé são duas instâncias inconciliáveis. Não é por acaso que, quando se apresentam afirmações racionais e afirmações teologais como antagônicas, a Igreja (enquanto corpo doutrinal) sempre apelou para o mistério como realidade a ser aceita. Um escape que faz jus à epiquéia pregada pelos jesuítas. Sob o aspecto racional e até lógico, o mistério pertence à categoria das aporias ou problema sem solução. Por isso a igreja sempre desencorajou a tentativa de querer explicar e compreender os mistérios. A começar pela existência de Deus. Um teólogo e um ateu podem ficar discutindo eternamente, que nenhum convencerá o outro de sua verdade. O mesmo aconteceria com os outros mistérios, como, verbi gratia, o da Santíssima Trindade, o da Eucaristia, o da Ressurreição de Cristo. Este mistério, então, foi colocado por São Paulo como o divisor de águas entre razão e fé. É só lembrar a oposição e a irrisão que recebeu dos filósofos gregos, céticos, a zombar de sua pregação. Chegou a perder a paciência e exclamar:“Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação,e também é vã a vossa fé. (I Cor 15, 14), para, em seguida, bater as sandálias e lhes virar as costas – gesto de repúdio aos que não queriam ouvi-lo.



 



            Ciente de que estava em Cuba, diante de um governo convictamente ateu e marxista (mas tolerante com a presença da igreja em seu território), o papa não atacou o sistema, nem as “verdades” por aqueles governantes defendidas. Ao se ver numa encruzilhada, saiu diplomaticamente: “Todo o ser humano deve perscrutar a verdade e optar por ela quando a encontra, mesmo correndo o risco de enfrentar sacrifícios". Quem esperava dele uma condenação explícita do comunismo, do socialismo, do marxismo deve ter ficado decepcionado.



 




            Ao cabo desta reflexão, importa, sem parti pris, louvar a diplomacia do pontífice. E torcer para que a boa vontade dos governantes cubanos se reflita em um processo de abertura rápido, mas seguro. Que não imitem nossos governantes, que sempre fizeram da protelação virtude política. Haja vista o exemplo de Geisel. Em 1974, ele falou em distensão. Mas a ditadura acabou somente em 1985. Desde jovem, e hoje estou com 81 anos, vejo falar em reforma agrária e ainda não saiu e nem no papel está. Com a redemocratização, nossos dirigentes dos três poderes apontam, além da agrária, para outras reformas, como a tributária, a judiciária, a política, a da saúde e nenhuma é contemplada pelo executivo e pelo legislativo. Creio que não existe no mundo um país da protelação como o nosso.



            Em nossa bandeira, em vez do lema positivista “Ordem e Progresso” seria mais honesto colocar: “Protelação e Esquecimento”. Acredito que nossos políticos e nossos governantes dos três poderes adoram protelar, talvez porque já intuíram que a paciência de nosso povo é inesgotável e, em assim sendo, tudo cairá no esquecimento.



            Quanto a Cuba, é de se esperar que a abertura se dê logo, mas sem trazer trauma para seu povo e muito menos sem perder o espírito revolucionário que livrou o país do servilismo aos Estados Unidos, como ocorria nos tempos de Fulgêncio Batista..



 




*Escritor e professor livre-docente aposentado da UFMG 



 

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