Usina de Letras
Usina de Letras
73 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62197 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22534)

Discursos (3238)

Ensaios - (10353)

Erótico (13567)

Frases (50601)

Humor (20029)

Infantil (5428)

Infanto Juvenil (4761)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140793)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6185)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
cronicas-->Escola de Engenharia - Boletim nº 6 -- 03/11/1999 - 08:32 (Renato Rossi) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Pois hoje recebi a edição número 6 do Boletim Informativo Escola de Engenharia.

A primeira questão que me veio à cabeça foi como me acharam, aqui tão distante, sem nenhuma ART de que possa me orgulhar. Na realidade, sem ART alguma.

Eu, particularmente, só me lembro que sou engenheiro quando o CREA resolve me autuar por exercício ilegal. Já ocorreu duas vezes. Fui absolvido em ambas mas tive que explicar que embora tenha estudado, eu não exerço engenharia e que eles nada tinham de concreto a me dizer. Na realidade eu deveria ser advogado para me defender. Quando assino cheques eu também lembro, pois acabo apresentando a carteira do CREA para me identificar. A despeito de não exercer a profissão, ter estudado aquelas coisas todas e convivido com alguns bons professores (infelizmente nem todos merecem o título), tem me ajudado bastante no dia a dia.

O boletim em questão fala do centenário da Escola de Engenharia, convida para uma série de bailes e reuniões dançantes e diz para eu não perder a edição histórica do Livro do Centenário. Desde já fiquem sabendo que eu quero, desde que tenha a minha foto e a da Inajá.

Bem, lendo o descritivo, já descobri que o máximo que posso almejar é ver o meu nome em uma lista de 10.000 formados pela afamada escola. A edição também pode ser personalizada, imagino que com letras góticas douradas em capa de fino couro. Como não estou, por assim dizer, com tanta disposição, fico com a edição popular.

No tal boletim tem um "Você sabia que ..." dizendo das grandes coisas que a escola já foi. Parecem bem interessantes. Parecem até melhor do que era no tempo em que eu a frequentava. Inajá vai gostar de saber que o colégio dela começou lá mesmo. Ignácio, outro fã do Julinho, talvez não saiba disto também. Vendo-se do ponto de vista do boletim fica fácil compreender porque o prédio principal chamava-se prédio novo. Este de fato sempre foi um enigma para mim. Evidentemente ele não era tão antigo como os demais. Mas novo? Talvez menos velho. Mas ninguém ia ficar falando "vamos lá no prédio menos velho da engenharia".

Outro dia ainda Alik estava falando da possibilidade de se escrever algo sobre as peripécias realizadas e imaginadas nos tempos de escola. Acho que estamos um pouco atrasados. Deveríamos inserir algo no tal livro, se bem que não acho estar com tamanho prestígio, muito menos entre engenheiros.

Mas o mais curioso é que há um lema que eu deveria saber e eu sequer sabia da sua existência. Tomei conhecimento através de uma carta enviada por um ex-aluno que invoca o lema Fac quod in te est. Sinto muito, mas falta-me o latim. Por favor escrevam traduzindo. Ocorre que este deve ser o meu lema e eu, negligentemente nem tinha tomado conhecimento. Enquanto não souber o que significa isto fico com o "ora e labora". Só espero não ser cassado com esta revelação.

Bom. Lembrar como foi bom, eu lembro. Orgulho de ter estudado lá eu também tenho. Mas ir a bailes talvez seja demais, especialmente se tiver que viajar 2.000 Km. Quem sabe não seria o caso de reunir o filhos desgarrados radicados em Brasília e fazer uma sucursal. Eu posso me lembrar de (pausa para lembrar) exatamente três: eu, Inajá e Fredy. Tem o Leonel. ele está louco para vir apara cá, mas não passa do Rio. Quatro. Lembrei de um cliente que é da turma de 69 ou 70. Cinco. Deve ter mais alguém que eu não saiba ou não lembre agora. Poderia ser na Estància Gaúcha do Planalto . Claro, telões em circuito fechado (certamente deveremos achar alguém na Embratel que tenha lá estudado).

Assim, a menos que se organize a versão candanga, eu e Inajá não vamos a nenhum dos bailes programados. Contudo, não posso deixar de imaginar as linhas gerais do evento.

O evento terá cinco etapas obrigatórias e uma sexta opcional, somente para as turmas mais antigas.

Etapa I - Como vai você?

É o reconhecimento. O pessoal vai chegando, olhando para ver se reconhece alguém. Neste caso eu já teria entrado mal. Gaúcho falando você não pega bem. Aparenta renegar as origens. O pessoal há de reclamar. Pois bem. Como tu vais? Tchê. Quando encontra um, a gritaria é inevitável. Pelo menos um, vai logo dizendo "mas como estás tchê? como engordastes". Ai temos respostas que vão do "tudo bem" ao "vai se levando". Antes porém, um olhar que eu chamaria "de cabo a rabo". Como todos sabem, um olhar de cabo a rabo é um olhar que começa no salto do sapato e vai subindo até o mais arrepiado dos fios de cabelo. Em alguns casos, no reflexo da calva. Cada milímetro quadrado é esquadrinhado como se houvesse uma mistura de radar com ultra-som com contador Geiger. Se o encontro fosse de médicos saia um diagnóstico completo. Como é de engenheiros, há de sair um laudo técnico indicando todos os detalhes. Aí está um bom tema para livros. Poderia ficar rico com algo como "O poder do olhar de cabo a rabo". Uma versão empresarial poderia ser "O olhar de cabo rabo como arma de negociação". Quem sabe um dia.

Tratando-se de engenheiros convém sistematizar a pesquisa. Poderíamos estabelecer uma tabela com a pontuação. Cheguei a iniciá-la visando oferecê-la como uma contribuição. Mas confesso que tive preguiça. Perdoem.

Eu cá comigo defendo a tese de que os homens (mulheres também, me refiro aos humanos) comportam-se exatamente como os cães. Não se ofendam, isto é um elogio quase que excessivo. Poucos homens tem a nobreza do Fritz e a elegància da Gerta. Quando se encontram medem forças de diferentes formas até que se estabeleça de forma inequívoca, quem manda em quem. Quando isto não é possível, nasce uma grande amizade (o que nos diferencia dos cães) ou então iniciam-se as escaramuças que certamente conduzirão à uma guerra sem fim. Quando termina, fica claro quem manda em quem. Os critérios de comparação são intuídos e dependem das circunstàncias. Basta observar o nosso dia a dia e isto aparece claramente a cada encontro.

O pessoal vai chegando e à medida em que uma turma aumenta, as gargalhadas crescem e os recém chegados são mais minuciosamente examinados, como que pagando uma prenda pelo atraso. Agora imagine a energia que corre pelo último a chegar. Dez, vinte pessoas com o olhar de cabo a rabo sobre uma única. Ele nem consegue retribuir para tentar neutralizar, ainda que parcialmente. Esta etapa na realidade deveria ocorrer no estacionamento, para que todos possam ver os carrões que todos conseguimos comprar. Mas isto se resolve com chaveiros ou comentários na linha do "sem querer querendo". Mais adiante há uma fase específica para isto. Eu teria que alugar um, pois a minha Elba anda mal das pernas.

Feito o contato inicial, formados os grandes grupos começam as conversas em grupos menores, supostamente mais íntimos. Aí começa a confusão. Se não vejamos: Paulo pergunta a Pedro sobre seu trabalho na Petrobras. Não é Paulo e ele é da Shell. João pergunta a Carlos sobre a piranha com que ele andava saindo na época da formatura. Carlos casou com a suposta piranha, teve cinco filhos e está muito feliz. José pergunta sobre Maria e descobre que se separaram após um rumoroso caso de adultério. Conversa sobre velhos amores na frente dos novos. Fulano veio com a amante e faz questão de dizer. Outro fez o mesmo e todo mundo finge que não sabe. sicrana trouxe seu garotão. e por aí vai. Ti ti tis diversos. Indiscrições de toda natureza. Fulana vê um antigo pretendente e pensa (a vezes diz mesmo) "ainda bem que não casei com ele".

Etapa II - discursos e homenagens

Formalmente, a festa começa aí. O organizador, agradece a presença de todos, conta umas piadas, e conta causos diversos. Entrega umas medalhas ou placas para homenageados vários e, uma hora e meia depois é linchado. Ninguém tem mais idade para discurso. Dependendo, pode ter um hino nacional e um minuto de silêncio, a critério do organizador.

Talvez não lembrem, mas nesta etapa, como nas demais, cabe a lembrança do bedéis. Personagens de grande valor para a engenharia nacional. Quantos galhos quebrados, facilidades, amizade, conversa fiada. Os bedéis da engenharia sempre foram ótimos. Para o pessoal da elétrica, certamente as homenagens iriam para Juraci. Haviam outros, mas nenhum com a marca de Juraci. Quem há de esquecer o Mandrake? Sempre com uma estória para contar, um xiste, um sorriso. Leonel, por certo lembrará de Lupicínio.

Etapa III - Curricula comparado - De novo, falta-me o latim (além do português - seria talvez comparatum curricula?).

Feita a introdução, o reconhecimento, definidas as estratégias, passa-se à fase do concurso. Eu fiz, eu fui, eu sou e eu tenho. Se preferir, escolha você mesmo a ordem.

O concurso se dá em diferentes modalidades. Dinheiro é claro. Cargos, honrarias, filhos, mulheres, homens, títulos, viagens. Tem também concurso de pesca, caça, tênis, frescobol e peteca.

Etapa IV - Recuerdos

Esta deve ser a melhor fase. A esta altura da festa a música já está mais calma, a bebida já fez algum efeito, os pavões já recolheram seus rabos (ou foram depenados) e surgem as gargalhadas mais sinceras. Há como que uma transferência coletiva no tempo.

Cada um à sua maneira, lembra de tantas coisas ocorridas. Tantas histórias e estórias. Elas poderiam ser classificadas e analisadas, mas a esta altura da festa, basta lembrar alguns tipos. Há as verdadeiras, embora não pareçam. São inacreditáveis, mas verdadeiras. Fazem o gênero "acredite se puder". Há as inventadas, mas tão repetidas que acabaram se incorporando ao folclore e hoje são consideradas verdadeiras até pelos inventores, possivelmente os supostos protagonistas. Algumas são mentiras puras. Não há dúvidas, mas repeti-las é sempre interessante, seja aceitando-as por corretas, seja imaginando-se as cenas. Mas, como conversa de pescador, estória de estudante é meio a meio. Um pouco verdadeiro, um pouco de imaginação.

Aí, cada um lembra de algumas.

Neste embalo acabei lembrando que o Borges Fortes foi um dos primeiros praticantes de asa delta, novidade no início dos anos setenta. Marcelo vivia dizendo que ia investir nele, fazendo uma apólice de seguro, onde figurava como beneficiário. Perdeu dinheiro. Há uns dez anos encontrei o Borges Fortes no Rio. Parecia bem de saúde.

Lembrei também o dia em que passou um trio elétrico na frente da escola e ficou trancado no trànsito. Que loucura. Gaúcho nunca tinha visto nada daquilo. A escola toda desceu pra ver. Só não saíram atrás por que não se sabia bem o que tinha que fazer e o tal caminhão estava só de passagem. Tem também o dia em que atiraram bombas de gás lacrimogêneo. Esta eu não vi pessoalmente, me contaram. mas diz que a Brigada, (ou foi o exército? - não faz muita diferença) entrou escola adentro sei eu lá atrás do que. Provavelmente nem eles sabiam. Outros tempos. Nesta linha tinha também os dias em que a tropa fica de prontidão, sentadinha toda em ordem na praça em frente ao prédio velho. Eu me lembro, era a PE.

Tem também, esta eu vi não me contaram, o dia em que alguém subiu em uma árvore impedindo que fosse cortada para o alargamento ou correção da avenida João Pessoa, em frente ao prédio da Economia. O diretor da escola de engenharia acabou subindo na árvore para negociar. Foi a primeira demonstração ecológica de que me lembro ter tido notícia. Penso que a árvore ainda está lá. Ainda que não esteja posso assegurar que durou pelo menos uns quinze anos adicionais.

Já estava me esquecendo das chopadas oferecidas pelos formandos aos passantes a cada final de semestre. É claro, cada um há de lembrar das bebedeiras na formatura. Que espera. Que angústia. Que torcida. Que alívio.

Estas recordações por certo haverão de ocorrer em grupos já mais, digamos assim, "etilizados". Por certo haverá aqueles que ficarão lembrando quietos, como se não estivessem lá. Corre-se o risco até de alguém descobrir que um velho amor ainda (ou já) está disponível e animar-se a uma nova tentativa. Quem sabe. Uma conversinha aqui, outra ali.

- Lembra do fulano? - Os ausentes, passam então a ser o objeto da conversa. Desgraças variadas, feitos diversos. Isto vale para professores e colegas. Quem casou com quem. Quantos filhos. Nas turmas mais antigas já se fala dos genros e noras. Quem diria, o filho do fulano casou com a minha filha.

A esta altura os coitados dos acompanhantes já devem estar bocejando, achando aquilo tudo muito sonolento e começam a puxar o pessoal invocando filhos em casa e outras desculpas furadas. Alguns discretos, outros nem tanto.

A penúltima fase, opcional é uma extensão da quarta. Obituário. Já nem todos estão lá. Comentários diversos. Mas isto passa rápido, pois é dia de festa.

Etapa V - Despedidas

Esta se dá muito rapidamente, mas é da maior importància.

Trocas generalizadas de telefones, normais, celulares, tambores, internet. O diabo. Churrascos, jantares, marcados para o futuro. Visitas, viagens conjuntas, pescarias. Tênis, golfe. Tudo o que não se fazia naquela época, mas agora se faz (ou se diz fazer). Indicações de empregos para os filhos. Conchavos variados.
Tchau, passa lá no escritório que a gente toma um café.

Foi um prazer revê-los.
Até o próximo centenário.


Escrito em 19.04.96



Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui