FORMALISMO OU COMODISMO?
Délcio Vieira Salomon*
Enviei aos amigos mensagem recebida por e-mail com convite para assistir ao vídeo de uma sessão da Câmara Federal, em que o deputado Fernando Chiarelli denunciava a violação sistemática das urnas eleitorais. Dizia, ao encaminhar a mensagem: ”Se for verdade o que o Deputado Chiarelli denuncia neste vídeo encontrado no youtube(<http://youtu.be/dzodI_X9iMY>), estamos diante de um superescândalo. Se não for, por que não é processado?” Um dos destinatários respondeu sugerindo dirigir-me ao Tribunal Eleitoral. Foi o que fiz. Eis a resposta recebida:
“Informo a Vossa Senhoria que a Resolução-TSE nº 23.268/2010 dispõe sobre a competência da Central do Eleitor e estabelece em seu art. 5º, inciso I e § 1º, o seguinte:"Art.5. Não serão admitidas pela Central do Eleitor:I - denúncias de fatos que constituam crimes, em vista das competências institucionais do Ministério Público e das polícias, nos termos dos arts. 129, inciso I, e 144, ambos da Constituição Federal; II - reclamações, críticas ou denúncias anônimas; III - reclamações, críticas ou denúncias que envolvam Ministros do Tribunal. § 1. Nas hipóteses previstas nos incisos I e II, o pedido terá seu processamento rejeitado liminarmente e será devolvido ao remetente, no caso do inciso I, ou arquivado, no caso do inciso II".
Como se vê, de acordo com o estatuto jurídico, não cabe ao juiz o papel de receber denúncia do cidadão comum. Só tomará conhecimento, se for movido pelo Ministério Público. Nem lhe compete investigar, pois este é ofício da polícia.
Honestamente, vejo nesta atitude que o formalismo está acima da realidade concreta.
Isso me faz reportar a alguns anos atrás, em que escrevi artigo, sob o título: Para que o TSE?.
As verdades ali apontadas feriram os brios do ex-ministro e ex-presidente do STF e do TSE, Dr. Mário Carlos Veloso, que replicou em artigo na mesma seção do Estado de Minas.
Por não ter Sua Excelência entendido o teor do meu artigo, exigiu de mim, de maneira veemente, conhecimento jurídico e “rigor científico”.
O foco principal da resposta do ex-ministro foi que não cabia ao Tribunal Eleitoral a função de investigar. À guisa de tréplica, cheguei a responder ao Dr. Mario Carlos Veloso, mas o Estado de Minas não publicou o artigo, provavelmente para evitar polêmica pelo jornal.
Fico a imaginar: a prevalecer este formalismo, este apego à letra e não ao espírito da lei, um ato criminoso pode ser cometido nas barbas do juiz, e ele não tomará nenhuma medida contra o infrator, pois só o fará após receber a denúncia ou acusação feita pelo Ministério Público. A não ser que esta norma seja só para a Justiça Eleitoral, embora não o acredite.
Tal proceder fere o mais elementar bom senso. Se acaso é assim a práxis dos tribunais, por que então não se muda a lei (inclusive a constitucional), assinalando dispositivo que dê ao juiz o direito/dever de investigar e de receber denúncias e acusações do cidadão comum? Obviamente lhe restaria a prerrogativa de interpretar a procedência e a qualificação da denúncia, antes de acatá-la.
A continuar tal estado de coisas, só posso concluir que nossos juízes têm a porta aberta para fazer do formalismo desculpa para seu comodismo. Quando não para sua leniência.
Em tempo: este artigo já estava redigido, e, antes de enviá-lo à Usina de Letras, leio em O GLOBO (23/03/2012), á pag. 10 matéria com o título “Especialistas violam urna eletrônica em teste”, cujo teor constitui argumento de que a denúncia do Deputado Federal Fernando Chiarelli procede..
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Escritor e professor livre-docente aposentado da UFMG
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