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Ensaios-->A HISTÓRIA DA FUNDAÇÃO DA UNVERSIDADE PORTUGUESA EM 1290 -- 23/06/2005 - 12:22 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


A HISTÓRIA DA FUNDAÇÃO DA UNIVERSIDADE PORTUGUESA E O ENSINO DAS ARTES E DA FILOSOFIA



João Ferreira
Brasília, 1968-2005


Em 12 de novembro de 1288(1) o abade de Alcobaça, o Prior de Santa Cruz de Coimbra, o Prior de São Vicente de Lisboa, o Prior da Colegiada de Guimarães, o Prior de Santa Maria da Alcáçova de Santarém e várias igrejas do Oeste e do Sul do Reino, em sessão plenária de clérigos e leigos dos reinos de Portugal e do Algarve, feita em Montemor-o-Novo, dirigiram uma petição ao papa para a fundação de um Studium Generale ou Estudo Geral.
A súplica dirigida ao papa intitulava-se “Nos devoti filii”. Nela e comunica ao Sumo Pontífice a necessidade da fundação de um Studium Generale em Lisboa. As razões invocadas para esse pedido são as dificuldades e os perigos pessoais a que estão sujeitos os estudantes que têm de se deslocar para longe e para fora de seu país, em razão dos estudos. Na mesma petição, os signatários informam que essa necessidade já foi exposta ao rei D. Dinis e que lhe foi solicitada a construção e a organização de um Studium Generale em Lisboa e que também foi tratado em assembléia o quantitativo com que cada igreja concorreria para sustentar os doutores e mestres. Pedem igualmente que o papa se digne admitir tão piedosa obra que consideram louvável ajuda para o serviço de Deus e para o decoro da pátria (ad decorem patriae), além de ser de utilidade para todos. E solicitam que Sua Santidade confirme a sobredita organização com a costumada benignidade: 'et predictam ordinationem misericorditer de benignitate solita confirmare'(2).
Tendo em vista o fato de o pedido da fundação do Estudo Geral de Lisboa não ter sido atendido com a rapidez que se desejava, os autores passaram a atribuir esta demora a desinteligências entre D. Dinis e o alto clero. Mesmo não havendo uma documentação apodítica para afirmar isso, sabe-se entretanto que vários prelados portugueses estiveram na Cúria romana neste período.
A verdade é que o rei D. Dinis, através de diploma régio datado de 1 de março de 1290, tomou a iniciativa da fundação da Universidade(3) e só em 9 de agosto do mesmo ano é que o papa Nicolau IV expedia de Orvieto a suspirada bula que oficializaria a fundação da instituição universitária portuguesa a funcionar em Lisboa. Nessa bula, o papa permitia à Universidade licenciar em artes, direito canônico e civil e medicina, mas não em teologia, ficando o exame e a aprovação reservadas ao bispo de Lisboa ou ao seu vigário no caso de vacância da sé. A bula é dirigida à corporação dos mestres e dos alunos da Universidade de Lisboa: 'Dilectis filiis universitati magistrorum et scholarium ulixbonensi',etc. Pelo teor desta e de outras expressões ('statuimus praeterea et universi magistri actu regentes in civitate predicta”) se deduz que a Universidade de Lisboa já estava em funcionamento na data em que Nicolau IV expediu sua bula. Mesmo assim, o documento pontifício tornava-se imprescindível para legitimação dos cursos, pois só através da autoridade papal a Universidade poderia conferir graus válidos para ensinar, numa instituição medieval de ensino. O ponto alto para exercício do ensino estava no 'jus ubique docendi', que era dado pelo doutoramento reconhecido(4).
O ensino das sete artes liberais era um programa obrigatório em todas as instituições de ensino da Idade Média, mesmo nas de nível não universitário. As escolas portuguesas anteriores à fundação da Universidade, portanto, tinham já em uso esse ensino em nível de cultura geral. A bula de Nicolau IV concede em 1290 o direito de o Estudo Geral de Lisboa poder licenciar em artes.
Assim, a incipiente Universidade portuguesa não dispensa nos seus programas as disciplinas consideradas aptas para aperfeiçoar o lume da razão. Estas disciplinas são as “artes liberais”, distribuídas pelo trivium, que era formado pela gramática, pela retórica e pela dialética e pelo quadrivium, constituído pela aritmética, pela geometria, pela astronomia e pela música. A Universidade conta, pois, desde o seu começo, com uma Faculdade de Artes, inicialmente cingida ao programa das sete artes liberais considerado indispensável para a formação cultural e literária em geral e para a ascensão a outros ramos do saber(5). Dada esta qualidade básica do trivium e do quadrivium, a bula de Nicolau IV se apressou a conceder ao Studium Generale de Lisboa o poder de licenciar em artes ( 'licentia im artibus').

O programa da filosofia e da Faculdade das Artes, se alarga mais tarde, no tempo das reforma do rei D. Fernando e sobretudo na reforma do Infante D. Henrique, em 1431. A reforma henriquina, já sob a influência do quadro da divisão aristotélica de filosofia, introduz a filosofia natural e a filosofia moral.
Para percebermos o que se entendia por filosofia nessa época, seria fundamental pesquisar decididamente o sentido que o vocábulo tinha no ambiente escolástico do tempo. Seria por isso anacrônica e destituída de objetividade a atitude de interpretar como filosofia um conceito que a Idade Média não tinha. É sempre necessário ter em conta que na Idade Média a ciência converge para a síntese teológico-metafísica. Por ser fundamentalmente teocrática a sociedade medieval, não tem sentido uma tentativa hermenêutica de valorização de conceitos que se afastem deste roteiro.
Dentro desta linha, as sete artes liberais serviam de caminho ou de estrada para o eixo central das principais ciências que interessavam na Universidade e que eram a física, a teologia e a ciência jurídica: “Ad istas tres scientias [physica, theologia, scientia legum] paratae sunt tamquam viae septem liberales artes[...] Nullus perfectionem illius triplicis sapientiae potest attingere, nisi in his septem prius extiterit perfectus” (ninguém pode atingir a perfeição nestas três ciências sem que primeiro tenha atingido a perfeição nestas sete artes), diz o anônimo autor do 'Tratactatus quidam de philosophia et partibus eius', contido no Cod. Latino 6570 da Biblioteca Nacional de Paris, analisado por M. Grabmann no vol. II de sua Die Geschichte, p. 46 e citado por De Wulf-Van Steenberghen.

Delfim Santos escreveu no Dicionário de Portugal, fasc. 24, p.242:

“Até ao século XV, os saberes de tipo explicativo contaminam-se fortemente com preocupações ético-edificantes de intenção política ou de intenção religiosa. Trata-se de uma via que imediatamente encontramos e que dificulta a determinação do que nesta época entre nós se deve entender por pensamento filosófico”(6). Nesta passagem de Delfim Santos fica claro o entendimento de que é no contexto da época que as obras devem ser julgadas. Mas há um segundo sentido e é o de que há certas obras de relativo valor crítico e de caráter ascético-místico, as quais por não terem nível dialético nem problemática filosófica não merecem o nome de obras de pensamento filosófico.
Na carta magna enviada por D. Dinis em 15 de fevereiro de 1309 à Universidade de Coimbra, é notável o esforço Del-rei em querer dotar a Faculadde de Artes com mestres e doutores capazes de honrar o ensino da dialética e da gramática: [...] 'Item in facultatibus dialecticae et gramaticae ibidem Doctores esse
columus et Magistros, ut per alteram debitum fundamentum et per reliquam vero acuitiorem recipiant intellectum qui ad maiores scientias desiderant pervenire”(7).
Os cuidados do monarca literato a favor da Universidade notam-se nos próprios contratos através dos quais procura garantir a dotação para os Mestres viverem. No contrato entre D. Dinis e a Ordem de Cristo sobre a dotação dos Mestres do Estudo de Coimbra, feito em 18 de janeiro de 1323, fala-se do Mestre de gramática, que recebia 200 libras e do Mestre de lógica que recebia 100(8).
No alvará de D. Fernando I, datado de Coimbra em 1 de janeiro de 1378, são citadas as cadeiras de lógica e de filosofia(9) Mas é na primeira metade do século XV que os estudos universitários portugueses atingem uma certa estabilidade e reforma condigna. D. João I tentara ampliar as instalações e provê-las economicamenmte(10).
Ao Infante D. Henrique chegam as idéias reformistas de seu irmão Infante D. Pedro, que viajou pelos centros científicos da Europa. E assim D. Henrique transforma-se não apenas em governador e protetor da Universidade mas também em organziador do ensino universitário. Faz doação dumas casas que possuías no bairro dos Escolares e introduz uma reforma onde consta o próprio aumento de cátedras universitárias.
Na escritura da doação das referidas casas à Universidade, datada de 12 de outubro de 1431, lemos a seguinte passagem que interessa a Faculdade de Artes:
“Porem eu faço pura, livre e irrevogável doaçom[...] aa dicta universidade das minhas casas que eu hei nesta cidade, em o Bairro dos Escolares[...] para se em elas aver de ler de todas as sciencias aprovadas póla sancta madre igreja, convem a saber, as sete artes liberaes, a saber: gramática. Lógica, retórica, arismetica, musica,
geometria, astrologia” (Monumenta henricina, Vol.IV, Coimbra, 1962, p. 7).
Sobre o local de ensino destinado, na nova reforma, à Faculdade de Artes, a escritura dispuinha: “no[sobrado]De sobre as artes, se lia de filosofia natural e moral e hi este pintado Aristoteles” (11).


NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


(1)Sobre a data desta petição, não há unanimidade entre os autores. O Livro Verde, de onde colhemos o texto, data a petição de 1283: Era millesima trecentesima vigesima sexta. Cf. LIVRO VERDE DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA (Cartulário do século XV). Leitura, revisão e prefácio de Antonio Gomes da Rocha Madahil. Coimbra, 1940, p.9. Porém, a data de 1288 é a referida por Teófilo Braga em História da Universidade de Coimbra. Vol. I. Lisboa, 1892, p. 80 e por Joaquim de Carvalho, m “Instituições de Cultura” capítulo publicado em História de Portugal, Vol.II. Barcelos 1929, p. 603 e também por Fortunato de Almeida em História da Igreja em Portugal. Vol. I. Coimbra, 1910, pp. 560-562, onde transcreve a tradução portuguesa da súplica dos prelados regulares (ou seja, dos “abades e priores”, na expressão de Teófilo Braga) ao papa, extraída da Monarchia Lusitana de Francisco Brandão, Livro XVI, capítulo LVII, Tom,o V, fl. 132-133. Quanto à data de 1288, Fortunato de Almeida refere que Francisco Brandão “ se inclina a crer que ele [documento] fosse de 12 de novembro de 1287” (Cf. Ibidem, 562, nota 1.)

(2) LIVRO VERDE DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA, p. 9.

(3) O original da carta de D. Dinis encontra-se hoje no Arquivo da Universidade de Coimbra e foi descoberto pelo Dr. António de Vasconcelos e está descrito em “Um documento precioso”, in: Revista da Universidade de Coimbra, nº 1 (1912), p,. 10.

(4) Para a bula de Nicolau IV, confiram-se os Arquivos do Vaticano, Rg. 45, cód. 347, fol. 68r, resumida em Ernst Langlois, Registres de Nicolas IV. Paris 1890, n º 3102, p. 503. Está também publicada no Livro Verde da Universidade de Coimbra (Cartulário do século XV). Leitura, revisão e prefácio de Antonio Gomes da Rocha Madahil, Coimbra 1940, pp.3-4. Clemente V, na bula 'Profectibus publicis' de 26 de fevereiro de 1308, afirma que Nicolau IV, a”instâncias do rei D. Dinis”, “estabeleceu e ordenou a fundação do Estudo Geral de Lisboa: literalmente, “statuit ac etiam ordinavit” [...]. Cf. o texto da bula no Livro Verde, p. 10.
(5) Para esta ordenação dos estudos nas escolas da cristandade medieval parece ter influenciado profundamente a ideologia exposta no livro 'De doctrina christiana' de Santo Agostinho, no qual se teria inspirado o plano do 'Liber Sententiarum' de Pedro Lombardo, cuja importância nos estudos das escolas medievais é sobejamente conhecido. Nesse livro, a tese central, retomada depois por diversos augustinianos, entre os quais os franciscanos S. Boaventura e Rogério Bacon era esta: a ciência mais alta para o cristão será a ciência das Sagradas Escrituras ou seja, a ciência da Revelação. Em vista disso, será necessário substituir a filosofia ou sabedoria pagã, fruto exclusivo da razão, pela sabedoria superior da razão esclarecida pela fé, cujos princípios vêm de Deus. Cf. FERDINAND VAN STEENBERGHEN. La Philosophie au XIII.e siècle. Louvain-Paris, 1966, pp. 55-56.
(6) DELFIM SANTOS. Dicionário de Portugal, fasc. 24, p. 242.


João Frreira
Brasília, 1968-2005









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