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Ensaios-->A FIGURA DO PENSADOR NA CULTURA PORTUGUESA -- 18/06/2005 - 16:57 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A FIGURA DO PENSADOR NA CULTURA PORTUGUESA

João Ferreira
18 de junho de 2005


I – A caminho de uma conceituação

O que é, afinal, um pensador? Trata-se de um tipo de intelectual e de uma expressão que vem dos tempos greco-romanos. A filosofia dos grandes filósofos gregos Platão e Aristóteles foi precedida por pesquisas pensadoras sobre a natureza da Terra e do Universo por parte de famosos sábios que chamamos de “pensadores originais”. Esses pensadores, que também apelidamos de pré-socráticos, inauguraram com originalidade o questionamento sobre a natureza do Universo no Ocidente. Entre eles estão Anaximandro com referências conceituais claras em Platão referentes à utilização do pensamento discursivo (diánoia) e em Cícero. A filosofia dos grandes filósofos gregos Platão e Aristóteles foi precedida de “Pensadores originais”. Nesse número estão os pré-socráticos e destacadamente, Anaximandro, Parmênides, autor de um Poema sobre a Natureza e Heráclito, autor de notáveis fragmentos. Mas a grande figuração de pensador, está num homem que sabia refletir e encaminhar o processo maiêutico da pesquisa e da interrogação junto de sua roda de discípulos. Esse pensador é Sócrates, mestre de Platão.

2. Etimologia

A história e o estudo etimológico da palavra traz-nos alguns elementos importantes para análise do conceito em voga. Porém, as palavras pensar, pensamento, pensoso, pensativo e pensador em uso nas línguas modernas têm uma história própria desde a Idade Média, tanto no uso geral das línguas românicas quanto na língua portuguesa e que importa conhecer sucintamente.
Encontramos o verbo “pensar” em Marinha Crespa, cantiga de escárnio em galaico-português da autoria de Pero da Ponte que poetou entre 1230 e 1260.
O termo pensoso no sentido de pensativo é utilizado em plena Idade Média Portuguesa na Crônica de El-Rei D. Afonso V de Rui de Pina e a palavra pensamento , é documentada em Luís Vaz de Camões, em várias passagens de Os Lusíadas. No que toca ao termo Pensador, especificamente, os filólogos dizem que o termo é documentado e registrado na História da Língua Portuguesa pelo menos desde o século XVI (CUNHA, Antonio Geraldo da.Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa. 2@ ed..,Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986).
Em países românicos, como a França, o termo “penseur” está em curso pelo menos desde o século XIII. Não é à toa que por coincidência ou eventualidade histórica, a França ostenta uma famosa estátua produzida por Rodin intitulada “Penseur”, e tem Pascal, no século XVII, que é autor de “Pensées”. Ao mesmo tempo é na França do século XVIII que o termo se expande graças aos enciclopedistas que são o modelo acabado do Pensador. Em foco estavam Diderot, D’Alembert, Rousseau, Montesquieu e Voltaire. Na verdade, o termo Penseur, além do sentido usual e dicionarizado empregado para definir “aquele que reflete”, aprofunda-se na seqüência da tradição ocidental provençalesca onde “pensamento” se encontra largamente documentado e usado na poesia amorosa e doutrinal do século XIII. Importando o termo da Provença, Dante Alighieri usou-o, tanto em Vita Nuova quanto na Divina Commedia.
O vocábulo Pensador e sua parentela lingüística provêm diretamente do latim clássico. As palavras que lhes dão origem são os verbos pendo, pendis, pendere, pependi, pensum e seu duplo pendeo, pendes, pendere, pependi,pensum. Ambos derivam do radical pend. Enquanto pendeo significa, em sentido próprio e sentido derivado, “estar ou ficar suspenso” pela surpresa, pelo medo ou por outras emoções, pendo significa suspender, no sentido de pesar, quer em sentido físico-instrumental, quer em sentido mental. Entre os romanos havia já, segundo Plínio, o emprego de pendere, no sentido de pesar, colocar na balança. Havia para isso o Pensator, que era o encarregado de pesagem. Na língua imperial da época de Cícero encontra-se o sentido de “pesar no espírito, pensar”. A partir da época áurea romana, pelo menos, pensare evidencia-se como um verbo com o sentido duplo de pesar e pensar. Pensar passou a significar pesar, ponderar argumentos e objeções, discorrer mentalmente.
É com esta carga lingüística e semântica que o termo, se instala nas várias línguas neolatinas e anglo-saxônicas, fixando-se o núcleo significativo em torno de “aquele que se ocupa e se aplica a pensar” Este será o sentido surrado que os dicionaristas universais reservarão esquematicamente para pensador. Nos dicionários de Língua Portuguesa, desde o Vocabulário Portuguez e Latino, de Rafael Bluteau, desde o Elucidário de Viterbo e desde O Grande Dicionário de Língua Portuguesa de Antônio Morais e Silva, até ao Novo Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa e ao Grande Dicionário Etimológico e Prosódico da Francisco da Silveira Bueno, há alguns elementos comuns na conceituação e elementos diferenciados dentro do conceito de pensador. Entre os elementos comuns está o conceito geral de que pensador é aquele que exerce a reflexão,ou seja, aquele que pensa. Entre os elementos diferenciados está o conceito de pensador como “alguém que escreve pensamentos profundos, raciocínios de valor, e de filósofo”(BUENO, Francisco da Silveira, Grande Dicionário Etimológico-Prosódico da Língua Portuguesa. 6º volume. São Paulo:Ed. Saraiva, 1966). Ou como indivíduo “que tem pensamentos pessoais sobre os problemas gerais. Filósofo”(ROBERT, Paul. Le Nouveau Petit Robert.. Paris: Dictionnaires de Robert). Segundo Zinarelli, Pensatore é, em primeiro lugar, “o que pensa. Aquele que se dedica sistematicamente à atividade do pensar, da reflexão e da elaboração com a mente”. Em segundo lugar, é sinônimo de Filósofo” (ZINGARELLI. Vocabolario della Língua Italiana. 12@ ed. Bologna: Zanichelli ed., 1995; 1996.
Além de se agregar a conotação de pensamento profundo e original, há uma tendência a identificá-lo com o filósofo, embora em princípio sejam duas coisas distintas.
Se pesquisarmos nos dicionários de filosofia, a palavra pensador não é ainda prestigiada. Por exemplo, o Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano não contempla a palavra “pensador”. O mesmo se diga de Logos- a Enciclopédia luso-brasileira de Filosofia publicada pela Editorial Verbo e da Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, igualmente editada pela Editorial Verbo. A razão dessa omissão em dicionários especializados de filosofia, talvez esteja na constatação de que o filósofo é um pensador embora nem sempre um pensador reconhecido publicamente como tal seja necessariamente um filósofo.
Em compensação, os Dicionários comuns registram a palavra. Der Neue Brockhaus, I. Wiesbaden: F.A. Brockhaus, i973, contempla a palavra Denker, para dar-lhe o sentido de “meditador, sábio, pensador”. A Língua Inglesa registra o vocábulo Thinker. Em URDANG,Laurence. The Oxford Thesaurus. American Edition New York:Oxford University Press, 1992, o termo “thinker” é apresentado como “sage, wise man, savant, mastermind, philosophus, scholar, learned person, mentor, expert”. O The Oxford English Dictionary, vol. XI. Oxford: At the Clarendon Press, 1961, apresenta a figura do Pensador não apenas como aquele que “pensa” mas também como alguém qualificado, com capacidade, profundo e original. Para a representação de um pensador original se pede mais do que ser um simples repetidor ou colecionador de opiniões alheias.
Sendo a figura do pensador ligada ao exercício do pensamento, os especialistas estabelecem alguns parâmetros através dos quais podem ser vistas as alternativas conceituais. E é por aqui que é possível destacar o sentido apropriado de pensador em relação à filosofia.
Segundo Abbagnano há quatro horizontes em destaque abrangidos pelo pensamento: 1- qualquer atividade mental ou espiritual. Posição representada por Descartes, cartesianos, Spinoza e Locke, entre outros; 2- atividade do entendimento ou da razão enquanto é diferente da atividade dos sentidos e da vontade. É a doutrina da noésis de Platão que abrange o conhecimento intelectivo e também o pensamento discursivo (diánoia) e o entendimento intuitivo (nous). 3- Atividade discursiva; é o pensamento discursivo de Platão (diánoia); 4- atividade intuitiva. Quando o pensamento como intuição se identifica com o objeto através da visão direta, há atividade intuitiva.

3- A presença do Pensador na filosofia e na intelectualidade portuguesa

Se por “filósofo” entendermos aquele que tem “uma visão sistematizada do mundo ou de uma parte do mundo, aquele que tem uma concepção de mundo, ou aquele que faz uma sondagem original do homem inserido no mundo” e por “pensador” aquele que pensa sem estar ligado a um sistema rigoroso ou dialético de premissas e conclusões, teremos talvez dado um passo importante na caminhada para compreendermos a diferença entre os dois conceitos.
Se levarmos o debate lingüístico acima esboçado para o campo da cultura portuguesa, poderemos ter oportunidade de fixar algumas fronteiras.
Segundo uma forma comum de delinear estas fronteiras, para caracterizar um filósofo, dizem alguns, exige-se, no campo da filosofia, que ele tenha algumas capacidades específicas para elaborar uma teoria sobre visão de mundo, ou uma teoria ontológica, ou uma teoria hermenêutica, ou uma epistemologia, ou uma teoria de conhecimento crítico ou uma crítica dos sistemas filosóficos vigentes através da história ou tarefas semelhantes. Pela análise da História da Filosofia sabemos que os filósofos clássicos eram profissionais dedicados à investigação filosófica em tempo integral e chefiavam, na maioria dos casos, ou ensinavam em escolas, liceus, academias e universidades e se dedicavam à crítica de sistemas e à elaboração de bases doutrinais para seu próprio sistema. Assim aconteceu com Platão, Aristóteles, Filão de Alexandria, Plotino, Tomás de Aquino., Boaventura, Pedro Hispano, João Duns Escoto, Pedro da Fonseca, Kant, Hegel, Nietzsche, Henri Bergson, Blondel, Edmundo Husserl, Martin Heidegger, Max Scheler, Nicolai Hartmann, Karl Jaspers, Leonardo Coimbra, Delfim Santos e outros.
Do lado da conceituação que se busca para o pensador, há também a tentativa de dar para ele um perfil específico e diferente. Trata-se de analisar o comportamento e o desempenho intelectual de personalidades notáveis, talentosas, muitas vezes sem ligação imediata com escolas ou universidades ou movimentos, mas que tiveram um compromisso com a cultura e com a crítica cultural. Em termos de caracterização, há uma certa unanimidade em considerar o pensador “um mestre de espírito, um sábio dotado de espírito filosófico, um scholar ou acadêmico, um erudito, um polígrafo, um homem extremamente culto”. Dentro desta titulação, há uma unanimidade em considerar o pensador como alguém consagrado pela opinião pública pela sua autoridade cultural e por sua ligação com o pensamento. Trata-se de uma titulação que foi deixada pela teoria e pela prática dos enciclopedistas franceses que disso foram exemplos. Parece claro que ainda não será pensador no sentido que aqui queremos destacar aquele que simplesmente se dedicou ao exercício de pensar mas sim aquele que, além de se dedicar ao exercício do pensamento, o fez ou faz com qualidade, com criatividade, com originalidade e profundidade.
Na história da cultura portuguesa há períodos em que escasseiam os filósofos profissionais. São os períodos da pré-nacionalidade, em que surgem as figuras de Paulo Orósio, S. Martinho de Dume e Pascásio, o século XIV, com Álvaro Pais, o século XV com D. Duarte, D. Pedro e Fernão Lopes, posteriormente o período da dominação espanhola, depois o período profético de Bandarra, o sapateiro de Trancoso e depois o talentoso Antônio Vieira, orador e pensador conceptista, Francisco Rodrigues Lobo e Manuel de Melo, Luiz Antônio Verney no século XVIII para chegarmos ao século XIX, onde emergem especificamente, entre outras, as figuras de Sampaio Bruno e Antero de Quental. Nos períodos assinalados, quem ocupou os espaços do pensamento português foram os pensadores. Seu papel tornou-se imprescindível pela forma como espontaneamente exerceram seu mandarinato público e espontâneo de pensadores.
Em Portugal, a partir do século XIX, há uma associação profunda entre poesia e pensamento: Antero de Quental, primeiro, depois Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa, José Régio e Miguel Torga. Torga, especificamente em seu Diário, relata fatos, evidencia momentos poéticos, e mostra e divulga profundas reflexões e pensamentos: sobre a utilização pacífica da energia nuclear (30 junho 1946), sobre cenas do quotidiano (sobre proximidade e fraternidade numa viagem de comboio), sobre suas leituras de Freud ( 8 de agosto 1946), sobre auto-análise biográfica, vendo seu primitivo puritanismo, sua dispersão que o leva a “escrever um poema enquanto dá uma consulta”(12 agosto 1976), o reconhecimento de que se debate entre forças contraditórias, insatisfação, sua afetividade, sua sensibilidade para com o semelhante, seu pensamento humanista e humanitário, seu pensamento sobre civilizações (rio de Onor, 27-9-46), encontro de raças e civilizações, Mas é sobretudo em certo tipo de produção poética que Torga se mostra um Poeta-pensador. Cântico do Homem, Orfeu rebelde e O outro livro de Job são documentos sérios para vermos como a poesia traduz pensamento, ontologicidade, visão de mundo, tragicidade. Na resposta a um inquérito feito pelo Journal des Poètes, Torga afirma que “A poesia pode ainda ser a grande mensagem da Europa ao mundo, e prolongar em liberdade a tradição do seu humanismo”(I,530). Continuando este mesmo pensamento, nessa entrevista, Torga exprime sublimes reflexões de um Pensador.” Ele entende que a Poesia “é a mais completa pergunta que se pode fazer à humanidade e a mais sugestiva resposta que essa mesma humanidade pode dar”(530).Mas Torga diz também que a expressão do diálogo poético terá de deixar de ser equívoca. É uma posição inequívoca e grandiosa esta afirmação sobre a missão dos poetas:”Só quando insubmissos e por isso dignos de seu nome, os poetas serão capazes de cumprir sua missão divinatória por conta de todo o sofrimento humano. Somente da fortaleza da sua independência poderão oferecer à angústia universal a chave de um futuro melhor, construído sobre a denúncia dos crimes e das injustiças de que são testemunhas”(I 530)[..]Corvos fugidos da arca onde navegava o medo e a passividade, terão de enfrentar a fúria do dilúvio e descobrir o rochedo onde não cheguem as vagas de nenhuma tirania”(530/31). Torga é um pensador que não abdica dos grandes ideais da humanidade e dos símbolos significativos, dos gestos e das palavras profundas, tentando reflexões sobre os mínimos detalhes oferecidos pela observação: “Sem verbo não há catarse. E sem catarse não há ressurreição”(II 1233). O lusitanismo rígido e a análise social de Torga insurgem-se contra os demagogos e contra o atentado aos valores pátrios, ao mesmo tempo que denunciam a desagregação pátria, e destacam o elogio da província “o protoplasma da pátria”(1239), e também sua luta por “ser fiel às origens”(1241). No seu discurso em Bruxelas em 1977 dizia: “Seja essa a precária virtude de meus versos: contribuir na sua exacta medida, para a singularidade expressiva de um povo, simultaneamente loquaz e sucinto, urdidor de romanceiros e sintetizador de rifões, possa de ora avante patentear à curiosidade cosmopolita toda a sua riqueza e originalidade”(1242). Nestes depoimentos, Torga coloca clara ao nível de perspicaz teórico a complexidade e a problematicidade da Poesia.
Outro nome a lembrar seria o de Antônio Sérgio, presença crítica portuguesa na primeira metade do século XX, famoso pelos seus “Ensaios”.

Anos atrás era comum falar-se de pensador entre os intelectuais portugueses. Mais presente a filosofia sistemática em nossas escolas e universidades, a figura do pensador sumiu um pouco da bitola metodológica com que se encarava essa figura.
Para entendermos um pouco do que era ou é essa figura, a história pode ilustrar a tentativa de o definirmos com exemplos históricos. Se quisermos poderemos ver em D. Duarte(1391-1438) um pensador, em Leão Hebreu (1465-1534), autor dos “Diálogos de Amor”, um Pensador, em Camões, além de poeta lírico, épico e teatrólogo, um pensador. E Gil Vicente, além de teatrólogo ou dramaturgo, não será um glorioso pensador cheio de idéias e corajoso em as veicular pelo seu teatro?. Vieira tem seus lados de pensador. Verney era, em rigor, um pensador que pensava a reforma, que propunha reformas, que pensava e avaliava as visões de mundo racionalista e pedagógico de seu tempo. Antero de Quental, era um pensador que se manifestou não apenas nos conteúdos de suas conferências no Cassino, mas em Odes Modernas, nos sonetos e em artigos de filosofia que publicou. Sampaio Bruno não sendo um filósofo em sentido clássico pode ser rotulado de pensador brilhante em A idéia de Deus, Brasil Mental e Nova Geração. Teixeira de Pascoaes, é um pensador em A Arte de Ser Português, em Santo Agostinho, no S.Paulo, em S. Jerônimo e a Trovoada, em Dois jornalistas, em O Penitente, o Empecido, e um poeta-filósofo em Maranus e Sombras. Em Húmus, Raul Brandão é um escritor-pensador, Fernando Pessoa, enquanto poeta-filósofo do Guardador de Rebanhos, enquanto autor das Odes de Ricardo Reis e Álvaro Campos, enquanto autor de Tabacaria, ou Pessoa ele-mesmo, e sobretudo enquanto Bernardo Soares, é autor de profundas reflexões filosóficas , teorizador do sensacionismo e enquanto reflete sobre tédio, sobre perfeição, sobre o desejo, sobre visões de mundo, sobre hábitos e sonhos, sobre situação existencial, sobre pensamento e emoção, sobre o espetáculo do mundo e a mutação das coisas, em O livro do Desassossego. Jorge de Sena é um pensador, enquanto expositor de idéias, enquanto teórico da e crítico da Literatura. Raul Proença é um pensador enquanto discute liberdade, liberdades democráticas e políticas sociais, enquanto pensa a relação entre intelectuais e política, enquanto trata e pensa problemas pedagógicos portugueses, problemas éticos, revolução e ditadura, enquanto expõe sobre o eterno retorno, sobre o feminismo,ou a moral do adultério,etc. Ele seria em si mesmo um erudito, um clerc, no saber e na divulgação do saber, uma presença consciente que discute as grandes problemáticas sociais de sua comunidade.
Miguel Torga, como já destacamos atrás, é um poeta-pensador. Um dos pensamentos que adotou em seu diário é o de “Em cada dia nós deixamos uma parte de nós mesmos pelo caminho”(Amiens). Esta é uma forma clara de mostrar que sua poesia e sua literatura são parte indissociável de sua visão de mundo.
Joaquim de Carvalho, destacada acadêmico conimbricense do século XX, era um Pensador. Publicou e interpretou o pensamento de várias figuras portuguesas da filosofia e da cultura. Dedicou-se entre outras coisas ao estudo da expressão filosófica de Francisco Sanches, de Oróbio de Castro, de Spinoza, dos elementos constitutivos da teoria da Saudade Portuguesa. Seu trabalho na editoração de textos de cultura Portuguesa, e suas interpretações mostram o que tinham de elevado este espírito da Academia conimbricense. Na primeira linha de pensadores portugueses contemporâneos, devem ser colocados, por direito próprio, os maiores representantes da corrente da “Filosofia Portuguesa”, desde Sampaio Bruno a Álvaro Ribeiro e Jose Marinho.
Álvaro Ribeiro, mesmo sendo naturalmente uma figura com grande pendor filosófico, se destaca nos meados do século XX como um notável pensador, cuja nota principal foi a de ter alertado o público português sobre a existência de uma tradição filosófica ao longo da história da cultura portuguesa. Seus livros sobre o Problema da Filosofia Portuguesa, Apologia e Filosofia, Os Positivistas, Escola Formal e outros e seu jeito pessoal de saber conviver e debater fraternalmente seus conhecimentos filosóficos com as novas gerações, tiveram o mérito de criar um grupo de reflexão sobre a filosofia portuguesa a partir de Sampaio Bruno e Leonardo Coimbra, de onde saíram figuras famosas e operantes como Antônio Quadros, Afonso Botelho, Antonio Braz Teixeira, Orlando Vitorino e outros, como primeira geração, e depois os novíssimos discípulos da segunda geração. José Marinho, é outro característico pensador do grupo da filosofia portuguesa. Ele faz juntamente com Álvaro Ribeiro um dos esteios de sustentação do grupo da Filosofia Portuguesa. Pensador original e hermético, brilhante em seus axiomas ontológicos, José Marinho é autor de Teoria do Ser e da Verdade, um livro de reflexão ontológica e epistemológica. Antônio Quadros, Afonso Botelho e Antônio Braz Teixeira, são pensadores no verdadeiro sentido. Eduardo Lourenço é um dos mais agudos e luminosos pensadores portugueses do século XX. Atuando com a literatura, teoria crítica e hermenêutica, escudado em sólidas bases filosóficas, Eduardo Lourenço começou seu itinerário de pensador em Heterodoxia. Depois se estendeu a Metafísica e Poesia. Eduardo do Prado Coelho é um pensador. E as novas gerações apresentam nomes importantes também no contexto cultural português.


III- As fronteiras demarcantes entre filósofos e pensadores.

Há evidentemente algumas fronteiras que nos mostram a diferença entre filósofo e pensador.
Se todo o filósofo é um pensador nem todo o pensador é necessariamente um filósofo.
Entretanto há duas possíveis fronteiras que demarcam na maior parte dos casos o perfil de um filósofo e de um pensador.
Para caracterizar um filósofo é justo que se pense antes de tudo a sua capacidade de elaborar uma teoria de concepção de mundo, uma teoria ontológica, uma teoria hermenêutica, uma epistemologia própria, uma teoria do conhecimento crítico, uma descrição ou uma crítica dos sistemas filosóficos de interpretação do mundo ou tarefas semelhantes. Normalmente, os filósofos clássicos eram profissionais, se dedicavam à filosofia em tempo integral, utilizavam as escolas, as universidades, para transmissão e crítica de suas próprias teorias. Tinham tempo para criar uma linguagem própria, as mais das vezes, tinham tempo para elaborar um sistema ou teorias próprias.Platão tinha uma Academia, Aristóteles um Liceu, os Estóicos, os Pórticos, Filão de Alexandria, a escola de Alexandria, Tomás de Aquino, Boaventura e Escoto, a Universidade de Paris ou Oxford. Kant ocupa a cátedra em Koenigsberg, João Friedrich Herbt, sucessor de Kant, ensina em Koenigsberg, Goettigen, Bolzano ensinou na cátedra de Praga,e Hegel, na Universidade. Schopenhauer tentou também a cátedra universitária, embora tenha fracassado. Feuerbach escreve uma tese doutoral sobre a filosofia de Hegel. Talvez Marx e Engels sejam puros pensadores e teóricos sociais de realidades sociais. Kierkegaard, assistiu aos cursos de Schelling. Nietzsche é professor de filologia clássica na Universidade de Basiléia. Henri Bérgson(1859-1942) é professor no Collège de France. Maurice Blondel (1861-1949), professor da Universidade de Aix-en-Provence. Husserl (1859-1938), professor na Universidade Freiburg im Brisgau. Max Scheler (1874-1928) ensinou em Jena, Munique e Colônia, Nicolau Hartmann ensinou em Marburgo, Colônia, Berna e Goettingen. Karl Jaspers foi professor em Heidelberg. Jean Paul Sartre, mais literato do que filósofo segundo Johannes Hirschberger, talvez seja o tipo do pensador moderno. Ele pensou e moldou seu pensamento filosófico na Universidade. Marin Heidegger, filósofo confesso e profissional, seviu-se da cátedra para pesquisar, aprofundar e divugar seu pensamento filo´sofico. O espanhol Xavier Zubiri prepara e defende sua tese doutoral na Universidade,
Na galeria dos pensadores encontramos autores originais. Autores com pensamento e síntese própria, com posicionamento crítico e epistemológico caracterizante.

característica parcial de filósofos independentes e originais que fazem muita honra ao ofício de sempre estarem pensando. Algo que faz jus à figura de Ortega y Gasset e outros.
A partir deste contexto, abre-se uma ampla galeria que pode levar o leitor a questionar-se sobre a importância do pensador tentando abrir uma brecha sobre as fronteiras e a contiguidade ou não de domínio entre pensador e filósofo.

João Ferreira
Junho de 2005
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