E de repente você se sente interiormente remexido. Algo lhe aconteceu inesperadamente. Sem lhe pedir licença. Entrou. Buscou aquele melhor local de sua sala íntima. Aquele mesmo que você escolheu e guarda cioso para você. Um sentimento estranho. Cheio de vantagens. Cheio de razões. E chega mesmo. Com toda a sua presença. Revestido de argumentos. Vencedor. E você se sente pequenino diante dele. Acovarda-se até. Totalmente vencido. Sem combate. E vencido. Mas cheio de alegria. Irrequieto. Rindo e gargalhando à toa. Na certeza inglória de ser dono do universo. Dos homens. Dos corações. E no dançar desta alegria insana, sai para a rua. Braços abertos em busca da criatura intrusa. Que lhe tomou o lugar mais delicado de sua sala íntima. Sem pedir licença.
Andando ao léu. Olhar atento a qualquer vulto novo. A gestos “dejá-vues” de outros passantes. Enfim, na penumbra do infinito, parece ela vir. Indefinida. Aquela criatura cativante. Imã instransponível de minhas frágeis limalhas. Sinto-a cada vez mais próxima. Irresistível. Mais perto. Fecho os olhos. O coração batendo em descompasso. Adrenalina a vazar pelo ladrão. Face em fogo. Carnes a tremer. Pura emoção. Sinto-lhe o perfume enigmático. Abro os braços alongados no infinito. E aguardo engolfar-me no encontro que sempre esperei. Aguardo impaciente. Impaciência infinita.Tempo que não passa.
Enfim, os passos se aproximam. Cada vez mais. Bem perto. Quase em mim. E passam...
Vão para longe... Distanciam-se... braços não se abrem... membros não se unem... sem abraços... sem calor... sem aconchego...
Abro os olhos. Ainda de braços abertos... viro-me para trás...continuando a andar... esperando... e olho assustado... boca entreaberta... assustado... e a criatura se vai... passos apressados...não veio... se foi... na penumbra do nunca existir...