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Ensaios-->UM PLEBISCITO LITERÁRIO EM PORTUGAL EM 1884 -- 14/05/2005 - 22:23 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


UM PLEBISCITO LITERÁRIO EM 1884
João Ferreira
Trabalho elaborado em 1993.


Apesar de iniciada uma nova vanguarda literária na década de 7O através dos dissidentes de Coimbra e das Conferências do Cassino inauguradas em 1871 e não obstante os progressos estéticos e a modernização incontestável do romance naturalista português, anos depois, pelos idos de 1884, quando Eça de Queiroz estava ainda no auge da sua producão realista e naturalista, a opinião literária do público português mostrou não ter sentido, de verdade, as reformas operadas. É o que demonstra o plebiscito literário realizado em 1884 pelo jornal 'O Imparcial' de Coimbra(1).

Tendo sido feita uma sondagem pelo periódico sobre quem seriam os três escritores portugueses mais notáveis nessa época, as respostas enviadas pelos leitores de 'O Imparcial' de Coimbra ofereceram a seguinte classificação: 1. Camilo Castelo Branco; 2. Pinheiro Chagas; 3. Latino Coelho; 4. Eça de Queiroz; 5. Ramalho Ortigão; 6. Teófilo Braga; 7. Oliveira Martins; 8. Guerra Junqueiro; 9. António da Costa; 1O. João de Deus; 11. Tomás Ribeiro; 12. Antero de Quental; 13. Mendes Leal; 14. Ricardo Guimarães; 15. Consiglieri Pedroso; 16. Antonio Enes; 17. Tomás de Carvalho; 18. João de Lemos; 19. Gervásio Lobato; 2O. Silveira Mota; 21. Luciano Cordeiro,etc.
A leitura dos resultados oferece-nos uma surpresa: a de que os escritores revolucionários e renovadores de 1862 e 1865, de João de Deus a Antero de Quental e a Eça de Queiroz, não encimam a lista do plebiscito. Todos esses escritores que dominaram o cenário da renovação, do debate e da escrita vanguardista após a questão coimbrã, não têm um único lugar entre os três primeiros. Eça de Queiroz é apenas o quarto colocado e Antero de Quental ocupa o 12° lugar. Em troca, os trÊs primeirows lugares são dados a escritores consagrados ou conservadores: Camilo, Pinheiro Chagas e Latino Coelho. Camilo merece sempre uma preferência em qualquer época. É sem dúvida o gênio da escrita e fundador da novela portuguesa, mas é de idéias conservadoras. Pinheiro Chagas representa a contra-renovação, e é o símbolo da resistência contra a geração nova de Coimbra, como sabemos da polêmica denominada 'Questão Coimbrã' gerada pelo posfácio de Castilho aposto ao 'Poema da Mocidade'de Pinheiro Chagas.
Na interpretação desta surpresa de classificação há a hipótese levantada por Alexandre Cabral de que poderá ter havido algum tipo de orientação junto aos leitores do jornal. Os ânimos poderão ter sido preparados para se atingirem os resultados pretendidos pelos organizadores do inquérito. Esta idéia não é inteiramente improvável, até porque Trindade Coelho, íntimo amigo de Camilo Castelo Branco, estava ligado a 'O Imparcial de Coimbra'. A verdade é que o resultado deixou Camilo muito satisfeito. Em carta datada de 24 de julho de 1884, fazia o seguinte comentário: 'Vejo que já não lavra em Coimbra, contra mim, um ódio idiota que lá implantaram os inimigos de Castilho. Contaram-me isso uns meus sobrinhos: que eu, por mim, vivendo em Coimbra algum tempo com os meus filhos, não cuidei em averiguar se era cantado, se mordido'(2).
Quanto à ordem de colocação dos antigos obreiros da renovação literária do realismo, Eça de Queiroz é, de todos, o melhor colocado, mas apenas em 4° lugar. Antero de Quental, o líder inconteste da revolução cultural realista empreendida pelo programa das conferências do Cassino de Lisboa, ocupa um modesto 12° lugar, apesar do papel extraordinário que desempenhou na liderança de sua geração e da poesia de qualidade que deixou nas Odes Modernas e nos Sonetos e dos princípios vanguardistas defendidos na Carta do Bom senso e do Bom Gosto. Melhor colocados estão Ramalho Ortigão, Teófilo Braga, Oliveira Martins, Guerra Junqueiro e João de Deus, pela ordem. Na altura em que se poderia pensar que a dissidência de Coimbra havia implantado definitivamente uma tônica avançada na criação literária portuguesa e deixado no público, arraigados, os princípios das novas teorias de renovação realista e naturalista que defendeu, verificamos que se registrou precisamente o contrário. Ao apontar na cimeira da estatística o talento criador de Camilo, a pesquisa revela-nos que o grande público não abriu mão da consagrada figura de um ídolo. Pela análise dos críticos que se debruçaram sobre os resultados desta pesquisa também se conclui que houve pelo menos o mérito de ter sido preservada a qualidade, independentemente de escolas e correntes literárias, verificando-se uma distribuição diferenciada dos notáveis pelos vários segmentos da vida intelectual portuguesa. Casualmente, foram valorizados também alguns nomes que não têm significado especial para a crítica de hoje. Em contrapartida, foram omitidos incompreensivelmente outros nomes de grande significação como João Penha, Fialho de Almeida e Gomes Leal.
Para entendermos todo o contexo, seria interessante dizer também que no dia 1 de julho de 1884, ou seja, dentro dos oito dias imediatamente anteriores ao plebiscito, dava-se início, em Lisboa, à publicação de 'A Ilustração Portuguesa', uma revista literária e artística, chique na apresentação e nas ilustrações, de caráter literário e artístico, cujo conteúdo se estendia desde a crônica e informações, até à poesia, ensaio histórico e reprodução de quadros famosos. De caráter essencialmente conservador, a revista ostentava no frontespício o quadro de honra de seus colaboradores: Camilo Castelo Branco, Bulhão Pato, Eduardo Schwalbach, J. César Machado, Marcelino Mesquita, Pinheiro Chagas, Visconde de Monsaraz, Tomás Ribeiro e outros. Nesta lista há muito a ver com os nomes consagrados pelo plebiscito: Camilo (l%), Pinheiro Chagas (2%), Tomás Ribeiro (11%). Pela assiduidade da colaboração e assinatura das principais matérias, na crônica e no ensaio, podemos dizer que Pinheiro Chagas, afilhado de Castilho e pivô da crise entre Coimbra e Lisboa em 1865, pontificava nesta revista. Acreditamos que entre outras coisas, esta publicação aparecia como uma prova de força da ala conservadora no meio social português, sendo interessante observar que durante o primeiro ano de sua existência, ou seja, de 1884 a 1885, nem Camilo nem Bulhão Pato, do grupo redatorial de honra, se dignaram enviar a mínima colaboração para o periódico. Em troca, e mais surpreendentemente, no n° 48, ainda dentro do Ano I, e com data de 25 de maio de 1885, foi publicado o soneto Mors-Amor de Antero de Quental, chefe da renovação na década de 7O mas que foi classificado em 12° lugar pelo Plebiscito de 'O Imparcial de Coimbra', jornal da cidade onde se consagrou.
O que parece depreender-se de todos estes factos é que o vanguardismo de 1871 perdera força, fôlego e liderança em 1884, notando-se uma dispersão entre seus membros, apesar de se notar um reconhecimento público mais para Eça pelos seus romances 'O Crime do Padre Amaro' e 'O Primo Basílio' e para Ramalho, que com Eça havia produzido as 'Farpas' e 'O Mistério da Estrada de Sintra'. No plebiscito, o portuguesíssimo e popularíssimo criador da novela portuguesa, Camilo Castelo Branco, bate o nobilíssimo escritor internacional Eça de Queiroz e todos os escritores do grupo dos cinco, conseguindo ainda mostrar, uma tardia revanche histórica de Pinheiro Chagas contra os inimigos que o crucificaram em 1865.

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(1) Cabe a Alexandre Cabral o mérito de ter chamado a atenção para este plebiscito literário através do estudo 'Acerca de um plebiscito literário', publicado em 'Vértice'(1973), de que o autor faz uma edição própria em 12 de novembro de 1973. Trata-se de um estudo crítico fundamental pelas informações que traz e pelas luzes que nos oferece para compreendermos o jogo político-literário português nos fins do século XIX.

(2) Cartas de Camilo Castelo Branco a Trindade Coelho. Lisboa: Livraria Manuel dos Santos, 1915, p. 12.









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