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Ensaios-->VIAJANDO SOBRE "OS ESTIGMAS" -- 01/04/2005 - 23:08 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


VIAJANDO SOBRE “OS ESTIGMAS”(I)

Humberto Guimarães*

FRANCISCO MIGUEL DE MOURA é um desses escritores que só largam a pena quando morrem – como Honoré de Balzac, como Camilo Castelo Branco, como Coelho Neto, como Agatha Cristie, como Morris West; como há de ser Assis Brasil e Saramago. Seus vinte e poucos livros publicados, entre poesias, crônicas, romances, contos e crítica literária, são apenas a ponta do aicebergue; nos rascunhos, nos papéis avulsos e na imaginação, ainda estão centenas. Foi bancário pela necessidade de uma profissão que lhe assegurasse a estabilidade econômica, mas aposentou-se, montou no Pegasus, e tome a percorrer mundos em ares interiores, tendo por bagagem uma pena de escrever e os pergaminhos que vai encontrando pelo caminho; como o visconde de Sabugosa do “Sítio do Pica-pau Amarelo” de Monteiro Lobato, faz magias pirlipimpimescas de sabedorias e zelo, a escrever suas letras de impecável caligrafia em rosário ortograficamente artístico – se bem que hoje escreve ao computador, mas usa a caneta para os oferecimentos, os autógrafos, com letra de moça. Quando se senta na cadeira da Academia, se não tiver um papel e uma caneta na mão, faz caretas pisca-piscantes em coreiforme desassossego. Este, o seu primeiro estigma – que o faz estimado por todos nós.
Em 1964, quando ainda decifrava cifrões no Banco do Brasil lá pelas terras baianas, onde estava a trabalhar mas já se preparando para embarcar na transferência para Teresina, rascunhou “Os Estigmas”, sua primeira entrada na prosa de ficção, cuja primeira edição verifica-se vinte anos depois, abafada que ficara pela enxurrada de poesias e outros exercícios literários. Duas edições no mesmo ano (1984), e agora, quarenta invernadas completadas, eis a terceira, produzida pela editora do autor, quer dizer, pelo seu próprio bolso – a que ele denomina de Edições Cirandinha, lançamento no auditório Wilson Brandão, da Academia Piauiense de Letras, a que pertence, no dia vinte e seis de novembro deste ano, um sábado especial de festa na casa de Lucídio Freitas e A.Tito Filho, quando também é apresentado ao público ledor o livro de literatura infantil de sua filha Mécia, de dez anos, membro da Academia Mirim de Letras da Escola Dom Bosco, da professora Alda Veloso, os acadêmicos liliputianos engalanados, o coral mirim do estabelecimento a exibir sua arte orfeônica, encerrando-se a cerimônia com a escritora menina ao teclado executando algumas melodias, e o coquetel da confraternização.
Os grandes temas da literatura são as circunstâncias humanas: da insatisfação, da miséria, do sofrimento, da incompreensão do existir; e o tema mais profundo, a raiz geradora de tudo o mais, exatamente o último citado – que se desdobra nas interrogações básicas do “de onde venho”, “para que venho”, “o que sou” e “para onde vou”, esfíngicas proposições feitas ao homem no panorama mitológico nascido no Egito e transportado à Grécia, sob a prensa condicional do “ou me decifras ou te devoro”. Os cantos de guerra da criação do mundo, uns soterrados em hieróglifos, cunhados em tijolos e barras de pedra, outros perenizados oralmente de geração a geração, depois da invenção do alfabeto pérsico e da máquina de Gutemberg, começaram a ser espalhados pelo mundo sob formas de livros e jornais – a Bíblia, os poemas homéricos, as tragédias gregas, a história da humanidade que renascia culturalmente através da “Ilíada”, de “Eneida”, das produções de Sófocles e congêneres, “Mahabárata” e “Ramaiana”, “O Paraíso Perdido”, do cego Milton, “Orlando Furioso”, “Jerusalém Libertada”, respectivamente de Ariosto e Torquato Tasso; A “Utopia” de Thomas Morus, o “Elogio da Loucura” de Erasmo de Roterdam, “Dom Quixote de la Mancha” de Miguel de Cervantes e Saavedra, “A Divina Comédia” de Dante, “Os Lusíadas” de Camões, todos eles tratados das angústias, dos medos, das paixões, das conquistas, das derrotas, das vinganças, dos amores desfeitos, passando por diversas formas, modos de narrar, de compor, de expressar a linguagem comunicativa o mais esteticamente possível – o barroco, o clássico, o neoclássico, o romantismo, o realismo, o naturalismo, o simbolismo, o trans-modernismo, o modernismo ortodoxo e o heterodoxo, o pós-modernismo, de permeio o anarquismo dadaísta de provocações, de protestos não sei de quê, de boçalidades.
Eis que a filosofia de Aristóteles, pretensamente contrapondo-se à de Platão, aponta novas maneiras de pensar, rumo ao materialismo, à procura de entender o homem enquanto homem no mundo, com seus conflitos pessoais e sociais, o que enfim vem a ser muito do agrado dos pensadores europeus, desbordando em especulações donde o material imbrica-se com as dúvidas metafísicas sobre a existência humana, as mesmas que Platão, sob a influência de Sócrates, procurara entender e explicar, os mesmos grandes enigmas da Esfinge, formalizando-se a angústia do existir com o dinamarquês Sören Kierkgaard, um cristão atormentado pela depressão do espírito, existencialismo em aura romântico-política que se formalizaria filosoficamente com Husserl, Menanger,a fenomenologia de Jaspers, o niilismo de Sartre, a angústia de Mounier.
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*Humberto Guimarães é membro da Academia Piauiense de Letras.

VIAJANDO SOBRE “OS ESTIGMAS”(II)

Humberto Guimarães*

É aqui onde situamos “Os Estigmas” de Chico Miguel, do ponto de vista literário, ao lado de Kafka e de Albert Camus, Prêmio Nobel, cujos personagens, estonteiam-se entre as malhas de um determinismo trágico, onde se esfacelam amores e se desfazem vidas – tragédias de Sófocles, tragédias de Shakespeare.
Eu disse, no discurso de apresentação, que “Os Estigmas”, o romance, era um samba-canção e, como tal, um livro brega. Ora, gosto de brincar com a semântica das palavras, suas cambiantes consuetudinárias – as distorções, o chulismo, a gíria. O adjetivo brega, donde vem, o que significa? Vem das coisas de gosto ruim, do pão bregoso, seco, duro, bolorento; no regionalismo nordestino brasileiro estende-se figurativamente à zona do meretrício, às coisas ultrapassadas, às paixões em prantos derramadas; equipara-se à cafonice, ao bocomoquismo, expressões da pseudo-cultura dos salões requintados no chiquismo da superficialidade extensivas aos programas de televisão da pseudo-arte que não passam de incultos coveiros do Lácio ao encherem a boca, apresentadores e convidados, de superlativos extravagantemente vazados em solecismos disssonantes: “gostozésimo”, “lindérrimo”, “estudiozésimo” e assim por diante.
Alan Poe, Baudelaire, Augusto dos Anjos, fizeram atraente literatura, formando do lixo humano, arte irretorquível para o entendimento de quem possui a instrução média/superior. Intelectuais brasileiros de grande sensibilidade, optando pelo popular, desceram à boêmia do bas-fond, do rendez-vous do bolero “Boneca cobiçada” de Biá e Bolinha; de Waldick Soriano, o mesmo de “A carta” e de “Eu não sou cachorro não”, mas também da grande composição, o bolero “Volta”; desceram lá poetas como Orestes Barbosa e Adelino Moreira, e amalgamaram, em puro romantismo ao gosto popular, do miúdo das favelas aos grandes das coberturas de arranha-céus, maravilhas como “Chão de estrelas”, “Santa dos meus amores”, “Vidro vazio”, “Abelha da ironia”, “Ciúme”, “Torturante ironia”, “Palhaço do luar”, “Arranha-céu”, “A mulher que ficou na “Taça” (Orestes), umas interpretadas por Silvio Caldas, algumas por Romualdo Peixoto, a maioria por Francisco Alves. As de Adelino – “Êxtase”, “Negue”, “Revolta”, “Argumento”, “Escultura”, “Deusa do asfalto”, “Meu dilema”, “Hino ao sol”, exclusivas para Nelson Gonçalves cantar, tendo ambos, Orestes e Adelino, marcado época com o sucesso nos anos 50/60, quando os poemas musicados em melodias que tocavam diretamente os refolhos mais íntimos da afetividade, eram vividos e aplaudidos por jovens e idosos. Mas, como proclama o soberbo Camões, “valores novos se alevantam”, de modo que se foram rareando boleros , sambas-canções, guarânias, xotes, fox-trotes e baiões, cedendo lugar para a Bossa-Nova, um romantismo jovem, misto de namoros-flertes, “fossas”, alegria, leveza de balanceado, dela destacando-se o tropicalismo baiano em meados dos anos sessenta: era a Música Popular Brasileira dos grandes momentos da televisão Brasileira liderada pelo pioneirismo da Rede Globo de Roberto Marinho, que, no entanto, perdia ibope para a decadente Tupi com o inesquecível Programa de auditório de Flávio Cavalcanti a tomar conta dos Domingos dos anos 70; anos de Leila Diniz, Sergio Bittencourt, maestro Erlon Chaves, Márcia de Windsor, Humberto Reis, Ronaldo Bôscoli, Danuza Leão, Walter Foster, Íris Lettieri e José Messias estreando o famoso júri, terror e esperança dos calouros; tempos de Ellis Regina e Simonal, do pleno reinado de Roberto Carlos, do surgimento singular do singularíssimo Raul Seixas, do irreverente Denner, o pré-Clodovil; tempos da terrível big-sister chamada Censura do governo militar, que se enlouquecia com as piadas do Costinha e os dribles do próprio Flávio; das interpretações românticas de Moaci Franco, do amigo Silvio Santos, o camelô da televisão. Depois, o vandalismo da licenciosidade, aproveitando-se do fim da censura para expandir regionalismos abusivos de duplos sentidos para a indecência pornofônica até chegar o domínio quase-total da ME, a música eletrônica., uma cacofonia antimelódica, uns barulhos de tum-tum-tuns, estridulências de guitarras a retinir timbres de hienas malcriadas, e urros de marmanjos dos cabelos desgrenhados, roupas desbotadas, apertadas, rasgadas, e tatuagens diabólicas, tocados pelas drogas, imitadores tupiniquins dos galegos ingleses-norteamericanos do wonderground , irreverentes, chocantes, afrontadores dos bons costumes, da inteligência artística, do sentimento estético, desarticuladores da alma sensível, desconjuntadores da harmonia sintonizadora da holística humana, a invadir, pela massificação da mídia desenfreada na avidez do domínio da “opinião pública”, através de todas as vertentes da comunicação - a televisiva, a radiofônica, a escrita -, os lares, os logradouros, desde as casas de espetáculo a todo os espaços existentes, com a estapafúrdia excitação psicomotora libidinosa em curtos-circuitos espasmódicos de convulsões orgásmicas pervertidas e exacerbadas, ora em saltos de acrobacia felina, ora em balanceio de cadência pendular-hipnotizante, sob o jogo de luzes e fumaças no caleidoscópio do ritmo ligeiro-alucinante de todo o espectro do arco-íris esfacelado em explosões psicodélicas e os acicates orgíacos do álcool etílico, do canabismo-cocainismo, “etcoeteraetalismo”. Da MPB sobressaem-se, para ombrear-se à permanência do rei Roberto da BN, sobressaem-se os valores inolvidáveis, porque sabiam pensar, porque tinham conteúdo cultural e sensibilidade artística, de Antônio Carlos Jobim, Vinícius de Morais e Chico Buarque de Holanda. Vinícius morreu, perpetuou-se no panteão da glória pela literatura poética; Tom morreu, está no arquivo-vivo do bom-gosto; Chico não morreu, estabiliza-se atualmente na literatura a cultivar a herança intelectual dos seus maiores.
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*Humberto Guimarães é membro da Academia Piauiense de Letras






























VIAJANDO SOBRE “OS ESTIGMAS”(III)

Humberto Guimarães*

Mas o que quero dizer, no final das contas, é isto: em “Os Estigmas”, Chico Miguel, estendendo uma cortina de brocados e broquéis sobre os personagens na trama vivencial dos conflitos irresolutos, mostra os turbilhões emocionais que se desfazem como as ondas do mar esbatidas nos rochedos das impossibilidades, desventuras de um não-conseguir transpor o ethos de um mundo não-solidário no dia-a-dia das competições desiguais; mostra isso – pela arte impressionista, anti-acadêmica e inconformista, de que se riu ironicamente Leroy, o entendido, em 1874, ante a tela de Monet, não atinando o snob crítico que ali se despertava um novo estilo de manifestação cultural inteligente –, pelas luzes veladas de um nascer ou de um pôr de sol, as mortiças e melancólicas luminescências invernosas, nebulosas sob neblina, as solidões de Renoir, Monet e Bazille, anti-acadêmicos autodidatas, em busca das melhores expressões enigmáticas femininas (Renoir), mas sobretudo das cambiantes luminosidades caprichosas da natureza plástica em espaços abertos, o paisagismo da “cor pura e da pincelada separada”, sem aquele acabamento perfeito academicista, o fini, o the end, como “As Ninféias” e os “Nenúfares”do dito Monet, “Bretagne” de Boudin, “Tetos vermelhos” de Pissarro, “Caminho de luveciennes na neve” de Sisley, as dançarinas quase-plumas de “Répetition d’un ballet sur la scéne” de Degas; nas desesperadamente intensas luzes de salões festivos, perfis humanos em coreografias de fugas do si-mesmo, entontecidos, homens e meretrizes, pelo absinto e pelo tabaco baratos nas saturnais noturnas periféricas de uma Paris dionisíaca perpetuada pelos pincéis de Toulouse-Lautrec, um nobre inconformado com seus aleijões de quasímodo: contemplemos as sôfregas e caricatas expressões nos seus Bailes no “Moulin de la Galette”, no “Moulin Rouge”, no “Reine de Joie”, na “Dança de Jane Avril”, no “Löie Fuller no Follies Bergéres”, Toulouse a afogar-se no absinto de uma Paris em esplendor de bela época, que ele não veria evoluir além de 1901, (levado que fora pelo dellirium tremens), com as mocidades autocidas da “geração perdida” de Gertrud Stein, perdida como ele, no mar das incertezas, mar das angústias inconscientes oriundas da inconseqüência, da imprevidência dos afanosos pervertidos que, nas rédeas do poder, esquecem os que neles confiaram para conduzi-los.. “Os Estigmas” de Chico Miguel são bem o reflexo por aqui dessa condição humana que é universal, tratada segundo a fenomenologia do inconformismo existencial dos atores da vida, presenças nascidas, vividas em presentes passantes que morrem(os) a virar sombras que nos assombram no infernal silêncio, na torturante descomunicação das solidões sem eira.





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*Humberto Guimarães é médico, romancista, crítico literário e membro da Academia Piauiense de Letras.





































VIAJANDO SOBRE OS ESTIGMAS (IV)

Humberto Guimarães*

Por telefone, uma jovem universitária solicita-me entrevista sobre comportamento humano e criminalidade. Chama-se Lara Larissa, tem dezenove anos. Marcamos encontro na APL, a entrevista é feita, parece-me que para subsidiar uma monografia acadêmica em jornalismo, sendo ela contudo já bacharela em Direito. Talvez a chover no molhado, sugiro que leia Mídia Sem Limites, de Todd Gitlin, para completar a visão do lado feio desse “quarto poder” que se erige como responsável pela formação da “opinião pública”, enquanto lhe passa gato por lebre. a alimentar-se da promoção de escândalos, vista grossa fazendo aos conceitos da Ética. À despedida, a surpresa: oferece-me um exemplar do seu segundo livro, “A Terra dos Sonhos Mortos”, uma primorosa brochura cuja leitura revelou-se-me agradável desde o início; trata-se de um drama dos desacertos sociais, desses que se repetem com freqüência quando chega a caterva política com suas promessas aliciantes para possuir o povo mediante fraude, violentando os valores humanos em todos os sentidos; uma literatura conduzida atemporalmente e sem precisa localização espacial, porque é de todos os tempos e de todos os lugares a produção do trabalho escravo, o espezinhamento do homo-res pelo homo-dominus hipócrita, covarde, insensível, cínico, desalmado., levando-se pelos princípios da falta de princípio da cracia de um demos que não é povo, mas verdadeiramente demônio. Pois bem assim revoltada com a falsidade dos homens do sorriso fácil e das grandes mesuras que assumem o poder sobre os outros, os que não usam ternos nem gravatas, acenando-lhes com a bandeira da esperança para depois massacrá-los com a desumanização, tiranizando-os em proveito próprio por todo o tempo que puder exercer a fraude do lobo em veste de cordeiro, a autora conduz o drama com seus personagens pervagando em sombras anônimas de despersonalização, de abulia, de uma apatia de quem foi exprimido até a derradeira gota de caráter, pela necessidade do básico para um minimum de dignidade, porque já no desalento de um amanhecer vazio, situação imposta sob melífluos sorrisos de raposas.
Foi assim que me lembrei duma literatura nordestina semelhante, a do caruaruense José Condé, especialmente em “Vento do Amanhecer em Macambira” – clima onírico de uma inquietação existencial à procura proustiana de um passado morto no ambiente fantasticamente vivo nalma; poesia fantasmagórica de um sentimento fixado sobretudo no primeiro amor do personagem, presença morta de uma Lívia que desaparecera com a vila numa investida de Lampião. Uma novela, uma fantasia ; uma representação eidética, que surrealismo é este? Na realidade uma montagem simbólica das agruras nordestinas, como observa Fausto Cunha, o vento, que é raro, sopra agouro de má expectativa, crença arrepiante sugerida pelo sofrimento crônico que somente dita desgraça, fatalidade, o que vem de longe, lá dos medos primevos dos nossos adões-índios, o minuano que tanto assustava a Bibiana de “O Tempo e o Vento”, de Erico Veríssimo. Bem assim, porque no bloco da existência mensurada pela consciência as transformações e os dramas das saudades e dos anseios são temas que esvoejam em recorrências de geração em geração, Lara Larissa, jovem cheia de esperança por um mundo melhor, estável em afeto de altruísmo na política sócio-econômica e humana propriamente dita, simboliza um passado singelo e parte em busca dele, para, em estupefação, encontrar uma cidade morta, como tantas outras por esse Brasil adentro e afora, por essas republiquetas sulamericanas ; cidade morta pelas espoliações, pela matança constante da galinha dos ovos de ouro – que não renasce como a fênix; como tantas outras... Todo memorialista rebusca o passado e só encontra escombros do que vivera, camada soterrada de uma arqueologia biográfica, baú de ossos do Pedro Nava. Sobre o tema, com mais contundência, o criador da expressão, Monteiro Lobato; mas também o encontramos em Humberto de Campos, além dos já citados Pedro Nava e Condé. Uma diferença capital entre “Vento do Amanhecer em Macambira” e “ATerra dos Sonhos Mortos”, é que, no primeiro, lavra de um escritor já firmado, fecha-se o estágio das buscas sentimentais de um nordeste submerso na saudade, de um tempo-vida que não é possível voltar, porque não mais existe, sucumbido nas circunstâncias danosas e na impiedade da ganância; enquanto no segundo encontramos a esperança trabalhada corajosamente no ritmo da perseverança obstinada da pedra mole em água dura, do malho em ferro frio, na certeza de que até o impossível pode transformar-se em possibilidade, especialmente quando se trata do comportamento humano, para o qual a sabedoria popular aplica brocardos como “o que aqui se faz, aqui se paga”, “quem semeia vento colhe tempestade”, “de tanto ir à fonte, um dia o pote se quebra”.
O estilo singelo como o de Saint-Exupéry em o “Pequeno Príncipe”, como o de Maurice Druon em “O Menino do Dedo Verde”, como o de Richard Bach em “Fernão Capelo Gaivota” e “Longe é um lugar que não existe”,segue, como esses autores, um fio condutor de idéias positivas, porém bem mais objetivas, saindo do pessoal da auto-ajuda para o social na perspectiva histórica renovável; o seu lirismo não se restringe ao saudosismo dos vencidos da vida, das vítimas sem remissão; vivendo a atualidade dos confrontos, dos questionamentos, das denúncias dos criminosos ditos do “colarinho branco”, tece uma trama de expectativa quando dos enfrentamentos do fraco com o forte circunstanciais, dos davis versus golias, a despertar o interesse do leitor para também entrar na luta que parece inglória, mas apenas parece. Um outro aspecto interessante é que o tirano de “A Terra dos Sonhos Mortos” nascera, como de hábito, do seio daquela gente calcada aos pés, era filho daquele meio, fora pacato e humilde, mas se transformara, pelo ódio, em sedutor vingativo. Como a hiena. Como o chacal. Como a raposa. Como o lobo mau.. Como certos artrópodes na configuração das fábulas em que o bom sofre e sofre, e o mau parece que sempre será o vencedor; parece, e o bem quase desvanece, mas no final definitivamente cresce.
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*Humberto Guimarães é membro da Academia Piauiense de Letras.
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