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Ensaios-->A ESCULTURA COMO FORMA E COMO SIGNIFICADO -- 09/11/2004 - 15:00 (ANTONIO MIRANDA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
ESCULTURA COMO FORMA E SIGNIFICADO

Antonio Miranda
Universidade de Brasília

In Memorian de Lygia Clark


Nota dos Editores: O texto a seguir foi escrito por Antonio Miranda em janeiro de 1993 mas é ainda inédito. Faz parte de uma série de estudos sobre Arte e Escultura que pretendemos publicar em edições futuras da página.
www.antoniomiranda.com.br ]


Formas no espaço. Volumes ao ar livre, linhas retas e curvas e o ambiente circundante.
Cresci contemplando esculturas. As criadas pelo engenho e arte dos homens e as produzidas pela natureza.
Humberto Eco discutiu, à exaustão, se a Natureza cria ou não objetos de arte. Independentemente da conclusão a que tenha chegado, é lícito reconhecer que é o homem, em sua dimensão contemplativa, que as identifica e enaltece. Antes do ato humano, são apenas matéria inconsciente. Um tal raciocínio antropocêntrico tem sua explicação virtual: a arte só existe para o homem e para a mulher, e os homens e mulheres não a captam de forma absoluta nem integral, muito menos homogênea, por mais que se oriente a compreensão do objeto artístico através de enquadramentos teóricos e históricos.
Em certa medida, a contemplação da arte é a deificação de objetos discriminados e o artista uma espécie de sacerdote erguendo totens votivos à apreciação humana, fazendo transcendentes materiais ineludivelmente efêmeros, sublimando matérias essencialmente banais. Porque, em última análise, um objeto de arte, enquanto tal, é apenas material circunstanciado, trazido de sua realidade própria para a realidade alheia, fantasiadora de sentidos, orientadora de novas apreensões, transgressora da imediaticidade das ações comuns.

O artista, assim entendido, é um alienado – e alienador – do imediato, do útil, do prático, ao tentar ampliar os limites do aqui e agora, ao pretender estender (ou dar) o significado às coisas que, em si mesmas, não têm significado algum.
Uma pedra é uma pedra, é uma pedra; uma rosa é uma rosa, apenas uma rosa, como nos ensina Fernando Pessoa. Que outras conotações e significações são possíveis e imagináveis? Todas!
As esculturas são transfigurações alucinadas, tridimensionais, concretas, da criação artística.

Nenhuma arte é bela, nenhuma arte é feia, sendo bela ou feia pela nossa capacidade de criá-la e, sobretudo, de contemplá-la, posto que não a fazemos para nós mesmos.
Adorava as esculturas de Max Bill, achava divertidas e lúdicas as peças móveis do Calder, admirava a singeleza do Brancusi. Lygia Clark e Oiticica me encantavam; aquela pelos seus “bichos” transformáveis em novas formas, este pelo seu geometrismo. Identificação maior com Amílcar de Castro, em virtude da simplicidade monumental de suas peças. Nada de rebuscamento: o barroco depurado à sua essência, apenas linhas ou volumes retos e curvos no espaço significante.
Escultura talvez seja apenas a invenção de formas no espaço, independentes dos significados que lhe queiramos dar.
Lógico: também existem as esculturas figurativas, representativas, como referências a pessoas, fatos e circunstâncias. Por que não?

Nunca perdi tempo com maniqueísmo do tipo: arte abstrata X arte figurativa, até porque toda arte é, em essência, figurativa. Existe algo mais figurativo do que as “nádegas” de Mário Cravo, junto ao Mercado Modelo, em Salvador, Bahia? Ele não as concebeu como nádegas, mas como volumes simétricos superpostos. Nem sei que nome deu a elas, são nádegas na fantasia libidinosa do homem baiano. É uma forma legítima de apropriar-se das obras de arte, dando-lhes nomes e atribuindo-lhes significados, sobretudo se são “públicas”.
Resulta estéril, e mesmo fútil, separar o significado da forma. A forma, na escultura, é o significado, não importa a sua intenção ou a sua literatura.
O exemplo é já recorrente: se três escultores se propõem a produzir esculturas sobre o tema “mãe” (ou pássaro, ou amizade, não importa qual), os três produzirão peças diferentes, com formas próprias embora o tema seja o mesmo. Qual delas será a melhor? Talvez nunca chegaremos a saber, a determinar – embora os exegetas das artes plásticas, os críticos de arte tenham metodologias próprias para enquadrar tais peças em escolas e estilos. Mas, para o que interessa aqui, independente da validade do objeto produzido, ele só existe enquanto forma única, diferenciada, independente.

Faço esta indagações desde menino. Sozinho, ou apoiado nos mestres. Em Kandinsky – que tentou desvendar o significado psicológico das formas e volumes enquanto linguagem e percepção; em Herbert Read, que pretendeu buscar o significado social da criação artística e, dentre tantos outros, Ferreira Gullar que tentou documentar a “evolução” da arte no tempo e na cultura, através de propostas e exemplos, revelando-nos tão somente “momentos” de sua criação. Ficou sempre a dúvida se tais “ismos” – conscientes ou não -, poderiam ser reordenados em outras cronologias, sem aceitarmos a questão dialética da arte como criação e contestação, recriação e acomodação. A arte como um contínuo, mas não necessariamente como uma evolução. A “história da arte” apenas como um capricho metodológico classificatório da criação ao longo do tempo, com a transformação cultural de suas propostas e intenções, com o desenvolvimento de suas técnicas e materiais, mas a matéria de que se nutre – a criação – sendo atemporal, por mais que se alicerce em valores sociais (e históricos). Sobretudo a arte contemporânea que é assimétrica, assistemática, não dogmática, livre de compromissos, por mais comprometidas e engajadas que pareçam ou pretendam ser os seus propósitos.
A escultura é coisificadora mais do que significante. Mesmo as esculturas efêmeras, instantâneas: só existem enquanto são, são corporificações de idéias no espaço e só têm significado na imaginação das pessoas!
Edifícios são esculturas, montanhas são esculturas, árvores são esculturas. Não necessariamente, mas até podem ser, se as compomos ou elegemos como tais.

Qualquer um de nós é um escultor, à medida que modelamos objetos, intencionalmente. Com ou sem talento. Daí a ironia de alguns artistas ao exporem ferros de engomar ou cadeiras quebradas.
E os artistas que “criam” com a natureza? O mestre Kraijcberg inspira-se em galhos e troncos retorcidos ou queimados dos nossos mangues, pregos e outras intervenções próprias sobre a matéria.

Há quem prefira as “ambientações”, os espaços integrais, em que o espectador se vê emoldurado pela criação do artista, em cenário próprio, autônomo, apto para despertar as nossas sensações próprias e sugestionadas.
Não importa a maneira, o que vale é a forma, a matéria da arte, e é sempre o homem a dar-lhe ou extrair-lhe algum significado, seja este figurativo ou abstrato.
Perdão: o significado, em última instância, será sempre abstrato ou virtual, enquanto abstração da realidade. O automóvel prensado ou o ferro de engomar pintado e exposto não é um ferro de engomar ou um automóvel, mas representa o ferro de engomar e o automóvel em uma nova circunstância, com todos os seus significados possíveis... A arte é sempre mágica, sempre transformadora, sempre ilusionista para os sentidos.
Sem pretender ir mais longe: a arte é o objeto de arte enquanto forma, diante de nós. O artista é um mago que cria objetos, ou os utiliza, para despertar a nossa fantasia. Não há vida sem fantasia, não há fantasia sem arte, não há vida sem arte.

Chácara Irecê, 2 de janeiro de 1993

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