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Ensaios-->Gil Vicente - Abismos em Movimento* -- 17/09/2004 - 16:47 (Lucas Tenório) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Abismos em Movimento - Mário Hélio*
(Revista Continente Multicultural)

O Pintor Gil Vicente é um perito em abismos. Não satisfeito em tornar-se virtuoso na difícil e irônica arte do retrato, volta-se para pintar o invisível, o sombrio, o insondável quase do subconsciente. Tudo o que há de subterrâneo numa cabeça humana, a mais intrigante das formas inventadas. As suas figuras já são de há muito almas inquietas, como rostos sempre revistos por dentro.

Se as cicatrizes que rasuram as lousas das máscaras-máquinas sensíveis que são os rostos humanos, ele faz o seu abismo cada vez mais em movimento e afina o seu traço para riscar, poluir, manchar, submeter as suas imagens a todos os choques e estremecimentos possíveis. Encontra o novo a partir dos elementos aparentemente mais comuns. Por isso, é tão fácil dar razão ao crítico Mario Praz (escrevendo sobre Dannunzio): “ A originalidade de um artista consiste na ruptura das associações mais óbvias”.

Escapando da necessidade fácil de agradar, o artista não teme os seus horrores. Nem busca ser um facilitador de caminhos. Nunca foi um iconófilo, porque desde o fascínio que exerce sobre si a figura, especialmente a humana, quase que naturalmente rumou para uma sutil iconoclastia. E com isto vem fazendo uma arte a cada exposição mais complexa. Se é possível falar ainda numa anatomia de alma e melancolia como se fala do corpo, o rosto é o território privilegiado disto. Sobretudo da solidão e da agonia. Da inquietação humana, mesmo disfarçada em mimese.

Uma cabeça pode ter cada uma de suas partes perfurada, amputada, mutilada, deformada. O nariz, a língua, o pescoço, os dentes, os cabelos, as orelhas, os lábios - nada fica em estado puro ou intacto. Homens e mulheres, como à diferença dos deuses que amam para formar, adoram deformar-se e reformar-se.

Em nenhuma época, como no século passado - era por excelência das imagens - o corpo e o rosto viveram mais como objeto de culto e transfiguração. O engano, entretanto, seria pensar que essas reinvenções do corpo humano são típicas ou principais das culturas urbanas ocidentais do final do segundo milênio. Seja a transfixação ritual da língua pelos maias, ou de laceração na Índia, ou amputação da úvula no Chade, perfuração das bochechas na Síria, ou até a excisão de narizes, lábios e orelhas praticada pelos mochicas, a insatisfação dos humanos com seus rostos é assunto que já resultou em livros e mais livros. Tudo terá um sentido ritual ou de simples ornamentação? Neste mundo não há nada simples, acudiria logo um escritor perito em fantasmagorias. A arte é pródiga não em desvendar a realidade, ou facilitar a leitura do mundo, mas penetrar as suas entranhas, os seus abismos.

Se abismo atrai abismo, o da pintura abraça o da poesia. O livro Pampa Pernambucano, que a poetisa gaúcha Beatriz Viégas-Faria lança no próximo mês, foi motivado pelos quadros de Gil Vicente que ela viu através de imagens indiretas (em vídeo, principalmente). Num depoimento exclusivo, o artista fala de sua formação, as obras, o mercado de arte e, completando-o, os ensaios de Agnaldo Farias e Anco Márcio Tenório Vieira.


Entrevista

A cabeça, o rosto

Sendo o meu interesse maior a figura humana - mesmo quando não está presente, o interesse é ela, inclusive nas paisagens e naturezas mortas - sei que não são o tronco e os membros os símbolos principais da representação. A cabeça é que contém uma quantidade maior de signos que identificam a representação facilmente, além de reunir todos os sentidos.
Fazendo uma leitura mais psicológica, penso que o meu interesse era a descoberta da identidade. Você também vê a identidade muito mais no rosto do que na mão, ou num tórax. Para eu descobrir a minha identidade e descobrir a identidade do outro. Visto no panorama da arte, o retrato do rosto, a representação da cabeça é um tema que perpassa toda a história. É um tema clássico da pintura, que foi usado em todos os momentos.
Quando fui para Paris, uma das coisas que mais me interessaram foi ver no Louvre e em outros lugares aqueles retratos que se faziam no Egito para colocar no embalsamento dos mortos. Eram retratos somente da cabeça, no tamanho natural, feitos em encáustica. Essas pinturas mexeram comigo. Foi no começo da década de 80 quando eu estava na França, e acho que eles foram um empurrão no meu interesse pelo retrato, porque voltei de lá muito impressionado.

Origem e formação

Eu sempre tive atração pelo que é comum. Minhas referências todas são pernambucanas. Mas sei que a formação em Pernambuco está há muitos anos com um déficit terrível. A gente está sem bacharelado há mais de vinte anos, e sem escolas particulares de arte. A formação se dá no contato com outros artistas, em pequenos cursos, por vias indiretas, em locais como a Escolinha de Arte do Recife, como foi o meu caso e de muitos outros artistas, José Patrício, Flávio Gadelha, que passaram por lá também.
Quando eu viajei a Paris, em 80 e 81, eu já estava completamente impregnado com as informações daqui, porque comecei muito novo e o que eu via no Recife era muito mais os trabalhos de Brennand na rua, os painéis, as exposições dos artistas daqui de Pernambuco, José Cláudio, Guita Charifker, os poucos Vicente e Cícero dos nossos museus. Tudo isso foi me deixando marcas muito fortes. O mais comum na produção pernambucana era a representação da figura, e havia também a minha inclinação pessoal pela representação da figura.

A Representação

O desenvolvimento do meu trabalho está centrado no emaranhado das questões que envolvem a representação da figura humana. Mas não no emaranhado técnico para essa representação. Nunca trabalhei com uma técnica diferente, inédita, nem procurei fazer pesquisas de novos suportes técnicos. A minha exposição recente, por exemplo, é mais uma afirmação disso. As técnicas que eu uso são comuns. Ou é nanquim sobre papel, carvão sobre papel. Eu não misturei carvão com nanquim, ou com óleo, eu não fiz nada disso. É o básico, normal. Minha pesquisa está mais direcionada para a linguagem, o conceito e o conteúdo da representação do que para o meio que uso. Tenho uma atração muito particular também pelo exercício de contenção, de depuração, de pobreza. Eu quero conseguir sobreviver no mínimo e no comum. São desafios que a gente se coloca. Você só cria com desafios. Será que com nanquim sobre papel ou carvão sobre papel eu posso fazer um trabalho que ainda desperte algum interesse? Ou eu vou precisar estar usando novidades tecnológicas para me comunicar, para poder ter um diálogo com as pessoas através do trabalho. Até a forma que uso para exibir o trabalho é comum. Eu poderia estar imaginando instalações muito diferentes para esses trabalhos e tal, mas faz parte da magreza, da enxutez do conceito o uso de materiais e meios comuns.

Idéias ruins

Não faço muita pesquisa de suportes e materiais diferentes porque tenho a tendência muito grande de cair no efeito pelo efeito. Tenho que ficar me vigiando constantemente para me defender contra os 'achados', e para me defender, sempre, contra as idéias ruins. Quando a gente vai trabalhar, a primeira coisa a fazer é se livrar das idéias ruins que vão chegando. Se você se livrar pelo menos das oito ou dez idéias ruins que chegam antes, você já depurou alguma coisa. Para isso eu procuro não me distrair com o efeito novo, com o suporte novo.

Isolamento da figura

Acho que pinto principalmente, não diria a solidão, mas o isolamento da figura. Eu tenho um interesse muito grande em investigar essa dificuldade do ser humano em interagir. Tanto que, em raríssimos quadros meus aparecem mais de uma figura. Como já observou Beatriz Viégas-Faria, mesmo quando aparecem mais de uma figura, elas estão separadas por um espaço físico no quadro ou estão separadas por um espaço psicológico. Ou o encontro pode ser momentâneo, como ela observou no desenho 'A visita', que tem um homem e uma mulher juntos, mas por pouco tempo. É uma visita.

Medo do inédito

Eu fui problematizando as questões plásticas e as de representação. Nos trabalhos atuais existe uma discussão formal muito maior sobre a utilização do espaço, composição, valores, etc.
Não houve um desenrolar linear entre uma representação mais direta e outra que foi problematizando essas questões. Houve uma sofisticação no modo de abordar a figura. Desde o começo meu trabalho sempre foi muito variado. Procurei percorrer todos os caminhos de representação que me atraíram. Mas os temas e os caminhos também são comuns. Eu nunca procurei uma forma de representar inédita. Tenho muito medo do inédito, da inovação. Prefiro partir do que já está pronto.

À beira de uma crise

Na arte contemporânea não existe barreira a nenhum procedimento técnico, a nenhum suporte. É tão válido o uso de uma instalação em vídeo quanto um desenho ou uma performance. Isso é uma conquista madura da arte contemporânea, que cada vez privilegia menos os modismos.
Tecnicamente, acho que o meu trabalho se insere na produção contemporânea. Talvez tenha uma coisa que o singulariza: a atmosfera pesada, melancólica. Existe um clima melancólico, mas não é nenhuma melancolia especial, e sim uma melancolia prosaica mesmo, do cotidiano. Como o meu normal como pessoa tende para a melancolia, e estou sempre próximo a uma crise, à beira de uma crise, eu acho que isso passa para o trabalho.

Horror ao estilo

Eu sempre fui muito contido com a cor. Minha paleta clareou por um tempo, alterou alguns registros, mas eu sempre sou atraído, quando crio, pelo escuro e pelo sombrio. Mesmo nas cores quentes, a coisa nunca é tão exacerbada. Na minha relação com a produção popular, a mesma atração que eu tenho pelas figuras esculpidas ou gravadas em madeira, eu tenho pelo tratamento das cores, com interesse especial pela geometria colorida. Acho que é uma produção muito singular e difícil de ser encontrada, com essa vocação para a cor, em outros lugares do Brasil além do Nordeste. É uma sabedoria intuitiva muito grande.
Eu tenho horror à palavra estilo. Tudo que se parece com a configuração de uma marca pessoal me estremece. A minha auto-imposição a uma enxutez é muito mais motivada por uma tentativa de anulação da autoria do que por uma tentativa da elaboração e configuração de um estilo e de uma marca. Quando desenho, fico com a preocupação de me ausentar do trabalho. Como se eu tivesse que depurar a ponto de me ausentar. Eu acho que o estilo, se tiver de ser reconhecido, deve ser o sotaque, o que você não conseguiu evitar de jeito nenhum, o resquício de você no trabalho, e não o que é feito propositadamente para ser identificado como estilo. Disso daí é que eu estou fora mesmo.
Nessa série de desenhos que desenvolvi nos últimos três anos, percebi como era forte a minha preocupação de localizar e tentar destruir todos esses focos maneiristas na representação da pintura, todos esses focos que pudessem identificar o meu modo de representar a figura. É a tentativa de destruir isso. Dentro desses desenhos de cabeças, no leque que se abre de modos de representar a figura, de variações de caminhos de representação da figura, está contida uma preocupação de destruir a autoria. E uma tentativa de me aproximar e dialogar com o involuntário (sabendo o risco que existe aí também). Está implícita nessa série de desenhos uma discussão a respeito de autoria, de estilo, do que é feito conscientemente e do que é feito sem querer, sem intenção, sem pretensão. Me interessa muito discutir isso, porque muda muito a caligrafia quando existe uma intenção.
Nos últimos dez anos, cresceu muito o meu interesse por trabalhos que divergem do meu. Quero ver caligrafias diferentes e perceber como outros artistas escolhem e resolvem diversos problemas de criação. A minha relação com a produção popular também é muito disso. Ela está impregnada de intuição, às vezes tão somente de intuição plástica, que não há nenhuma interferência de pretensão. Como existe na produção também de crianças, de doentes mentais, existe na produção popular. Ou então, a pretensão da pessoa está tão equivocadamente descolada que o resultado é maravilhoso. Isso me interessa muito.

Pintura e desenho

Na produção contemporânea não existe mais o que é um bom desenho, um mau desenho, uma boa pintura, uma má pintura. Também não existe a necessidade da pessoa saber desenhar para pintar. Digo que se compreendeu, no século 20, que os valores não residem aí, na capacidade de copiar, no adestramento da mão para o desenho ou para a pintura ou no conhecimento técnico. O que importa é o conceito do trabalho, a inteligência do trabalho, a expressividade. Tudo o mais é supérfluo. A arte aprofundou muito a discussão sobre ela mesma; e muitas vezes, certos trabalhos só sobrevivem artisticamente porque são 'mal feitos'.
Apesar de eu ter escolhido um caminho de formação de aprender a desenhar, aprender a pintar a partir do natural e tal, eu não defendo isto de jeito nenhum. Principalmente como o único caminho. O leque é abertíssimo e nada disso tem importância capital.

O público e os códigos

Vale tudo em termos de arte. Mas, o trabalho precisa ser um golpe, realmente. Um golpe de inteligência, de expressão. E pede do espectador a mesma coisa. Os teóricos discutem a arte e estudam os artistas; os artistas se esforçam muito para se renovarem, para renovarem os meios expressivos, seja revalidando meios ou criando meios novos. O público precisa acompanhar isso. Porque você só estabelece uma relação a partir de certos códigos, de assimilação. Se os códigos de confecção estão sendo alterados, o público precisa mudar os de assimilação e de relação com essa produção. Você não pode julgar um trabalho de arte contemporânea assim: 'O que é que ele quis dizer com isso? O que é que ele quis pintar com isso? Isso está mal pintado ou bem pintado?' Vamos renovar, vamos nos esforçar também para ter uma presença inteligente diante do trabalho. Porque o trabalho pode ter uma presença inteligente diante de você, e se você não tiver o que conversar com ele, vai sair de lá vazio. E por favor não bote a culpa no trabalho!
O público tende a preferir um trabalho porque o código que ele tem é antigo. E é assim porque o nosso país não formou esse público para que ele tivesse acompanhado e assimilado esses outros códigos. Isso vem sendo reparado com um número maior de exposições e publicações.

Mídia

Grande parte do público também confunde fama com prestígio. Uma coisa é horas de mídia, outra é reconhecimento artístico. Sair na revista Caras é apenas mídia, não é reconhecimento. Na cultura tem picaretagem como nas outras áreas profissionais. O importante é que as instituições que avalizam e legitimam artistas e obras sejam sérias. O trabalho de muitos artistas 'famosos' está longe dessas instituições, mas pode aparecer freqüentemente nas TVs mundanas. Na mídia mundial, não só na brasileira, há uma distorção de valores em função da indústria cultural. Poucos brasileiros conhecem, por exemplo, o trabalho de Cildo Meireles ou Lígia Clark, artistas que mereceram exposições organizadas e apresentadas por instituições seríssimas da Europa e dos Estados Unidos.

Instituições e galerias

Já tivemos aqui em Pernambuco um número maior de galerias particulares que comercializavam obras de arte. Hoje são poucas. Em compensação a gente está com um número maior de espaços públicos e uma melhor qualidade da ação institucional, no cenário das artes plásticas do Brasil e de Pernambuco. Eu destaco o setor de artes plásticas da Fundação Joaquim Nabuco, que tem analisado nosso circuito e proposto programas de apoio à formação, exibição e reflexão.
Uma galeria de arte, hoje em dia, além de vender, tem o papel essencial de representar o artista. Ela precisa estar conectada com as outras galerias do país do exterior e participando de feiras internacionais, levando os artistas que ela representa (hoje não é utopia pensar em mercado internacional). Ela precisa apresentar os artistas que representa a críticos e curadores, possibilitando sua inclusão em exposições importantes. Quer dizer, ela é a ponte entre os artistas e sistema artístico, e tem que fazer isso muito bem.
A galeria tem que estar bem equipada tecnologicamente, ter bom espaço, boas assessorias e uma disposição de investimento muito grande. Porque vai depender também da atuação dela a valorização do artista. Ser apenas vendedor de arte é bem mais fácil. Mas o que a gente encontra com facilidade no Brasil são os tiradores de pedido. Tirar pedido é fácil demais: 'Olhe, faça mais três quadros daquele vermelho e dois do amarelo.' Precisamos de galerias que participem da administração da carreira do artista.
Como isso não acontece em Recife, é até difícil de acontecer de forma profissional mesmo em São Paulo, todas as obrigações, providências e tarefas recaem sobre os ateliês dos artistas. E o público não imagina a mão-de-obra que é. Se houvesse uma galeria que centralizasse a divulgação de dez artistas, outra de mais dez, com perfis adequados à atuação do marchand, a carga para os ateliês iria diminuir bastante. E o artista reservaria o melhor do seu tempo para a pesquisa e criação das obras, que é a parte que lhe cabe.

Ateliê, mercado, coleções particulares

As pessoas têm a idéia de que o artista só fica criando, e aí chega o representante de um museu muito importante no ateliê e diz 'Olhe, eu vou comprar suas obras e vou fazer uma exposição sua'. As coisas não acontecem exatamente assim. A gente se envolve com tudo e é responsável por muita coisa. Além do mais, o artista plástico é uma figura profissional muito mal retribuída, porque ele só ganha dinheiro quando ele perde a obra, quando a obra deixa de ser dele. E isso vai acontecer uma vez só para cada obra. Ele não ganha porque exibe o seu trabalho, e só raramente recebe honorários por ceder imagens para reprodução. As instituições brasileiras começam, felizmente, a pagar cachês de participação para os artistas nas exposições, porque afinal de contas o ateliê investe muito dinheiro para que aquela obra esteja sendo exposta.
No Recife, o melhor local para se ver o trabalho de um artista é o seu ateliê. É o lugar que tem mais trabalhos para serem vistos e comprados. Isso não é bom para os artistas, que acumulam funções e incham a estrutura do ateliê para incluir atendimento e contatos, nem para o sistema, que fica funcionando deficientemente.
Precisamos de galerias inclusive porque se vende muita arte pernambucana em Pernambuco, e temos colecionadores fiéis. É assim em todo o mundo: os artistas locais vendem mais porque são os conhecidos da comunidade. O setor de artes plásticas tem essa reserva natural de mercado. O maior colecionador de Samico, hoje, é pernambucano, e isso é importante para o estado, para o colecionador e para o artista, principalmente sabendo-se que sua obra está sendo bem conservada, como é o caso. Temos muita coisa boa de Cícero Dias, de Vicente do Rego Monteiro e de outros artistas nas coleções privadas.

Coleções públicas

É lamentável que ainda não se tenha feito um levantamento dessas coleções particulares em Pernambuco. Muitas obras poderiam ser vistas por mais gente e ser paqueradas por instituições públicas locais através de acordos de levantamento, catalogação e conservação das obras em troca de um contrato de comodato por alguns anos. Se as instituições locais não tiveram, nos últimos 100 anos, a esperteza - não digo nem a sensibilidade - de formar acervo dos pernambucanos, corram para reparar essa lacuna.
O estado e a cidade deveriam ter, cada um, pelo menos 30 obras excelentes de cada nome importante da arte pernambucana. O investimento seria mínimo se tivesse sido feito no tempo certo. E pra quê? Para possuir uma coleção valiosa? Não! Para dar identidade a seu povo. Se não fizeram antes, que pensem programas para fazer agora com as gerações que estão produzindo. Museus sem acervo e sem produzir eventos originais não têm poder de barganha. Penso que o MAMAM, que já ganhou estrutura de museu e fez um bom trabalho, deve produzir, por exemplo, uma ótima retrospectiva de José Cláudio, acompanhada de um livro completo e bem editado. É preciso também aprender a produzir seus próprios eventos.

Vocação e insistência

Eu sempre me lembro de uma frase de Brennand, que eu acho ótima, 'a diferença de quem é artista para quem não é artista, é porque o artista insistiu'. Principalmente hoje em dia, isso é muito real. Porque, como conversamos, não há necessidade de a pessoa ter talento para o desenho, ou de ter a capacidade de pintar e representar o real, não precisa existir esse talento. O que precisa existir é reflexão prática e teórica, para provocar as conexões e a inteligência do aluno.
E eu acho que isso se ensina, sim, através do confrontamento de obras, da análise de idéias, das visitas comentadas a exposições, e discutindo a produção que esses alunos estão fazendo. Isso é o que eu penso ser o papel essencial que um bacharelado, que está sendo prometido há vários anos e está sendo muito adiado. Eu acho que é de suma importância a volta do bacharelado, e que se instale um curso atualizado, que conte com a experiência de teóricos e profissionais destacáveis no estado e no país. Precisa haver essa ponte entre a universidade e a produção atual para que se desenvolva um programa de formação ampla. Sem o curso, as pessoas que se voltam para as artes plásticas, atualmente, têm que procurar particularmente os artistas mais experientes. E esse acompanhamento é feito em Pernambuco de forma graciosa e natural. Eu fui recebido, nos anos da minha formação por vários artistas nos seus ateliês, e tive meu trabalho olhado e comentado, com toda a honestidade, por eles, aos quais sempre agradeço muito. Hoje em dia faço o mesmo com outros artistas que estão começando.


Nota biográfica resumida

GIL VICENTE Vasconcelos de Oliveira
Recife, 1958
Vive e trabalha em Recife

Estuda diversas técnicas de desenho, pintura e gravura na Escolinha de Arte do Recife (1972-77) e desenho e pintura nos ateliês da Universidade Federal de Pernambuco (74-77). Recebe, em 1975, o 1º prêmio no Salão dos Novos, no Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco. Participada fundação da Oficina Guaianases de Gravura, em 1978. No mesmo ano, realiza sua primeira mostra individual em Recife, com pinturas, desenhos e gravuras, na Galeria Abelardo Rodrigues. Estuda em Paris como bolsista do Governo Francês (80-81). Recebe o Prêmio MEC/FUNARTE no Salão de Artes Plásticas de Pernambuco em 1981. Participa do Panorama da Arte Atual Brasileira, no MAM-SP, em 1984. Integra a equipe que idealiza e publica, em 1988, o jornal Edição de Arte. Viaja aos Estados Unidos, em 1989, a convite do Governo Americano. Participa do Atelier Coletivo, em Olinda, onde faz xilogravura sob a orientação de Gilvan Samico (89-93). Sua exposição individual Desenhos é apresentada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1999, prosseguindo viajem de três anos por diversas instituições brasileiras como os museus de arte moderna da Bahia e do Recife e o MAC do Rio Grande do Sul. Inicia trabalho em fotografia, registrando pinturas e desenhos de rua, com o qual participa da III Bienal de Artes Visuais do Mercosul, em Porto Alegre, em 2001. Participa da 25ª Bienal Internacional de São Paulo, em 2002. Realiza a individual Alheio no Centro Cultural de São Francisco, João Pessoa, no NAC/UFRN, em Natal, no Museu Metropolitano de Arte de Curitiba, na Galeria Espaço Universitário - UFES, Vitória, e no Instituto de Arte Contemporânea, em Recife.(2002/03).
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Fonte: http://www.gilvicente.com.br/









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