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Ensaios-->Tecnologias e políticas educacionais: novos valores, outros -- 24/08/2004 - 10:52 (gilberto luis lima barral) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Tecnologias e políticas educacionais: novos valores, outros sujeitos.

As transformações tecnológicas ocupam um lugar central nos debates em educação. Do lado radical dos defensores das novas tecnologias há a crença de que os recursos tecnológicos por si só podem proporcionar novas maneiras de pensar e agir, transformando as ferramentas e as técnicas no núcleo do processo educativo. Do lado das pedagogias voltadas para os conhecimentos humanistas e universais, orienta-se o foco para o ensino de maneira tradicional, centrado nos conhecimentos dos professores, nos conteúdos; do lado mais radical, esse modelo é conduzido por técnicas tradicionais e convencionais. Discutir e implementar políticas educacionais no Brasil é sempre tarefa das mais demoradas, pois envolve, de um lado, longos posicionamentos paradigmáticos a enrijecer os fronts pedagógicos; e, na outra ponta, a conduta e o trâmite burocratizado da máquina estatal. Os dois modelos de educação citados, um tendo como pressuposto a utilização de novas tecnologias e o outro se ligando a técnicas tradicionais, no caso brasileiro, e principalmente no ensino público, jamais são conduzidos de maneira efetivamente razoável pelo sistema educacional. Em última instância, as mãos fortes do Estado acabam por impor suas práticas institucionais históricas carregadas de valores desconectados da realidade social, econômica e cultural.
O objetivo deste trabalho é discutir as novas tecnologias na educação, ou melhor, a ausência dessas novas ferramentas pedagógicas nas escolas e no processo de escolarização encaminhado pelas políticas públicas. De início, afirma-se que as tecnologias, sejam tradicionais ou inovadoras, como dados sociais, como fenômenos sociais, são portadoras de valores e significados que atuam sobre os sujeitos. Na relação que os seres humanos estabelecem com as tecnologias, essas agem sobre os indivíduos por meio dos novos valores que trazem, e dos modos de percepção que avivam e exigem nesses indivíduos. Pensando o espaço das escolas públicas brasileiras onde a utilização das novas tecnologias se faz de maneira acanhada e medíocre, pode-se afirmar que, nesse sentido, o processo educacional promovido pelas políticas públicas de ensino está em dissonância com a realidade social, econômica e cultural, na qual a informática e os computadores têm se generalizado, impondo-se aos indivíduos, arrastando-os a uma utilização massiva de recursos informacionais digitais. Nessa nova realidade da cultura da cibernética, de novas práticas socais midiatizadas, surgem a necessidade e a perspectiva de um novo logos pedagógico ; e as escolas públicas se inseridas nessa nova dinâmica, efetivariam possibilidades diferenciadas de educação, que se abrem com a introdução e o desenvolvimento promovidos pelas novas tecnologias. Atualizando os atores do espaço escolar nos conhecimentos e possibilidades advindos dessas transformações tecnológicas.
De um certo modo, em termos de discurso, o Estado tem enfatizado o potencial educativo das novas tecnologias da informação. Na realidade, no entanto, o modelo da educação pública brasileira, no que diz respeito a novas tecnologias, tem promovido um verdadeiro fosso pedagógico, fazendo emergir o que alguns pesquisadores têm conceituado como analfabetismo informacional . Assim, ao se colocar à margem no processo sócio-cultural, onde as novas tecnologias são exigidas, o processo de escolarização pode condenar os alunos a não desenvolverem essas novas linguagens midiáticas. Sobre esse analfabetismo computacional afirma MARQUES (1999:45): “assim como aconteceu com a forma da linguagem escrita retroagindo sobre a oralidade e exigindo certa forma de educação escolar, também as formas em que as novas tecnologias se articulam as linguagens certamente transformam a oralidade e a escrita e colocam desafios outros à educação escolar”.
Ainda, a ausência do computador nas escolas públicas denuncia um valor de negação da participação dos alunos em todos os espaços sociais, em condições atualizadas de participação, de cidadania. O Estado negando o acesso às novas tecnologias desperta nos alunos uma valoração de negatividade. Daí, muitas vezes, alunos tidos como apáticos e desinteressados, estarem, na verdade, refletindo, apenas um processo de escolarização onde circulam valores desconectados do mundo real, da nova sociedade informacional, ou valores desinteressantes para eles. Duas recentes pesquisas, uma da UNESCO, encomendada ao IBGE e apresentada em um noticiário da Rede Globo de Televisão, no dia 26/06/2001 e outra produzida por alunos da Faculdade de Educação da Universidade Federal De Minas Gerais, e afixada em um dos murais da FaE/UFMG, no 2º semestre de 2000, apresentam o desinteresse como um dos problemas principais da educação. É o que ouvimos também dos professores nos corredores escolares e reuniões. Os dados que mostram índices, coisas, devem também servir à reflexão. O desinteresse como um dos problemas centrais não seria reflexo da irrealidade da estrutura escolar face à realidade socio-cultural?
Desde os anos 1980 que se tem implementado no país uma política de alfabetização em massa das populações do campo e da cidade, tanto no ensino regular como no ensino especial e EJA. É um esforço definitivamente encaminhado. No campo, por exemplo, muitas crianças não precisam mais andar uma ou duas léguas para chegarem a escola: os sistemas de lotação ou ônibus, embora precários, têm realizado o transporte dos alunos; o “passeio” nos veículos, até a escola, já é um atrativo aos pequenos estudantes. Alguns poucos projetos, aqui e ali utilizam a televisão, o rádio ou a internet para levarem a educação a lugares distantes. Os programas tipo bolsa-escola incentivam os pais a manterem os filhos estudando. Vários são os avanços conseguidos. No entanto ao pensar a educação, deve-se relacioná-la ao contexto social adjacente; deve-se pensar sobre a qualidade desse modelo de educação também da perspectiva do que foi ou esta sendo implementado em termos dos equipamentos e ferramentas pedagógicas e educacionais. Neste caso aqui, em equipamentos das novas tecnologias, de computadores e acesso à internet que estão sendo disponibilizados para as escolas públicas, face à crescente realidade e utilização da informática no cotidiano. Face também ao enorme potencial que abre para a educação à partir da utilização da informática. Além do que o pano de fundo do mercado de trabalho que exige a todo instante novas habilidades com as novas tecnologias.
Como se sabe a educação, como instituição social, produz e reproduz modos de agir e de pensar; sendo assim uma das importantes instituições sociais na construção das identidades coletivas e individuais. A aprendizagem dos modos de viver em sociedade, segundo DURKHEIM (1966: passim), se dá a partir da inculcação de normas e valores sociais, sendo a educação um dos lugares centrais desse processo. No processo de escolarização os alunos, através da repetição de uma série de tarefas, apreende as primeiras regras sociais. Os valores que são transmitidos pelas práticas educativas têm um profundo efeito sobre os comportamentos e as representações desenvolvidas pelos indivíduos. Na infância, adolescência e juventude, esse processo de socialização , pela escolarização, se dá de forma mais intensa. No processo de construção de suas identidades as crianças e os jovens encontram-se inextricavelmente, de forma positiva ou negativa, com o processo de escolarização. Sendo assim, a escola, ao retirar a criança e o jovem da vida social e inseri-lo em práticas desgarradas da realidade, ganha espaço central na formação de determinadas percepções nesses indivíduos. E no caso hoje, de um processo de escolarização, pelo sistema de ensino público, desconectado das práticas informacionais, com escolas sem acesso às novas tecnologias frustrando todo potencial educativo que emerge dessas máquinas; frustrando possibilidades de transformações radicais nas práticas educativas, tanto em seu aspecto pedagógico, quanto na produção de novos modos de conhecer a realidade, de maneira crítica, participativa e criativa. As possibilidades advindas das novas tecnologias, das conexões em rede trazem novos modos de se praticar educação. Assim como na utilização de técnicas tradicionais vêm surgindo algumas premiadas releituras e revitalizações em vários projetos pedagógicos.
As pedagogias e os governos, em geral, insistem em afirmar a educação escolar como espaço social inicial primordial de construção de cidadania, de dignidade e de formação técnico-científica. Contudo práticas escolares cotidianas nas instituições públicas de ensino, nos níveis de ensino fundamental e médio, no que diz respeito ao acesso ou disponibilidade de novas tecnologias, computadores, softwares e outros aplicativos aos atores das escolas, negam essa perspectiva. De um lado as escolas, no seu interior burocratizado e hierarquizado, não promovem a discussão deste assunto. De outro o Estado que, aproveitando a não discussão no espaço escolar, continua em sua letargia e ingerência nos projetos que prevêem melhorias e atualizações técnicas e tecnológicas para as escolas públicas. Ao pensarmos a educação e sua relação com as novas tecnologias abordamos por dentro o problema da qualidade e da realidade do ensino público no Brasil. O rol de perguntas talvez obstruísse de saída qualquer pesquisa. Mas se perguntássemos apenas quantas escolas tem computadores, softwares e rede de internet para seus alunos e como elas os disponibilizam para eles, tocaríamos já o problema da qualidade da relação das políticas públicas de ensino com a educação.
Quando se fala hoje de tecnologias na educação, muitas pessoas tendem a pensar este termo associando-o à informática, mas a história da educação compreende um conjunto maior de técnicas, desde as mais antigas e tradicionais às mais modernas e inovadoras. As tecnologias educacionais, tanto as tradicionais quanto as modernas, servem às várias perspectivas pedagógicas, não tendo uma preferência sobre outra, ou mesmo uma técnica não excluindo outra. A orientação aqui trabalhada compreende os termos tecnologia e técnica numa mesma raiz do verbo grego “tictein”, que significa criar, produzir, conceber, e neste sentido a tecnologia é sempre depositária e transmissora de valores sociais, culturais, ideológicos. No caso das novas tecnologias são valores como rapidez, intensidade, interatividade, descentralidade, heterogeneidade, previsibilidade que estão a operar-se, nestes novos contextos informacionais.
Segundo a autora Carina Gabriela Lion a técnica compreende não apenas as matérias-primas, as ferramentas, as máquinas e os produtos, como também o produtor, um sujeito altamente sofisticado de onde se origina o resto. Nesse sentido declara Lion, (1997:25): “para os gregos, a técnica [techné] tinha um significado amplo. Não era mero instrumento ou meio, senão que existia num contexto social e ético no qual se indagava como e por que se produzia um valor de uso. Isto é, desde o processo ao produto, desde que a idéia se originava na mente do produtor em contexto social determinado até que o produto ficasse pronto a techné sustentava um juízo metafísico sobre o como e o por que da produção”. Dessa perspectiva ao se tratar da tecnologia na educação vê-se que esta não pode consistir apenas de inovações tecnológicas, mas também das técnicas convencionais, num fazer dialógico, que englobe todo fazer pedagógico. Do lado das novas tecnologias, contudo, estas surgem prenhes de possibilidades pedagógicas, em condições suis generis de atualização de propostas de ensino e aprendizagem criativas, participativas, humanistas.

Daí a importância do Estado estar conversando com a escola, através de políticas discutidas e desenvolvidas publicamente. Aqui surgiria já uma primeira e importante questão que seria a percepção do conceito de tecnologia educacional nas políticas governamentais. Ou seja, numa perspectiva tomada em Durkheim perceber como tem sido o diálogo do Estado com a sociedade, ou como o Estado tem representado a questão das novas tecnologias na educação. Aqui guiado por Durkheim temos que embora o Estado abra foros de diálogos com a sociedade, acaba por impor uma conduta. Um breve olhar sobre as escolas públicas mostra uma forte tendência do Estado na utilização de ferramental tradicional, quando não obsoleto ou anacrônico. Sendo que poucas são as escolas que disponibilizam novas tecnologias aos seus alunos, a seus professores, conforme breve citação de dados. Os poucos computadores que algumas escolas possuem são utilizados prioritariamente no serviço administrativo; e quando há algumas destas máquinas, são sempre em número reduzidíssimo. Não existe pessoal preparado tecnicamente para lidar com a pedagogia que as ferramentas exigem. Neste ponto não basta apenas o governo e as pedagogias insistirem no discurso do potencial educativo da informática. É preciso equipar as escolas; depois “ao enfatizar o potencial educativo das novas tecnologias da informação o governo deveria assistir de maneira mais eficaz os profissionais da educação responsáveis pela tarefa de colocar em práticas essas ferramentas de maneira educacionalmente apropriada, culturalmente inteligente e socialmente responsável”.
Abordar o tema das novas tecnologias na educação pública nos conduz a uma problematização da relação ensino-aprendizagem. Alguns autores (PRINSLOO: 2002; FEILITZEN: 2002) entendem que uma educação crítica, participativa, de “qualidade” deve considerar as inovações tecnológicas como ferramentas a serem utilizadas pelos professores e alunos para um melhor e maior desenvolvimento cognitivo do aprendiz. Na relação interativa que os usuários estabelecem com as novas tecnologias outras formas de percepção, de racionalidades são postas em andamento. Os computadores, a Internet e o ciberespaço “oferecem aos estudantes a oportunidade de se tornarem produtores de seus próprios produtos culturais (arte, música, escrita), em vez de serem simplesmente consumidores ativos ou passivos dos produtos da informação e da cultura global”.(KENWAY: 1998:104). Nessa perspectiva algumas pedagogias depositam investimentos no aprendizado e num modelo de ensino que tome o professor como um orientador e não mais como o direcionador do saber. Porém pode-se pensar em muitas dificuldades e debilidades de muitos professores em operarem as novas tecnologias, face às novas demandas culturais esboçadas pelos alunos. De qualquer modo, o papel da educação é estar preparado para estes desafios, principalmente, na educação pública para a busca de construção de sujeitos conscientes, que possam ocupar em condições igualitárias e cidadãs, os espaços institucionais e públicos.
Traçando um breve e necessário contraste com alunos de escolas privadas, que têm acesso às novas tecnologias em vários espaços e tempos, em várias disciplinas, dentro e fora do espaço escolar institucionalizado, alunos da rede pública de ensino têm contatos dificultados pelas próprias condições sócio-econômicas. Não se quer dizer, no entanto, que alunos de escolas públicas não tem acesso a computadores, não é este o caso, afinal, estes alunos transitam por outros espaços sociais que não apenas sua escola. Através de contato com alguns outros colegas, de outros lugares, familiares e parentes pode-se tomar contato com os recursos da informática. O que se afirma como contraste aqui é a qualidade do acesso e a disponibilidade de equipamento. Alunos de escola privada tem acesso através de redes ADSL; em escolas públicas o acesso, muitas vezes, ainda é por linha telefônica, o que diminui a qualidade da conexão e aumenta os custos para a escola, causando uma diminuição do tempo de acesso. Em suas casas alunos de escolas privadas tem acesso direto e “orientável”; já alunos pobres de escolas públicas têm acesso, de forma mais comum hoje, através das chamadas lan house, onde se aluga tempos de acesso, o que torna precário a qualidade do contato. Além do que a ambiência das lan house, não proporciona uma intimidade continuada e criativa com as máquinas.
Esses são apenas contrastes iniciais, de um lado escolas privadas plugadas “nas mais avançadas, das mais avançadas das tecnologias”, configurando seres maquimicamente inseridos numa linguagem da velocidade, da heterogeneidade, imbricada em operações computacionais atualizadas, e no lado diametralmente oposto estudantes pobres atomizados num sistema escolar arcaizante, promovendo o fosso do analfabetismo informacional, num processo então excludente, de pauperização das mentalidades pelo desperdício das potencialidades. Mais do que um analfabetismo computacional promove-se um fosso entre mentalidades, num processo de atrofiamento das identidades coletivas e individuais, fazendo se compor, o que Erving Goffman concebe como sendo a construção de uma identidade deteriorada.
Com o avanço da informática, dos meios de comunicação, no tratamento e na transmissão da informação o conhecimento se transforma em ritmo acelerado e diferenciado, daí ser necessário perceber a relação pedagógica em face desses avanços tecnológicos na educação. Perceber quais valores as novas mídias digitais trazem para seus usuários e como estes valores se inserem no cotidiano dos alunos. Como resume ROCHER (1971:127-152) os valores, subjacentes a modelos, plasmam visões de mundo e modelam condutas e estilos de vida, em movimentos contínuos e descontínuos de preservação da ordem ou de introdução de mudanças, numa perspectiva das dinâmicas sociais. A relação entre valor e conduta, entre valores e comportamentos é um tema caro à sociologia.
Os valores da velocidade e da rapidez, trazidos pelas novas tecnologias, exigem do raciocínio respostas em velocidade compatível com a máquina, no caso da internet, respostas rápidas como se as pessoas estivessem num face a face. Isto traz mudanças cognitivas. Alterações das mentalidades dos usuários, na percepção do tempo e do espaço, como ensinou Simmel , ao mostrar o tipo de relação que os indivíduos estabelecem com as máquinas da pontualidade, do raciocínio rápido, e dos sons estridentes das metrópoles. Aqui esse processo de pauperização das mentalidades pelo desperdício das potencialidades citados acima, ou seja, pelo processo de exclusão dos alunos pobres das escolas públicas dessas mídias, pode processar uma espécie de atrofiamento dos estímulos nervosos, no sentido apontado por Simmel. No caso de alunos pobres de escolas públicas podemos somar outras variáveis que contribuiriam para esse fosso entre modos de percepção e conhecimento das realidades virtualmente disponibilizadas pela informática. A rapidez de raciocínio torna-se necessário devido à necessidade de resposta em velocidade ser fundamental no campo da informática.
Outro valor que trazem as novas tecnologias estaria ligado a uma mudança nas percepções com a possibilidade de se trabalhar com várias janelas abertas ao mesmo tempo no computador. Aqui o aluno aprenderia a trabalhar com vários sentidos imbricados, e com olhares simultâneos sobre os objetos. Além do que, de imediato, o usuário, já estaria trabalhando com duas percepções simultâneas, ou seja, ao mesmo tempo a fala e escrita, ao se comunicar nas redes computacionais. As várias janelas abertas na rede propiciam imagens e sons, textos falados e escritos, e todas as possíveis permutas em diversas combinações possíveis. O fluxo de informações nas várias janelas atuando sobre as percepções dos indivíduos exigindo um olhar a um só tempo disperso e atento.
Ainda outro valor ligado às novas tecnologias diz respeito ao aumento da possibilidade de novos contatos, de uma maior participação através da interação com outras comunidades, em vários lugares do mundo, discutindo vários assuntos. Aqui aparecem os valores ligados a cidadania e conscientização, sendo de uma importância potencial a Internet e o ciberespaço para a liberdade e a política. Enquanto fórum de encontros e debates os valores trazidos, nesse aspecto político, pode vir a alterar sobremaneira a nossa percepção do mundo. Segundo RHEINGOLD (1997:13-17) a Internet e o ciberespaço estariam supitando valores que promovem mudanças nas pessoas e em seus sentidos, mudanças nas comunidades e mudanças na percepção da política e na própria democracia. A negação do acesso aos meios de informação da era digital aos alunos da rede de ensino público, tanto nas instâncias federal, estaduais e municipais, como vimos nos dados citados, representa a posição do Estado no que diz respeito à realização plena de formas democráticas de acesso ao ensino e conhecimento e à sua própria concepção de democracia.
Quando se fala em tratamento e transmissão das informações, entramos no campo do ideológico, da produção de conhecimento, onde o imaginário social se expressa em ideologias, utopias. Os avanços tecnológicos surgem como uma possibilidade de inclusão ou exclusão dos indivíduos em um processo mais humano e democrático de desenvolvimento? Uma educação na era digital deveria se pautar no imaginário social e cultural dessa época. A escolarização através do ensino público no Brasil na verdade, ao não introduzir as novas tecnologias no currículo, acaba por criar um fosso anacrônico entre as mentalidades dos alunos educados na rede pública e os advindos da rede privada. Outro contraste pode se ver aqui, ou seja, escolas da rede privada, não apenas operam com novas tecnologias nas salas de aula, como podem completar esse processo de ensino-aprendizagem, à partir de uma interação digital e on line com seus alunos, que possuem computadores em casa.
A transmissão e o tratamento da informação vem evoluindo a cada momento, junto com o desenvolvimento da humanidade “desde o tratamento manual, com o uso de marcas gravadas em madeira, tabuadas e a escrita alfabética, e o tratamento mecânico com o surgimento da imprensa no ano de 1439, no ocidente, até o tratamento automático na atualidade com o surgimento dos computadores”. As novas tecnologias da informação, em particular os computadores, constituem a materialidade dos significados aos quais remetem às raízes etimológicas da palavra tecnologia que do grego junta techné e logos ( técnica e razão). A palavra computar deriva do latim “computare” que significa contar, calcular. Assim pode-se dizer que a computação é tão antiga quanto o ser humano, já que a primeira ferramenta utilizada para computar foram os dedos das mãos. Daí o termo dígito – do latim digitus, dedo, usado para indicar os signos básicos de um sistema de numeração. Para os gregos a técnica compreendia não apenas as matérias-primas, ferramentas e máquinas, mas também o produtor do trabalho. O homem era visto pelos gregos como um sujeito altamente sofisticado do qual se originava todo restante do processo de trabalho, sendo as técnicas apenas um dos meios, um dos elementos do processo produtivo.
As novas tecnologias surgem como um dos espaços preferenciais de trânsito de vários jovens, estudantes, pesquisadores. Tem sido em muitos casos, no espaço virtual, que os jovens vêm buscado informações, trocando idéias, constituindo comunidades. Desenvolvendo novas maneiras de se comunicarem, de se interagirem, constituindo novas redes de sociabilidade, novos modos de apreensão das categorias tempo e espaço. No ciberespaço, por exemplo, pode-se conversar, trocar idéias e construir várias redes de relações (TURKLE: 1995). Nessa perspectiva os computadores podem ser usados como instrumentos pedagógicos, como parte de outras técnicas dentro de modelos de educação, promovendo e desenvolvendo novas formas de saber e de comunicação entre saberes. Esse conceito mais alargado de tecnologia e a descoberta da importância da utilização de novas ferramentas, combinadas com as tradicionais ou separadamente, onde não se pode prescindir de nenhuma delas, relacionando-as com a proposta pedagógica, com a orientação do ensino e da aprendizagem plasmam uma nova visão da relação tecnologia e educação.
Um modelo de escola, principalmente no sistema de ensino público, para escolarização nos níveis fundamental, médio e EJA, especializou-se na construção de significados, no domínio de conteúdos, num saber que deixou toda a tecnologia da informática para a cultura extra-escolar . No ensino público brasileiro as novas tecnologias não fazem parte do currículo escolar. Não há computadores nas escolas e quando existem são em número reduzidíssimos; muitas vezes os poucos computadores que a escola recebe não são disponibilizados aos alunos, pois, entre outros motivos, a escola não possui professores preparados para o ensino dessas novas tecnologias, ou temem que os alunos possam danificar as máquinas. Há também uma certa percepção por parte da escola que na relação com as novas tecnologias digitais os alunos poderiam se sobrepor de alguma maneira aos professores: há mais ou menos um consenso de que os jovens alunos se relacionam de maneira menos tímida e mais eficaz com essas novas máquinas, daí poderia haver algum constrangimento dos saberes dos professores.
Faz-se necessário a capacitação dos professores e demais pessoas envolvidas no processo de ensino e aprendizagem da linguagem e operacionalização das novas tecnologias. Muitos professores ainda não possuem condições de orientarem/corrigirem seus alunos, pois não conhecem os recursos informacionais, neste sentido são analfabetos computacionais, ou às vezes semi-analfabetos. A devida capacitação nas tecnologias digitais pode proporcionar aos professores a possibilidade de transmissão e orientação dos conhecimentos e experiências aos alunos. A tecnologia apresenta-se então como meio, como instrumento para colaborar no desenvolvimento do processo de aprendizagem, retomando o sentido grego num acontecimento técnica/sujeito.
Aqui surgiria o conceito de “integrar mundos tecnológicos”, que conforme APPLE (1995: passim) implica em conhecer quais são os preconceitos dos professores, acerca da tecnologia e do impacto das produções tecnológicas no mundo e na educação; debater com os alunos as implicações das tecnologias em suas vidas, fazendo uma reflexão sobre os efeitos de suas diferentes produções sobre a vida cotidiana da sociedade; encontrar na tarefa docente cotidiana um sentido para a tecnologia. Na hora de pensar as inovações, precisar os contextos educacionais onde elas serão inseridas, admitindo as inovações tecnológicas como atrativas, ao mesmo tempo reconhecendo a nova concepção que trazem para o ensino e aprendizagem. As técnicas devem ser escolhidas de acordo com o que se deseja que os alunos apreendam. Isso não significa substituir o quadro negro e o giz por algumas transparências ou um datashow. Não é uma ou outra técnica que dará conta de todo processo de aprendizagem.
É preciso incluir na escola a vida cotidiana, as experiências que os alunos trazem de suas casas, do bairro, com a televisão, com as revistas, com as mídias eletrônicas e digitais. Por muito tempo não se valorizou adequadamente o uso da tecnologia usando-a para tornar o processo de ensino na perspectiva da aprendizagem, de modo eficiente e eficaz. O papel fundamental da escola, em todos os níveis, é o de educar os alunos, entendendo por educação a transmissão e construção de um conjunto de saberes organizados e sistematizados no conhecimento produzido pelos professores, alunos e todo o meio social, político, econômico e cultural. Existe uma diversidade de culturas escolares, modos de apreensão diferenciados da realidade, projetos pedagógicos e éticos profissionais diferentes que levam cada escola a apropriar-se das produções de um modo único e singular.
As escolas trabalham com manuais, livros e textos há muito tempo. Esses materiais impressos, incorporados à nossa cultura, até deixam de ser pensados como tecnologias. A utilização de novas tecnologias longe de substituí-los, incorpora-os. Muitas vezes um site da internet, um hipertexto são a leitura de algum texto escrito, de um livro. Muito apropriadamente alguns autores consideram uma home-page um livro virtual. Para recuperar a dimensão social da escola é, portanto, necessário buscar estas novas tecnologias sim, de maneira crítica e organizada, no referencial de metas educativas que levem em conta as dimensões ética, social, política, pedagógica e didática. A tecnologia educacional, levando em conta o conceito grego de tictein, estabelece dois grupos de técnicas subjacentes ao processo pedagógico. Um conjunto de técnicas não vale mais que o outro e não são incompatíveis dentro de uma pedagogia. As técnicas são ferramentas que o professor trabalha junto aos alunos numa relação de ensino-aprendizagem pré-estabelecida e com propósitos. Esta deveria ser a finalidade ou a maneira correta de se compreender o uso das técnicas.
Como argumentado, inicialmente, as técnicas sempre carregam consigo valores e trazem implicações sociais, culturais, econômicas. A invenção do estribo, por exemplo, “permitiu o desenvolvimento de uma forma de cavalaria pesada, a partir do qual foram construídos o imaginário da cavalaria e as estruturas políticas e sociais do feudalismo” (LEVY: 1998). No começo desse século, por exemplo, a máquina a vapor possibilitou a produção massiva de bens e seu rápido transporte. Na sociedade atual a informática presta-se a produção massiva de informações, tecnologias e conhecimentos. Em relação a essas “implicações” na sociedade existem duas posturas divergentes: uma otimista que considera os avanços tecnológicos como propiciadores de um progresso que resultaria num bem comum, numa maior qualificação da força de trabalho e da educação. E outra pessimista que vê no progresso tecnológico o benefício de uma minoria, o crescimento do desemprego e a redução do papel da escola no processo de socialização. De qualquer modo o problema das novas tecnologias na sociedade e na educação não pode se basear unicamente nos problemas técnicos, é preciso trazer para o debate as implicações ideológicas, políticas e éticas. Como assinalado, perceber como o Estado representa as novas tecnologias, e qual o papel do Estado frente a essas novas questões postas à educação.
Em relação ao uso e acesso nas novas tecnologias da educação sabemos que, no caso brasileiro, essa questão revela-nos um cenário de exclusão, pois na rede de ensino público, que atenderia a grande demanda de alunos, que não podem cursar a escola privada de “qualidade” possuidora de todos recursos para a aquisição de variadas ferramentas pedagógicos, pouquíssimas são as escolas que possuem vídeos, computadores, t.v. ou Internet, como se mostrou em alguns dados sobre educação pública no Brasil. Num quadro, em que o mundo do trabalho e da produção, utilizam desses novos recursos tecnológicos, uma das funções da escola seria a preparação para esse novo mundo, ou seja, a busca da promoção da igualdade de oportunidades, ou para se reduzir as desigualdades. Uma proposta de inclusão digital, por exemplo, seria uma política que afirmasse, como conteúdo da educação pública obrigatória, alguns aspectos que se refiram ao conhecimento e ao uso das novas tecnologias da informação, ou que seja estendido a toda rede de ensino público o acesso a essas novas tecnologias em consonância com suas utilizações no mundo do trabalho e em todos os espaços sociais. Nesse sentido o Estado teria um papel fundamental de garantir a toda a população escolar, o acesso aos códigos necessários para a compreensão e manipulação das novas tecnologias.
No entanto é preciso dizer que essas novas tecnologias por si só não produzem conseqüências ou impactos, é preciso pensar no processo social, econômico, cultural subjacente a esses avanços tecnológicos. A sociedade reflete e refrata suas relações sociais nas produções tecnológicas, no contexto de contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações sociais de produção. Assim o conhecimento científico e tecnológico aparece como estratégico para a construção de uma sociedade onde os indivíduos possam estar ocupando democraticamente todos os espaços sociais. Portanto faz-se necessário investimentos “no novo paradigma sociotécnico e no aceleramento da modernização tecnológica, acompanhado pelo resgate da dívida social brasileira, condição sem a qual um nova forma de atraso irá se sobrepor: o analfabeto científico e tecnológico, capaz de agravar ainda mais a situação dos analfabetos tradicionais”.(MARTINS: 29)
Vivemos hoje num mundo onde o conhecimento e o saber encontram-se disseminados para além das escolas, no mundo do trabalho, no meio social, no saber fazer diversificado, nas várias mídias, disso decorre uma transformação muito rápida desses saberes e conhecimentos. Hoje as competências adquiridas por um profissional mudam de uma hora para outra. Não se inicia mais uma carreira profissional e a termina utilizando as mesmas ferramentas, máquinas e regulações. No trabalho a transação de conhecimentos não pára de crescer. Na Internet pode-se se falar de qualquer coisa, de qualquer assunto, a qualquer hora, de qualquer local. Conferências sobre educação são realizadas a distância, projetos são desenvolvidos por cientistas de quatro cantos do mundo simultaneamente. Isto muda radicalmente o problema da educação e da formação. Para responder a esse novo mundo é necessária uma pedagogia que leve em conta o conhecimento fragmentado, heterogêneo, múltiplo; que tome as experiências adquiridas e os conhecimentos de fora do mundo da escola, como são saberes. É necessário enfim, uma nova relação com o ensino e a aprendizagem, uma nova relação com o conhecimento. E ao diálogo da educação com o Estado cabe um novo fazer pedagógico crítico e efetivamente atualizado, tendo como pano de fundo os novos valores das novas tecnologias e suas implicações sobre a construção das identidades coletivas e individuais.

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WEBER, Max. “A ciência como vocação” In: O político e o cientista. Lisboa: Presença, 1973.

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