Não é ainda o berço esplêndido que sempre esperei para poder repousar sorrindo. Mas é um começo, um começo que promete e me deixa feliz. Sempre vivi o tormento daquelas pessoas que viram seu prédio de boa qualidade ruir, matar oito pessoas e deixar 81 famílias desabrigadas. Acompanhei todo o noticiário que falava do sofrimento que as vítimas passaram e das injustiças seguidas que sofreram até hoje. Era gente que perdeu tudo, até mesmo seu passado, uma vida que se acreditava tranqüila e estabilizada. Enquanto eles sofriam, seu algoz, o milionário Naya, comemorava sua liberdade com amigos da mesma espécie, brindando com champanhe em taças de cristal que, conforme ele, pobres não conheciam.

Um dia um amigo me contou que viu uma garota vestindo uma camiseta, levando no peito a frase: “Para que queremos um El Niño, se temos El Naya?” Sem dúvida a frase era espirituosa e muito engraçada, mas que mensagem profunda guardava! Uma garota brasileira divertindo quem encontrava e ao mesmo tempo gritando, de peito aberto, seu protesto e sua liberdade. Já era um motivo para eu dormir sorrindo, mas para me sentir feliz faltava ainda muito.

E aconteceu agora, na decisão corajosa de um Juiz realmente preocupado com a Justiça. A indenização jamais apagará a dor, o sofrimento de tantos anos de espera, principalmente a dor de perdas preciosas. Mas vai amenizar a vida de errantes que foram todos obrigados a viver. E lembro ainda a força que tiveram para reconstruir a união da família e a união deles mesmos como vítimas. Foram às ruas, gritaram, protestaram, choraram e riram até de sua situação tão esquerda. E nunca perderam a esperança. Ao receberem o justo e ainda parco dinheiro deram-se as mãos, comemoraram sem precisar de champanhe em taças de cristal. Não sei se isso tocou o coração do culpado – o perverso e presunçoso El Naya. Mas já será bom se colaborar para abaixar sua crista.

Sei que falta muito, muito mesmo, para termos completo o berço esplêndido que nos foi prometido em altos brados, sinto, porém, que um quinhão desse berço eu recebi hoje. Sofri o sofrimento das vítimas como se fosse meu e, agora, gozo a vitória delas como se fosse minha também. E, realista que sou, sei que talvez nunca experimente a verdadeira e enorme felicidade que é meu sonho, pois só serei feliz mesmo quando, aqui e no mundo, ninguém mais passar fome. E quando todos tiverem uma mesa digna à custa do próprio trabalho. Se você, meu leitor, tiver a sorte de ver esse sonho realizado, por favor, pense um minutinho em mim...

Agora, com licença, meu berço me espera e quer me ver sorrir...

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