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Contos-->NEGÓCIO FECHADO -- 24/11/2002 - 10:50 (LUIZ ALBERTO MACHADO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Quem na terrinha boa de Alagoianhanduba não conhecera Dudé Costa, aquele que recebera de batismo o nome de Dermmeval Constantino Costa, figura do rol dos comerciantes de abastança, de longas eras, gordo para mais de duzentos quilos, numa estatura prá lá de disforme? Pirangueiro, espirituoso, mulherengo e de um senso de humor mordaz, capaz de desequilibrar qualquer sujeitinho metido a besta e de nariz empinado, dissolvendo com sua astúcia peculiar qualquer pronúncia doctilóquia da empáfia pedante alheia, deixando o interlocutor mais rasteiro que sombra de cobra. Sim, este era o Dudé Costa, homem de muitas loas e embustes jocosos, não dispensando de seu astuto tirocínio, uma resposta afiada bem no cachaço da inquirição atrevida, desbancando idiota, imbecil, retardado ou quejando que seja. Brincasse com ele não o inclemente boi lambido saía de pavio apagado.
- Quem tem cu, tem medo!
Lembro-me de tantas contadas, narradas, assoletradas, inventadas, relatadas e mangadas por amigos, inimigos, simpatizantes e prejudicados do ar intrépido do bonachão que, ao longo dos anos, de serem repetidas à bocas e ouvidos nas mais impróprias ocasiões, viraram folclore do lugar, tornando figura tão impar no seio de uma sociedade em formação e com o seu maldizente jeitão de desmoralizar qualquer folgado do tipo diferencial de Rural ou que só boca de sino. Assim era.
O distinto obeso era um daqueles típicos personagens da província, de extrema riqueza lendária, possuidor de uma paranóia de que estava sendo roubado e ao redor de toda mendacidade universal, atribuindo-lhes acontecidos nunca dantes possíveis no trâmite da sua vida tão recheada de lorianismos quanto de esperteza.
Mais que isto, Dudé Costa virou fonte do anedotário local como referência de austeridade, pirangagem, vivacidade e sabedoria.
- Enrolão comigo é na base do tacão!
Apesar de comerciante era um homem de bem, incapaz de ofender um pinto, principalmente se fosse dele. Mantinha um enorme armazém na praça principal da cidade, ao mesmo tempo que era um depósito entupido de produtos e mantimentos de toda espécie, armazenados do piso ao teto, de frente aos fundos, vendendo de tudo que se imaginasse existir. Se se quisesse alguma coisa, fosse lá que tinha o peso e o preço exato; precisava-se disso, Dudé tinha; necessitava-se daquilo, prontinho na hora. O que mais? Isso, aquilo, daqueloutro, agora mesmo! Daquele ali, naqueloutro, mais desse, nesse, esse, tudo arrumado, embrulhado, empacotado, embalado, ajeitado de conformidade com o pedido em referência. Fosse o que fosse, na hora! Pronto, exato. Medido e contado: pague-se.
Ninguém sabia o verdadeiro nome da loja, diziam apenas do Armazém do Dudé. Sabiam que aquele estabelecimento se estendia por quatro portas estreitas de frente, em cor desbotada entre paredes esburacadas que iam dar numa marquise que segurava uma placa com algumas palavras já indecifráveis no tempo. Eram quarenta metros de frente por uns duzentos de fundos, tudo dividido apenas por um balcão comprido, de um lado a outro, no interior do pavimento, para recepcionar os fregueses assíduos, requerentes das coisas mais inusitadas; e o resto, amontoado no interior do vão, numa desordem indescritível não obstante encontrado à primeira procura, visto já saber onde se encontrava todas as encomendas requeridas. Adivinhava mesmo o fi o da peste o local onde se encontrava qualquer tranqueira necessitada.
Decifrou-se depois de muito malabarismo intelectual que a inscrição grotesca da placa na sacada da loja, misturada a mofo, poeira e tinta velha, seria o nome jurídico da empresa em questão: Dermmevaldo Constantino Costa & Filhos & Cia. Ltda., nome este escolhido por ele próprio, com o objetivo de se inscrever no Cadastro Geral do Contribuinte do Ministério da Fazenda; razão social esta escolhida depois de insistentes visitas de fiscais fazendários e, muitas e muitas noites de sono, dedicadas pelo contador Tabosa, encarregado da escrita daquele empreendimento comercial. Inclusive, quando se definiu tudo, Tabosa tirou três meses de férias estressado com tanto puxa-e-encolhe do bonachão.
Na placa ainda se via, apesar da dificuldade legítima imposta pelo desgaste, a figura de um jacaré, responsável pelo patrocínio do negócio e representando o maior símbolo de prosperidade turística do município.
É que na praça central, a prefeitura fez construir um tanque com proporções agigantadas para abiscoitar os munícipes, onde se mantinha a criação de um aligatorídeos. Aliás, um jacaré-de-óculos, afeição maior das crianças e da população em geral, que possuía uma aresta transcendental, unindo, pela parte dianteira, as duas margens salientes das órbitas oculares, parecendo-se o aspecto de estar usando um piscinez.
Apresentava o réptil fluvial uma cor escura no dorso, meio esverdeada com manchas amarelas e, apesar de manso, o crocolídeo, vez por outra, aprontava, a exemplo do fato de jantar o braço de João Noé; o pé do filho de Abinadab dos bichos; o dedo de Natália Dulce; a caçola de Cremilda-fudedora; a vergonha de Terêncio; o escapulário da beata Prazeres do Céu; um disco do Taiguara do Jabão Campos; o velocípede de Nininhozinho, filho do tabelião do cartório único de notas, Osvaldinito; entre outros transtornos de somenos importância.
O emidossário era o centro das atenções e todos os dias o povinho corria vexado, arrudiando o tanque o dia e a noite inteiros. Peiticavam o tempo todo em busca de um bote certeiro no atrevimento dos curiosos. E olhe que de vez em quando, o bicho abocanhava tudo e, algumas vezes, vomitava o indigesto longe. Ele gostava mesmo era de mastigar dureza, deixando um buliçoso aos prantos para felicidade geral da populaça. O espetáculo só era completo, quando ele atiçado tascava o revestrés respondendo com um fatídico susto de torar aço em destemidos que incomodavam.
Tal movimentação na praça fazia com que o armazém do Dudé também prosperasse, já que alguns desavisados perdiam ou tinham por perdido alguma coisa e precisavam recorrer a ele objetivando fazer retornar o perdido, adquirindo algo similar. O próprio comerciante mantinha o réptil onicarnívoro de tudo com uma boa alimentação regada a carne de mamíferos, aves e insetos. Essa atitude do avarento era o símbolo da sua gratidão para com o animal.
Um dia, o jacaré sumiu. Remexeram tudo, os cafundós de Judas, as entranhas das grutas, os deltas do rio, as botijas perdidas, os bolsos dos ricos, os arquivos da justiça, as curvas dos ventos, os limites dos mares, os pólos norte e sul, e nada. Ninguém sabia, ninguém viu; apenas arribou. Desaparecera. Mesmo assim, curiosamente, Dudé vendia de tudo; de agulha do que se pensasse à bomba do que se imaginasse. Tudo ali. Era só chegar, pedir ao proprietário que vivia sentado em frente a uma máquina registradora que repousava sobre um birôzinho pequeno do tamanho dela, de onde jamais ele se afastara, que logo era atendido exatamente nos conformes da solicitação. Nada de fiado, era imperiosa a necessidade de pagamento certo e líquido, a vista em papel ou moeda corrente do país, no exato momento da recepção do pedido.
Cheque, nem vê, - num é dinheiro, dizia. Fiado! Ninguém nunca usara dessa modalidade de prestação, parcela, valsa, crediário ou consignações ao mão-de-figa. Esta atitude rendeu-lhe a chacota de judeu, de turco, de Tio Patinhas e de outras nominações que representassem o repúdio à sua sovinice, além de insinuações de que o desaparecimento do jacaré devia-se ao fato dele criar o seqüestrado a modos pessoais, embaixo da sua cama. Rumor ainda hoje suspeitável.
Porém, certa feita recebera Dudé o requerimento de um conterrâneo de infância, o Rudinaldo Veloso, por cartuchos de espingarda, um punhado de pólvora, uma faca peixeira de doze polegadas e vinte balas de revólver calibre trinta e oito, visto que o mesmo tencionava caçar por mata virgem, cabendo precaução, ao que foi atendido com exatidão, na ponta do lápis conferido, tirado a prova dos nove, e tudo certo.
Ambos eram figuras de uma infância passada e de uma intimidade que não se reduzia aos limites da convivência. Parecia uma festa o reencontro, zombaram um do outro, trocaram insultos visando menosprezar as virtudes imodestas de cada um, pabulagens fúteis de dois aprontadores das maiores arteirices juvenis, quando, tantantantan, somado número por número em algarismos graúdos duma caligrafia esmerada num papel grosso de enrolar carne de boi, checado com o material já embrulhado, o proprietário, após o somatório competente, exibiu a conta e cobrou do requerente, a quantia exata de trinta e seis cruzeiros e cinqüenta e quatro centavos.
O visitante, se fazendo por dissimulado, requereu descontos o que levou negativa peremptória na lata; sacou dos bolsos depois de muita lengalenga trinta e cinco cruzeiros que os fez jogar no balcão recolhendo o embrulho de suas compras, quando recebeu a recusa do gordão, dando início a mais inflamada das discussões.
Faltava, portanto, para concluir a transação, o correspondente a um cruzeiro e cinqüenta e quatro centavos, o que permitia a apreensão da mercadoria requisitada.
Rudinaldo que era amigo de muitos anos do lojista, exigiu os descontos convenientes recebendo mais uma negativa veemente nas fuças. Estranhou, de propósito, a avareza dele.
Desde crianças, segundo relatos deles mesmos por mim presenciado, que investiram muita dedada no cheira-peido deles mesmos; muito cavalo-mago trocado; muita bronha coletiva pelos mesmos fundilhos da piniqueira alheia; avistado muitas bundas-ricas de beatas, das donas dos casarões, além de esbofeteado um bocado de puta na coréia, armadores que eram das maiores estripulias; e agora, estavam ali, trocando ofensas.
Conversa vai, conversa vem, Dudé cobrando o devido senão a mercadoria não arredaria dali um só centímetro.
- E a nossa amizade por quantia tão irrisória?
- Irrisória é a cabeça da minha rudia!
Rudinaldo com o intuito de enrolar, voltou a contar histórias da época de maloqueiros quando estupraram uma mocinha no escurinho atrás da prefeitura e ambos caíram às gargalhadas; umas piadas, jocosas, soltas e faltava um cruzeiro e cinqüenta e quatro centavos.
O devedor abufelou-se e jogou, com raiva, no balcão, a cédula de um cruzeiro e já ía tomando o pacote, quando foi interpelado para depositar, às vistas do mão-fechada, as moedas equivalentes aos centavos devidos, senão sustaria a entrega da mercadoria.
- Sem isso, o embrulho não sai daqui nem com ordem judicial!
Parecia uma quebra-de-braços, os dois segurando o invólucro, um puxava do lado, o outro arrastava para dentro e, nesse vai-e-vem, o comprador exaltou-se, meteu dois dedos na algibeira, expondo as moedas relativas àquela quizília, contados e conferidos ali mesmo, alegando, aos esporros, que situação era aquela em que não se poderia mais se dar a uma amizade sadia onde alguns centavos determinavam a irredutibilidade numa transação o que, o gorducho, sentenciou que dali só sairia alguma coisa dele com pagamento certo e fim de papo.
- Vá cortar cu-de-cobra, Zé Bostinha!
Brigas como esta eram constantes e registradas nos anais da gaiatice popular.
Assim era Dudé, extravagante no peso, exagerado em tudo e quando se falava de dinheiro perto dele, necas, nada de gastar! Até os filhos eram tratados na lei do cão; com os empregados, somente meninos de dez anos de idade, ou até isso. Segundo ele, depois dos dez anos, os maloqueirinhos ficam sabidos e, menino sabido, é um perigo para qualquer negócio.
Dos onze filhos apenas um gozava da simpatia dele. Dos outros, tudo para a puta-que-os-pariu, no relho, cabresto justo. Mas não dava folga para nenhum, tudo regrado na avareza. Sizenando, não; era que Dudé botava prá ele simplesmente simpatia e nada de dinheiro. Sizenando era obediente, fazia tudo o que o pai queria, pau-mandado mesmo.
Numa certa tarde de sexta-feira, em meados de outubro, um representante comercial de certa multinacional, aportara no balcão do estabelecimento, objetivando uma entrevista com o possuidor daquela loja, levado pela apresentação de produtos da mais nova extensão tecnológica, lançados, recentemente, no mercado.
Dudé se encontrava tomando sua bicadinha de cachaça de cabeça, raiz de pau das boas, trazida do longínquo engenho Tumbe, aperitivo do bom, segundo o gosto dele, é só derramar a bicha no chão, bastando um risco de fósforo, para a danada pegar fogo, álcool puro. Inflamável.
No meio de um gole, fora cientificado pelo filho da presença do profissional de vendas nas dependências do seu compartimento o que, de pronto, na ponta da língua, emitiu a resposta de que ele não queria ser incomodado, nem ver porra nenhuma de vendedor lhe amolando o saco para comprar merda nenhuma.
O jovem teve de explicar ao genitor que, por educação, deveria recepcionar o visitador porque ele poderia apresentar algum objeto do interesse dele para venda no depósito, o que ele insistiu em não receber porque aquela não era hora nem dia de se comprar nada. E o rapaz voltou a dizer pacientemente que não ficaria bem o distinto voltar sem ser recebido quando se tratava de uma transação que poderia ser lucrativa com os possíveis dividendos a curto prazo e dinheiro não se despreza, nem um bom negócio.
- Ih! Nisso aí, tem cu no meio! - reclamou rejeitando a insistência.
Mas, estalou, falou em dinheiro seus olhos brilhavam. E já dava para notar os cifrões mexendo com a sua sensibilidade.
Sizenando futucava o coração dele, sabia arrancar-lhe a compreensão. E já irado por ter de ceder aos argumentos do filho, vociferou que não tinha saco para tratar nada com ninguém naquela hora e que fosse ele, o representante para a casa do cacete voador; que não queria nada e parasse de atanazá-lo; e se quisesse comprar que comprasse, e tomasse no cu do jeito que quisesse e vá prá porra!
Depois de muita amolação e enchessão de saco, Dudé, enfim, mais a contragosto que compreensivo, concordou em levar um dedinho de prosa com o esconjurado intrometido que aparecia numa hora daquela para inflar seus culhões.
Já no interior do armazém, o indistinto apresentou-se perfilado militarmente, com uma cotinência exagerada e abriu o verbo ao mesmo tempo que expunha um catálogo por cima da máquina registradora, ficando em pé mesmo porque ali não existia cadeira ou acento para que os empregados não ficassem ociosos e explicando o funcionamento e particularidades, vantagens e proveitos de cada máquina, motor, bomba, extrator, soldador, cantoneira, betoneira, diafragma, compressor, vergalhão, bigorna, propulsor e exaustor. Dudé sequer olhou para os catálogos fitando com desdém o semblante do condenado. E eram catálogos, folders, prospectos, releases, instruções, lay out, bula, atlas, cartografias, plantas, revistas, gibis, alternativos, informativos, tomos, atas, opúsculos, livretos, traslados, certidões, termos, formulários, minutas, nada. Dudé nem-seu-silva-de-dar-bola. Pedras preciosas, cristalografias, cosméticos, perfumarias, boticários, esoterismos, bagulhos, bugigangas, dedais, agulhas, alfinetes, refrigeradores, condicionadores de ar, fogões, panelas, pitisqueiras, utensílios, abajús, lampiões, candeeiros, nada. E Dudé nem aí para quem pintou porca. Mas, instigado pela ironia, largou escárnio certeiro:
- Esse cabra parece mais o gênio de Aladim, vai ter coisa assim no raio que o parta!
A certa altura da exposição incansável dele, Dudé interrompeu as amostras, sugerindo, ao intrometido, ingerir alguma bebida alcóolica, o que com a expressão de espanto, um riso largo no rosto, respondeu espalhafatosamente de forma afirmativa.
Enquanto vasculhava os copos e a bebida, ele ainda asseverou na munganga:
- Eu queria era ver você trazer isso tudinho que me mostrou nas suas costas ôcas, desgraçado. Queria ver esse carregamento na cacunda de um corno!
- Héhéhé, que é isso seu Dudé?
- Todo castigo para corno é pouco!
Dois copinhos miúdos na frente, encardidos, duas lapadinhas para se animar a conversa, ou seja, o monólogo; ofereceu uma pro santo, benzeu-se e ingeriram juntos o queimor absoluto da aguardente.
- Tá cá gôta, essa arrepia até o retrato! - bafejou o estranho.
Caretas, doses, o palavrório teve reinicio com explicações detalhadas sobre o funcionamento de bombas hidráulicas e da margem de lucro oferecida pelo produto, da rentabilidade prosperando no comércio, da exclusividade de exposição com uma expositora bem boazuda de shortinho persuadindo o infeliz do cliente a comprá-la já, uma promotora de merchandising escolhida a dedo por ele proprietário, quando o tinhoso arregalou os olhos e pensou: - mulher, ah! Mulher, mulher sim, teve boceta no meio eu gosto! -, e conversa vai, conversa vem, já se falava de fossas, lajes, ripas, caibros, tijolos, telhas, cimento, areia, o homem se ingicando com tanta coisa do insistente, nada.
- Ô, seu home-da-cobra, quando é que vai voltá o conversê de boceta de novo, hem? Vamo, fale do que é bom, seu cabra!
O sujeito ficou desconcertado com essa enquanto Dudé amolegava a pêia imaginando uma gostosa no seu colo.
- Tô já cumendo o cu desse veado besta! Cu de bêbo num tem dono, aviso logo!
Duas novas lapadinhas e talagadas certeiras goela adentro, seguidas de novas explicações, falácias, fuxicos, baboseiras, miolo de pote, disparates, controvérsias, ingrezias, pacutias, pantins, imbróglios, mentiras, trancosos, tolices, despropósitos, asneiras, arrazoados, bobagens, imposturas, petas, potocas, fraudes, nada.
- Num tem foto de mulher nua nisso não?
O inarredável vendedor sacou lá do fundo do baú um calendariozinho com aquelas maravilhosas pin-ups, do nego velho ficar zanolho com uma mulher arreganhada na foto. O inchado agarrou-se ao presente, deu uns beijos demorados nos arreganhos da fotografada, fazendo juras de amor. Quase que o visitante perde a cabeça com aquela baboseira. Mais duas talagadas, respirou fundo e tome explicações.
E mais tubos de PVC, satélites, sivam, corrupções, inox, chaleiras, alumínio, corda, ferro, tralhas, grampos, jamps, miséria, impeachment, juros, correções, siderurgia, leilões, metalurgia, privatizações, CPIs, ônibus, mixórdia, interesses, manchetes, dentifrícios, shoppings, pão, circo, eletrodomésticos, inflação, eletroeletrônicos, sonegações, seqüestro, violência, baixaria, hipocrisia, revelações, notícias, calúnias, colmeias, latifúndios, desterrados, expatriados, cidadania, fome, solidariedade, utopias, liminares, injustiças, sentenças, reparações, desaparecidos, indenizações, cobranças, delinquências, inadimplências, crimes, impunidades, seqüelas, aids, vitrines, vibriões, cauções, esbravejamentos, liquidações, intervenções, greves, mobilizações, gols, torturas, cacetes, modernidade, progresso, democracia e caralho a quatro, nada. Dudé só embromando, virando os olhos com as boazudas das folhas.
Suor caindo no rosto, pescoço enxaguado, gravata afrouxada, cansaço nas pernas, duas lapadas, meio mundo de books explicativos, nada.
Dudé arremedando a leseira dele, cafungando com as páginas de suas gostosas, insinuando punhetar-se.
Quando então aparece um cliente, o pesadão se levanta, derruba tudo e deixando o outro a falar sozinho, tudo no chão, espalhado, agonia para arrumar tudo.
Freguês atendido, mais duas doses da tirana, novas colocações persuadindo o velho, nenhuma resposta, nenhum sinal de interesse, todas as máquinas, assinaturas, pedidos, bíblias, santinhos, tipografias, cordões, relógios, securitários, consórcios, capitalizações, carnês, artesanatos, planos, orçamentos, previsões, planilhas, posições, relatórios, borderôs, listagens, projetos, procurações, autorizações, contratos, formulários, nada. Dudé sapecando enrolação.
Já cansado e tentando empolgar o impassível comerciante, o ousado recebeu mais duas bicadinhas, ocasião que solicitou, delicadamente, da existência de qualquer tiragostinho para melhor digerir a quente, o que, riso cheio, vencedor e feliz, Dudé, ritualísticamente, pôs a mão no bolso longo joelho abaixo, remexeu, saculejou, trazendo, da empreitada, dois confeitinhos de mel de abelha no meio de um riso reprovador para satisfazer o desejo do corajoso.
- Taí, seu merda!
O cara teve um troço, foi levado às pressas para uma emergência e nunca mais deu as caras por ali.

© Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.

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