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Artigos-->O GRAVURISTA COREANO KIM SANG YU -- 18/01/2012 - 14:36 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


O GRAVADOR COREANO KIM SANG YU



 L. C. Vinholes



 



Durante minhas três estadas em Seul, todas elas em 1964[1] , tive oportunidade de encontrar intelectuais e artistas envolvidos em atividades que refletiam a difícil situação em que o país se encontrava, mesmo passados dez anos e meio desde o término da Guerra da Coréia[2] .



 



Apenas para exemplificar faço referência aos pintores Lee Se Duk, professor da Universidade Nacional em Seul e presidente da Associação de Belas Artes; Lee Sung Suk, vice-presidente da mesma associação; Kim Mon Bok, ex-aluno de Eleazar de Carvalho, nos cursos internacionais do Festival de Música de Tanglewood (EUA), regente titular da Orquestra Sinfônica de Seul; Kim Chung Up, arquiteto admirador incondicional de Oscar Niemeyer, autor do projeto da Embaixada da França (1962); Ahn Eak Tae, compositor autor da música do Hino Nacional da Coréia; os compositores Paik Byung Dong, Lee Sang Keun, Kim Dong Whan, os críticos Park Yong Ku, Che Yung Hwan, Tschang Gu Rhie; o pianista Lee Hos Up; a compositora Kim Soon Ae, diretora-locutora de programa de entrevistas ao vivo na Rádio Towa HLKJ; os artistas plásticos Yoo Young-kuk, Ro Yong Myeung, Chun Sung Woo, Chung Chang-Sup, Ha Chong Hyun, Kim Jong Kin, Park Seo Bo, Kim Youg Ju, Kim Tchah Sop, Bae Yoong, sem esquecer aos jornalistas Lee Hi Sung, presidente, e Kim Sang Man, editor-diretor executivo, do diário Dong-A Ilbo[3] .



 



O convívio com estas pessoas permitiu não só ampliar meus conhecimentos a respeito das Coréias mas, também sentir e entender melhor a maneira de viver e de se relacionar daqueles que fazem parte de uma cultura milenar que, juntamente com a China, em muito influenciou a cultura tradicional do Japão, especialmente na música - gagaku -, e na dança - bugaku, praticados na corte japonesa.



 



Mas o encontro que, desde o primeiro momento, teve significado muito especial e resultou em uma história que merece ser contada foi o com o professor e gravador Kim Sang Yu, naquela época morador em Nai Ming, Inchon, cidade distante de Seul, importante porto voltado para o Mar Amarelo.



 



Hospedado no Hotel Sindo, de modestas acomodações, permitiram-me ocupar um quarto e uma sala anexa, na qual recebia todos com os quais deveria entrevistar-me em função da missão que me fora dada pela Embaixada do Brasil em Tóquio, à qual, como contratado, prestava serviços e cuidava, inclusive, da compilação de notícias relativas à República da Coréia.



 



Depois de alguns dias, chamou-me a atenção o fato de que, ora de manhã, ora a tarde, um senhor de seus 30 anos, ficava muito tempo encostado na mureta lateral do corredor, sempre a uma certa distância do meu quarto, tendo nas mãos algo embrulhado em um pano, conforme costume tradicional tanto na Coréia quanto no Japão. Seria uma versão oriental e mais sofisticada da nossa trouxa. Intrigado com aquela figura, pedi a um funcionário do hotel - que, depois, fiquei sabendo se tratar de um segurança -, verificar quem ele era. Logo fui informado de que o desconhecido era um professor que queria falar comigo.



 



Chamei-o e descobri que conhecia inglês mas que era fluente em japonês, idioma ao qual deu preferência. Seu nome Kim Sang Yu[4] , nascido em Inchon em 1922, graduado em Literatura (1947) pela Universidade Enki, depois Universidade Ensei, com mestrado em Filosofia (1948). Em 1949, iniciou suas atividades profissionais como professor da Escola Secundária de sua cidade natal. Foi recrutado pelo Exército durante a Guerra da Coréia (1950-1954). Em 1963 teve oportunidade de realizar na Galeria do Centro de Informações, em Seul, sua primeira exposição individual com 30 águas-fortes, hobby com o qual ocupava o tempo livre. Queixou-se de que, por ter formação de professor para escolas do primário e colégio, não era reconhecido como artista e, por esta razão, ter dificuldade em vender suas obras. Mostrou-me inúmeros trabalhos a cores, tendo de quase todos eles apenas uma cópia, aquela que, tecnicamente, é conhecida como “prova de artista”. Quando perguntei por que não fazia mais cópias dos seus trabalhos informou-me que não tinha e não utilizava prensa e que fazia uso de quatro grampos, daqueles em forma de U usados por marceneiros. Foi aí que entendi porque as poucas cópias de algumas das suas gravuras mostravam pequenas diferentes tanto na cor quanto na intensidade de determinados traços. Depois de quase uma hora interrompemos a conversa para que eu pudesse atender a outro compromisso. O senhor Kim queria presentear-me com suas obras o que não aceitei. No dia seguinte estava ele novamente a minha espera. Voltamos a conversar e acertar o seguinte: comprei quatro dos seus trabalhos e, em confiança, fiquei com mais oito para buscar interessados no meu regresso a Tóquio. Convidei-o para a inauguração da exposição dos gravadores brasileiros[5] - um dos eventos que constavam do programa a ser implementado durante minha estada na Coréia -, convite que aceitou e, ao mesmo tempo, se desculpou dizendo se sentir constrangido no meio de tantas “pessoas importantes” mas prometeu visitar a mostra em outra ocasião.



 



Na última semana em Seul, certamente por ter eu merecido a confiança do senhor Kim e por ter ele superado a maneira modesta e constrangida nos nossos encontros, convidou-me para ir ao seu apartamento e conhecer sua família. Ali conheci também sua “oficina” de trabalho: uma pequena mesa de 1mx50cm em um dos cantos a sala; uma cadeira de escritório, com encosto e altura ajustáveis; e uma lâmpada protegida por uma modesta arandela vermelha, de fiação exposta, fixada na parede permitindo a luz entrar pela esquerda de quem estivesse sentado, iluminando a superfície da mesa. O que chamou minha atenção foi uma pequena peanha, plataforma de não mais de 10cm2, com uma imagem de Nossa Senhora de uns 10 cm de altura afixada na parede em frente à mesa. Foi nesse ambiente que fiquei sabendo que Kim Sang Yu tinha sério problema de visão, que era católico fervoroso e que dedicava todas as suas atividades “à mãe de Jesus” na certeza de que, assim, ela, um dia, lhe daria a graça da cura. Dois dias antes do meu retorno a Tóquio, Kim Sang Yu, declarando ter “visitado demoradamente” a mostras dos artistas brasileiros e estar “profundamente impressionado com suas gravuras”, decidiu oferecer dez dos seus trabalhos mais recentes para três dos gravadores participantes da mostra: Isabel Pons, Iberê Camargo e Arthur Luiz Piza, como “modesto presente e manifestação de simpatia e amizade”[6]



 



O impacto da mostra dos gravadores brasileiros em Seul foi marcado não só pela publicação de nove artigos[7] nos jornais locais e pela visitação que, nos doze dias em que ficou aberta ao público, elevou-se a 25.555 pessoas[8] , de ambos os sexos e das mais diferentes idades e classes sociais, mas também pelo fato de que provocou uma reação por parte dos gravadores coreanos uma vez que na Coréia, conforme afirmou o pintor Lee Se Duk, a gravura coreana “faz parte da arte industrial” e “recebe tratamento como bastarda”.[9]



 



Na véspera do meu regresso a Tóquio, em 3 de fevereiro, almocei com representante do jornal Dong A Ilbo, co-patrocinador dos eventos programados para promoção da cultura brasileira, e do pintor Lee Se Duk. Terminado o almoço Lee, com sua habitual simpatia e cordialidade, perguntou-me se eu tinha algum pedido a fazer e que se o tivesse era desejo dele atender. Como que um clarão de um raio, imediatamente veio-me à mente a injustiça que eu achava estar sendo feita ao senhor Kim. Pedi ao presidente da Associação das Belas Artes - e não ao senhor Lee que aquela altura me tratava como um amigo -, que aceitasse o senhor Kim como membro da sua Associação. O senhor Lee, com um leve sorriso - como quem estivesse esperando uma oportunidade, uma justificativa, para corrigir o que vinha sendo perpetrado contra o senhor Kim, respondeu-me com firmeza que ele seria aceito.



 



Em julho de 1964 estive novamente em Seul, por sugestão do ministro-conselheiro João Baptista Pinheiro e anuência do Itamaraty, acompanhando ao senhor Aloysio Gosling Sande, empreendedor carioca interessado na mão-de-obra coreana para fazendas de cultivo de abacaxis no Espírito Santo. Na ocasião um novo encontro com o senhor Kim que manifestou interesse em imigrar para o Brasil para ser professor de gravura em alguma instituição ou, até mesmo, para dar aulas particulares. Conversamos muito sobre os imigrantes no Brasil, sua distribuição, a integração na sociedade brasileira, seus descendentes e as oportunidades oferecidas a quem tivesse profissão. Como ainda não havia imigração coreana indagava muito a respeito dos chineses e japoneses radicados em São Paulo. Assistira uma das exibições do recém-lançado filme-documentário Aquarela do Brasil, do diplomata Raul Corrêa Smandeck - uma das grandes atrações do programa da promoção cultural do Brasil -, e perguntava sobre tudo que memorizara. Demonstrava entusiasmo com a perspectiva brasileira que idealizava, mas não deixava de ser extremamente cauteloso.



 



Em outubro de 1964 foi aberta a Embaixada do Brasil em Seul e para lá foi designado o embaixador Barthel-Rosa que, ao passar por Tóquio, adquiriu gravuras do senhor Kim e foi portador de um cheque ao artista com os dólares resultante das vendas de outras obras.



 



No final de 1964, em uma das viagens que fiz a região de Osaka, maior centro industrial japonês, onde costumava visitar e hospedar-me na casa do pintor Kenzo Tanaka - um dos meus grandes e melhores amigos no Japão -, de quem fui parceiro na criação da Sociedade Internacional de Artes Plásticas e Áudio Visuais (ISPAA)[10] , mostrei as águas-fortes do senhor Kim e sugeri que fossem exibidas na em uma das exposição da Sociedade. Com a concordância de Tanaka, Kim participou da mostra na Galeria Nunu, em Osaka, de 12 a 18 de julho, e no Museu de Arte Homma, em Sakata, de 21 de agosto a 3 de setembro de 1965, ao lado de seus conterrâneos Lee Se Duk, Yoo Young Kuku, dos japoneses Tatsuki Nambata, Kenzo Tanaka, Mitsuyoshi Kageyama, Masuhiro Kubota, Hiroyuki Nakano, Masao Kodama, Shinzo Adachi, Nagatoshi Takeda, Harumichi Sakata, Soroku Wanni e dos brasileiros Samson Flexor, Wesley Duke Lee e Raul Porto.



 



Em 1967 visitou Tóquio o doutor José Mariano da Rocha Filho (1915-1998), médico, idealizador e fundador da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, e seu primeiro reitor. Tive oportunidade de acompanhá-lo nas visitas que fez às instituições médicas e hospitalares, inclusive ao hospital da cidade de Tenri, considerado modelo pelas inovações que introduziu na sua administração. Nos tornamos amigos e tive oportunidade de viver momentos gratificante na sua companhia e na companhia de dona Maria Zulmira Velha Dias Rocha, sua esposa. Quando as condições foram favoráveis, apresentei ao doutor Mariano a sugestão de que o senhor Kim fosse contratado para lecionar na Faculdade de Artes da universidade que criava. Sentindo que o doutor Mariano estava receptivo à idéia de aproveitar ao senhor Kim, pedi que, na viagem que faria a Seul em meados de dezembro daquele ano, entrevistasse ao artista para ter sua impressão pessoal. A visita do doutor Mariano coincidiria com a viagem de trabalho do doutor Joaquim Broxado, médico do Ministério da Saúde, responsável pelos exames dos potenciais candidatos à imigração, o que me parecia extremamente positivo. Escrevi a Kim Sang Yu dando todas as informações e explicando a importância do seu encontro tanto com o reitor quanto com o doutor Broxado. De volta a Tóquio o doutor Mariano informou-me não ter sido procurado pelo senhor Kim. Dias depois recebi carta[11] do senhor Kim que esclarecia o porquê do desencontro, certamente conseqüência do péssimo serviço postal entre Japão e Coréia nos anos 1960:



 



I was much delighted with your letter, I received it on December 31, and called Mr. Rocha and Dr. Broxado on January 5. Already they had gone back to Japan. I am sorry. I was late. I think the post office has been busy them.[12]



 



 Retornando a Santa Maria o doutor Mariano da Rocha tomou as medidas administrativas burocráticas para atender às exigências da legislação brasileira de emigração para profissionais contratados e enviou-me a documentação pertinente. Na época eu desempenhava a função de assessor selecionador técnico do Serviço de Seleção de Imigrantes no Extremo Oriente, onde era colega do doutor Broxado.



 



Em 1968, teve início uma das fases do nosso relacionamento que alimentava grandes esperanças ao senhor Kim mas que resultou no seu - e no meu-, maior desaponte.



 



No início de janeiro de 1968 esposa e duas filhas menores do senhor Kim tinham em mãos a documentação para apresentar na entrevista com o doutor Broxado. A documentação técnica da família Kim - documentos pessoais e de aptidão profissional do cabeça do casal -, já havia sido por mim aprovada. O entusiasmo do senhor Kim se fazia sentir em nova correspondência:



 



Today my family have received the medical examination at the Saint Mary Hospital. I visited the Brazilian Embassy to consult on January 23, I can meet “Consul” and I was very happy. Thank you very much for your kindness. And I asked an office-worker of (the) Embassy to let me know Dr. Broxado´s arrival. I believe that the office-worker will write me and inform the doctor´s news.[13]



 



Aos 10 de fevereiro de 1968 recebo nova carta[14] do senhor Kim, carta “escrita sobre a mesa de um café” nas proximidades da Embaixada, na qual, depois de reiterar os momentos de alegria e expectativa que vivera antes do encontro com o doutor Broxado, manifestava sua frustração por ter sido reprovado no exame médico e ter visto escapar de suas mãos o sonho que vinha alimentando nos últimos anos: “imigrar para o Brasil e ali trabalhar”. Posteriormente o doutor Broxado informou-me que a reprovação do senhor Kim se justificava pelo fato dele ter no ápice do pulmão esquerdo uma pequena infiltração – um nódulo que na radiografia aparecia como um círculo de pouco mais de meio centímetro de diâmetro -, sinal de tuberculose, doença que constava da lista das que impediam imigração para o Brasil e que o acometera nos últimos anos do serviço militar.



 



Meses depois, por carta,[15] comentou a troca de correspondência com Harumichi Sakata, membro do ISPAA, para quem, em novembro do ano anterior, enviara 7 trabalhos para a mostra realizada de 22 a 29 de março daquele ano na Super-loja Keiyo, em Osaka; e de quem recebera 20 cópias do correspondente catálogo. Por ter tomado conhecimento de que, logo, eu seria transferido para um posto na América Latina, Kim Sang Yu presenteou-me enviando pelo correio 28 gravuras e, em seguida, mais 5, pedindo-me doá-las a quem por elas manifestasse interesse:



 



I have sent my 28 works. I present you the works, please give them to whoever wants it. I tried new 5 works, but 3 works failed of success. I am short of new technique and idea. I will try the old style again and new style. I am very sorry. If 3 works will be complete, I should like to send you.[16]



 



De 1969 a 1974, já como funcionário do quadro permanente do Itamaraty, estive lotado em Assunção, Paraguai, período durante o qual meus contatos com os amigos japoneses e coreanos foram esporádicos, em decorrência do meu interesse em dedicar-me a conhecer a cultura e as artes do povo guarani. Antes mesmo de partir de Assunção e retornar para Tóquio em meados de 1974, recebi carta[17] do senhor Kim informando que, durante três meses, visitara no Havaí uma de suas filhas e que era para lá que pretendia imigrar em virtude do “ar, água e tempo” favoráveis à sua saúde. Comentou que interrompera as atividades artísticas em virtude da piora dos olhos. Chegando a Tóquio, retomei meus contatos no Japão e na Coréia. Voltei a interessar-me pelas obras do senhor Kim com intuito de atendê-lo e ajudá-lo a encontrar mercado no Japão. Em março de 1976[18] , anunciou o envio de 24 gravuras com preços variando de 20 a 40 dólares, valor que considerei aquém do que mereciam. O senhor Kim mantinha-me sempre informado de seus planos, de suas atividades e, orgulhoso, dos avanços nos estudos das suas filhas; a mais jovem começara o ginásio da escola anexa à Igreja Católica de Myong Dong, perto de sua residência; e a mais velha, em meados de 1976, entraria para a universidade. Em julho de 1977, parecendo ter melhorado sua saúde e ganho forças para dar continuidade aos seus projetos, informava que, em outubro, mudaria para Yoido-dong, nova região de Seul, onde confessava desejar “viver lá para sempre”; e afirmava que “na próxima Primavera”, significando em meados daquele ano, planejava uma mostra individual dos seus trabalhos a óleo, “flores e paisagens da Coréia”, ao todo 42 obras de tamanho pequeno, variando de 41x32cm e 53x45,5cm.



 



Em Ottawa, onde estava desde julho de 1977, recebi mais uma carta[19] do senhor Kim, contando que lecionava gravura em um colégio para mulheres, trabalhando 21 horas semanais; e que fazia xilogravuras e pinturas a óleo para uma exposição planejada para o ano seguinte, em Seul. Esta foi a última carta por mim recebida. Desde então não tive mais contato com o senhor Kim e nem mesmo resposta às duas cartas enviadas ao endereço que me havia informado.[20] Embora nossa troca de correspondência fosse irregular, às vezes mais freqüente, às vezes não, acreditei que o senhor Kim sempre esteve insatisfeito com as oportunidades, pessoais e artísticas, lhe eram oferecidas em seu país, nunca deixou de sonhar com novas oportunidades que, por razões diversas certamente não se concretizaram.



 



Dados relativos à formação e às atividades de Kim Sang Yu como artista constam das seguintes publicações da ISPAA: Boletins n° 1, de março de 1966, com reprodução de uma gravura[21] , nº 2, de maio de 1966, com foto do artista, e nº 6, de fevereiro de 1969, com foto e reprodução de uma água-forte; do catálogo da Exposição Internacional em Seul, de 3 a 12 de agosto de 1967, patrocinada pelo jornal Jhoog-ang Ilbo, pelo Ministério da Informação Pública e pelas embaixadas do Brasil e do Japão na capital coreana; e do catálogo, de 1973, comemorativo aos 10 anos da fundação daquela sociedade.



 



Kim Sang Yu esteve no Tóquio em 1967, quando visitou a Embaixada do Brasil na companhia dos pintores Yoon  Myng  No, Park Seo-Bo e Kim Dae Woo[22] ; e em Kyoto em março de 1976[23] . Vale a pena recordar que também em 1967, por intermédio de Kim Sang Yu conheci ao jovem pintor estadunidense R. N. Flavin, na época, soldado da marinha servindo na Coréia e que foi ao Japão para gozar do período de folga a que tinha direito. Levei-o a Kamakura, cidade a uns 50 km de Tóquio, onde visitamos a estátua do Grande Buda, a segunda maior do Japão, ainda em um amplo espaço aberto sem muros e cobrança de ingresso; o templo xintoísta Hachimangu,com sua imponente escadaria de acesso; e a Hase Kannon, a Deusa da Misericórdia com suas 12 cabeças. Fomos ao encontro do poeta e fotografo Ryozen Torii que serviu de intermediário com o templo Konoyoji que, gentilmente, hospedou Alvim pelos dias que permaneceu no Japão. Posteriormente, Alvim, à guisa de agradecimento, enviou-me de Seul dois bicos de pena com vistas do templo onde se hospedara.



 



Nos últimos anos, obras de Kim Sang Yu foram a leilão em Seul, em 12 de julho de 2009, e em Paris, em 29 de abril de 2011. No primeiro um óleo intitulado “Paisagem”, de 26x21cm, e uma série de 14 águas-fortes e no segundo a água-forte “Nu”.[24]



 



Kim Sang Yu sempre foi um homem modesto, simples, cordial, intensamente dedicado à família, ao magistério e ao seu hobby-profissão como artista, tendo produzido obras de grande expressão, com linguagem bastante pessoal, praticando por vezes um abstracionismo no qual não deixa de aproveitar símbolos diversos representativos da cultura tradicional do seu país, inclusive a reprodução de textos em hangul, caracteres fonéticos típicos do “alfabeto” coreano. Suas cores nunca foram vibrantes, com predominância de verde opaco de aparência pálida, talvez refletindo seu espírito e suas experiências nos conflitos dos quais participou como qualquer cidadão da sociedade da Península Coreana dividida por interesses alheios a ele e a totalidade daqueles que viveram os momentos de discórdia e de cobiça ao Norte e ao Sul do paralelo 38.



 



Graças ao nosso interesse pela arte, Kim Sang Yu e eu construímos laços de amizade que perduraram e que em nenhum momento feneceram. Imaginando o melhor destino que poderia dar às obras das quais fui guardião por mais de meio século, decidi que elas seriam doadas aos olhos curiosos e ávidos de todos aqueles que freqüentassem o Museu Leopoldo Gotuzzo, de Pelotas, para que, de alguma forma, se concretizasse seu sonho de radicar-se no coração do Rio Grande do Sul e de compartilhar seus conhecimentos de artista. Hoje, suas obras são também arautos da sua mensagem de fraternidade que embora chegando tardia se faz presente aos que o precedem após a virada de século.



 



A correspondência que trocamos, vez por outra, vinha acompanhada de alguma foto ou de algum cartão postal. Eram a foto do casal Kim com as duas filhas ainda meninas; a do nosso almoço em companhia de sua esposa; a dele na visita que fez ao Ryoanji Sekitei; a dele sentado em um sofá tendo nas mãos um dos seus quadros a óleo e ao fundo sua mesa de trabalho; outra dele, na sala de seu apartamento, segurando outro quadro a óleo, com mais três encostados em uma estante repleta de livros, inclusive quatro volumes do New English Course e uma foto do seu casamento; e, na parede ao lado da estante, outra foto documentando a estada de sua esposa em Paris. Para o amigo enviei cópias das fotos que tiramos no dia de minha visita ao seu Mok Hwa apartamento, fotos que tirei em Tóquio e Osaka e alguns cartões postais, inclusive de Pelotas, da Lagoa dos Patos e do Rio de Janeiro. Apesar desses contatos não recordo nem o nome de sua esposa nem o de suas filhas nomes que não aparecem na sua correspondência onde elas são lembradas apenas como “minha esposa” e “minhas filhas”. As lembranças recebidas acompanham o destino dado às suas gravuras



 



Reiterando e complementando os dados fornecidos acima, faltando um período de cerca de 30 anos a ser preenchido, o curriculum parcial de Kim Sang Yu resulta como segue:



 



1922[25] - Nasce em Inchon, às Margens do Mar Vermelho.



1947 - Graduado em Literatura.



1948 - Faz mestrado em Filosofia.



1949 - inicia suas atividades com professor da Escola Secundária em Inchon.



1950/1954 - Serve ao Exército e participa da Guerra da Coréia.



1963 - Realiza sua primeira exposição individual na galeria do Centro Nacional de Informações, em Seul.



1964 - Participa da exposição da Associação dos Gravadores da Coréia do Sul, em Seul.



1964-1969 - Como membro da Associação Internacional de Artes Plásticas e Audiovisuais (ISPAA) participa das mostras realizadas em:



1964 - Osaka, Japão.



1966.5 - Osaka, Japão, Galeria Nakamiya.



1965.7 - Osaka, Japão, Galeria Nunu; e Sakata, Província de Yamagata, Japão, Museu de Arte Homma.



1967 - São Paulo, Brasil, no Museu de Arte Contemporânea: Arte Contemporânea Japão e Coréia do Sul;



1967.8 - Seul, Coréia do Sul: Galeria do Centro Nacional de Informações.



1969.2 - Naha, Okinawa, Hall do Okinawa Times. Taipei, Taiwan. Kyoto, Japão: Museu Municipal de Arte.



1968.3 - Expõe, com Harumichi Sakata, na galeria da Super-loja Keiyo, em Tóquio.



1968.7 - Participa da exposição dos gravadores da Coréia do Sul, no Museu de Arte Moderna de Tóquio.



1968.10 - Participa da Bienal Internacional de Gravura em Buenos Aires.



1968-1969 - Participa das mostras da Associação da Gravura Moderna da Coréia do Sul, em Seul.



1969.3 - Participa da Trienal de Gravura em Capri, Itália.



2002 - Falecimento.



2009 - Um óleo e 14 águas-fortes são leiloados em Seul.



2011 - Um óleo é leiloado em Paris.



 



 




 






[1] Sobre a primeira visita escrevi o artigo Primeira visita à Península da Coréia, de janeiro de 2011, disponível em www.usinadeletras.com.br.





[2] O período da Guerra da Coréia foi de 25.06.1950 a 27.07.1953.





[3] Algumas vezes o nome deste jornal é romanizado como Tong-A Ilbo.





[4] Kim Sang Yu, assim como muitos coreanos, usava outras grafias para seu nome romanizado, além do colocar o prenome ora na frente ora depois do nome. Assim: San-yu Kim (19680107), Sanyu Kim (19680125), Kim San-Yu (19680515), Kim Sang Yu (19760220, 19760320, 19770729 e 19771013), formas constantes da correspondência dele recebida.





[5] Inaugurada em 14 de janeiro de 1964, na principal galeria do Ministério da Informação com 58 obras de Lívio Abramo, Edith Behring, Ibere Camargo, João Luiz Chaves, Roberto De Lamonica, Oswald Goeldi, Marcelo Grassmann, Hermano José Guedes, Fayga Ostrower, Rossini Perez, Isabel Pons, Artur Luiz Piza, Carlos Prado e Ana Letícia Quadros.





[6] Informações que constam do relatório, de 02 de março de 1964, entregue à Embaixada do Brasil em Tóquio e, dois dias depois, encaminhado ao Itamaraty pelo então Encarregado de Negócios interino, Secretário Murilo Gurgel Valente, juntamente com as obras de Kim Sang Yu.





[7] Os artigos foram publicados nos jornais Dong A Ilbo (6), Hankook Ilbo (1) e The Korean Repulic (2).





[8] A menor freqüência foi de 1.570 visitantes, na véspera do enceramento da mostra, e a maior no último dia com 3.378 pessoas.





[9] Artigo publicado em 8.1.1964 pelo jornal Dong A Ilbo





[10] A ISPAA foi criada em 1963 e sua primeira mostra ocorreu entre 18 e 23 de junho do mesmo ano, no Salão de Exposições da Super-loja Daimaru, em Kobe, patrocinada pelas embaixadas do Brasil e Argentina.





[11] Carta de 07.01.1968.





[12] Fiquei muito alegre com sua carta. A recebi em 31 de dezembro e, aos 5 de janeiro, fui ao encontro do senhor Rocha e do doutor Broxado. Eles já tinham regressado ao Japão. Peço desculpas. Atrasei-me. Acredito que na ocasião o correio estava atarefado.





[13] Em carta de 25.01.1968: Hoje minha família fez os exames médicos no Hospital Saint Mary. Visitei a Embaixada do Brasil no dia 23 de janeiro para consultas. Encontrei o “Cônsul” e eu estava muito contente. Pedi a um funcionário da Embaixada informar a vinda do doutor Broxado. Acredito que ele vai me escrever e dar notícias do doutor.





[14] Carta de 06.02.1968.





[15] Carta de 15.05.1968.





[16] Enviei-lhe 28 trabalhos meus. É meu presente que peço oferecer a quem os desejar. Tentei 5 novos trabalhos mas 3 deles falharam. Sinto falta de nova técnica e nova idéia. Tentarei novamente o estilo antigo e o estilo novo. Peço desculpas. Se terminar os 3 trabalhos, desejo enviá-los para você.





[17] Carta de 24.03.1974





[18] Em cartão postal a cores, mostrando o Museu Nacional Central, em Seul.





[19] Carta de 13.10.1977.





[20] 2-12-2 Mok Hwa Apt. 2-12-2 Yoido-dong, Youngdungpo-ku, Seoul.





[21] A mesma constante do catálogo da exposição da ISPAA na Galeria Nunu, em Osaka, e no Museu de Arte Homma, em Sakata, Província de Yamagata.





[22] Conforme documenta foto do grupo com o embaixador Álvaro Teixeira Soares e o encarregado do Setor Cultural, adido L. C. Vinholes.





[23] Conforme documenta foto tirada no Ryoanji-sekitei (jardim do Templo do Dragão usando 15 pedras irregulares sobre superfície de areia branca), da seita Rinzai do Zen Budismo, construído em Kyoto, em 1473, por Katsumoto Hosokawa.





[24] Conforme o site <www.arcadia.com/auctions/en/sang_yu_kim/artist/375329>





[25] Cumpre registrar que nos Boletins n°s 1 e 2, de março e maio de 1966 o ano do nascimento de Kim Sang Yu figura como sendo 1932; e que do Catálogo das exposições coletivas da ISPAA, em Seul, em 1967 e 1969,  bem como do site mencionado na nota de rodapé nº 24 - que também informa ter ele falecido em 2002 -, é dado como sendo 1926. Por outro lado, do folheto de divulgação da mostra de água-fortes realizada em 1963, na Galeria do Centro de Informações da Coréia, em Seul, recebido de Kim Sang Yu depois do nosso primeiro encontro, ele acrescentou, à mão, entre outros dados e ano de 1922 como sendo o do seu nascimento. Dei fé a esta informação.



 




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