Lendo a crónica de meu herói e ídolo - LFV é claro - já tenho a barriga e a careca, se bem ainda não está tão lustrosa - lembro do verbo cofiar. Logo eu que, ao contrário dele, tenho barba, devia estar mais atento a este verbo. Qualquer um que não raspe a barba pode ser pego a qualquer momento cofiando. Ele diz que não sabe exatamente o que seria cofiar. É claro, só quem tem barba pode cofiar com naturalidade. O dicionário dá uma brecha aos cabeludos, permitindo que se cofie também o cabelo, mas digamos que o cabelo não chega a ser um atributo muito forte de meu ídolo. Nem tem muito sentido ficar cofiando o cabelo. Ninguém faz cara de inteligente e fica alisando o próprio cabelo.
Fazendo uma retrospectiva noto que, de fato, não tenho cofiado muito mesmo. Eu conhecia o verbo mas devo confessar que ele estava esquecido, erradamente guardado junto com alguns verbos inúteis. Bamburrar, por exemplo. Para mim é inútil no momento. No curto prazo não há nenhuma previsão de enriquecimento instantàneo. Mais adiante, quem sabe? Não posso perder a esperança. Mas cofiar não. É muito útil, necessário mesmo. Tão logo me dei conta da injustiça e do desperdício, recuperei o verbo amigo e já estou aqui cofiando, enquanto reviso o texto.
Cofiar é um verbo sério, sóbrio, muito adequado a senhores de meia idade. Além disto, cofiar é algo que está sempre à disposição para quem esteja habilitado. Para muitos é um costume, quase um vício. É barato, o que já facilita em muito a adoção desta nobre atividade. É simples também. Basta ficar parado, fazer uma cara de quem está pensando em algo muito importante e ir cofiando. Pensando e cofiando, pensando e cofiando. Mesmo para aqueles que não estão acostumados a pensar a prática é possível. Na realidade, não é necessário pensar de verdade. Você pode cofiar e fazer de conta que pensa. O cofiar é muito útil também naquelas situações em você é pego por uma pergunta inesperada. Enquanto pensa como sair da enrascada ganha algum tempo cofiando. Outra vantagem: enquanto você cofia, você mantém a boca fechada, o que é sempre muito útil na profilaxia da emissão indevida de besteiras, sem falar no velho ditado sobre moscas.
Será que para cofiar a própria barba é necessário saber da existência do humilde verbo? Penso que sim e talvez por isso que se esteja cofiando menos nestes dias tão próprios para isto. Ninguém mais sabe o que é cofiar.
O ato de cofiar trás inúmeros benefícios ao cofiador. Além daquele ar de quem está pensando, o que permite aos demais descobrir ou imaginar que ele pensa, ainda permite disfarçar o fato de que, não raro apoiamos o cotovelo na mesa e ficamos escorando a cabeça. Naqueles momentos em que está muito difícil manter a cabeça erguida, é só escorar e todos acharão que você está apenas cofiando, sem maiores interesses. Agora, se você raspa a barba nem tente usar este artifício. Vão dizer que é coisa de vagabundo, que você não segura a própria cabeça, que fica coçando o queixo. Não tem sentido e você pode ser denunciado por exercício ilegal do cofiar. Se você usa apenas bigode, pode cofiar, mas com grande moderação, sob pena de acharem que você está coçando o nariz.
Há quem queira fazer confusão e misturar coçar com cofiar. Nada mais enganador. Na falta do que fazer, há lugares para se coçar, mas cofiar mesmo, só a barba.
