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Ensaios-->50. 28.o Relato — O QUE SE PODE ESCONDER -- 30/01/2004 - 07:49 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Quando estou enfastiado, entediado, procuro refugiar-me em alguma casa do socorrismo espiritual, os chamados centros espíritas. Ali reencontro certa paz interior e posso ver o trabalho que dão os confrades, muitos recém-saídos dos invólucros carnais.

Peço não estranharem o vocabulário, pois, assíduo freqüentador dessas sessões, aprendi vários termos bem pertinentes, bem adequados ao tema que ousarei desenvolver.

Pois bem, durante uma dessas sessões de desobsessão, assisti à pregação que o orientador encarnado fez a companheiro que se atreveu a desafiar a argúcia dos responsáveis pelo bom andamento dos trabalhos. Eu mesmo só estou adquirindo essa coragem hoje, mas sem o intuito agressivo, porque reconheci, na voz do dirigente, certa razão em administrar diversos ensinos que se engastavam de modo indelével no que eu aprendi no catecismo, durante a primeira juventude.

Entre outras coisas, citou alguns mandamentos das leis de Deus. Esses mandamentos sempre pensei que tivessem sido escritos por Moisés para colocar ordem no povo judeu, que estava desarvorado, perdido no deserto, e que, à vista da aproximação de territórios possíveis de serem ocupados, começaram a perpetrar atos de profundo desagrado do Senhor e da fé de que era dotado aquele povo. O que os maiorais pretendiam era invadir as terras adjacentes à orla do deserto e ali fixarem as tribos, sem qualquer vínculo com o primado mosaico. Assim, tinha comigo que Moisés organizou a legislação, dentro da qual o decálogo é mínima parte, para submeter os chefes à sua tutela.

Mas verifiquei que me enganava, pois o doutrinador me fez ver a possibilidade da intermediação, do mesmo modo que fazia o médium ao receber os informes do espírito obsessor. Imaginei a figura do dirigente da sessão como sendo Deus ou alguém bem próximo dele; o médium, fiz transformar em Moisés; o povo era o espírito que estava recebendo a informação. Como se vê, troquei a posição, pois a mensagem de amor, de conhecimento, de fé, estava justamente sendo pregada pelo mortal; ao espírito reservava-se o direito de ouvir e a prerrogativa de manter-se distante daqueles dizeres, pois não se lhe derrogava o livre-arbítrio.

Essa concepção me abriu a mente para a possibilidade de que as leis fossem realmente de Deus e de que Moisés recebera o decálogo diretamente das mãos dele. Como o espírito rebelde, que não aceitava a orientação que lhe era ministrada, assim também agia o povo de Israel. Eu, que judeu não me lembro de nunca ter sido, que sequer aceitava a manifestação mediúnica para simples comunicados pessoais, que dizer, então, do fato de serem divinas as leis?! Mas isso ficou abalado.

Por isso é que me propus a enfrentar a vergonha de vir à presença de pessoas desconhecidas para apresentar-me totalmente convencido de que devo parar de vagar na erraticidade. É chegada a hora de ouvir, eu mesmo, as recomendações especiais para o meu caso e rogar a boa vontade dos presentes.

No começo, disse que me entediava, que me enfastiava, mas não pensem que fosse porque ficasse sem ter o que fazer. Não é bem assim. Não parava um instante, mas o que me aborrecia era ter de fazer sempre as mesmas coisas. No começo, até que era divertido descobrir as possibilidades das brincadeiras que deixavam as pessoas sem saber o que pensar. Aos poucos, perdiam a graça, quando as pessoas percebiam que estavam sendo iludidas e se voltavam contra nós, principalmente quando sabiam da possibilidade de estarem sendo atrapalhadas por seres do plano espiritual. Aí procurávamos outras pessoas mais ingênuas e o fato se repetia, interminavelmente.

Um dia, surpreendi-me durante uma excursão totalmente alheio ao que estava fazendo e pedi permissão a um guardião de centro espírita para permanecer quietinho ali dentro. Foi pedir e ser recebido alegremente.

Devo confessar que não gostei do que vi no começo. Era só oração e muita gente trabalhando, muito soldado trazendo entidades acorrentadas. Na época, pensava que seriam escravos e só não fugi porque não mexeram comigo.

Assim, esse fato foi repetindo-se mais amiúde até este dia em que me concederam o privilégio de expor tão demoradamente a minha história. Pelo que tenho observado por aí, só mentores intelectuais e morais é que recebem tanta atenção por parte do grupo, pois os miseráveis despojados da vergonha se sentem menos à vontade e não se lhes permite dizer tudo o que pensam.

Dizem-me para não julgar a respeito do que desconheço, pois pode estar ocorrendo algo tão incompreensível para mim como era o fato de o decálogo não conter a malícia que acreditava que continha.

É verdade. Preciso reconhecer.

Minha vida decorreu do modo mais banal possível. Se querem saber se fui algum grande criminoso, saibam que não. Só pratiquei alguns furtos, mas foi de modo bem pouco violento. Era funcionário de empresa, encarregado das compras. Ficava fácil para mim fingir a aquisição de determinados materiais por valor elevado e ficar com a diferença do dinheiro. Outras vezes, encarregado da manutenção, recolhia peças boas da maquinaria e trocava-as por novas, alegando defeitos, ficando com a usada para fornecer a “clientes” que desejavam lucrar com a compra por preço bem inferior ao da praça. A respeito das leis de mercado, da compra e venda, do registro falso em “caixa dois” etc., eu poderia ficar o dia todo escrevendo.

Grandes desfalques nunca pratiquei e jamais alguém suspeitou do que eu fazia até que a polícia capturou um dos receptadores, o qual me denunciou. Fui expulso da firma por justa causa e me vi na rua da amargura, pois meu nome foi para a lista negra.

Precisei sair da cidade, mas não me fixei mais definitivamente em nenhuma outra, conseguindo emprego de caixeiro-viajante ou, como chamam agora, de representante de vendas. Mais fazia propaganda das firmas do que tratava com dinheiro ou com mercadorias. Desse modo, contiveram-me os instintos de lucro fácil.

Minha família ficou ao abandono e dei de beber, até que a velhice chegou, com pequeníssima renda do instituto estatal. Cheguei ao fim em maravilhosa manhã de setembro, quando o Sol despertava no horizonte. Lembro-me, ainda, do fato por achar-me em leito hospitalar cuja janela se voltava para o nascente. Imensas dores no peito me acordaram naquele radioso instante e não suportei o último ataque.

Do lado de cá, alguns antigos credores me receberam em sua companhia e com eles passei a agir conforme o relatado ao início. Como se vê, na vida, tudo decorreu de modo fútil, vazio, sem nenhum progresso, a não ser no amor que dediquei à família, pois muito sofri com o sofrimento de todos.

O que mais me pesou foi o acúmulo de vibrações más que emiti contra o mercenário que, a soldo da polícia, para não sofrer na prisão, me delatou. Não fui preso, por comiseração dos patrões que me acobertaram financeiramente, embora me tivessem despedido — acho que eram espíritas e se condoeram de minha família. Mas a mim não puderam socorrer, mesmo porque me neguei a aceitar qualquer auxílio que me envergonhasse perante as pessoas.

O que mais estranhei, quando aqui cheguei, foi o fato de pessoas que nunca tiveram conhecimento, em vida, de minhas falcatruas estarem perfeitamente cônscias de tudo de mau que pratiquei contra suas firmas e contra o seu patrimônio. O bom é que não foram todos que compareceram para me fazerem de escravo. Agora percebo que me perdoaram, o que faz com que tenha como dever de honra restituir-lhes tudo o que lhes surrupiei.

Não tenho muita coisa a acrescentar, pois o que me pareceu importante eu disse. Pedem-me para não ser tolamente falso, pois estou escondendo um crime de sangue.

Parece que a ninguém é interdito conhecer o que fiz na vida! Não forneci essa informação, pois foi a infâmia maior da minha vida, e eu esperava passar por aqui sem confessar o que fiz de pior. Achava que iria ter um dia de revelar tudo, mas que o público ouvinte fosse bem diminuto.

Dizem-me que não preciso contar o fato mas só denunciá-lo de viva voz.

Pois bem, na realidade, meu desafeto foi abatido por mim por ter-me arruinado a vida. Por causa disso, fui preso e processado. Roguei que me livrassem dos apuros do cárcere, mas lá sofri os horrores de um resto de vida impuro.

É verdade que morri à luz do Sol, mas foi na cadeia, abatido por marginal que me julgava alcagüete.

Não gostaria de prosseguir e, se não mereço ser salvo da atual situação, peço para vibrarem espiritualmente por mim, para que possa retornar à erraticidade.



Comentário

O “diabrete” que se apresentou para doutrinação realmente veio por espontânea vontade. Sua história pareceu-nos de início inverossímil, pois asseverava ser homem comum, de bons hábitos, mas se reconhecia fraco em relação aos pertences materiais. Os crimes que relatou não condiziam com a aura absolutamente escura. Sabíamos não se tratar de ser grosseiro ou violento, pois reconhecemos serem verdadeiras as palavras que o descreveram como brincalhão; no entanto, ao se referir ao fato de que as pessoas se sentiam lesadas e procuravam asilo religioso, quase deixou escapar que o fazia por maldade. Esse sistema de esconder os malfeitos trouxe da derradeira encarnação, quando, na verdade, praticou todos os furtos declarados. Assassinou, foi preso e condenado e pereceu às mãos dos companheiros de cela, por ter sido realmente informante da polícia. Estamos reproduzindo, em resumo, a vida do amigo, para resguardar o leitor da sensação de que a história possa não ter sido exatamente a relatada.

A partir daí, vamos estender-nos um pouco a respeito do furto que permanece a coberto da opinião pública.

Existem, para cada indivíduo, circunstâncias favoráveis à realização de pequenos atos de contravenção, que passam por ações inócuas, que não vão prejudicar ninguém especificamente, principalmente quando a dilapidação se dá às custas de grandes firmas ou do governo. Assim, pequenos funcionários encarregados das contas, outros a quem se dá o dever dos registros de compras e vendas, outros que buscam contratos através de licitações “et alii”, se sentem, muitas vezes, livres para cometer pequenos atos de desvios de fundos ou de mercadorias, sem que a consciência pese, por não estarem onerando diretamente a outrem. Sentem-se seguros do que fazem e não correm o risco de serem apanhados. Em geral, quando surpreendidos, determinam-se a jamais proceder do mesmo modo e aprendem a lição. Outros existem que agem de comum acordo com os fornecedores, com clientes ou com o fisco. São mais arrojados e igualmente perniciosos para suas almas.

Quando Jesus nos disse para que nos reconciliássemos com os inimigos antes do desencarne, estava, evidentemente, referindo-se também a esses fugidios adversários, que se traduziriam nas pessoas do povo ou do público, por trás das instituições governamentais, do dono da firma ou dos acionistas, no caso das empresas particulares, e assim por diante.

Um aluno que surrupia um giz na escola pode estar configurando futuro tesoureiro a meter a mão em boladas bem maiores. Do mesmo modo que o pai prestimoso obriga o filho a repor o giz, a consciência, um dia ou outro, irá impor à criatura a devolução de tudo que obteve por via ilegal.

Esta advertência poderia estender-se para bens morais que são furtados às pessoas, por meio das maldades veiculadas pela língua, mas o comentário estender-se-ia para campos novos não ensejados pelo caso ora tratado.

Se você, bom amigo, estiver em situação de devedor sem credor definido, se não sabe como restituir os bens que a insensatez um dia lhe permitiu embolsar e se não compreende como proceder para resgatar débitos tão sutis e maleáveis, não se acanhe, procure centro espírita e se integre nas equipes socorristas. Se possui os valores correspondentes a todos os pequenos desfalques, faça doação deles aos necessitados. Se esbanjou tudo que conseguiu de modo irregular, trabalhe com afinco, pensando em cada um dos desvios, relacionando-os à aplicação das energias, de modo a sentir estar ficando em dia com a consciência.

Se você se julga quite, uma vez que a exploração pelos órgãos do governo de seus bens foi superior a qualquer coisa de que pudesse ter-se indevidamente apossado, ainda assim não confie nos seus cálculos, pois o que lhe pode parecer muito, no julgamento divino pode nada representar. Por exemplo, você “aliviou” a caixa escolar de algumas moedas, pois se declarou paupérrimo e lhe foram fornecidos livros, material, uniforme e descontos especiais. Enquanto isso, seu dinheiro jazia na “poupança” e era dilapidado pelo poder público, por força do conhecido jogo financeiro que só beneficia a entidade estatal. Pois bem, o que surrupiou da escola jamais irá corresponder a qualquer soma que lhe for subtraída da conta bancária, isto porque o que conseguiu foi à custa da perda de outra pessoa realmente necessitada e o que perdeu lhe sobejava do patrimônio. Não faça, portanto, contas de chegar, pois poderá ocorrer falha nos cálculos e o devedor irá ser sempre você.

Perdoe-nos por nos termos derivado da doutrinação do sofredor para a pura pregação ao leitor. É que temos visto que os pequenos maus hábitos soem ser considerados sem importância, pelo grande mau hábito de a pessoa se julgar imune à crítica, quando se trata de algo que não foi presenciado por ninguém. Além de os reais credores saberem reconhecer quem lhes tirou o que legitimamente lhes pertencia, quando do retorno ao plano espiritual, resta a acusação sólida e bem direcionada da consciência, que não perdoará a posse indevida do mais miserável palito de fósforo que se apanha na cozinha do banco para se acender o cigarro. O exemplo que estamos dando pode parecer ridículo, mas, quando se sabe que folha não cai sem que Deus o saiba, é preciso pôr as barbas de molho.

Oremos, irmãos, para que encontremos outros exemplos com que ilustrar a pregação. Saibamos reconhecer, para cada pequenino gesto furtivo, o prisma espiritual que o desaprova. Rezemos para que os instrutores nos esclareçam quanto àqueles fatos que irão constituir-se em empecilho para o progresso e saibamos solicitar os meios de que lançaremos mão para suplantar as deficiências. Ergamos os pensamentos a Deus e clamemos por luz e compreensão, para que nosso navegar seja tranqüilo e nosso destino se cumpra integral.

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