Usina de Letras
Usina de Letras
189 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62152 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10448)

Cronicas (22529)

Discursos (3238)

Ensaios - (10339)

Erótico (13567)

Frases (50554)

Humor (20023)

Infantil (5418)

Infanto Juvenil (4750)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140785)

Redação (3301)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1958)

Textos Religiosos/Sermões (6176)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Ensaios-->49. 27.o Relato — ENSAIOS INFAUSTOS -- 29/01/2004 - 07:28 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Intentei entrar em contacto através de uma gracinha mas fui rechaçado na hora. Vejo que tenho de perfilar-me soldado diante do general, se quiser haurir em paz estes momentos de doutrinação.

Vou, desde logo, avisando que tenho conhecimentos vários em diversas áreas das humanas ciências e que poderia fazer desfilar diante das pessoas inúmeros argumentos que me fariam respeitado pelas autoridades mais preeminentes do humano saber. Mas entendo também das virtudes evangélicas, embora não as tenha praticado. Devo confessar-me ex-pastor protestante e ex-cultor das artes bélicas, pois, em encarnações subseqüentes, tratei das batalhas e depois dos sermões e pregações morais e religiosas.

Da primeira feita, revelei-me fraco e covarde, pois, enquanto arquitetava as artimanhas com que envolveria os exércitos inimigos, punha-me verboso e imponente, mas quando me via acossado pelo adversário, era o primeiro a despir-me das armas e do uniforme e a refugiar-me atrás das linhas de combate, procurando disfarçar-me como pobre camponês, o que me não era difícil, tendo em vista a minha origem muito pobre. Inteligente, bem interpretava o papel e jamais caí prisioneiro.

Finda a guerra, comandante das forças derrotadas, mudei de identidade e fui servir a um patrão rigoroso mas velho, que, ao final, acabou permitindo-me administrar-lhe os bens. Não é preciso dizer que me aproveitei dessa oportunidade valiosíssima para reerguer-me diante da sociedade. Espoliei a família do infortunado e fiz-me proprietário de tudo. Morri na velhice, cercado de extensa parentela, amado por alguns, odiado por muitos, execrado pela maioria. Essa foi a herança que deixei de que me “aproveitei” durante longa estadia nas trevas.

Após muito pelejar, retornei à carne, programando cumprir à risca extenso plano de atividades regeneradoras. Mercê da família que me recebeu, consegui a almejada posição de pastor de afamada seita evangélica, de sorte que pude receber na família como filhos diversas criaturas com quem estava em débito. Tudo transcorreu de acordo com o planejado, até completar a idade de trinta e cinco anos. Aí as forças do mal coligaram-se para me derrubar.

Sei-o agora, de volta de novo estágio no Umbral. Na época, não atinei com a malícia do mundo e deixei-me empolgar pelo meu avanço em determinados ramos do conhecimento científico que empreendi, por força de grande curiosidade inata que trouxe para a derradeira existência na carne. Aos poucos, o exame da matéria, a descoberta de determinadas leis físicas, todo o aparato químico e o relacionamento com a vida biológica foram estimulando-me os sensores para a interpenetração na vida do ponto de vista do pragmatismo mais rudimentar.

Após longo período de mistificação, em que iludia a mim mesmo e aos congregados da igreja que pastoreava, resolvi adotar de vez a verdade que extraía dos sistemas elaborados a partir da experimentação empírica; joguei a bata num canto, arremessei a família para outro e saí pela vida à busca dos lauréis que por todo lado arrebanhava, à vista de grado conhecimento.

Arrebatei-me pela intelectualidade e desperdicei a oportunidade de ouro que obtivera de realizar a recuperação planejada. Acrescentei novos débitos aos anteriores e incrementei estes últimos de novos desatinos. Em suma, saí do novo encarne cercado por ninguém, amado pela maioria, odiado por muitos, execrado por um pugilo de almas cuja assistência neguei, tendo-as relegado ao infortúnio de vida plena de percalços e de sacrifícios, principalmente por terem sido expulsos da confraria religiosa, sem terem podido sequer defender-se.

Devo dizer que tais pessoas se viram ainda mais angustiadas, minha esposa e filhos, por ter-me unido a jovem cientista que me auxiliava no laboratório. A situação lhes foi tão vexatória que se viram na necessidade de transferência de domicílio para outra cidade, onde comeram o pão que o diabo amassou. Ao invés, entretanto, de se aproveitarem do ensejo para crescerem no Cristo, que os amparara durante boa parte de seu trajeto de vida, renegaram a divina influenciação e só tiveram vozes para amaldiçoar-me. Duplamente devedor, vi-me às voltas com terrível perseguição no âmbito tartárico.

Hoje me penitencio de tudo o que fiz. Sei que não mereço consideração, muito embora tenha contribuído para certos avanços científicos. Se revelasse meu nome, certamente muitos dos leitores admirar-se-iam por ter enfrentado tantos dissabores, tais as comendas que me foram outorgadas na derradeira encarnação.

Mas não vim para trazer a miséria da minha sorte para a compaixão de ninguém. Experiente de dois embates de que me lembro com clareza, conheço bem os caminhos e os descaminhos. Sinto não ter reconhecido desde logo a seriedade deste trabalho e só agora percebo que a oportunidade que estou recebendo faz com que a estrada da existência se bifurque: uma me levará aos trabalhos forçados que me encorajarão a mais outra tentativa; a outra me conduzirá de volta ao local de onde vim.

Claro está que optarei pela estrada dos estudos e da concepção existencial baseada no trabalho, na fé e na religiosidade. Gostaria, entretanto, de reforçar os estudos através de muita prática, pois, se não assimilei os deveres e os conhecimentos evangélicos, tenho-os de cor na memória e seria capaz de recitá-los todos agora mesmo.

O de que me esqueci completamente foi das frases que compõem as orações. Dizia-as e repetia-as da boca para fora; jamais as pronunciei com o coração. Ainda sinto frêmito deveras desagradável ao relembrar esse ponto crucial da derradeira vida, pois acredito que a ofensa que praticava contra Deus e contra os sentimentos dos fiéis que me seguiam e em mim depositavam fé e que, de repente, se viram confusos, tendentes a crucificarem-me como os asseclas de Herodes, que pregaram o Cristo na cruz para gáudio do povo judeu, é que foi o pecado maior.

Jamais poderia ter tido o desplante de iludir os judiciosos protetores, que arquitetaram a minha jornada com inteira e total aquiescência e conhecimento de minha parte. Eu bem afirmei que a legião infernal que se armou para a minha queda foi culpada de meu insucesso, mas sei, arguto que sou, que foi o meu orgulho, o meu rompante egoísmo, a minha vaidade sufocada e finalmente liberta que me incentivaram para o desastre. Vejo agora, após longa meditação nos parcos momentos de sossego que usufruía entre uma perseguição e outra, que poderia ter conjugado os anseios de conhecimentos científicos com o correto procedimento diante da doutrina evangélica, bastando, para isso, ver que Deus está por detrás de tudo o que ocorre no Universo, não havendo conflito entre religião e ciência que não possa ser contornado.

Reconheço-me, portanto, culpado e peço ao escrevente que dê ao texto o título de “Ensaios infaustos”, para induzir desde logo o leitor a compreender que a vida não pode desperdiçar-se com vanglórias e com aspirações de grandezas materiais. O homem que abandona a família no intuito de inscrever o nome na história da humanidade, apaga-o definitivamente dos corações dos entes a quem deveria mais dedicar a atenção.

Peço perdoarem-me o sermão, hábito não estranho à minha personalidade, o qual conservo como relíquia, para que possa, um dia, colocá-lo a serviço do bem e da minha redenção.

Quero, sobremodo, agradecer os serviços desta equipe tão bem preparada para o socorrismo fraterno e desejar a todos, respeitosamente, que lhes descaiam do céu as bênçãos de Deus, que os protejam de almejarem glorificação na carne. Ao amigo leitor, o sagrado aviso de contenção e de respeito ao Senhor, em todas as horas do dia. Ao escrevente, o abraço agradecido pela tradução para o idioma espiritista que desconhecia e a que jamais me dignei atentar, pois, ao admitir o primado das ciências, rejeitei, “in limine”, toda atitude espiritualista.

Como último pensamento, devo advertir que todo materialismo que afasta a possibilidade da vida após a morte, além de estúpido e enganador, é o que mais tem contribuído para encher os labirintos do báratro infernal. Gostaria de acrescentar que tais materialistas se encontram entre os cientistas mais aferrados e honestos no trabalho e nas convicções e, por incrível que pareça, vicejam entre os crentes das mais diversas religiões, homens e mulheres ávidos pelos haveres materiais, que se utilizam da religião para se manterem incólumes às promessas do Cristo, as quais se nutrem de muito trabalho e desprendimento. Enfim, não sou o pregador ideal, réu confesso do crime de usurpação das esperanças. Deus se apiade de minha alma!

Heitor (nome pelo qual me designam aqui).



Comentário

A demonstração de tomada de consciência do irmãozinho pode iludir a quem o leia desprevenido para as verdadeiras intenções subjacentes. É bem verdade que compreendeu sua real desgraça, pois foi levado a isto pelo trabalho doutrinário da equipe, que se realizou a par da manifestação. À vista dos argumentos fundamentados nas atitudes que tomou na derradeira encarnação e diante dos compromissos assumidos, não lhe foi possível negar seu fraquejar nem subtrair-se à evidência, mente absolutamente lógica e sagaz. Entretanto, como ele mesmo aventou, o sentimento lhe palpita inteiro na grandeza das conquistas terrenas e seu ufanoso orgulho impede-lhe visão exata do beneplácito divino à sua personalidade, sendo-lhe impossível reconhecer, em seus trabalhos, nada além que não seja mérito próprio, respeitante à aplicação que exerceu da inteligência e à pertinácia para levantamento das diretrizes novas com que impulsionou os eventos científicos de sua área de conhecimentos.

Para eliminação desse preconceito ideológico, terá de voltar, sim, aos bancos escolares mais elementares, para rever em profundidade tudo aquilo que disse estar-lhe enfronhado na memória. Vai ter de reaprender a amar a Deus sobre todas as coisas, não para repetir do púlpito, mas para soprar diretamente sobre o coração, na cátedra do refolho mais íntimo da consciência.

Possivelmente, conseguirá para breve novo encarne expiatório e, se for deveras inteligente, concordará em ver as luzes intelectuais veladas por grossa camada de ignorância e obtusidade, de sorte a liberar a afetividade, para consagrar-se às pessoas de modo mais consentâneo com as necessidades de recomposição dos liames da fraternidade, da solidariedade e da benquerença.

Quanto ao segundo enlace com a jovem protagonista da separação e rejeição do mundo da religiosidade, restará para ser analisado e avaliado, de sorte que muito haverá para ser perquirido à consciência do pobre Heitor.

Este “caso” se encerra por aqui. Que o querido leitor seja capaz de extrair os diversos ensinamentos que ficaram subjacentes à narrativa e que são de interesse estudar e decifrar à luz do evangelho. Nada há, entretanto, que justifique grave aplicação, de sorte a fazer ressaltar-se algo que revele verdades que não se contenham nas obras espiritistas. Servirá o exercício como recapitulação e fixação de conhecimentos. No entanto, no que respeita à solidariedade que devemos para com o irmão devedor, ergamos a Deus as preces mais comovidas, pedindo que ilumine a mente do irmãozinho, para que possa vibrar em emoção e em amor, em favor dos perseguidores, transformando-os em amigos e afetuosos comparsas de novas realizações reajustantes.

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui