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Ensaios-->32. 18.o Relato — PRECE DOMINICAL -- 11/01/2004 - 07:28 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Quando eu estava entre vocês, mortais, costumava ir à missa todos os domingos. Em lá chegando, ajoelhava-me, benzia-me com o sinal-da-cruz e iniciava as preces indefectivelmente pelo padre-nosso e, em seguida, rezava dez ave-marias, com o pensamento voltado para a minha vida e de toda minha família. Fazia isso mecanicamente, acostumada que fui a agradecer a Deus tudo que possuía. Com o avançar do tempo, vieram os filhos e pude ensinar-lhes as mesmas coisas, acreditando estar cumprindo a minha obrigação mais sagrada.

Chegou uma hora, porém, em que deixaram de atender ao meu pedido e abandonaram a fé católica, que, com tanto empenho, tentei inocular em seus corações. Fugiu-lhes, no entanto, a mente à compreensão da necessidade dessa religação mística, e isso me pareceu a pior coisa que poderia ter acontecido a eles. Fiquei desesperada por longo tempo, de nada adiantando as palavras de estímulo e de compreensão dos confessores, pois procurava outro quando percebia que o anterior não era capaz de prometer-me a volta de meus rebentos para o redil. Para isso, ajudava a parábola do filho pródigo, pois temia que comigo não aconteceria como ao filho daquele agricultor.

Passaram-se largos anos. Jamais perdi contacto com meus filhos, embora tivessem constituído família e se afastado para centros mais importantes. Eu e meu velho continuamos a habitar a modesta cidadezinha de beira de estrada, com seu casario vetusto e sua capelinha.

Um dia, estando sentada no alpendre humílimo da casa, eis que chega um de meus pimpolhos, aquele que primeiro abandonou o lar e a religião. Estacionou o carro e fez descer meus três netos, frutos de feliz união com jovem da cidade grande. Os três peraltas logo me cercaram, acarinhando-me muito, e, em seguida, foram correndo à procura do avô, no fundo do quintal, onde mantínhamos substancial horta, que nos fornecia os alimentos de que necessitávamos. Morávamos no que era nosso e não sofríamos com os eventuais gastos. A saúde corria perfeita e a vida pacata não precisava de muitas coisas.

Naquele dia, tive a maior surpresa na vida. O jovem casal trouxe-nos gracioso convite para participarmos da formatura das crianças na escola dominical da paróquia do bairro em que residiam. Iam fazer a primeira comunhão. Pelo que nos constava, meu filho recusara-se a ajoelhar diante do altar para a bênção nupcial e vivia com a esposa, tendo só contraído matrimônio civil. Aí minha felicidade se fez perfeita: o convite era também para a cerimônia do congraçamento matrimonial entre ambos.

Em meio a tanta felicidade, quis saber o que levara o casal a tomar semelhantes decisões, que muito me alegravam e devolviam a esperança que julgava estar inteiramente perdida. Disseram-me que achavam que deviam aos pais essa satisfação, pois significava tão pouco para eles e tanto para nós, tendo em vista que os pais da moça também professavam a fé católica.

Senti certo estremecimento, pois desconfiei de que algo não estava correto no pensamento deles. Então, iriam casar-se, batizar os filhos, fazê-los comungar, só para atender às aflições dos avós? Quem teria tal poder de persuasão para fazer com que aceitassem os aspectos externos da religião e não confraternizassem realmente com os ideais do apostolado cristão? Temendo ferir susceptibilidades, fiquei calada quanto à desconfiança de que de nada valeria tal atitude.

Meu filho mais novo, sim, tinha tomado a decisão mais coerente de ter, desde logo, assumido a religião da noiva, tendo realizado tudo direitinho desde o início. É verdade que a religião era outra, mas, estando com Deus no coração, tudo é absolutamente válido e puro; afinal de contas, o culto protestante não passava de ramo da própria religiosidade impregnada no espírito humano por Jesus.

Obrigados a comparecer à cerimônia na cidade, fomos a contragosto levados até lá por nosso filho, que se dignou vir apanhar-nos na véspera do dia aprazado. Chegando à sua casa à noite, numa sexta-feira, estranhamos o fato de que nos deixaram lá sozinhos com os netos e saíram, dizendo ter de cumprir certa tarefa, em determinada casa de socorro espiritual.

Fez-se a luz. Minha criança estava freqüentando certo terreiro, desconfiei logo, pois sua atitude estava muito estranha. Ele, que tinha forte opinião a respeito de todas as coisas, tanto que refutava tudo quanto o padre dizia quando ainda tinha quinze anos de idade, agora se submetia às obrigações determinadas por algum pai-de-santo ou sabemos lá qual demônio que baixava no terreiro.

Quando chegaram de volta, interpelei-os, imediatamente, pois não conseguia compreender tal transformação. A reação de meu querido não foi a que estimava fosse ocorrer. Não titubeou nenhum instante em me explicar o que estava acontecendo.

É que havia encontrado um amigo que o havia conduzido até determinado centro espírita kardecista, em certa fase da vida em que passava por séria desilusão. Havia perdido o emprego e, sem dinheiro, precisou internar-se em hospital de assistência gratuita, acometido de forte hemorragia intestinal. Ali, preso ao leito, precisou ouvir as palavras de reconforto do irmão que o visitara na qualidade de socorrista fraterno.

Desesperançado do poder da própria personalidade e confuso mentalmente diante do poderio material dado aos homens pelas riquezas e pelas propriedades, não via perspectiva de conseguir realizar o futuro brilhante que imaginara tão voluntariosamente quando embarcara para a capital.

O amigo que o conduziu ao centro emprestou-lhe diversos livros e se propôs a discutir os tópicos da doutrina que lhe parecessem obscuros. Foi assim que se surpreendeu trabalhando ativamente pela consecução dos fins e objetivos da sociedade que tão afetuosamente o recebeu. Certo dia, vasculhando os guardados da memória, descobriu que a mãe e o pai tinham ficado para trás desiludidos com o seu atrevimento e seu abandono. Conversou com a esposa, que conheceu e amou no ambiente cristão do centro, e ambos concordaram em prestar aos pais as homenagens mais santificadas que poderiam oferecer, quais sejam as da aceitação da humildade que lhes proporcionariam os arranjos religiosos acima descritos. Não havia, segundo ele, que consultara os amigos do centro (mais tarde vim a saber que eram seus guias espirituais), nenhum empecilho moral em proporcionar aos pais a alegria de verem os filhos sacramentados pela Igreja Católica.

No dia seguinte, participei muito feliz das diversas cerimônias na Catedral da Sé e do almoço que reuniu toda a nossa família e a dos sogros do meu filho. Foi dia muito tranqüilo e absolutamente maravilhoso. Durante ainda uma semana, permanecemos em sua casa, tendo tido ocasião de acompanhar de longe as diversas atividades que o casal realizava em favor do centro que freqüentavam. Eu não conseguia entender a razão de tanta devoção, mas calou-me fundo certa resposta de minha nora à observação de que deveriam freqüentar a missa todos os domingos. Disse-me ela, com muito tato e compreensão — devo frisar —, que iam muito mais vezes orar e auxiliar os pobres de que eu e meu marido íamos à missa. Calou-me fundo a resposta e, quando voltei para casa, o fato ficou-me na mente como pequena semente que sabia que estava largada em terreno árido, onde jamais brotaria, embora marcasse presença.

Com o coração mais tranqüilo, meus derradeiros anos transcorreram monotonamente até que entreguei a alma a Deus, em tarde primaveril de dezembro, onde o calor do sol parecia fazer o zumbido dos moscardos ainda mais forte. Estavam presentes, naquele quarto humilde de casa do interior, meus filhos e noras, alguns irmãos, meu marido, diversos vizinhos e o pároco, todos eles rezando e enxugando algumas lágrimas furtivas.

Meu filho mais velho, que, nos últimos tempos, voltara a visitar-nos regularmente, tudo fazendo para que nos sentíssemos confortáveis, parecia aquele menino irrequieto de outras épocas, apenas com fisionomia mais serena e pensamento mais seguro. A tudo providenciava com desvelo e, quando chegou o momento da partida, acercou-se do leito e, através de comovida oração, conclamou as forças espirituais para que me assistissem durante o desenlace. Beijei a cruz que o pároco me ofereceu e dei meu último sopro de vida com a alma absolutamente tranqüila, pois via diante de mim, finalmente, o fruto do meu trabalho: os meus filhos felizes, prósperos e inteiramente convictos de que estavam sob o amparo do Cristo.

Nem preciso dizer que meu desligamento se deu com serenidade absoluta. O que mais me atrapalhou foi a expectativa de acordar nos braços de anjos esvoaçantes, que me conduziriam aos pés de Jesus, para julgamento dos pecados. Eu, pobre moça de sítio, professorinha modesta de primeiras letras — a chamada leiga na profissão, mas que tivera ensejo de ensinar a ler várias crianças do povoado —, casada com modestíssimo farmacêutico, dono de pequena propriedade na cidade, temente a Deus e cumpridora de todas as determinações religiosas, acreditava que não teria dificuldades para receber o perdão de minhas pequenas imperfeições, que se resumiam em ter-me indisposto com os filhos um dia, mas com quem tinha reconciliado, e em ter mexericado a respeito da vida alheia, fato mais que corriqueiro naquele local afastado da civilização.

Qual não foi minha surpresa ao ser recebida por fisionomias bem conhecidas: papai, mamãe, dois irmãos mais velhos, a figura de um de meus avós (os outros, soube mais tarde, estavam reencarnados nas pessoas de meus netos), alguns amigos, o velho pároco que realizou meu casamento e alguns desconhecidos, que providenciavam para que o desligamento perispiritual se desse com o menor sofrimento possível. Reconheci nestes aqueles amigos solidários com meu filho e por ele invocados no momento de minha despedida.

Vou deixar de citar o que ocorreu após a natural emoção da confraternização até este momento em que retorno pela vez primeira ao convívio dos mortais para trazer-lhes meu testemunho de vida.

Agora sou capaz de perceber inúmeros fatos da espiritualidade e o relacionamento existente entre os planos que se dá por via mediúnica. Sou pobre, muito pobre ainda, na mais pura acepção da palavra, pois necessito retornar ao mundo da carne para a aquisição de certas virtudes que releguei a segundo plano. Por certo, a acuidade mental dos caros leitores será capaz de compreender quais sejam. No entanto, desejei vir à presença dos amigos para favorecer-lhes a reflexão a respeito de diversas atitudes cruciais que foram tomadas pelas várias personagens desta história e que coloco à sua frente como problemas morais sérios com os quais muitas pessoas se defrontam, sem que se decidam a tomar a melhor deliberação para resguardar o bem coletivo.

Sei que há inúmeras famílias católicas que se recusam a aceitar de bom grado a visão nova a respeito da espiritualidade adotada por filhos que se filiam à doutrina espírita. Bem assim, existem milhares de adeptos do espiritismo que não admitem sequer pensar em adentrar o recinto das igrejas, menos ainda de acompanhar os ofícios religiosos, sendo impossível imaginar submeterem-se às liturgias estranhas, no temor de que possam, de repente, ver-se acusadas de perjúrio ou assaltadas por espíritos inferiores, que, dedo em riste, as inculpariam de estar contrariando os ensinamentos cristãos aprendidos nas sessões de estudos dos institutos de assistência fraterna.

Não vou incentivar os aspectos silogísticos do problema, fornecendo argumentos para incrementar discussões, mas não posso furtar-me a levantar hipótese muito comum, no caso de espíritas convictos partilharem de cerimônias religiosas de caráter exterior, qual seja a de se acusar o infrator de ter cedido a conceitos meramente sociais, pois seu temor estaria fundamentado nas perdas que poderia sofrer, tendo em vista estar sujeito à opinião pública. Pois bem, a resposta à questão deve encontrar-se no fundo da consciência, pois, da mesma forma que acedeu meu filho ao desejo dos pais, principalmente para aplacar a desilusão da mãe, também eu precisei aceitar-lhe as palavras em prece, no decisivo momento em que passava para o lado de cá, estando tudo contido na natureza humana, como me pareceu em ambas as oportunidades.

Agora, com outro discernimento, vejo que a orientação moral superior contida nos ensinamentos difundidos pelos adeptos da Terceira Revelação são suficientemente poderosos para encaminhar as mentes humanas mais afeitas ao raciocínio puro para a verdade do Cristo, proporcionando oportunidade de crescimento exatamente correlato à necessidade cármica de cada um de seus seguidores.

Em boa hora, portanto, me foi dada esta oportunidade de relatar minha experiência de vida na face da Terra, que, apesar de modestíssima, pôde encerrar alguns tópicos passíveis de ser analisados, conhecidos, compreendidos e incorporados por quantos se dedicam ao conhecimento da teoria espiritista, necessário para o desenvolvimento espiritual que se aguarda de cada ser.

Acreditando ter desempenhado com proficiência o meu papel, peço escusarem-me de meu excessivo descritivismo e agradeço toda atenção que recebi, encerrando minha participação com o pedido mais natural de que elevemos todos nós prece de agradecimento ao Senhor por nos ter facilitado esta manifestação, neste ambiente absolutamente calmo, que me fez recordar minhas pachorrentas tardes da madureza, que desfrutava na modorra de sadia convivência com minhas orações habituais, em favor dos filhos e netos.

Ana, convidada a participar dos trabalhos pela “Equipe da Luz”, que, a partir de agora, passa a tê-la como membro efetivo.

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