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Ensaios-->31. 17.o Relato — O VALOR OCULTO DOS VOCÁBULOS -- 10/01/2004 - 07:52 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Estou agindo aqui como sempre agi em toda a vida: bem coerentemente com os meus atributos e com o domínio possível sobre as circunstâncias, por força de meu caráter, sob o influxo de minha personalidade. Como se pode ver, aprendi a usar de terminologia científica complexa, de modo a me fazer passar por afamado cientista ou culto artista. Na verdade, pouco fiz de útil, seja no campo das Ciências, seja no das Artes. Sou capaz de realizar alguma coisa no âmbito da Literatura, mas tudo muito pequeno, pois, se possuo o lustro do verniz, falta-me o trabalho anterior sobre a madeira, que seria o cerne sobre o qual poderia aplicar as minhas faculdades.

Vejo que o escrevente se esmera em possibilitar-me acesso ao seu aparato léxico, na esperança de poder corresponder às expectativas que lhe criei. Muito bem, aproveitar-me-ei do ensejo para fazer chegar ao domínio público as facetas mais rutilantes de minha personalidade.

Quanto ao teor da mensagem, bloqueiam-me os sentidos e não consigo deixar nada que possa transmitir através do verbo inflamado pela opinião ou pela ponderação metódica do estudo. Sinto-me absolutamente vazio, oco e depauperado. Reúno os meus pertences intelectuais e tão-só encontro restolhos apodrecidos pelo tempo, tecidos carcomidos pelas larvas dos vícios, metais azinhavrados pela imprevidência e pela ociosidade, mecanismos emperrados pelo desuso, tendo em vista não haver recurso decalcado em qualquer virtude capaz de transformar nenhum dos instrumentos em algo valioso.

Durante o último encarne, trabalhei muito — é certo — na revisão de certa imprensa que primava por apresentar obras de muito mérito nos campos da Sociologia e da História, principalmente, havendo outros setores também aquinhoados pela editoração. Sendo assim, pude tomar contacto com inúmeros textos, para os quais eu significava mero “copy desk”, ou seja, aquele que transforma em algo publicável os originais e suas transcrições iniciais. Desse modo, pude engalanar a postura lingüística de lantejoulas e de flores vernáculas de discutível propriedade mas cunhadas de molde a florescer em fantasia de grandiloqüência e de superior qualificação.

Penso ter dado mostras do que aproveitei de trinta e tantos anos de trabalho diuturno.

Certa feita, aventurei-me na redação, submetendo alguns originais à apreciação dos encarregados da seção. Fui um desastre verborrágico, pois troquei os pés pelas mãos no tratamento dos diversos temas. Recebi encômios, é verdade, mas endereçados ao mister a que me dedicava, com as mais efusivas recomendações a que regressasse de pronto ao papel humilde da revisão, ao que se acrescentaram alguns brilhantes adjetivos para enfatizar o valor do meu trabalho.

E assim regressei ao habitual labor, crente e ciente de que jamais conseguiria de lá retirar-me, por mais que me esforçasse em recompor textos em sua forma mais adequada, para se dar à luz do conhecimento público. Foi assim que consegui burilar algumas jóias que se apresentavam de modo tosco, fornecendo certas pérolas por mim cultivadas, que não hesitava em mesclar aos adornos originais, alcançando quase sempre arrecadar do escritor ou do redator galhardas e apreciadas vozes de apoio e distinção. E mais não consegui de bom. De mau, sim, pois tenho extensa conta a apresentar de maus-tratos e de desconsiderações da parte de certos pernósticos que, embora reconhecessem o esforço por mim envidado para atingir a perfeição vocabular ou frásica, determinavam que se restabelecessem os autógrafos, sob a ameaça de irem em busca de outra casa editora.

Agradeço profusamente ao psicógrafo sua iniludível ajuda no campo da coerência verbal deste arrazoado e peço permissão para retirar-me, sem mais tardar, pois sinto-me impelido a cumprir certos eventos sociais que tenho aprazados.

Sinto muito não poder continuar...

Só mais alguns instantes, pois querem que me refira a fatos outros de meu caminhar pelo orbe. Não sei se deva relatar aventuras fora da profissão, particularidades da existência íntima, o que tenho feito ultimamente, após o desencarne...

Queria saber se poderei sair daqui sem me ferir demasiado. Diante da garantia de que me sentirei bem melhor, vou relatar algo que nunca tive coragem de dizer a ninguém, embora seja do conhecimento de algumas pessoas que insistem em me perseguir deste lado da sombra.

Durante muito tempo, forneci informações sigilosas à polícia a respeito de certas publicações clandestinas que se davam em época de repressão política. Por meu intermédio, muitas pessoas foram presas e acusadas de tramar contra a segurança do governo.

Como o meu trabalho era bem feito, jamais se desconfiou do pobre revisor que tinha acesso a todos os setores da gráfica, de modo que, para minha garantia pessoal, os policiais com quem contatava mantinham rigoroso segredo de onde vinham as informações.

Em troca dos favores, recebia dinheiro e drogas, que utilizava sem ter capacidade financeira para adquiri-las.

Desviei o curso da vida e prejudiquei os familiares. Não resisti ao vício e desencarnei relativamente cedo, deixando viúva desamparada e diversos filhos de diferentes idades, estando o mais velho próximo dos dezoito anos.

Do lado de cá, encontrei inúmeros acusadores que não me fizeram esquecer um minuto sequer das minhas atividades contra-revolucionárias. O que mais me admira é o fato de que muitos deles vagam na erraticidade do Umbral, pejados de crimes bem maiores do que os meus, e conseguem, ainda assim, arremessar todo seu ódio contra esta figura apagada de delator, é verdade, mas de homem cumpridor de todas as obrigações profissionais.

Penso ter colocado o coração nestas palavras, tão diferentemente anotadas pelo irmão escrevente. Quase ia oferecer-me para a revisão do texto, mas surpreendi o gesto e estranhei a atitude. Será que tudo está tão arraigado na personalidade que o problema maior será reconsiderar os atos meramente profissionais, para bem avaliar onde foi exatamente que errei para produzir mentalidade tão tacanha?

Sinto-me perfeitamente lúcido e estranho a figura que vejo crescer dentro de mim. Parece que estou começando a entender por que sufoquei durante tanto tempo a manifestação da consciência. Temo que vá desesperar-me de novo, do mesmo modo que fazia no fundo das trevas, quando clamava aos céus que tinha sido injustiçado. Agora parece que vai ser bem diferente, pois o desespero, a instabilidade, os tremores que sinto partem de emoção muito diferente, já que estou deparando-me com as verdadeiras monstruosidades que perpetrei.

Por favor, dêem lenitivo para esta sensação que me arrebata, como se o coração estivesse prestes a explodir. Notem a dificuldade para escrever e os apuros do escrevente, e acolham-me em seu regaço de muito amor.

Sinto-me melhor após certas aplicações de que fui alvo mas não sei como prosseguir a escrita. Pedem-me para repetir a prece que melhor decorei na infância. Acho que foi a ave-maria, bendita prece que roga à mãe do Senhor sua intercessão, para que se acabem os males e as dores.



Comentário

O irmãozinho já se retirou, tendo deixado a recomendação de que agradecêssemos ao escrevente e de que lhe peçamos desculpá-lo por ter tido presunções de literato. O recado está dado. Cabe-nos agora elaborar alguns comentários pertinentes à situação do socorrido.

Trata-se, realmente, de indivíduo ligado às artes gráficas, mas que não revelou toda a extensão de sua participação nos acontecimentos a que fez referência. Na verdade, fazia parte do complô que se armava contra as forças revolucionárias que assumiram o poder no país, tendo inclusive elaborado e dado a público vários panfletos em defesa das teorias da esquerda que almejava desestabilizar o governo, para estabelecer clima propício à contra-revolução. Tendo sido descoberto pelas forças no poder, deixou-se seduzir pelas ofertas de crescimento pessoal junto às áreas de influenciação do governo e delatou um a um os companheiros da sedição. Esse o peso que o sufocava ao final da participação mediúnica e que evitou revelar. Explica-se desse modo o fato de ter sido muito perseguido durante os diversos anos que permaneceu encerrado nas trevas.

Agora temos controle da situação e vamos incentivá-lo a regenerar-se, obrigando-o a recompor a visão da existência sob o amparo das virtudes evangélicas. Tal tratamento, evidentemente, deverá estender-se por algum tempo, de sorte que designaremos alguns elementos do grupo para acompanhamento de seus progressos e para manter relacionamento com as demais entidades envolvidas no “affaire”, quer estejam na carne, quer vaguem pelo Umbral, quer se situem em plano mais elevado, tendo ingressado em algum grupo socorrista. Aliás, foi um destes elementos quem providenciou o nosso contacto com o amigo revisor, uma de suas vítimas mais oneradas em virtude de terem privado de amizade estreita até o momento da deserção.

À vista de todo o ocorrido, favorece-nos o ensejo poder discorrer a respeito das forças que se opõem contra o poder constituído. Quase sempre as pessoas revolucionárias atraem do homem comum a sua melhor atenção e captam-lhe a simpatia, tendo em vista que, aparentemente, lutam pela melhoria das condições de vida de toda a população, realizando feitos de coragem e heroísmo que despertam a atenção pelo fato de se constituírem em algo que todos gostariam de realizar mas que não se atrevem.

Quanto aos que ocupam legitimamente o governo, mesmo que a poder das forças militares, estes só conseguem arregimentar a simpatia daqueles mesmos que gozam de privilégios, submetendo o grosso da população a vida de subserviência e de aceitação passiva do “status quo”.

O que nos interessa não é a interpretação das condições dessas personalidades sob o ponto de vista psicológico, mas espiritual. No que se refere aos aspectos morais, não se diferem uns dos outros, sejam revolucionários, sejam detentores do poder. Todos têm desenvolvimento próprio e não é a condição material que estipula a maior ou menor qualificação espiritual de cada ser, podendo encontrarem-se igualmente no governo ou no grupo dos adversários pessoas de boa índole, como ainda seres dos mais abjetos.

Não veja, pois, o caro leitor, qualquer superioridade no fato de o indivíduo pertencer às forças subversivas, cujas ações terroristas, muitas vezes, atingem as raias do mais alucinado paroxismo mental, contrariando todas as normas evangélicas. Por outro lado, não queira também ver no Presidente da República, seja quem for, o “paizinho” da Pátria, aquele que distribui ao seu bel-prazer as benesses a quem melhor lhe pareça, em função do retorno que possa obter.

Exima-se de julgar, se possível for, e atribua a todos os indivíduos, independentemente de origem, credo, cor, posição política etc., a augusta, a majestosa condição de irmão em Deus, porque não há quem não carregue em si a flama do Criador.

Se o seu irmão, infelizmente, condicionar as atitudes pelos crimes, pelas injúrias, pelos descalabros, pelas ofensas, pelo egoísmo, pelo orgulho e demais itens que soem tornar o ser humano desprezível aos olhos dos justos, nem por isso deverá relegá-lo ao ostracismo, largando-o na sarjeta da opinião. Antes, aí sim mais que nunca, deverá despertar-lhe o sentimento de proteção e auxílio, para poder restituir-lhe as prerrogativas da cidadania divina.

E se ele se distanciar fisicamente, quer porque se interne nas florestas, por medo das represálias governamentais, quer se entrincheire nos palácios resguardados pelo poderio militar, quer apodreça nas masmorras e nos presídios, quer se esconda nos “aparelhos”, ainda assim restará o concurso da prece para o auxílio espiritual oportuno e para a vibração reconfortante, principalmente se o refúgio se deu no plano espiritual.

Sejamos críticos, irmão, mas não aceitemos de nós mesmos a formação de enegrecidas nuvens mentais, que só ajudarão a perturbar ainda mais os que sofrem, sem lhes dar condições de retribuição no momento em que nós mesmos estivermos necessitados. A observação cristã é sempre valiosa:

— Não façamos aos outros o que não gostaríamos que fosse feito para nós mesmos.

Por isso, propugnamos que a leitura dos textos dos irmãos assistidos seja precedida e seguida de prece, na dupla intenção de rogar pelo sofredor e por nós mesmos, para que nossas intenções de auxiliar sejam as mais puras possíveis.

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