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Ensaios-->5. 4.o Relato -- 15/12/2003 - 07:34 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Eis-me aqui como se acordasse de letárgico sono. Nas trevas vivi durante largos anos. Agora possuo a capacidade de observar, à luz do dia, as atividades buliçosas dos seres humanos encarnados. Tenho para mim que só décima parte do que fazem tem proveito real para suas vidas materiais e não chega a um milionésimo o que se pode aproveitar em função do caminhar espiritual. O homem é assim mesmo: enquanto pode, deixa-se levar por quiméricas ilusões de poder carnal.

Foi o que ocorreu comigo; melhor dizendo, o que vem ocorrendo comigo, desde que me lembre, por diversas encarnações. Profundamente egoísta, raramente me afeiçoei a alguém durante meu jornadear pelas paragens do mundo. Aqui e ali, dependendo do revestimento físico, uni-me a um ou outro homem ou mulher, só para dar curso a necessidades orgânicas, nunca imiscuindo nesses relacionamentos qualquer sentimento de valor moral superior. Amar, só uma vez, quando encontrei criatura que, dócil a princípio, sábia em bajular-me o ego, conseguiu decifrar os meus mais profundos liames com a existência, percutindo as cordas de meu entranhado egoísmo, insuflando de pavoneios minha vaidade. Após conduzir-me pelos descaminhos mais escabrosos dos vícios, quando mais me sentia dependente dela, abandonou-me às voltas com diferentes crimes e perseguições por inúmeros desafetos.

Mas isto foi há muitas encarnações atrás. Desde aquela época, tornei-me perseguidor da dita criatura, até que, finalmente, pude emboscá-la no derradeiro encarne. Embrutecido por tenaz moléstia que me sufocava durante o trajeto todo, aguilhoei a tal pessoa, prendendo-a a mim por compromissos cármicos, pagos com vultosas quantias herdadas e esbanjadas, na consumação da mais virulenta vingança.

É bem verdade que meus objetivos foram inteiramente alcançados na carne. Mas, ao chegar de volta ao báratro, que decepção! Aquele fero inimigo, que fiz suportar as mais penosas angústias, transformara-se em meu anjo protetor; eu, que o obsidiara por justos sete séculos das mais atormentadas perseguições, quer nas destrambelhadas existências à face do orbe, onde me transvestia nas figuras mais exóticas para a afronta, quer na escuridão das cavernas, pelas vibrações mais dolorosas das cordas do remorso e do arrependimento. Era de ver o gozo que sentia ao ouvir a alma penada a clamar por perdão. Eram de espantar os eflúvios de energia que me incitavam as suas rogativas de ajuda exterior, como era incompreensível a minha insensibilidade ao insistir mais e mais, até à saturação, nos atos de maldade que infligia à pobre criatura.

Esse fui eu, em suma, o mais repelente ser da escuridão.

Mas minha derradeira encarnação foi a glória de meu perseguido. De seu sofrimento, de sua dor, brotou florzinha de suave aspecto e de odorífico encantamento. Admirado de tal transformação, acerquei-me dela para observar-lhe as nervuras maravilhosas, a coloração matizada, a delicada contextura, a maciez das formas, a fragrância do oloroso perfume. E me apaixonei. Desta vez, perdida e integralmente. Compreendera, enfim, o amor, a sua essência mais profunda: o esquecimento do próprio eu, para doação integral ao ser objeto da estima. E me deixei envolver pela blandície daquela meiga criatura. E ela me tomou pelas mãos e me conduziu para a luz.

Triste e penosa visão. Ao lado daquele ser formoso, imaculado e divino, surtiu monstro de feroz catadura, disforme e escuro. Contido, é verdade, mas derrotado e infeliz. Peço perdão pela amarga comparação que fiz, mas se alguém se sentiu magoado com a figura que pintei de mim, por parecer assemelhar-se à sua própria imagem, pode acreditar que você estará diante de anjo de excelsa beleza ao se ver refletido em espelho, se comparado à horrenda criatura que eu era então.

Naquele instante de supremo desespero, ajoelhei-me e supliquei a todas as forças da natureza que me perdoassem e me transfigurassem. E meu pranto foi ouvido. Minha protetora lançou sobre mim seu manto de alvura e diafanidade irrepreensíveis e pude ver-me um pouco modificado, com expressão de besta-fera, é verdade, mas configurando aspecto que pudesse lembrar algo de humano.

E esse foi o meu primeiro e real triunfo, a minha conquista inicial do bem maior, que um dia espero merecer.

Hoje, sofro a desdita de espantar a quantas criaturas inadvertidamente topem comigo, mas estou aprestando-me a retornar à carne, sem a pressão moral que me causava o desejo de perseguição e vingança. Sofro do mal do egoísmo, pois não suporto pensar em me afastar deste anjo de bondade que se constituiu em meu mais sagrado companheiro e instrutor. Sei que irei reencontrar-me com ele futuramente, para o que delineamos inúmeros planos e sentimentos de mútuo amparo e proteção. Agora estamos na fase de receber conselhos e sugestões dos orientadores, e advertências a respeito de todos os percalços que se anteporão a nós na futura realização de vida. Muitos nós aceitamos, como restrições físicas e mentais, outros serão acrescidos à vista das forças que demonstrarmos durante a luta. Existem, no entanto, alguns que são desconhecidos e que terão de ser enfrentados à vista das disponibilidades morais e mentais do momento. Prevenidos estamos. Resta-nos rezar muito para obter do Alto as luzes necessárias para criarmos coragem, denodo, valentia, no combate às viciações e às imperfeições de caráter.

Não se veja nesta rota ascendente, caros amigos, qualquer indício de que tenhamos obtido méritos para usufruir a cidadania divina. Muito baixo nos situamos na escala evolutiva. Aliás, bem poucos terão descido tão fundo. Se estamos tendo oportunidade de escrever nossa história, através de surpreendente manifestação de clareza e exatidão, através de terminologia tão adequada, raiando até por aspectos poéticos e sublimes, é porque estamos recebendo o influxo das vibrações dos irmãos socorristas e estamos sendo interpretados por médium capaz e operoso. Assim que nos retiremos daqui, voltarão as sombras que esconderão todo o nosso cabedal intelectual forjado nas escolas da Terra, durante longas experiências infrutíferas para o engrandecimento da alma, mas frutuosíssimas para a malícia, para o conhecimento das artes e das ciências, para a ilustração mundana mais eficaz para que pudéssemos conseguir submeter os semelhantes a nosso jugo.

Fomos convidados para aqui comparecer com a finalidade de dar a conhecimento público a nossa experiência, com o evidente objetivo de servirmos de exemplo do que não se deve fazer. Esperamos que os caros irmãos perdoem-nos a emoção e o pouco tino em oferecer-lhes palavras de alvissareira esperança de porvir venturoso. Mas que a desastrada história possa tornar-se objeto de suas cogitações, de modo a facultar-lhes a possibilidade de refreamento de impulsos mórbidos que porventura lhes estejam subjacentes nas personalidades.

Vocês não sabem que inferno é o tormento moral do perseguidor. Se ser perseguido deve levar os indivíduos à loucura, ser obsessor é guardar no fundo da consciência a própria essência da maldade, qual ferro em brasa adentrando tenra carne de bebê. Se a imagem é penosa e extremamente cruel, não queiram, bons amigos, dar curso às más tendências e busquem, de imediato, sofrear todas elas, eliminando tudo de ruim que forem capazes de detectar e oferecendo-se à luz dos espíritos guardiães, que, por certo, algum irá condoer-se e prontificar-se ao auxílio, do mesmo modo que eu, monstruoso e disforme, também alcancei o meu anjo protetor.



Comentário

Evidentemente, o irmão não desejou identificar-se pelo fato de ter-se apresentado com aspecto deveras aterrador. Sob o magnetismo do grupo e de seu anjo guardião, pôde manifestar-se livremente, como se dotado fora das virtudes mais excelsas. Como ele mesmo frisou, seu aparato intelectual é muito desenvolvido e, se não fossem as limitações da circunstância mediúnica, poderia elaborar mensagem de elevado teor, mesmo nos aspectos da moralidade mais próxima dos cânones evangélicos. Sua manifestação não teria tido a luz da espiritualidade superior, mas seu escrito vazar-se-ia nas formas mais preciosas da literatice terráquea.

Eis que desvendamos um de nossos objetivos: trazer à mente do amigo leitor o fato de que as palavras mais belas podem esconder a realidade mais grosseira. Do mesmo modo que, um dia, o próprio obsessor se deixou iludir pelas falácias que lhe adornaram de falsas pedrarias as vestes suntuárias de que se munia em determinada encarnação, assim também cada um de nós está sempre em situação de se ver envolvido pelas aparências enganosas dos que se transvestem de luzes de empréstimo, para inculcar-nos no espírito ilusões de grandeza e de independência, que nos levam a descurar do trabalho, relegando o serviço do Senhor a segundo plano. É preciso, pois, precatarmo-nos com relação a tudo e a maneira mais eficaz de se conseguir vencer as tentações é trabalhar com denodo no conhecimento de nós mesmos, orando, vigiando e, acima de tudo, instituindo como premissa máxima do procedimento o desejo de cumprir a lei maior do amor a Deus, a qual, uma vez cumprida, trará como corolário a aquisição de todas as demais virtudes.

E como se chegar a esse amor absoluto, integral, definitivo? Trabalhando pelos semelhantes, ajudando-os no que se possa, principalmente dando-lhes oportunidade de crescimento espiritual por meio de palavra sábia, de conselho ponderado e humanitário, de compreensão dos defeitos até o ponto de demonstrar que possam ser sanados, na exaltação dos bons hábitos e no amparo integral das boas ações. Essa doação, que o amigo sofredor chegou tão bem a compreender, é outro ensinamento básico que devemos deixar como alicerce da personalidade, sobre o qual depositaremos todos os outros atributos da perfeição.

Se nos deixamos empolgar no desenvolvimento das virtudes a serem almejadas, pelas quais todos devemos lutar, é para que servisse de contrapeso às citações negras da perversidade felizmente repudiada por este irmão mensageiro da dor. E assim sempre procederemos, pois julgamos essencial que os leitores tenham visão saudável e otimista da vida, mesmo que sua realização tenha inevitavelmente de passar pelo sofrimento. Se bem compreendermos os desígnios de Deus, saberemos que, por trás de tudo, estão sua misericórdia e seu amor e que, um dia, lá estaremos, cumprida sua promessa, em seu reino de paz.

Augusto (pela equipe).

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