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Ensaios-->Tia Júlia e o Escrivinhador -- 20/10/2003 - 23:46 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
«TIA JÚLIA E O ESCREVINHADOR»

Francisco Miguel de Moura
Escritor

Romance de Mário Vargas Llhosa, publicado pela Editora Nova Fronteira, Rio, 1978. Tradução de Remy Gorga, filho.
O escritor optou pelo contraponto de forma inusitada. De um lado e em primeiro lugar conta a história (verídica) da paixão do autor por Tia Júlia. De outro lado, capítulo sim, capítulo não, conta casos escabrosos da sociedade de Lima (e do Peru), de forma gongórica ou barroca, no melhor sentido. Seriam histórias criadas pelo autor para uma revista, pois ele fala sempre estar escrevendo, tentando publicar e publicando seus contos? Ou apenas histórias engraçadas, bombásticas, aumentadas, diminuídas, as quais disfarçariam sua paixão? Ou pedaços dos folhetins de Pedro Camacho, ouvidíssimas nos programas rádiofônicos de Lima? São tantas histórias, sem ligação maior umas com as outras e com a principal do romance!... O leitor fica ansioso para saber tudo daquela que é a história principal (os amores de Mariozito e tia Júlia) e menos daquelas histórias paralelas não tão engenhosas e nem um pouco sutis. Não sabemos se o autor de »Tia Júlia e o Escrevinhador» concebeu-o com o intuito de causar ao leitor tal angústia, tal espera, tal impaciência.
É evidente que, além do conhecimento da vida de Lima dos anos 50, no tempo áureo do rádio, das novelas alambicadas e fabulosas do escrevinhador boliviano Pedro Camacho, um personagem bastante estranho e interessante desde o começo, pouco se obtém daqueles personagens secundários e paralelos que raramente voltam e se entranham no caso central do romance. A história do sargento Lituma, meio policial, meio picaresca, é a que mais me ficou, por alguns episódios dentro do capítulo. Vargas Llhosa anota o caso do guarda Manitas Rodríguez, o benjamin da Delegacia, surpreendido quando jogava amarelinha, sozinho, na escuridão. Saltava, muito sério, de quadrado em quadrado, num pé só, em dois, e ao ver o sargento, perfilou-se e disse que o exercício ajudava a ficar aquecido. E, apontado para os desenhos de giz feitos na calçada, Manitas pergunta: «Quando criança, o senhor não brincava de amarelinha, meu sargento?» Frases de efeito como «os loucos não respeitam os revólveres» ou «as pessoas não me importam um pito», ditas por Lituma ou por seus comandados, representam a irresponsabilidade, a covardia e a falta de racionalidade não apenas da ordem do Peru como em todo e qualquer pais sulamericano. Outras histórias levam o mesmo diapasão: a tragédia de Lucho Abril Marroquín como a trajetória do reverendo Padre Zeferino Huanca Leyva, por exemplo. Não tanto originais, escritos numa forma brincalhona e meio inverossímil, tudo nos leva a classificar como barroco, antes que surrealismo ou realismo fantástico, com sua linhagem distante em Cervantes e noutros clássicos de Espanha, embora divirta, pareçam-me longos, repetitivos. É uma pletora estilística. Não há negar. Momentos existem em que pensaríamos estar lendo longos discursos, não fossem as metáforas esquisitas e principalmente os pleonasmos, as hipérboles, etc. etc. que vão aumentando assustadoramente a história, o texto. Porém, ao mesmo tempo que o faz artístico, nos faz também crer que é tudo é brincadeira para divertir.
Somente do meio para o final, quando se avoluma a história principal - o romance Varguinhas e Tia Júlia - é que o leitor toma tento e pode encontrar alguma verossimilhança. Ao sabor de uma história que sabe verdadeira, é quando o leitor vai morder-se de curiosidade e procura os lances da paixão tão proibida pelas famílias, sem nenhuma razão de ser, a não ser pela diferença de idade, pelo parentesco (se fossem parentes de sangue), ou por Tia Júlia ser boliviana.
Além desses, outros problemas são levantadas, achamos que de ordem intelectual , pois o autor é o personagem central do romance. Por exemplo: É possível estabelecer-se uma hierarquia entre os que escrevem? É preciso viver para criar? Parece provar o contrário, na primeira questão. Quanto à segunda, é inteiramente favorável a uma ligação tão mais íntima quanto possível entre a vida e a obra, tanto que mostra o seu próprio exemplo com um romance autobiográfico. E o exemplo de Pedro Camacho, escritor exclusivo da Rádio Central, diretamente importado da Bolívia para abarrotar o Peru de comédias radiofônicas tipo «O direito de nascer». Um farsante? Ou um verdadeiro escritor popular?
Outras questões estão dentro do seu romance: O regionalismo e o universalismo. Essa obra me pareceu flagrantemente regionalista, ao mesmo tempo em que o autor mostra que o escritor, se quer universalizar-se, tem que ir morar em Paris, não importa que texto seja o seu, que trate ou não do homem comum de um país comum de qualquer parte do mundo.
Quanto ao resto do romance, a história de Varguinhas e Júlia, não importa registrar o fim do romance, nem como o personagem conseguiu casar com a Tia Júlia a contragosto das famílias. Ou eles não conseguiram casar-se? Que faziam nos seus dias de paixão? Isto são coisas do romance e para o romance, não para a crítica. O leitor que quiser saber, que o leia. O livro merece ser lido. Pela emoção que contém e por muito mais. Mário Vargas Llhosa é um realista com a mania de escrever surrealismo. Mas, no fundo, é um realista, um descendente de Balzac e de Flaubert, isto sim. Continuará o leitor sendo atraído pelo estilo muito mais que pela história, seja una ou um conjunto encadeado, na forma de contraponto como este «Tia Júlia e o Escrevinhador». O que importa é o envolvimento, a cumplicidade. Quando o autor consegue, é um vitorioso. E Vargas Llhosa consegue, de forma simples, inusitada, possibilitando-nos o universo social de seu país, naquele período, e o dialeto espanhol do Peru, muito especialmente naquela saga pela província de Chincha em busca de uma forma legal para o seu casamento com a tia Júlia. O que vale mesmo é essa realidade de sua vivência, de suas lembranças, da sua imaginação, tudo com coragem, autenticidade e desprendimento.
Um trecho do final do romance poderia informar melhor do que muito do meu discurso. Porém, explico-me: o último capítulo desse livro, como de quase todos os romances, seria desnecessário à história da paixão. Ele só acrescenta mais um lance biográfico, nada mais. Por isto, lembro as frases finais de Pedro Camacho, na sua decadência como artista, diante de Vargas Llhosa em momento de acensão, o qual tentava evitar sua queda:
- «A única coisa que lhe peço é o silêncio», disse Camacho. E acrescentou: «Não se preocupe: para grandes males, grandes remédios.»
Pedro Camacho realmente silenciou e Vargas Llhosa encontrou o grande remédio para sua primeira e grande paixão. São dois episódios que emocionam.

















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