Porque já muito pouco intervenho na nefanda pressurização do tempo, no que a aceleração concirna para lograr meter o primeiro pé em Marte, nada de facto é comigo e estou-me deveras nas tintas com semelhante desiderato.
Decisiva e decididamente, como convicto sinto que em breve 'vou desta para melhor', tão só me esforço por adoçar meu inexorável desaparecimento, se possível... Zás... Tal e qual como há 64 anos apareci: eu sou ainda um daqueles indivíduos que veio de Paris pendurado nas unhas de uma cegonha cor-de-rosa. Praza agora que, logo que seja impelido para baixo ou... Para cima... Sinta exactamente idêntica insensível-sensação. Afinal o inexpugnável 'não-me-lembro-de-nada' é magnífico... Então não é?!...
Todavia, ainda aguardo uma fímbrica réstia de esperança na sucessão dos dias, maugrado o pressionante e cada vez mais imediato busílis da vida em confronto com o silencioso sorriso dos sábios que por ele passaram. Em suma, a solução está sempre no alvo que nunca mais se alcança.
Sinto-me nos ansiosos olhos da juventude que enérgica persiste viver quanto antes, enquanto se me depara preocupado e temente o semblante dos adultos, onde vislumbro um duplo par de mãos segurando a cabeça. Então, regressando em memória meio-século atrás, revejo nitidamente o espanto espelhar-se no rosto de meus progenitores em face de minha tranquíla indiferença entre a permanente ameaça dos cornos da existência. Outrora como agora, o tácito cliché dos vivos permanece e eu tenho a certeza que estou além da famigerada cabra-cega que continua a jogar-se.
Em 1943 o flagelo era a tuberculose pulmonar. Em 2003, enfim, já está na forja o efectivo remédio santo: a preciosa garrafinha de ar puro pela módica quantia de um dólar furado. Que tramado óbice aflijirá a humanidade em 2063?!...
De sábios forjados pelo aço
Regadas pela seiva dos amores
Vislumbro naturais belas flores
De caule pendurado no espaço!
António Torre da Guia |