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Ensaios-->América Latina e Modelos de Desenvolvimento - Eterno embate -- 23/09/2003 - 01:24 (Carlos Frederico Pereira da Silva Gama) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Modelos. Raro é o momento no qual não entramos em contato com um deles – tangível ou abstrato – em nossas relações interpessoais, profissionais ou mesmo em nossas reflexões mais íntimas, conosco ou com o “sagrado”. Modelos de comportamento, modelos teóricos, modelos das Nações Unidas, modelos de desenvolvimento econômico – o que, afinal, são Modelos? E o que os relaciona a este primeiro momento dessa avaliação escrita?

Modelos, numa definição “de trabalho”, isenta de qualquer precisão conceitual ou pretensão de lograr o consenso, são representações da Realidade (ou de uma parte desta), que servem como instrumentos de estudo dessa mesma Realidade. Mediante a redução da infinita complexidade dessa Realidade, a partir da adoção de certo número de premissas que nortearão a investigação, os estudiosos utilizam os Modelos para aprofundar nossa compreensão da mesma. Tal compreensão nunca será completa, portanto, a partir da adoção de um modelo único – se este for tão complexo a ponto de quase se confundir com a própria Realidade, perderá qualquer capacidade analítica.

Modelos partem da decomposição da Realidade (o “ser holístico” por excelência) para compreendê-la posteriormente, via concatenação das partes ordenados. Apropriando-se de fragmentos capazes de estimular as faculdades humanas (dado que o Homem é um “ser que aparece no Mundo/Realidade” e um “ser que pertence ao Mundo/Realidade”, numa perspectiva fenomenológica), o Homem reconstrói a Realidade como um mosaico, num trabalho incessante (sendo o Homem um ser hermenêutico por definição) de construção/desconstrução. Como ocorre com a História, vista como a “Ciência do Homem no tempo” – responsável pela (re)construção do Passado no Presente (ou seja, levando em consideração ocorrências futuras) e pela modelagem do Presente pelo Passado, sendo ambos interpenetrados pelas névoas do que se supõe ser o Futuro – os Modelos estabelecem com a Realidade uma “retroalimentação”. Os Modelos, afinal, são parte dessa Realidade, e ao mesmo tempo, interferem com esta última e alteram nossa percepção dela.
Uma ressalva faz-se necessária, no entanto: modelos que partem de premissas que não são compatíveis com a Realidade somente poderão conduzir a equívocos monumentais; modelos que se recusam a considerar a priori a complexidade inerente à Realidade, possuindo a pretensão de desvendar todos seus segredos, terminam obtendo monumentos de megalomania inutilizáveis. Essa atitude também pode ocorrer quando modelos utilizam apenas um reduzidíssimo número de premissas, pecando por excessivo reducionismo e obtendo como resultado um quadro pleno de distorções e de pouca utilidade analítica. Mas, afinal, o que tudo isso significa?

Considerando o texto de Leo Hubermann intitulado “Qual o Caminho para a América Latina”, percebe-se que o autor desenvolve seus argumentos com base num determinado MODELO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. A concepção do autor acerca do desenvolvimento está intrinsecamente ligada ao que, na teoria marxista, denomina-se “forças produtivas”. O desenvolvimento corresponderia à “evolução” das forças produtivas, acarretando uma substancial melhoria da produtividade dessas forças – o que, em outras palavras, ocorre quando da passagem de uma economia de subsistência (“atrasada” ou “primitiva”) para uma economia onde os indivíduos produzem mais do que o necessário para sua sobrevivência, gerando, portanto, um EXCEDENTE. A forma de obtenção do excedente (isto é, como ocorre a passagem da economia de subsistência “primitiva” para uma economia de excedente, “moderna”) e a “alocação” do excedente origina estruturas produtivas diferentes. Há, portanto, variações no interior do Modelo de desenvolvimento considerado pelo autor.

Em uma das variações, dita do “Capitalismo Liberal”, o excedente é apropriado pelos detentores dos meios de produção (e não pelos produtores) na forma de lucro, e alocado onde melhor possibilitar a reprodução do próprio lucro. A melhoria das condições de vida dos indivíduos que vivem em sistemas capitalistas “liberais” é gradual e progressiva, bem como o progresso tecnológico tomado numa perspectiva de longo prazo. Não há um planejamento central acerca da alocação do excedente. O “catalisador” dessa variação do modelo de desenvolvimento de Hubermann são as chamadas “revoluções burguesas”.

Na outra variação, a do “Socialismo” (ou “Capitalismo de Estado”) o excedente é apropriado pelo Estado e alocado segundo um planejamento central “racional” e, porque não, “científico”; nos primeiros estágios dessa variação os investimentos se concentram nos setores de bens de produção (produção de máquinas etc.), posteriormente passando para outros setores. O nível de vida dos indivíduos, dessa forma, evolui muito lentamente, ficando num nível baixíssimo durante longos intervalos temporais; o progresso tecnológico, por outro lado, é rápido, na medida que os Estados que adotam a “via socialista” podem adotar já nos primeiros estágios o fruto do desenvolvimento tecnológico secular ocorrido nos Estados de “Capitalismo Liberal”, além de poderem efetivar alocações maciças de recursos lançando mão do planejamento central. Essa “via”, aparentemente, é mais rápida (conquanto seja mais árdua). O “catalisador” dessa variação seriam as chamadas “Revoluções Socialistas”.

Tendo em vista essa estruturação do argumento em torno de duas “variações” de um mesmo modelo de desenvolvimento, Leo Hubermann aplica seu modelo à América Latina dos anos 1960 – lembrando, estamos adotando uma perspectiva de construção/desconstrução temporal, o que possibilita que o Passado se infiltre pelo Presente, sendo reconstruído sobre novas bases – considerando que a miséria, o atraso e a apatia dos países da região (considerações marcadamente eurocêntricas) poderia ser superado, caso uma das variações fosse adotada. A opção mais adequada seria a “via socialista”, dado que ela não só seria mais “rápida” como se adequaria perfeitamente ao contexto da América Latina dos anos 60, no qual a “revolta dos oprimidos” já começava a se fazer sentir. Uma revolução socialista, marcadamente popular, e um Estado forte, centralizador, responsável pelo planejamento econômico seriam os veículos para superar o subdesenvolvimento. CUBA seria o exemplo cabal para toda a América Latina, na medida que a Revolução (“socialista”) de 59 superou, em pouco tempo, os vícios da estrutura econômica de subsistência preexistente (correspondente a um sistema político corrupto e falido), colocando o país nos “trilhos” do desenvolvimento rápido e duradouro. Isso, claro, em 1960. Não podemos ignorar o fato de que, precisamente no início dos anos 60, o modelo econômico da URSS (baseada num paradigma tecnológico FORDISTA) atingira seu grau máximo de pujança, declinando daí em diante, quando houve a disseminação pelo mundo do paradigma TOYOTISTA (ou OHNISTA) de produção “flexível”. A pujança cubana no começo da década de 60, provavelmente, se deveu em grande parte ao maciço auxílio financeiro da URSS – vivia-se então o auge da Guerra Fria – mais do que aos “predicados” da “via socialista”. O país não desenvolveu propriamente uma indústria autônoma, criando um sistema de “trocas desiguais” com os então países do bloco soviético, mantendo-se como país produtor de bens primários. Cuba acompanhou o declínio da economia da URSS a partir dos anos 80, sendo atualmente não um exemplo a ser seguido, mas um contra-exemplo em matéria econômica para a América Latina.

O argumento de Hubermann falha, quando aplicado à América Latina, por diversas razões. Seu modelo parte de premissas que não foram, ou dificilmente foram, presentes na Realidade latino-americana (a idéia de apropriação do excedente, por exemplo, não foi uma constante na História da região contada desde seus mais antigos habitantes). A excessiva ênfase dada ao fator econômico oblitera fatores fundamentais como a CULTURA e a HISTÓRIA, levando a resultados finais menos do que encorajadores para o modelo. Mesmo quando esses fatores são considerados, a perspectiva é marcadamente etnocêntrica e eurocêntrica – a indolência (natural) dos nativos e sua cultura “bárbara” de subsistência contam muito mais para o atual (à época) estado de subdesenvolvimento do que a Colonização, o Imperialismo etc. Nota-se que o autor adota a perspectiva do “espelho deformante” na sua análise da situação latino-americana – a solução é a adoção de modelos que expressam uma Realidade mais do que nunca européia, mas que seriam plenamente compatíveis com a Realidade latino-americana. O caso “exemplar” de Cuba só é considerado mediante analogias profundas com as Revoluções ocorridas na URSS e na China...E a indolência, a INAÇÃO dos povos da América Latina (vista como “espelho deformado”) sempre aparece como fator que atravancou o desenvolvimento da região através dos séculos. A “solução”, no entanto, era tão simples que realmente só se pode pensar, a partir da análise de Hubermann, que os povos da América Latina seriam naturalmente “bárbaros”, ignorantes – tanto tempo ficaram à espera de algo tão simples!

Outra razão pela qual a análise de Hubermann falha aplicada à América Latina refere-se à análise do contexto da época, efetuada retrospectivamente, seguindo a perspectiva da História como “Ciência do Homem no tempo”. Percebe-se que a “via socialista” naufragou a partir dos anos 60 (não que a “via capitalista” pudesse ser melhor sucedida, se aplicada à América Latina – como demonstrado pelo exemplo dos governos autoritários dos anos 60 e 70, exposto mais adiante); tampouco havia condições efetivas para que uma “revolução socialista” ocorresse na América Latina (pelo menos não nos termos de Marx). A opção aberta pela “revolução” conduziu ao extremismo político, abalando sobremaneira as já fragilíssimas instituições políticas latino-americanas (ainda mais num contexto de Guerra Fria que demandava coesão a todo custo no interior de cada “bloco”), desembocando na onda de golpes militares dos anos 60 e 70. Os governos autoritários, automaticamente alinhados aos Estados Unidos, implantaram Estados fortes, interventores na Economia, que foram, no entanto, responsáveis pela adoção de uma “via capitalista” de desenvolvimento de cunho dependente. Ambas as vias fundidas numa só? Talvez. O equívoco não seria, no entanto, menor.

Salta aos olhos, como crítica desse artigo e conclusão dessa primeira questão, a excepcional sobrevivência do Modelo de Hubermann nas mentes de muitos latino-americanos (nem é preciso mencionar o quão popular é essa perspectiva entre europeus e/ou norte-americanos). Ainda hoje assistimos aos debates entre os “nacionalistas” e os “entreguistas”, entre os “revolucionários” e os “reacionários”, todos com suas soluções pré-fabricadas e prontamente adaptáveis a todos os contextos – tudo que um “bom” Modelo não deve ter. Ainda esperamos por propostas alternativas, que levem em conta o processo de formação da “América Latina” (Ocidentalização?), sua cultura, sua História e sua inserção atual num sistema internacional marcado pelos processos de Globalização e Fragmentação, no qual, segundo James Rosenau, ocorre o “deslocamento dos centros de autoridade em direção de entidades supranacionais e subnacionais, num contexto de centralização e descentralização”. De outra forma, continuaremos esperando em vão o surgimento de “bons” modelos – até, quem sabe, quando a própria Realidade latino-americana se tornar tão distorcida quanto os “maus” modelos nos indicam. Nesse momento, viveremos apenas os simulacros. Mas não estamos, afinal, na Era da “Realidade Virtual”, da arena do “não-tempo”, em contraposição à consideração do Homem no Tempo, na qual a destruição sistemática da memória e da História nos coage a viver um Presente eterno sem dignidade? Que possamos ter um Futuro mais digno – nós, América Latina, e os Modelos...
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