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Ensaios-->A POESIA NO SÉC. XX -- 15/09/2003 - 23:07 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A POESIA NO SÉCULO XX


Francisco Miguel de Moura*

A imaginação é um músculo que, como qualquer outro, precisa ser exercitado.

Luís Buñuel (1900-1983)


À primeira vista pode parecer não pertinente que uma palestra sobre a poesia comece com a citação de um cineasta. Mas não se trata de um cineasta qualquer, trata-se de Luís Buñuel – um dos maiores do século, ao lado do gênio que foi Charles Chaplin. Porém não queremos apenas uma citação. Quando se fala em poesia, e o tema é poesia, é preciso que venha logo à tona o estado permanente de angústia dos poetas. Neste caso, Buñuel também era poeta quando, e como bom surrealista, considerava falaciosas todas as homenagens e cerimônias comemorativas, proclamando: “Viva o esquecimento. Só vejo dignidade no Nada.” Mas por que citar um cineasta apenas, se temos Wood Allen, Almodóvar, Antonioni, Bergman, Bertolucci, Hitchcock, Rossellini, no plano universal e, no Brasil, Glauber Rocha, Rui Guerra, Bruno Barreto, Hector Babenco, Joaquim Pedro de Andrade, Arnaldo Jabor, Lima Barreto, Nelson Pereira dos Santos, etc. etc.?
E por que falar nos cineastas e não nos poetas do século, se estamos comemorando a poesia e os poetas?
Deles falaremos adiante, se possível trazendo alguma novidade. A poesia não tem pressa de si, prefere o outro. Além disto, a poesia e os poetas não são apenas deste século, mas de todos os séculos. Enfim, não cometerei a tolice de querer definir a poesia, arte que equivale à beleza de todas as artes, à beleza em si como um todo.
Fernando Pessoa dá a entender que a poesia está “na Cousa indefinida”, em seu soneto nº I, “EM BUSCA DA BELEZA”, que aqui vamos ler:

“Soam vãos, dolorido epicurista,
Os versos teus, que a minha dor despreza;
Já tive a alma sem descrença presa
Desse teu sonho, que perturba a vista.

Da Perfeição segui a vã conquista,
Mas vi depressa, já sem a alma acesa,
Que a própria idéia em nós dessa beleza
Um infinito de nós mesmos dista.

Nem à nossa alma definir podemos
A Perfeição em cuja estrada a vida,
Achando-a intérmina, a chorar perdemos.

O mar tem fim, o céu talvez o tenha,
Mas não a ânsia de Cousa indefinida
Que o ser indefinida faz tamanha.”

“A ânsia de Cousa indefinida” – caminho por onde trilham todos os poetas, todos os criadores, em busca da forma ideal – esta não tem fim, é eterna. Porque eterna é a beleza, objeto e matéria da poesia. A dificuldade de ser poeta é que, na busca da expressão para essa matéria e para as demais todas que dela derivam, temos que ter um mínimo de originalidade, sem desconhecer os mestres do passado, ou melhor, conhecendo-os tão profundamente que deles possamos nos afastar sem esquecê-los. Em torno dos poetas de hoje, circulam todos os grandes poetas do passado da humanidade, desde aqueles da Bíblia – vejamos o Gênesis, o Eclesiastes, os Salmos, os Evangelhos, etc. – passando por Homero, Horácio, Virgílio e demais clássicos gregos e romanos. Vejamos os franceses, ingleses, espanhóis, hispano-americanos, alemães, russos, irlandeses ou escoceses, incluindo necessariamente, Ossian, Shakespeare, Goethe, Maiakóvski e Frederico Garcia Lorca. Não esquecer também os portugueses e brasileiros Camões e Pessoa, Castro Alves e Bilac, Raimundo Correia e Augusto dos Anjos, Oswald e Mário de Andrade, Bandeira e Drummond, Cecília Meireles, João Cabral de Melo Neto, Manoel de Barros e tantos e tantos outros, que continuar seria um cansar de ouvido e paciência, em espaço de tempo tão limitado.
Este século é do Modernismo. Poderíamos nos ocupar somente dele como matéria riquíssima, inesgotável. A modernidade foi a globalização da arte, em vários sentidos. Por exemplo, a modernidade quis e o fez com competência, pacientemente, fundir (e confundir) em si todas as escolas, movimentos e tendência anteriores: o clássico e o neo-clássico, o romantismo e o realismo, o simbolismo e o barroco, impressionismo e expressionismo. Por outro lado, juntou o social e o indivíduo, a criação da língua e o respeito às culturas insuladas, desconhecidas, não “culturalizadas”.
É bem verdade que o nosso Modernismo foi tardio, chegou em 1922, graças àqueles jovens valentes, ousados, da Semana de Arte Moderna. Mas São Paulo foi apenas um grito do que já estava subterranemente acontecendo em muitas províncias, em nossas ilhas culturais, especialmente nas mais “descobertas” como Rio de Janeiro, Minas, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Sul. As forças sócio-culturais brasileiras vinham trabalhando subterraneamente para a eclosão de algo novo. Eram os pré-modernistas como Augusto do Anjos, eram os poetas que misturaram o Parnasianismo com o Simbolismo (os chamados penumbristas ou sincréticos), tontos pelas experiências formais de tantos já escritores e de alguns mais que sequer tiveram coragem de publicar, mesmo vivendo a atmosfera de fim-de-século e início de outro. Arrolem-se, entre os que se arriscaram a sair a público, no Brasil, Ronald de Carvalho, Mário Pederneiras, Felipe D’Oliveira, Ribeiro Couto, Gonzaga Duque, Lima Campos, Álvaro Moreira, Guilherme de Almeida, Eduardo Guimarães, Hermes Fontes, Martins Fontes, José Albano, Amadeu Amaral, Raul de Leoni, Olegário Mariano, Gilka Machado, Homero Prates, Rodrigo Otávio Filho, José Picorelli, Rodrigues de Abreu, José de Freitas Vale e Da Costa e Silva. Alguns destes, logo se integrariam aos movimentos modernistas, outros ficariam sempre a meio caminho entre os tiques parnasianos e simbolistas, sem conseguirem realizar o verso branco modernista, ou desistiam para sempre de poetar.
O clarim dos movimentos da Europa e dos Estados Unidos aqui já soava, os poetas de São Paulo foram buscá-lo. Aliás, nosso Simbolismo já bem podia ser considerado um Pré-modernismo, pelos sinais do novo que trazia, não propriamente na técnica mas no conteúdo variado, de inumeráveis interpretações e leituras. Entretanto, por outro lado, limitava-se. Como se sabe, o Simbolismo foi um movimento quase que exclusivamente poético, de poucos prosadores, e o que havia de prosa entre os simbolistas era logo chamado de Impressionismo e de outras denominações menos impressionáveis. Com o nome de Futurismo foi que o Modernismo deu entrada no Brasil. Na Europa havia o Cubismo, o Surrealismo, o Dadaísmo e outros mais. Porém o Futurismo, originário da Itália, foi quem nos batizou. É de bom alvitre ouvir um pouco do que pregava Marinetti, em 20 de fevereiro de 1909, no Manifesto da Poesia Futurista:
“1. Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito à energia e à temeridade.
2. Os elementos essenciais de nossa poesia serão a coragem, a audácia e a revolta.
3. Tendo a literatura até aqui enaltecido a imobilidade pensativa, o êxtase e o sono, nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo ginástico, o salto mortal, a bofetada e o soco.
4. Nós declaramos que o esplendor do mundo se enriqueceu com uma beleza nova: a beleza da velocidade.”
Numa palavra, aqui está a chave da interpretação do nosso século: velocidade. Foi numa velocidade enorme que os movimentos modernistas varreram o mundo do séc. XX, em cada país com nomes diferentes mas sempre trazendo a mesma marca da mobilidade, do movimento, da mudança. Mudança que se verifica em todos os domínios da História: duas grandes guerras que ameaçaram a vida na face do planeta, duas ideologias excludentes, racismo, genocídios, avanços espetaculares na ciência e nas técnicas para colocar em prática as novas descobertas. O homem não fica mais preso à terra nem ao mar – voa. O pioneiro foi o brasileiro Santos Dumont, em Paris. Só a prepotência americana pode chegar ao cúmulo de dizer que os irmãos Wright voaram – eles simplesmente pularam, não são pioneiros, não. Em 19 de outubro de 1901, Albert Santos Dumont ganhou o prêmio “Deutsch”, voando no seu balão número 6, impulsionado por motor de 16 c.v., durante 30 minutos. Seu invento já era um dirigível. Nessa condição foi que descreveu uma circunferência no ar, em torno da Torre Eiffel, e retornou ao ponto de partida.
Mais tarde, voando em aparelho mais pesado que o ar, seu famoso “14 Bis”, Albert Santos Dumont consolida suas descobertas, ganhando o maior prêmio para invenções científicas no setor de aviação, instituído pelo norte-americano Ernest Archdeacon. Em 23 de outubro de 1906, em Paris e em público, Santos Dummont elevou-se a mais de 25 metros de altura e fez jus aos 3.000 francos oferecidos pelo americano. Suas experiências continuariam até chegar ao seu “Demoiselle”, de 103 kg. e motor de 30 c.v., em 1908, com o qual desenvolveria 90 km. por hora.
A velocidade se dava também na literatura. Os movimentos e escolas se multiplicavam, as experiências também, algumas belíssimas, fulgurantes. No Brasil, tivemos, além dos importados futurismo, surrealismo, cubismo e outros tantos, os autóctones movimentos do verde-amarelismo, pau-brasil, anta, antropofagia, etc. etc. Isto nos primeiros momentos. Depois a mania foi apelidarem as divergências de geração dos anos 30, 40, 45, 50... concretistas, vanguarda, pós-vanguarda, etc. etc. A partir dos movimentos da Poesia Concreta (1956), o Modernismo passou a chamar-se Pós-modernismo, em contraposição ao Neo-modernismo da geração de 45, cada um desses períodos com uma carrada de bons poetas, espalhados por todo o Brasil, não obstante o conservadorismo dos historiadores de nossa Literatura, os quais ainda teimam em catalogar e estudar apenas os escritores do Rio e São Paulo, e muito depois, por muita condescendência, os de Minas e do Rio Grande do Sul.
Este século foi tão veloz que, segundo os melhores historiadores da atualidade, terminou com a queda do Muro de Berlim, uma década antes do número redondo 2.000. A velocidade e o domínio do espaço marcaram sua fisionomia. A ciência andou muito, especialmente a astronáutica. O homem foi à lua e está prestes a “desenavar” (desembarcar) noutro planeta. A medicina, a embriologia, a física, a química, a biologia, as técnicas de comunicação, todas mudaram tão rapidamente. O homem vive mais e melhor, sim: aqueles que podem. O capitalismo selvagem, especialmente o das duas últimas décadas, agora denominado de neo-liberal, aparentemente venceu. A globalização financeira acumula de fato. A riqueza de poucos e a miséria de muitos aumentou estupidamente. Quem nasceu e cresceu ouvindo dizer, através das profecias de Nostradamus, que o mundo iria acabar no ano 2.000, pode ver que acabou mesmo. Acabou antes. O mundo que nós conhecíamos não existe mais. Este mundo de INTERNET e de naves espaciais, de exploração do Cosmo e de domínio do conhecimento dos genes dos animais, das plantas e dos homens, este mundo da clonagem é um mundo estranho, não sabemos se melhor, se pior. Não sabemos o que dele esperar. Mas sabemos que não nos pertence mais como pertence aos meninos que estão com 10, 15, 20 anos agora.
E tudo isto tem a ver com o nosso tema – a poesia e os poetas do século XX – pelo contraste, pela negação. Quando comparamos, quando colocamos esse mundo ao lado do desenvolvimento poético, sentimos pena de nós. A velocidade foi grande, no pequeno espaço de tempo de um século, mas o resultado não nos agrada. A poesia (a literatura) teve seu apogeu no século passado, no mundo e no Brasil. No Brasil, com Machado de Assis. Daí não apareceu mais ninguém genial como ele. Que escrevesse conto, romance, crítica e poesia ao mesmo tempo, tudo de altíssima qualidade, não apareceu. Neste século há literatura, muita literatura, certamente mais livros e autores, mais revistas e jornais, os meios técnicos facilitaram sua produção e divulgação. Mas nada se iguala à literatura do século passado, com todas as suas dificuldades. Ao lado de Castro Alves, Álvares de Azevedo, Gonçalves Dias, nomes que se destacaram no passado, neste século, na poesia, colocam-se Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Morais e João Cabral de Melo Neto. Na prosa, Graciliano Ramos e Guimarães Rosa. Os poucos citados talvez fossem merecedores do Nobel, em nossa língua. Quem ganhou foi o português José Saramago. Ainda bem.
Dentre as artes, as que mais se sobressaíram no séc. XX foram o cinema (já referido) e a arquitetura, justamente aquelas que têm congeminação com as práticas do homem: o primeiro é a poesia da imagem e desenvolveu-se melhor no início, enquanto o cinema era mudo, ou quase mudo, porque havia música; a arquitetura é a poesia do espaço de vivência humana, com nomes que não podem ser olvidados como Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, no Brasil, e Frank Lloyd Wright, Le Corbusier e Walter Groppius, os mais conhecidos no mundo. Como arte e técnica, desenvolveu-se bastante ao acompanhar a crescente urbanização do planeta. Poderia ter dado mais e melhores frutos. Mas degradou-se junto com o capitalismo devorador dos pobres e contribuiu para a destruição de parte da história social das comunidades, justamente por causa da sede de lucro daqueles que a determinam.
A literatura, em frente às condições materiais do século, recebeu influências da arquitetura e do cinema, mais do que de outras áreas. Mas, a poesia, como eu disse e aqui repito, não possui nenhuma afinidade com o útil como aquelas artes. Terá sido por isto que ficou fora de moda? De qualquer forma, foi bom, foi sua salvação. Num poema recente, publicado em meu livro “Poemas ou/tonais”, de 1991, sem título, eu afirmo essa inutilidade da poesia e do poeta:
“eu sei, o poeta é inútil
na bolsa, nos oligopólios

os bancos não descontam
nossos papéis
(falamos de sonhos e premonições
do homem perdido e seu amor)

os bancos descontam a terra
e seus lotes, seus dotes

eu sei da minha inutilidade
mas é preciso que o inútil sobre
v i v a

assim teremos o inútil
e a dura beleza das horas.”

Também ficaram para trás, nesse ranking a pintura, a escultura, a música (clássica), restando melhor sorte à música popular – quando então a poesia ganha seu quinhão de sorte. Alegra saber e repetir que, no Brasil, o último movimento poético foi a Tropicália, nos anos 60 e 70, cujos principais criadores foram os baianos Caetano e Gil, associados ao poeta piauiense Torquato Neto. Já o poeta Mário Faustino, piauiense de grande sensibilidade e cultura, antes do Tropicalismo, fora uma das principais cabeças do movimento de renovação de nossa poesia, através do SDJB, nos idos de 50, de cujo trabalho participariam também Assis Brasil, Ferreira Gullar e os concretistas do Rio.
Após as experiências do Concretismo, conjugadas com as do Tropicalismo, passamos a exportar poesia, design, músicas (e suas letras poéticas), juntamente com programas de televisão, novela, etc. etc. Isto é bom ou ruim? Bom talvez, talvez ruim. Dialético. Que sabemos nós do que isto poder resultar?
Praticamente já falamos nos principais nomes deste século, em nossa poesia, uma das mais ricas, apesar das dificuldades da língua – que não possui a sonoridade do inglês e do castelhano (veja-se, por exemplo, um Borges, um Neruda), mas é detentora de outras qualidades, tais como a mobilidade sintática e a variedade vocabular. Na língua portuguesa, no meu entendimento, tivemos a sorte de ter Fernando Pessoa, o poeta do século. Que mais poderemos querer?
Recebemos, é claro, a contribuição dos grandes poetas da Europa, principalmente dos franceses, senão em primeira mão, pelo menos em traduções mais ou menos aceitáveis. Citem-se Baudelaire e Mallarmé, ambos do século passado. Neste século, é de justiça citar André Breton. Laivos de surrealismo ainda sobrevive em muitas de nossas produções poéticas. E, finalmente, dois grandes nomes não é possível esquecer, T. S. Eliot e Erza Pound, estes de língua inglesa. Influentes poetas no meio de nossa intelectualidade, porém mais recentemente, foram Cummings, Octávio Paz, Ginsberg.
Os mais exigentes perguntarão: Será que faltou alguém?
Faltou, sim, é comum ocorrer nas citações, mas foram lembrados os essenciais, visto não ser possível referir a todos. Nem necessário. Salvo se estivéssemos preocupados em preparar uma simples relação nominal. E realmente não é o caso. O sumo da poesia neste século é o que pensamos.
Octávio Paz, com quem poderíamos terminar nossa peroração, ao constatar a também materialidade da poesia, confere, com desânimo, que ela “não se encarnou na história” e que “a solidão continua sendo a característica da poesia atual.”
Com a profundidade e a percuciência que lhe são peculiares, Nelly Novaes Coelho aponta “o humor e a ironia”, como elementos evidentes e característicos da “perda de confiança (dos poetas dos anos 60/70) no seu poder de dizer e nos seus suportes transcendentais”. E mais adiante, acrescenta: “No geral, essa produção poética oscila entre a consciência da dura realidade cotidiana ou a sondagem introspectiva do ‘eu’ que se sente existencialmente desamparado.”
Assim sendo, voltemo-nos para a angústia dos poetas, com a qual nos ligaremos melhor ainda por intermédio de outra citação, agora do escritor Ítalo Calvino, do seu romance “Palomar”. Encontramos o personagem Palomar, alterego do autor, horas e horas observando o diálogo (canto ou assovio) de um casal de melros e a constatar: “O assovio dos melros tem isto de especial: é idêntico a um assovio humano, de qualquer um que não seja particularmente hábil em assoviar mas que esteja diante de um bom motivo para assoviar.”
Depois de seu acurado estudo, minucioso mesmo, chega às seguintes conclusões, ora afirmativas, ora em perguntas: “O assovio é repetido – pelo mesmo melro ou pelo cônjuge – mas sempre como se fosse a primeira vez que lhe viesse à mente assoviar. (...) Mas, trata-se de um diálogo, ou cada melro canta para si e não para o outro? E, num caso ou noutro, trata-se de perguntas e respostas (ao outro ou a si mesmo) ou de confirmar algo que é sempre a mesma coisa (a própria presença, a atribuição à espécie, ao sexo, ao território)? Talvez o valor daquela única palavra (sic) esteja no fato de ser repetida por um outro bico assoviante, de não ser esquecida durante o intervalo de silêncio. (...) O problema é entender-se. Ou melhor, ninguém pode entender ninguém: cada melro acredita haver posto no assovio um significado fundamental para ele mas que só ele entende; o outro lhe contesta algo que não tem nenhuma relação com aquilo que ele disse; é um diálogo de surdos, uma conversa sem pé nem cabeça.”
Não queremos acreditar que a poesia seja incomunicável, que o poema seja apenas um monólogo. É verdade que vivemos um momento confuso, na poesia brasileira e mundial, equivalente àquele do final do século XIX: – de penumbra, de sincretismo, de quase silêncio, que eu chamaria de Pós-tudismo (pois vivemos, com relação ao Modernismo, o momento final de tudo, o pós-tudo). Tomara que nossa poesia não esteja sendo nem venha a ser “um diálogo de surdos, uma conversa sem pé nem cabeça”, como na fábula do casal de melros do romance de Calvino. Sabemos que algum tipo de comunicação entre os homens é possível, porém difícil é comunicar a expressão do sentir. Os sentimentos é que individualizam o ser o humano. Minha dor é sempre maior do que a do vizinho. Minhas formas de sofrer ou de gozar são inúmeras e diferentes. Por quê? Porque meus nervos o são, meu cérebro, minhas células. Isto não impede de haver algum entendimento, mesmo que intermediado por aquilo de que gostamos em comum. Exemplo: os poetas se entendem na poesia, os amantes no amor. E assim o mundo vai.
Talvez que de solidão, desamparo, angústia e silêncio se teçam os poemas do final do séc. XX. E quem sabe se esses não são os melhores estados d’alma para a poesia? Quem sabe se as perguntas que os poetas se fazem há mais de um século não vão ser respondidas pelos poetas do século XXI? Deixemos, pois, aqui e agora, a nossa mensagem de esperança na poesia e nos poetas, nos leitores e nos críticos, que, afinal de contas, formam uma só e mesma família, a da literatura.

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA (e/ou citada):

Livros:

Berman, Marshall. “Tudo que é Sólido se Desmancha no Ar”, Companhia das Letras, São Paulo, 1987.
Calvino, Ítalo. “Palomar”, Companhia das Letras, São Paulo, 1994.
Coelho, Nelly Novaes. “Literatura e Linguagem”, Editora Vozes, Petrópolis, RJ, 1994.
Lash, Christopher. “O Mínimo Eu”, Editora Brasiliense, São Paulo, 1987.
Moisés, Massaud. “A Literatura Brasileira Através de Textos”, Editora Cultrix, São Paulo, 1987.
Moura – Francisco Miguel de. Poemas Ou/tonais, gráfica e editora júnior, Teresina, 199l.
Napoleão, Aluízio. “Santos Dumont and the conquest of the air”, Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, Rio, 1988.
Paz, Octavio. “O Arco e a Lira”, Editora Nova Fronteira, Rio, 1982.
Pessoa, Fernando. ”Obra Poética”, Editora Aguilar, Rio de Janeiro, 1983.
Teles, Gilberto Mendonça. “Vanguarda Européia e Modernismo Brasileiro, Editora Vozes, Petrópolis, RJ, 1976.
Wey, Válter. “Língua Portuguesa”, Curso Colegial, III Vol. , Editora do Brasil S. A., Rio, 1969.

Jornais:
Buñuel, Luís. In “O Cinema Convulsivo de Buñuel”, artigo de José Geraldo Couto, publicado no caderno “Mais” da “Folha de São Paulo”, 20 de fevereiro de 2000.

Enciclopédias:

BARSA – “Enciclopédia Britannica do Brasil Publicações Ltda. Rio de Janeiro/São Paulo, 16 volumes, 1987.
ABRIL – “Almanaque Abril l999”, Publicações Editora Abril, São Paulo,2000.
LITERATURA – “Enciclopédia de Literatura Brasileira, vol. I e II, Direção de Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa, Ed. Ministério da Educação/Fundação de Assistência ao Estudante, Rio, 1990.

















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* Conferência pronunciada no Clube dos Diários, em sessão solene da UBE-PI, no dia 14 de março de 2000 ( Dia da Poesia)


* Francisco Miguel de Moura é poeta, escritor, com mais de 20 livros editados, membro da Academia Piauiense de Letras, do Conselho de Cultura e da UBE.


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