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Ensaios-->O Grande Vazio -- 29/08/2003 - 00:57 (Carlos Frederico Pereira da Silva Gama) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A década de 1990 consolidou, para diversos filósofos e cientistas sociais, a chamada “morte da Modernidade”, iniciando a era “pós-moderna”. Tal era caracteriza-se, segundo os mesmos, por um individualismo hidrófobo, hedonista, narcisista e consumista, alheio à Ética. Tal constatação é corroborada pela queda dos regimes autoritários “socialistas” do Leste Europeu, pela hegemonia norte-americana no mundo, pela decadência dos Estados “de bem estar” europeus, pela falência do modelo dos “Tigres Asiáticos” e pelo predomínio de teorias neo-liberais na economia, transplantadas depois para todos as áreas da vida humana – a partir daí nos tornamos experimentos sociais de publicitários, profissionais de marketing e especialistas em auto-ajuda. A Democracia (formal), já alcançada, tornou-se um instrumento de pesquisa de mercado; a Política, desacreditada, tornou-se um joguete nas mãos de “clowns” demagogos, animadores de auditório, pastores eletrônicos e tubarões dos negócios. E nós?

Defendo que não vivemos uma era “pós-moderna”, mas uma era de transição, de decadência efetiva da Modernidade, na qual ainda não surgiram alternativas viáveis ao modelo que cai aos pedaços. É o banquete das hienas, no qual os restos (ainda não devorados) da Modernidade agonizante tentam se recompor, em meio ao caos e aos profetas do Apocalipse, armados com suas linhas de financiamento de curto prazo e sua lavagem cerebral. Tudo se resolve, dizem os oráculos do silício, através da “nova economia” da Internet, dos c-bonds, da Reengenharia, dos aumentos de impostos, da “austeridade financeira”, do desenvolvimento “sustentável” que mal consegue se manter em pé. Todos são livres na “infovia”, certamente. Mas livres não para a criação de algo novo, mas para comprar ou assimilar a difusão passiva do limitado conhecimento gerado em nível tecnoburocrático. Somos livres para a apatia...

Vivemos um hiato histórico. Um vazio, especialmente um vazio de valores. Não foi apenas a Modernidade quem faleceu. Junto com ela, pereceu grande parte da chamada “civilização ocidental”, baseada em valores tais como a liberdade de indivíduos éticos. Não estou a fazer uma ingênua defesa da moral liberal-burguesa, que já se mostrou falaciosa, apenas me contraponho aos defensores do “vazio teleológico”, prisioneiros da empiria, para os quais tudo deve ser pensado de forma estática, como um dado – devemos, portanto, nos conformar ao abismo. Uma frase de Taine, filósofo político, sintetiza minha argumentação. “Dez milhões de ignorâncias não produzem uma sabedoria”. Hoje, sequer podemos opor sabedorias às ignorâncias – os sábios da atualidade constituem bastiões da ignorância. A auto-ajuda, as leis espirituais do sucesso, a neurolinguística, o “lacanianismo de mercado”, as lições de estratégia empresarial dos antigos samurais...

Vivemos o império da mediocridade, que abrange todos os matizes do espectro político. Os atuais liberais não bebem na fonte de Locke, Kant ou dos autores do “Federalista”. São apóstolos de Hayek, Friedman, de Tatcher e Reagan, do “Conselho de Washington”. A esquerda, por sua vez, mais perdida do que peru em véspera de Natal, não quer saber de Gramsci ou Althusser, preferindo repetir as teses imperialistas de Lênin como se vivêssemos em 1916, às vésperas da (jamais realizada) “ditadura do proletariado”. Marx, certamente, teria convulsões se ouvisse a defesa inflamada que setores autistas da esquerda fazem do domínio monístico de Fidel Castro em Cuba. Mas há algo ainda pior – esquerdistas mais desorientados e oportunistas fazem a defesa de um impraticável “socialismo liberal”, onde se conciliam um mercado com poderes beirando a onipotência e um Estado “do bem estar” numa versão mais humilde. Nem, talvez, os chineses da Revolução Cultural maoísta seriam capazes de repetir um slogan como esse. A esclerose ideológica faz com que até o Partido Democrata norte-americano seja considerado esquerdista, dado o caos e a apaticidade de propostas da esquerda. Não que a direita esteja em melhor situação. O anacronismo do liberalismo radical e principalmente o “porre” que diversas sociedades experimentam após seguidos governos neo-liberais, aliados à anemia de propostas da esquerda, criam condições ideais para que prolifere o vírus da intolerância, da xenofobia, do fascismo dissimulado ou declarado. Le Pen, Haider, Fujimori e afins, com certeza, estão embevecidos com a situação.

Sociedades como as atuais não podem almejar nada, a não ser reciclar compulsoriamente o passado de forma desconexa e precária, ou então predizer futuros cada vez menos prováveis, dado o desencaixe verificado entre os processos sociais silenciosos, algo passivos, apáticos e as aspirações de meia dúzia de “utópicos rancorosos”, que resistem em se render à hegemonia do vácuo. É muito (mesmo) mais fácil ceder à sedução niilista do consumo, do prazer autoprogramável, com direito a replay e slow motion, do se deixar levar mansamente pelos camelôs virtuais (e reais)...para que pensar? Se há um futuro provável nas condições atuais, é o da mesmice. Da autocracia implacável do presente, imerso num passado em ruínas. A saída?

Se há uma, ela se resume à retomada dos valores – de forma crítica, não como slogans de propaganda (Liberdade é usar o Jeans X...) ou como cânticos religiosos, preparados para missões de conversão sempre condenáveis. Valores fundados no passado, que se oponham ao vazio do presente, podendo regenerá-lo e construir um futuro minimamente humano. Valores que deitem raízes na História, mas que não ignorem o presente, ou que estejam intrinsecamente ligados a este. O Humanismo, palavra tão menosprezada pelos manuais de “administração holística em 10 lições”, os Direitos Humanos (anacrônicos no mundo do sadismo eletrônico), a Liberdade associada à Ética, a Igualdade (não apenas em termos “papelísticos”, mas substanciais), a Imaginação, enfim...a Utopia. Utopia, palavra grega que significa “não-lugar”, algo que não existe, mas que pode ser construído. Com ela, não teremos uma certeza, não resta a menor dúvida. Não é o caminho mais fácil. Sem ela, porém, o que nos resta? Viver o vácuo. Utopia sim, para a direita, para a esquerda, para o meio de campo político – e principalmente para a Humanidade.
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