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Ensaios-->MACHADO DE ASSIS -- 26/08/2003 - 22:04 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
MACHADO DE ASSIS E A LITERATURA BRASILEIRA

A sociedade não é um grupo de que
uma parte devora a outra?
Machado de Assis

Que espetáculo não seria ver evaporar-se
em uma fogueira inquisitorial tanto ópio
encadernado que por aí anda enchendo
as livrarias!
Machado de Assis

A literatura brasileira no século passado foi rica, riquíssima. Duas grandes correntes, duas grandes escolas: o Romantismo e o Realismo/Naturalismo. Na poesia: o mesmo Romantismo, mais o Parnasianismo e o Simbolismo.
Nosso romance começa praticamente com José de Alencar. Os dois (Machado e Alencar) viveram a mesma época. Quando saiu 'Iracema', Machado de Assis faria sobre José de Alencar e especialmente sobre seu livro mencionado, entre outros elogios, o seguinte: 'O Brasil tem o direito de pedir-lhe que Iracema não seja o ponto final. Espera-se dele outros poemas em prosa. Poema lhe chamamos a este, sem curar de saber se é antes uma lenda, se um romance; o futuro chamar-lhe-á obra prima.'
Autores como Euclides da Cunha, Raul Pompéia e Visconde de Taunay são excelentes no estilo e demonstraram muita capacidade criativa. Poderíamos citar outros. Mas passemo-nos à poesia, onde há profusão de nomes e obras que nos encantam e nos seduzem ainda hoje. Gonçalves Dias e Castro Alves, Alvares de Azevedo e Fagundes Varela, os românticos; Olavo Bilac, Raimundo Correia, Vicente de Carvalho, parnasianos; e inúmeros simbolistas, entre os quais Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens continuam sendo os mais lidos, citados e editados, além do poeta singular que foi Augusto dos Anjos.
Diferentemente de José de Alencar, Machado de Assis abarca o período romântico e o realista. É um caso raro de polígrafo, em nossa literatura, que se saiu bem. Como prosador, ocupa posição ímpar, pelo gênio, pela criatividade, pela persistência.
Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro, no dia 21 de junho de 1839 e faleceu na mesma cidade, em 29 de setembro de 1908, depois de publicar uma obra imensa, além do material literário que deixou esparso em jornais e revistas.
Começou com o jornalismo, publicando artigos, contos e crônicas que eram lidos e comentados na Capital da Repúblicas. Aliás, a crônica como se faz no Brasil, é uma invenção de Machado de Assis, no Império, aperfeiçoada neste século por Cecília Meireles, Rubem Braga, Raquel de Queiroz, Paulo Mendes Campos, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Luís Fernando Veríssimo e tantos outros.
As primeiras obras de Machado foram para o teatro, onde nem sempre mostrou o seu gênio. Depois passaria a publicar poesia, conto e romance, conforme veremos da cronologia de sua obra, a seguir:
I - FASE ROMÂNTICA:
Queda que as mulheres têm pelos tolos, 186l, teatro;
Desencantos, teatro, 1861;
Teatro, 1863;
Quase ministro, teatro, 1864;
Crisálidas, poesia, 1864;
Os deuses de casaca, teatro, 1866;
Falenas, poesia, 1869 ;
Contos fluminenses, contos, 1869;
História da meia-noite, contos, 1873;
Ressurreição, romance, 1872;
A mão e a luva, romance, 1874;
Americanas, poesia, 1875;
Helena, romance, 1876;
Iaiá Garcia, romance, 1878;
II - FASE REALISTA:
Memórias póstumas de Brás Cubas, romance, 1881;
Papéis avulsos, contos, 1882;
Tu, só tu, puro amor, teatro,1882;
Histórias sem data, contos, 1884;
Quincas Borba, romance, 1891;
Várias histórias, contos, 1896;
Páginas recolhidas, contos, 1899;
Dom Casmurro, romance, 1899;
Poesias completas (incluindo Ocidentais), 1901;
Esaú e Jacó, romance, 1904(ano em que faleceu Carolina);
Relíquias de casa velha, contos, 1906 (livro que abre com o soneto A Carolina );
Memorial de Aires, romance, 1908.
Montaigne já dizia que o gênio é uma longa paciência. Machado de Assis reuniu as duas coisas: o gênio e a paciência. Se bem que de origem humilde, família pobre e despossuída, conseguiu ter mais ou menos boa criação, pois mesmo ficando órfão teve uma madrasta que lhe dava todo o carinho a seu alcance.
Filho de mulato brasileiro, o pintor de paredes Francisco José de Assis, e de portuguesa dos Açores (Ilha de São Miguel), Maria Leopoldina Machado, o menino não pôde realizar estudos regulares, apenas freqüentou umas poucas aulas do curso primário. Cedo perdeu a mãe e uma irmã, sendo aquela substituída pela madrasta, Maria Inês, lavadeira e doceira, cujas balas e confeites o menino se encarregaria de vender à porta dos colégios.
Logo a seguir é chamado pelo vigário da Igreja da Lampadosa para servir de sacristão, com quem aprende os primeiros elementos da língua latina.
Esta é mais ou menos a trajetória do menino pobre Joaquim Maria, nos anos 40 do século XIX, na cidade do Rio de Janeiro.
Aos 25 anos publica seu primeiro livro de poesia, não tão precocemente para a época, ao qual dá o nome de Crisálidas.
Três anos depois, em 1867, conhece D. Carolina Augusta Xavier de Novaes (irmã do poeta português Faustino Xavier de Novais), com quem se casaria a 12 de novembro de 1869. Carolina será não apenas sua companheira, mas ajudante e conselheira em questões de gramática nas revisões dos inúmeros trabalhos do escritor. Machado lhe sobrevive por poucos anos e faz-lhe um dos sonetos mais belos e sentidos da língua portuguesa, recitado à beira do túmulo.
Dito, assim, em poucas palavras, parece-nos que esse namoro e o casamento foram tranqüilos. Não, não foram. Ele teve que lutar contra os preconceitos de cor e de pobreza por parte da família de Carolina, que a princípio se opusera fortemente à união. O amor e a persistência de Machado venceram.
Como vimos, Machado de Assis foi um autêntico autodidata. Intelectualmente fez-se no jornal. Aos 16 anos, publica seu primeiro poema ('Ela'), na revista Marmota Fluminense, em 1855. Como tipógrafo, primeiro na Imprensa Nacional, depois na Tipografia Paula Brito, e agora como revisor de provas, começa seus contatos com os intelectuais e passa a freqüentar suas rodas, mas principalmente escreve colaborações, com assiduidade, e publica nos melhores jornais da Capital do Império: Correio Mercantil, Diário do Rio de Janeiro, Semana Ilustrada, Jornal das Famílias, O Espelho. Neste último é que se dá sua estréia como crítico literário ('O Presente, o Passado e o Futuro da Literatura'), aliás o segundo gênero que praticou e no qual foi, senão o primeiro, o melhor do século passado. Essas críticas só foram reunidas em livro depois de sua morte, por Mário de Alencar, em 1910.
Depois de ter sido diretor de publicações do Diário Oficial, Machado passou a exercer várias funções no Ministério da Agricultura, Viação e Obras Públicas, entre as quais a de Oficial de Gabinete, de Diretor da Diretoria Geral do Comércio e de Diretor Geral da Viação. Portanto, quando não na imprensa, foi funcionário público toda a vida. Esta é a sina do escritor brasileiro: emprestar a maior parte do seu tempo ao funcionalismo ou a outra profissão, em detrimento da literatura, visto que são exceções os casos de escritores que sobreviveram, no Império ou na República, com o seu próprio ofício.
Aqui está um resumo da vida de Joaquim Maria Machado de Assis.
Não temos à mão a primeira obra de Machado de Assis e, no caso, nem é necessário, pois Machado não se notabilizou como teatrólogo, embora tenha escrito bastante. Mas queremos registrar uma de suas primeiras críticas jornalísticas à maneira de crônica, com o título 'Queda que as mulheres têm para os tolos' , cujo escrito, ao que parece seria substrato para a peça teatral do mesmo nome. Observem-se na pequena mostra a dialética que desenvolve, os costumes que aponta, a psicologia que estuda:
'Em matéria de amor, deixa-se o homem de espírito embalar por estranhas ilusões. As mulheres são para eles entes de mais elevada natureza que a sua, ou pelo menos ele empresta-lhes as próprias idéias, supõe-lhes um coração como o seu, imagina-as capazes, como ele, de generosidade, nobreza e grandeza. Imagina que para agradar-lhes é preciso ter qualidades acima do vulgar. Naturalmente tímido, exagera mais ao pé delas a sua insuficiência; o sentimento de que lhe falta muito, torna-o desconfiado, indeciso, atormentado. Respeitoso até a timidez, não ousa exprimir o seu amor em palavras; exala-o por meio de uma não interrompida série de meigos cuidados, ternos respeitos e atenções delicadas. Como não quer à custa de uma indignidade, não se conserva continuamente ao pé daquela que ama, não a persegue, não a fatiga com a sua presença. Para interessá-la em suas mágoas, não toma ares sombrios e tristes; pelo contrário, esforça-se por ser sempre bom, afetuoso e alegre junto dela. Quando se retira da sua presença, é que mostra o que sofre, e derrama as suas lágrimas em segredo.
O tolo, porém, não tem desses escrúpulos. A intrépida opinião que ele tem de si próprio, o reveste de sangue frio e segurança.
Satisfeito de si, nada lhe paralisa a astúcia. Mostra a todos que a ama, e solicita com instância provas de amor. Para fazer-se notar daquela que ama, importuna-a, acompanha-a nas ruas, vigia-a nas igrejas e espia-a nos espetáculos. Arma-lhe laços grosseiros. À mesa, oferece-lhe uma fruta para comerem ambos, ou passa-lhe misteriosamente, com muito jeito, um bilhete de amores. Aperta-lhe a mão a dançar e saca-lhe o ramalhete de flores no fim do baile. Numa noite de partida, diz-lhe dez vezes ao ouvido: Como é bela! porquanto revela-lhe o instinto, que pela adulação é que se alcançam as mulheres, bem como se as perde, tal como acontece com os reis. De resto, como nos tolos tudo é superficial e exterior, não é o amor um acontecimento que lhes mude a vida: continuam como antes a dissipá-la nos jogos, nos salões e nos passeios.'
Nessa interpretação sobre o homem de espírito, o tolo e a mulher, certamente há muito do temperamento melancólico, tímido, desconfiado, casmurro, introspectivo do homem Machado de Assis. Essa é uma constatação em toda sua obra. A outra é que, por sofrer de epilepsia desde menino, dizem os especialistas, seu discurso tornou-se mais pausado, mais pontuado e mais cheio de desvios. Em compensação, Machado cria uma prosa pensada, filosófica, de uma filosofia cética e temperada com o humor dos ingleses, de quem recebeu forte influência.
Objetar-me-ão que insisto nos dados biográficos, sem atentar para o que dizem os mais moderninhos da crítica e da teoria literária. Biografia é enchimento de lingüiça, nariz de cera e outros deboches; para conhecer-se um autor basta ler suas obras, limpa e secamente, e ponto final. Mas far-se-á uma crítica parcial, do ponto de vista lingüistico, complemento eu. A crítica mais segura precisa de mais, muito mais. Já uma certa corrente crítica, por outro lado, me quer infundir que cada autor escreve apenas um romance, que é o seu próprio romance - ou seja, biográfico. Todos os demais que venha a produzir são re-escrita do primeiro. Claro que não devemos concordar com pensamento tão radical, embora no fundo ele detenha alguma verdade.
Evidentemente, confirmo que temos que ler a obra. É o começo de toda a crítica. Está implícito. E não somente ler, mas reler, tresler, interpretar, iniciando pelos melhores livros e terminando nas primeiras publicações, inclusive a estréia. E se tiver a sorte de encontrar inéditos, tanto melhor. Ficará, dessa forma, completamente equipado com os documentos de que necessita. Biografia é acessório, serve apenas como complemento, dirão os que querem ser mais realistas do que o rei. Eu lhes digo: Em matéria de crítica literária não há complementos. Todos os aspectos do autor, da obra, do seu tempo e do seu meio são necessários, assim como a cultura e capacidade criativa e de interpretação de quem se mete a criticar. É estranho que alguém leia apenas uma ou duas obras de um autor e se arvore em seu crítico. O que a pessoa em tal condição pode fazer é um comentário, uma crítica restrita a tal livro, sob um aspecto talvez. Como é que vamos conhecer um autor como Machado Assis lendo somente suas obras a partir de 1880? É assim que prega Décio Pignatari, in 'Gazeta Mercantil', São Paulo, 19.2.200: 'Quando falo de Machado de Assis, refiro-me ao escritor pós-1880. Antes era pouco mais que medíocre.'
Não acreditemos nesses críticos apressadinhos. Eles certamente não leram a obra completa de Machado de Assis, nem a que eles chamam de boa. Quando muito leram dois ou três romances da última fase. Será que leram Esaú e Jacó, pelos menos, também da última fase? Duvido.
Li recentemente Contos Fluminenses, de 1869, e nele encontro o gênio do conto, da história curta, inigualável no mundo, especialmente 'Miss Dólar', que abre o volume. Mesmo enquanto romântico, Machado de Assis foi um gênio da literatura encerrado neste cárcere que é a língua portuguesa. Não porque nossa língua seja feia, mas porque ainda não é cultivada nem proclamada aos quatro ventos, como já o diria Olavo Bilac. No conto, Machado de Assis se iguala, se é que não supera, aos três maiores da literatura universal: Tchekhov, Mansfield e Maupassant.
Creio que toda a obra de Machado de Assis é boa. A da última fase, pós-1880, chamada de fase realista, certamente é mais apurada. Devemos começar a lê-lo por ela? Depende de quem começa. Se a pessoa já está na fase adulta, dos 25, 30 anos em diante, tudo bem. Se ainda está na adolescência, não vejo por que rejeitar a obra romântica de Machado de Assis, seus poemas, seus contos, seus romances Helena, Iaiá Garcia, etc. Toda a obra de Machado de Assis, mesmo a que deixou nos jornais, é boa de ser lida e meditada. Sobretudo é bem escrita.
Quando freqüentei as aulas do Prof. Romano Galeffi, na Universidade Federal da Bahia, que era italiano de nascimento e emigrara já em idade madura, perguntei-lhe se não teria sido difícil aprender o português. Era casado com uma brasileira que sabia de cor e salteado e recitava para seus alunos partes da Divina Comédia, de Dante, em italiano. Ele, ao contrário, sabia o português muito bem e publicara até então quatro livros de filosofia.
Naturalmente ele respondeu que já possuía pequenos rudimentos de nossa língua, mas complementou:
- Foi fácil, comecei lendo Machado de Assis, e dentro de 15 dias eu já estava falando e escrevendo correntemente.
A esta altura, acho necessário e didático transcrever um trecho de Machado de Assis, tirado de sua crítica literária e teatral, cujo livro foi organizado e publicado por Mário de Alencar, depois da morte do bruxo do Cosme Velho:
'Entre os muitos méritos dos nossos livros nem sempre figura o da pureza da linguagem. Não é raro ver intercalado em bom estilo os solecismos da linguagem comum, defeito grave, a que se junta o da excessiva influência da língua francesa. Este ponto é objeto de divergência entre os nossos escritores. Divergência digo, porque, se alguns caem naqueles defeitos por ignorância ou preguiça, outros há que os adotam por princípio, ou antes por uma exageração de princípio.
Não há dúvida que as línguas se aumentam e alteram com o tempo e as necessidades dos usos e costumes. Querer que a nossa pare no século de quinhentos é um erro igual ao de afirmar que a sua transplantação para a América não lhe inseriu riquezas novas. A este respeito a influência do povo é decisiva. Há, portanto, certos modos de dizer, locuções novas, que de força entram no domínio do estilo e ganham direito de cidade. Mas, se isto é um fato incontestável, e se é verdadeiro o princípio que dele se deduz, não me parece aceitável a opinião que admite todas as alterações da língua, ainda aquelas que destroem as leis da sintaxe e a essencial pureza do idioma. A influência popular tem um limite; e o escritor não está obrigado a receber e dar curso a tudo o que o abuso, o capricho e a moda inventam e fazem correr. Pelo contrário, ele exerce também uma grande parte de influência a este respeito, depurando a linguagem do povo e aperfeiçoando-lhe a razão.
Feitas as exceções devidas não se lêem muito os clássicos no Brasil. Entre as exceções poderia eu citar até alguns escritores cuja opinião é diversa da minha neste ponto, mas que sabem perfeitamente os clássicos. Em geral, porém, não se lêem, o que é um mal. Escrever como Azurara ou Fernão Mendes seria hoje um anacronismo insuportável. Cada tempo tem o seu estilo. Mas estudar-lhes as formas mais apuradas da linguagem, desentranhar deles mil riquezas, que à força de velhas se fazem novas, – não me parece que se deva desprezar. Nem tudo tinham os antigos, nem tudo têm os modernos; com os haveres de uns e outros é que se enriquece o pecúlio comum.
Outra coisa de que eu quisera persuadir a mocidade é que a precipitação não lhe afiança muita vida aos seus escritos. Há um prurido de escrever muito e depressa; tira-se disso glória, e não posso negar que é caminho de aplausos. Há intenção de igualar as criações do espírito com as da matéria, como se elas não fossem neste caso inconciliáveis. Faça muito embora um homem a volta ao mundo em 80 dias; para uma obra-prima do espírito são precisos alguns mais.
O autor e seu tempo são imprescindíveis para a realização de uma crítica expressionista, que eu acredito seja a melhor e a mais atualizada. Quanto mais leio Machado mais disto me convenço. É preciso saber onde o autor viveu e como era sua época. Machado viveu no Rio de Janeiro, seus anos de formação, do Segundo Império, no final do século XIX, quando a Abolição da República se efetuava, quando a República virou o país de cabeça para baixo (ou para cima), quando começavam abrir as primeiras estradas de ferro, quando enfim a Europa tomava conhecimento do Brasil, especialmente a França e a Inglaterra. A vida social da Capital do Império, depois República, se dinamizava com cores novas, com gente nova, com moda, teatro e artistas, quando surgiu o cinema e a luz elétrica, quando a literatura virou moda e, assim, recitavam-se nos saraus e nos cafés, abriam-se livrarias, fundavam-se sociedades literárias, entre as quais cite-se a Academia Brasileira de Letras, em 1896, da qual Machado foi um dos fundadores e o seu primeiro presidente.
Só depois de tudo isto é que poderemos afirmar que Castro Aves foi o nosso maior poeta e Machado de Assis, o maior escritor do século XIX.
Agora, com relação a ser também ele, Machado de Assis, o maior escritor do século XX, de duas uma: – ou houve um pouco de exagero na avaliação de Machado de Assis em relação aos demais escritores do século XX (Monteiro Lobato, Mário de Andrade, Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz, José Lins do Rego, Jorge Amado, Érico Veríssimo, Nelson Rodrigues, Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro, Guimarães Rosa, Osman Lins, Clarice Lispector, prosadores, e poetas como Jorge de Lima, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Vinícius de Moraes, Mário Quintana, etc.), ou realmente não devemos considerar nossa literatura uma grande literatura. E, neste caso, Machado de Assis como crítico teria errado nos seus prognósticos, no famoso artigo 'Instinto de Nacionalidade', quando escreveu:
'Quem examina a atual literatura brasileira reconhece-lhe logo, como primeiro traço, certo instinto de nacionalidade. Poesia, romance, todas as formas literárias do pensamento buscam vestir-se com as cores do país, e não há negar que semelhante preocupação é sintoma de vitalidade e abono de futuro.'
É uma questão para os professores de literatura e os críticos literários.
No meu entendimento, a imprensa, a crítica e a mídia eletrônica deveriam ter aprofundado o estudo dos nossos autores deste século e instituído duas distinções: o Escritor de todos os séculos, de todos os tempos, e o eleito seria Machado de Assis, e mais o Escritor deste século. Embora Machado tenha escrito a maioria de suas obras (e de suas melhores obras) no século passado, em todo caso, ficamos com Machado, o contista, o cronista, o romancista, o poeta e o crítico, nosso maior escritor de todos os tempos e não impropriamente deste século.
Por outro lado e para finalizar, como neste trabalho não tivemos ainda a oportunidade de focalizar o poeta Machado de Assis, agora vê-lo-emos em seu famoso soneto 'A Carolina' – que é uma jóia da poesia universal:

'Querida, ao pé do leito derradeiro
em que descansas desta longa vida,
aqui venho e virei, pobre querida,
trazer-te o coração de companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
que, a despeito de toda a humana lida,
fez a nossa existência apetecida
e num recanto pôs o mundo inteiro.

Trago-te flores – , restos arrancados
da terra que nos viu passar unidos
e ora mortos nos deixa e separados.

Que eu, se tenho nos olhos mal feridos
pensamentos de vida formulados,
são pensamentos idos e vividos.'
__________________________________________________________
.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
LAJOLO, Marisa – Machado de Assis - Seleção de textos, notas, estudo biográ-
Fico, histórico e crítico - Ed. Nova Cultural, São Paulo, 1988;
LUFT, Celso Pedro – Dic. De Lit. Portuguesa e Brasileira, 2ª ed. Ed. Globo,
Porto Alegre, 1969;
ASSIS, Joaquim Maria Machado de – Crônicas 1º Volume (1859 - 1888),
Ed. W. M. Jackson Inc. São Paulo, 1953;
ASSIS, Joaquim Maria Machado de – Obra Escolhida, Volumes. 1 a 7, Ed.
LEL - Linográfica Editora Ltda., São Paulo, sem data.

FOLHA DE SÃO PAULO - Suplemento 'Mais', diversas matérias, S. Paulo,
de 28 de março de 1999;
FOLHA DE SÃO PAULO - Suplemento 'Mais', conto inédito de Machado
de Assis, S. Paulo, de 22 de novembro de 1998;
GAZETA MERCANTIL - Artigo de Décio Pignatari, S. Paulo, 19.2.2000;
ISTO É, - MACHADO DE ASSIS – O BRASILEIRO DO SÉCULO,
Especial nº 4 - São Paulo, sem data.
_________________________________________

Palestra proferida no dia 21.6.2000, na Unidade. Escolar ' Des. Henrique Couto', da rede estadual de ensino de Teresina - PI.

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