Usina de Letras
Usina de Letras
273 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62175 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22531)

Discursos (3238)

Ensaios - (10349)

Erótico (13567)

Frases (50580)

Humor (20028)

Infantil (5424)

Infanto Juvenil (4756)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140791)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6183)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Ensaios-->Prostituição, a Boa Viagem da ilusão -- 07/08/2003 - 18:03 (Clodoaldo Turcato) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos




Fabiana mora em Recife desde os dez anos de idade, quando sua mãe deixou o sertão em busca de uma vida melhor na Capital. Hoje está com 26, foi obrigada à trabalhar desde os treze, sustentando-se já que sua mãe fora morta em um assalto na Vila Araes. Tem dois filhos, um casal, os dois estudam em colégio particular no Curado, moram em apartamento, quitado, comem todas as refeições, vestem roupas de grife; tudo que uma família de classe média pode oferecer. “Este ano, se Deus quiser, compro um carro.”
Marina nasceu no Pina, na beira mar. Sua família é classe média, pai advogado e mãe professora. Mora no Holiday, em Boa Viagem, junto com mais três amigas. Trabalha desde os dezessete anos, quando o pai tentou estupra-la, obrigando-a sair de casa para nunca mais voltar. Tem algumas roupas, um som, uma televisão, um colchão barato e nada mais. Engravidou duas vezes, mas mandou tirar. “Melhor do que os menino sofre”.
Edileide é menor, tem treze anos. Não sabe o que é uma casa de alvenaria. Sempre viveu pelas ruas, dando um jeito na vida. Sabe que seu pai é carregador de caminhão numa empresa na Cidade, mas vê ele vez por outra. Sua mãe vende Vale Transporte no Cais de Santa Rita e volta a cada dois três dias. “Tem dia que fica uma semana fora, e quando chega trais dinheiro e comida.”
As três acima não se conhecem, vêem de classes diferentes; porém compartilham as mesmas mazelas cotidianas de sua profissão: são garotas de programa.
Prostituição sempre existiu e sempre existirá, o que espanta é o aumento dela. Em Recife ela está presente por esquinas, avenidas, boates e principalmente na orla de Boa Viagem. Centenas de mulheres, das mais variadas idades, sobrevivem vendendo o corpo. Embora sempre se propagou, não são os turistas os principais usuários deste “serviços”, grande parte da clientela são de pessoas residentes na cidade, que exploram, à noite, a Avenida Conselheiro Aguiar, onde fazem ponto mulheres vindas das mais diversas áreas da Capital.
“Moro no Cabo. Pros meus familiares não saberim o que faço digo que trabaio em hotel”, confessa Berenice uma loira com mais de vinte cinco anos, idade em que as prostitutas começam o desespero, pois estão velhas. “A gente cobra menos. Enquanto uma novinha leva trinta, quarenta, a gente faiz por vinte.”
A idade para entrar na profissão varia. Algumas são obrigadas pelos próprios pais a buscarem recursos na rua. Entre oito e nove anos pedem nos sinais; com doze já fazem programa. Muitas são abandonadas grávidas pelos parceiros, sem emprego para sustentar os filhos, vão para rua. Outras são vítimas de estupros dentro da própria casa, com isso deixam o lar “caindo na vida”. Geralmente a miséria é fator preponderante para esta escolha. “Eu tinha um marido bom, mais de repente o home embestou, disse que ia embora e foi. Nunca mais vi. Ai, como não tinha escola, só sobrou fazê programa”, relata Camila, uma morena de vinte e três anos.
Algumas trabalham somente na praia, outras preferem a rua durante a noite e ainda restam às que trabalham em clubes e boates. De todos, o mais perigoso é a noite, bem como mais rentável. “Tudo que a gente ganha é nosso, num precisa dividi com ninguém”, explica Marina, uma ruiva que desde os quinze trabalha na Conselheiro Aguiar. Rentável e perigoso. Embora se ganhe até cem reais por noite, só muitos os casos de as meninas serem assaltadas pelos próprios clientes, há casos de meninas violentadas e assassinadas. “eu tive meu dinheiro levado mais de uma veiz. Teve uma veiz que fui assaltada duas vezes numa única noite”, confessa rindo Luana, morena, de dezessete anos.
Para quem freqüenta a praia o risco é menor. A maioria dos clientes saem durante o dia e vão para um motel, deixando as meninas no lugar da saída, antes de escurecer. O pagamento é bom, cinqüenta, sessenta, dependendo do cliente. “Gringo para no dólar, antes de tudo”, nos conta Alice, uma experiente profissional, já acima de trinta anos. Quando o fluxo de turistas diminui elas vão para outras praias ou casas noturnas, retornando assim que o movimento melhora.
Para quem vive em casas noturnas o ganho é seguro e sem sobressaltos, podendo chegar a dois mil reais por mês. Renda muito acima do miserável salário mínimo que uma menina sem qualificação ganharia como empregada. “Eu não saio dessa vida. Sofro, humilho, mas como bem, durmo melhor e meu filho tá estudando em colégio particular. Pode me oferece emprego onde quisé, eu fico na casa. Lá tenho tudo”. Assim é Verônica, prostituta desde os treze anos, mãe de um menino de oito, com casa em Candeias, carro semi-novo e relativa independência.
Existe uma outra classe de mulheres que trabalham por que querem. Encontramos cinco garotas de programa filhas de famílias classe média, com negócio próprio e que estavam na Conselheiro Aguiar por prazer. “Quando encontro alguém interessante saio. Se o cara me pede o preço falo cem. Se ele reclama faço por cinquenta, vinte. O importante é estar ali”, nos esclarece Margarete, uma professora pós-graduada em química que de dia leciona num colégio particular de Jaboatão dos Guararapes. “Faço porque gosto, e ninguém tem nada com isso”.
Um dos casos mais chocantes foi o de Neiva. A menos de um mês ela tivera um menino, filho da rua. Fez programa até os oito meses. “Tem home que gosta de buchuda”. Parou somente quando as dores se tornaram insuportáveis e prejudicavam o feto. Teve o filho no Barão de Lucena e já estava de volta. “As amigas disseram que eu tava loca. Mas quem vai da o cumê pru pequeno e minha irmã? Diga?”. Enquanto ela ia trabalhar o neném ficava aos cuidados de um menina de oito anos chamada Glória. “É minha irmã. Daqui a pouco já vai tá na idade de começar” Glória tem vaga idéia do que a irmã faz, mas não sabe direito o que pensar. “A gente precisa, faze o quê?”. Durante nossa conversa apareceu um cliente e ela nos deixou. Foi até o carro, mas retornou logo. “O home ia demora demais, treis hora. O menino precisa mamá”.
O movimento na Conselheiro Aguiar começa por volta das sete e trinta. Aos poucos, uma a uma, elas vão surgindo, e colocando-se preferencialmente nas esquinas. Não chegam a ser assintosas. Usam roupas curtas, provocantes e só conversam com clientes se estes as chamam. Existem respeito entre elas, ninguém avança para o cliente da outra e se por ventura isso acontece, a turma reúne para uma lição, que consiste em um bela surra, deixando a ousada sem condições de trabalho por algum tempo, além de ter que mudar de local.
Na praia o movimento é o dia todo, desde que hajam pessoas na areia ou na rua. Normalmente elas ficam próximas de clientes em potencial, devidamente identificados pelo faro experiente. O contato é rápido, mas o acerto pode demorar um pouco. Dependendo do dia e da necessidade elas caem na pechincha dos clientes. Algumas vezes não vale a pena baratear. É como o comércio: vale a lei da oferta, procura e principalmente necessidade. As novatas se utilizam dos cafetões, homens que intermediam com turistas a oferta de trabalho; estes passam-se por guias turísticos e ganham comissões tanto dos turistas como das mulheres. Algumas preferem usar a calçada beira mar, onde são abordadas por clientes em carros, e são levadas para programas rápidos, no máximo de duas horas, retornando ao mesmo ponto após o trabalho.
Muitas meninas mal fazem para o vício. É o caso de Maria, uma alagoana que faz ponto na Conselheiro Aguiar. Viciada em craque conta que está endividada com o entregador e vive constantemente ameaçada, o que a faz baixar seu preço para conseguir dinheiro rápido. “Faço até por cinco reais, preciso muito de dinheiro todo o dia. A pedra me consome”. O entregador, a que ela se refere, é um traficante que vende drogas junto das garotas de programa. São vários jovens, alguns menores de idade, que tem suas clientes certas. Vendem maconha, craque, cocaína e drogas químicas, como LSD. Muitas são dependentes deste entregadores, que por sua vez são ligados a grandes traficantes, formando um braço do tráfico de drogas. “Depois que a gente entra no vício não sai mais”. Tantas outras estão com o mesmo problema, tudo o que fazem gastam com drogas e chegam à idade de trinta anos, limite para a prostituta, sem nada, apenas algumas roupas. Outras morrem viciadas em um canto qualquer, sem ajuda de ninguém. “Nessa vida não se tem amigos”, reclama Flávia, uma senhora além dos trinta e cinco.
Poucos são os casos como de Fabiana, que conseguem formar algum capital. A prostituição é um mundo que ilude demais. “Quando se percebe a vida passou e a gente tá na mesma, ou pió”, confirma ela. Por isso desde o início ela sempre foi medida . Tudo que ganha vai para uma conta poupança. Disciplinada em seus gastos, mantém na ponta do lápis suas contas. Não tem vício nenhum, sua vida fora da rua é a casa e os filhos. “Penso neles o tempo inteiro, se eu errar quem pagam são eles”.
Pode-se conseguir um bom casamento. São inúmeros os casos das moças que encontram homens dispostos a assumirem o risco. Essas deixam a vida para constituir um lar. Algumas são felizes, outras voltam - não agüentam a “prisão”. Como confessa Marta, mineira que está vivendo em uma casa noturna de Piedade a cinco anos. “O cabra dizia que gostara d’eu, mais depois de uns tempos a família descobriu de onde eu vim e virou um inferno. Deixei ele e voltei pra cá. Aqui sou mais feliz”.
Outro risco que as mulheres correm são as ofertas de casamento com turistas estrangeiros. Estes homens às levam para seus países onde passam a viver em cárcere privado. Muitas casam-se com os “gringos” e constituem uma vida tranqüila. Alicia foi uma destas. Em 1996 encontrou seu parceiro e foi morar na Alemanha - não tem do que reclamar. Toda vez que vem ao Brasil visita sua amigas na Conselheiro Aguiar. “A minha vida é um paraíso. A gente só percebe quando tá fora. Tenho pena demais de minhas amigas... pena demais”, lamenta num sotaque nórdico forte.
Depois de vários dias convivendo com estas mulheres chegamos a conclusão que a prostituição não tem fascínio algum. Tudo não passa de um grande mercado, onde os produtos são seres humanos sem perspectivas de vida melhor, classificadas pela sociedade, que não lhes oferece oportunidades, como putas - chulo, grotesco, baixo. Honestamente falando, ninguém pensa outra coisa quando se defronta com estas mulheres. É isso mesmo, senhoras e senhores, chocar-se com esta realidade e nada fazer é simples, basta abrir a boca: vagabundas. Entender o problema e buscar soluções para isso, para alguns poucos que lutam pela melhoria destas pessoas, mas ficam longe, holofotes apagados; afinal de contas ajudar mulheres da vida não costuma render elogios.


Reportagem de Clodoaldo Turcato
Colaboraram : Fabiana, Edileide, Marina, Alicia, Neiva, Margarete, Glória, Maria, Flávia, Marta... ( nomes fictícios, de mulheres de carne e osso como nós, às quais a vida não deu outra oportunidade).
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui