O senhor pretende ficar aqui até que horas?- indagou o policial. Não sei, só vou esperar a chuva passar. Depois me mando. Tenho certeza que ele não acreditou muito na minha conversa. Esses caras são todos assim: céticos até a alma. Tudo bem, não estou pretendendo mesmo sair daqui, só que me expulsar da rua? Pô, só tenho a calçada. Agora tudo quanto é bico de pato vai me encher a paciência !
Rua Monsenhor, número 33. Esta é a casa do infeliz. " Já sei, tu tá fazendo a guarda da mansão gente fina". O cara me mandou sair de novo, ficou um azedume. Às vezes me arrependo de falar certas coisas, sabia que o cara não queria me ver na frente dele. "Te arreda daqui filho da puta! Ou te meto o revólver na cara". Revólver? Têm uma canção dos Beatles, ou melhor, um disco com este nome. Aquele papo do John: " a felicidade é uma arma quente, estamos sós." Isso tudo passa num instante de alguns segundos na minha cabeça. Depois o guarda infame me chuta, me arrasto quase que caindo da calçada...
Ando algumas horas a fio pelas ruas. Não consigo pensar em nada, a vista é uma nuvem. Já nem sinto mais fome, o estômago parece anestesiado com tudo: opressão, fadiga, fome, sujeira, abandono... se pelo menos alguém me adotasse como um cachorro. O problema de se sentir um ser humano, é ter um comportamento inumano para consegui-lo. Hoje você deixa de ser humano para se tornar humano, para ter dignidade. Assim é o homem que vive nas ruas. Um objeto. O traço indecente da mercadoria! " Te transformaram num merda, quem diria, hein?" Lembro perfeitamente das palavras daquelas pessoas que se denominam grandes humanos. Pobres diabos da alma, analfabetos morais. Te fazem crer na vitória social como uma máquina. Que humanidade é essa? Já não há lugar para o homem que vive nas ruas...
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