Mortes Vidas
Tantas mortes, tantas vidas! A povoar cada vida, cada instante! Uma morte sucede uma vida, que precede outra morte, num ciclo ininterrupto.
A apatia cotidiana predestina-se, inexorável, a morrer em um dia qualquer, nos braços de Eros, o deus alado do amor. E porque os olhos estão vendados, até o outro enxerga em si. – Ah! Que vida! Que paixão! Sem pedir permissão, contudo, tal como chegou, o cansaço da lucidez forçando voltar desarma os sentidos extrapolados e letargia a paixão.
– Meu Deus! - É o fim? A ruína? – que o espectro da morte dramatiza.
Com fastio – Que pena! - quase pra entregar os pontos e a relação, alguma ameaça faz valorizar o iminente a perder. Uma possibilidade e nova vida deslumbram-se. – Vamos tentar? Quem sabe dá?
Na luta de cada dia, da sobrevivência e do amor, quantas perdas e quantos ganhos! Muitas mortes e muitas vidas!
Ver o outro se afastar, na distância que a individualidade de ambos reclama, essa é uma perda dolorosa. – Cadê o romance um dia sonhado ter? A vergonha impede dizer e às vezes sentir e a exclusão dilacera e mata: - Não mais me quer... - Não faço parte mais de sua vida...
Um roçar de pele a dormir, não importa se intencional ou não, é a senha silenciosa: – Não agüento mais! E a vida vence de novo a morte, forte como o dragão ou a serpente, que se esgueira sorrateira (e sábia) para depois se achegar pelas veias e tendões, até atingir a alma que se julgou só. No jogo dos corpos, o medo de novamente perder evoca das profundezas o fogo primitivo da sexualidade e o alimento daquela paixão porventura esquecida. – A gente pode! – é um ganho e tanto.
Palavras metamorfoseiam sentidos, dependendo do presságio, se de vida ou de morte. – Você não pode fazer isso! – é o grito do dano e do mau agouro. – Posso? – Pode (e deve) – é a licença do amor.
A qualidade transforma-se em defeito odiado: - Não estou aqui para isso! Que morte! Quando descoberto a tempo, entretanto, ser o retrato perseguido do pai ou da mãe e que não mais se quer – A vida renasce!
A infidelidade é uma perda e uma morte. – Se é, hem? Sem importância se real ou imaginada. – Como dói! Qualquer menção de divisão quebra a unidade. – Morri! - até a exaustão conduzir à lucidez: - Que parte minha e do outro está a morrer? E a vida faz-se presente, na ânsia de dar vida à morte.
Assim é a vida e a morte de todos os dias!
Fevereiro/2003.
Lêda Nova.