Ao Pai do Céu mandamos nosso grito,
Quando sentimos n’alma mais aflito
O túrbido desejo da vingança.
O coração da gente, em descompasso,
Envia vibrações por todo o espaço,
Pois esse sentimento não se cansa.
É triste compreender que somos fracos,
Que os olhos não enxergam, por opacos,
As leis de Deus, em toda a eternidade.
Queremos que haja o bem pelo Universo
Mas nosso pensamento é mais perverso,
Se a fúria da desforra a alma invade.
Peregrinei pelo evangelho inteiro
E, ainda assim, um grande mal requeiro
P’ra quem não soube respeitar-me a vida.
Levei três tiros, em funesto crime,
E quer Jesus que o desafeto estime,
Ao me dizer não existir saída.
— “Que vais fazer, ó alma inconsolável?
Tornar, talvez, o débito insolvável,
Prejudicando o reles assassino?
De que te vale o claro estudo agora,
Se para ti a lei do mal vigora,
P’ra completar a força do destino?”
— “Irás sofrer, enquanto não te aquietes,
Pois, neste jogo, reis, damas, valetes
Hão de valer igual a simples ás.
Queres ter a razão sempre ao teu lado,
Por te sentires mais prejudicado,
E pagas para ver, com tua paz.”
Caso acerte a consciência o prognóstico,
Irei tornar o verso mau, pernóstico,
Que o tema da maldade não tem fim.
Caso dê muita corda ao sentimento,
Aí, verei que o ódio mais aumento
E tornarei o mundo bem ruim.
Se a vítima conserva tanta dor,
Que se dirá, então, do pobre autor
Dos tais disparos contra a minha vida?
Se a consciência o julga criminoso,
Não cabe a mim sentir prazer ou gozo,
Porém, trazer a alma combalida.
Dar tempo ao tempo é norma aqui vigente.
Não poderia ser mui diferente,
Que o tempo flui no etéreo doutro jeito.
Enquanto alguém do grupo está encarnado,
Os outros permanecem deste lado
A evoluir, se à lei houver respeito.
Depois de ler o verso lá de cima
Em que se alçou a fúria, em triste rima,
Me pus tristonho, a meditar na lei:
Se apaziguar a alma é complicado,
Por que não ajudar ao encarnado,
Passando-lhe o valete, a dama e o rei?
Não basta conhecer só o evangelho:
Precisa transformar o ódio velho
Em sentimento novo de perdão.
O estudo ajuda muito, nesse caso,
Porém, orar é flor que dá ao vaso
A vida que tirou o pobre irmão.
Se sofre o meu amigo, atormentado,
Por ver algum parente assassinado,
Pense que o Pai é caridade pura,
E vai fazer valer sua justiça,
Porquanto o bem co’amor logo lhe atiça
A salvação de cada criatura.
A mágoa que me trouxe tão perverso
Quis transformar em paz, durante o verso,
E dei triste impressão de desmazelo.
Mas o recado há de ficar expresso,
Porquanto o mal jamais trará progresso,
Seja qual for a forma de dizê-lo.
Eu agradeço o amigo, nesta rima,
E digo que lhe tenho em grande estima
Essa vontade imensa de acertar.
Gostei do compromisso satisfeito
E, se me der amor e luz, aceito,
Que o meu cantar é pobre e devagar.
Vamos rezar a prece costumeira,
Ou qualquer outra que você requeira,
Que o dia já está ganho para mim.
Graças, Senhor, vos peço aqui, contrito,
E perdoai desta minh’alma o grito,
Que o meu rancor está chegando ao fim.
|