Estávamos contentes com a trova,
Mas, ao chegar a hora da desova,
Tudo quedou mui feio e sem sentido.
O médium quis arreliar comigo.
A tudo o que eu falava, ele: — “Perigo!
Se eu escrever errado, estou perdido!”
Assim, elaborei trinta mil versos,
Mas todos ele achava tão perversos
Que nunca um só tomou de mim, coitado!
Ao retornar ao posto, cá no etéreo,
Julgava o desempenho mais que sério:
Queria ser do Cristo bom soldado.
O médium corre o risco verdadeiro,
Ao apanhar ditado feiticeiro
Que leve a duvidar da sã doutrina.
Porém, se queima a página do vício,
O tempo só sofreu o desperdício
E não o seu futuro em útil sina.
Mas, se o ditado nunca foi escrito,
Como saber se o tema é maldito:
Na presunção de que se sabe tudo?
O nosso amigo aqui chegou vaidoso
E quis entrar em inefável gozo,
Sem ter a forma nem o conteúdo.
Pediu-lhe o mestre que mostrasse a rima
E lhe falou: — “O mal não se sublima,
Se o sentimento não for atiçado.
Corresse o risco de perder a trova,
Mas permitisse colocar-se à prova,
Que o mau momento sempre é superado.”
Bem faz o médium que acha sempre pouco,
Passando até por bobo ou por louco,
Mas registrando a rima que lhe inspira.
Às vezes, o ditado não combina
Com certas diretrizes da doutrina.
O que faz ele, então? Queima e suspira.
Mas, quando a rima nasce grandiosa,
O bom amigo se relaxa e goza
O doce anseio da publicação.
Aí, mais gente irá tomar contato
Com uma trova boa, ali, de fato,
Enchendo-se-lhe a vida de emoção.
Ao aportar de volta, cá no etéreo,
Também há de pensar ter sido sério
O seu trabalho em mesa mediúnica.
E, quando o mestre lhe pedir as rimas,
Irá mostrar, em pilhas, as estimas,
Tornando alvinitente a sua túnica.
Quem sabe, um dia, a turma que verseja
Consiga que mais gente aqui esteja,
A apanhar a rima que transmite,
Sem que o encarnado fique temeroso
De se encontrar nas mãos de alguém maldoso,
Sabendo da doutrina o são limite.
Uma pergunta temos de fazer,
Obrigação inata do dever:
— “Gostou o amigo desta explicação?
Ou julgaria ser muito mais útil
Não perder tempo com assunto fútil,
Desenvolvendo as leis da salvação?”
O pensamento sofre, nesta hora,
Por não saber o amigo o que vigora
Durante o tempo em que se faz a rima.
E desconfia seja brincadeira
Estipular que o autor venha e requeira
Opinião formada em rude clima.
Então, não diga nada, pense apenas
Que nós vamos supor serem amenas
As críticas que faz ao nosso verso.
De qualquer modo, o jeito é esperar,
Pois tudo, cá no mundo, é devagar,
Até quando no amor se está imerso.
Vamos dizer, então, que é com cuidado
Que deixamos aqui bem declarado
Que cabe ao médium respeitar a jura.
Seja excelente a rima que recebe,
Não há de construir de espinhos sebe,
P’ra proteger a mesa da impostura.
Se Jesus Cristo entrou em toda casa,
Por que iremos nós cortar a asa
De quem deseja muito poetar?
Vamos dar ao poeta a nossa mão,
Tratando dele como um nobre irmão,
Que, assim, Jesus, também nos vai tratar.
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