CURSOS COM H. J. KOLLREUTTER

NA ESCOLA LIVRE DE MÚSICA DA PRÓ-ARTE[i]

L. C. Vinholes

Seguindo a orientação geral adotada pela Escola Livre de Música da Pró-Arte, em São Paulo, seus professores preparavam um plano de trabalho que adotariam no ano letivo seguinte, indicando métodos, obras a serem estudadas, etapas de estudo, etc. Este material servia não só como subsídio para divulgação dos cursos mas também para orientação dos alunos nos seus estudos.

Uma das tarefas que freqüentemente me era dado cumprir como secretário particular do diretor da Escola, professor H. J. Kollreutter, era a de datilografar documentos por ele redigidos. Esta tarefa era, para mim, mais uma oportunidade de aprendizado uma vez que neste material encontrava sempre informações novas, opiniões merecedoras de atenção e dados que por si só representavam enriquecimento dos conhecimentos adquiridos e janelas para olhar outros mundos. Seguindo comportamento que me é peculiar, sempre guardei tudo o que me caia nas mãos, até mesmo aquilo que para outros parecia ser insignificante. Foi assim que conservei boa parte das minutas de texto manuscritos por Koellreutter, sendo a grande maioria pertinente às palestras e aulas que dava ou aos artigos que escrevia para jornais. Foi graças a esta prática que consegui reunir um bom número de minutas e textos que, em 2 setembro de 2006 em cerimônia realizada em Tiradentes, MG, ofereci à Fundação que trás seu nome, sediada na Universidade Federal de São João del-Rei. Por ocasião daquele ato, lembrei aos presentes que Koellreutter quando me via guardando suas minutas que, talvez, preferiria vê-las destruídas, perguntava: “o que você vai fazer com esta papelada? Creio que o tempo deu a resposta, pois tais documentos estão hoje conservados para servir de subsídio a pesquisadores e estudiosos da sua trajetória e da sua obra.

Ainda guardo alguns documento relativo a Koellreutter. Um deles é uma cópia tirada com papel carbono azul, sem data, com quatro folhas tamanho 22x32,5cm, nas quais são detalhados três programas da grade de matérias por ele lecionadas ; foi distribuído em São Paulo no final de 1953 e durante o Curso Internacional de Férias de Teresópolis, em janeiro/fevereiro de 1954, como material de divulgação. O Programa do Curso de Harmonia e Contraponto ocupa duas páginas e os demais uma página cada um, conforme segue[ii]:

PROGRAMA DO CURSO DE HARMONIA E CONTRAPONTO

Prof. H. J. KOELLREUTTER

CONTRAPONTO E HARMONIA

Estudo simultâneo de harmonia e contraponto, seguindo a evolução das linguagens musicais da história.

A - CONTRAPONTO VOCAL (modal e tonal)

            I -        A composição do Canto Firme:

                        Leis fundamentais da melodia - construções de breve melodia vocal assim como de composições maiores a uma voz - a melodia irométrica.

            II -       Contraponto a duas vozes:

                        as cinco espécies - imitação simples e modulante - o bicinio e o moteto - cânone.

            III -      Contraponto a três vozes:

                        as cinco espécies - imitação - arranjos polifônicos - o moteto.

            IV -     Contraponto a quatro vozes:

                        as cinco espécies - imitação - arranjos polifônicos - o moteto.

B - CONTRAPONTO INSTRUMENTAL (contraponto funcional)

            I –        A composição da melodia instrumental com desenvolvimento de um motivo rítmico característico assim como de melodias instrumentais com vários motivos.

            II -       Contraponto a duas vozes:

                        O prelúdio - coral - o emprego de rítmos complementares - o dualismo de escala e acorde - polifonia linear - imitação - contraponto duplo - cânone em vários intervalos e em movimento contrário com diminuição e aumentação.

            III –     Contraponto a três vozes:

                        contraponto triplo - imitação - cânone a duas vozes com uma terceira voz independente - cânone a três vozes.

            IV -     Contraponto a quatro vozes:

                        Contraponto quadruplo - imitação - cânone.

            V -       Contraponto a cinco e oito vozes:

                        O contraponto harmônico - o princípio antifônico (dois côros).

C - FUGA (tonal e real)

            A forma - o sujeito - resposta do sujeito - o contra sujeito - a fuga a duas vozes - o    divertimento - a exposição a três vozes - a fuga a três vozes - a exposição a quatro vozes - a fuga a quatro vozes - Fugas com “Stretto”. inversão, aumentação e diminuição do sujeito - a fuga dupla, tripla e quadrupla - Análise do “Cravo bem  Temperado” e da “Arte da Fuga”, de J. S. Bach.

D - HARMONIA (funcional)

            Apresentação do sistema de Riemann e Reger em forma “monista” e em cinco leis tomais fundamentais.

            1º LEI TONAL:

            funções principais - acordes consonantes e dissonantes e suas inversões - acordes de sexta e quarta e sexta-apogiaturas - acordes de 7ª, 9ª e 13ª da dominante - acordes de sexta acrescentada de Rameau - acordes de 7ª acrescentada - cadências.

            2ª LEI TONAL:

            funções secundárias - cadências.

            3ª LEI TONAL:

            dominantes e subdominantes secundárias - cadência.

            4ª LEI TONAL:

            modulação diatônica, cromática e enharmônica.

            Harmonização dos exercícios do livro “Harmonia Tradicional”, de Paul Hindemith (Editora Ricordi). Canto e baixo dado. Exercícios ao piano. Baixo cifrado. Harmonização de cantos populares e corais. Improvisação.

PROGRAMA DO CURSO DE COMPOSIÇÃO

Prof. H. J. KOELLREUTTER

A -       A FORMA

            Célula - motivo - proposição e frase - modelo, estrutura e forma - elementos conjunctivos e disjunctivos - o dualismo de contraste e repetição - simetria e assimetria - variantes e desenvolvimento de motivos e frases - desenvolvimento rítmico e métrico - o “lied”, a canção e a dança - formas derivadas (polca, valsa, mazurca, polanaise, menueto, noturno, improviso, scherzo, estudo etc.).

            As formas contrapontísticas: (invenção, prelúdio, partita, fuga, chacone, passacaglia, toccata etc.).

            A Suite (pavana, gaillarde, saltarello, tarantella, allemande, courante, sarabanda, gigue,  menuetto, gavotte, musette, passapied, bourée, rigaudon, loure, air, rondeau, anglaise, ouverture).

            Tema e variações: (double, vários tipos de variação, metamorfoses).

            A forma de sonata e a sinfonia: formas vocais (salmodia, antígona, graduale, concentus, rondellus, motetto, missa, oratório, “lied”, canzonetta, villanella, frottola, quodlibet, madrigal).

            As formas de ópera e do drama musical - Fantasia, rapsódia, poema sinfônico, o concerto, formas atemáticas.

B -       AS TÉCNICAS DE COMPOSIÇÃO

            Contraponto modal, tonal e atonal (medieval, renascentista, clássico e moderno) - harmonia tonal, politonal e atonal - harmonia de jazz - o sistema composicional de Hindemith - a técnica dodecafônica - a composição para instrumentos eletrônicos.

C -       ANÁLISE

            Análise de obras desde o canto gregoriano até os de nosso tempo, sob o ponto de vista harmônico, melódico, rítmico, formal,   estilístico e estético.

TRATADOS USADOS NO CURSO DE CONTRAPONTO, HARMONIA E COMPOSIÇÃO:

            Fux - “Gradus ad Parnassum”

            Jeppson - “Contraponto”

            Schoenberg - “Tratado de Harmonia” e ‘Funções estruturais da Harmonia”.

            Hindemith - “The Craft of Composition”

            Leichtentritt - “Tratado da forma musical”.

            Hindemith - “Harmonia Tradicional” (dois volumes).

PROGRAMA DO CURSO DE REGÊNCIA

Prof. H. J. KOELLREUTTER

A -       REGÊNCIA CORAL

            I - A técnica de regência:

            Os compassos - a subdivisão e o emprego do pulso - acentos, entradas e firmatas - exercícios em vários compassos, simples, compostos e mistos - a melodia sem compasso - problemas de poliritmia.

            II - Problemas teóricos da regência coral:

            composição de côro - educação da voz - vocalizes - pronuncia - entoação- o ensaio - disposição do côro.

            III - A obra coral:

            Problemas de estilo e de execução nas obras de todas as fases da literatura coral.

B – REGÊNCIA SINFÔNICA

            I - A técnica de regência:

            Tipos fundamentais de regência - problemas de anacruz e firmata - a pausa geral - a cesura - articulação e fraseado -  exercícios   de execução técnica de partituras da literatura clássica, romântica e contemporânea.

            II - Problemas teóricos da regência sinfônica:

            A realização da obra - o ensaio - a orquestra e problemas específicos dos instrumentos - a preparação da partitura.

            III - A obra sinfônica:

            Análise de obras sinfônicas de todas as épocas sob o ponto de vista da execução e os problemas do estilo, em particular.