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Ensaios-->ARTE ERÓTICA -- 12/03/2003 - 19:17 (Daniel Cristal) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

ARTE ERÓTICA


ensaio de Armando de Figueiredo (Daniel Cristal)


1. O EROTISMO CAMONIANO

A Arte é sobremaneira erótica. Não estarei a exagerar? Talvez sim, talvez não. Se calhar é mesmo. O primeiro acto da criação foi um acto de amor. E fez-se amor. Amor feito com a dor mais pungente que jamais haverá existido. Mas sem a dor que foi a saída da imesura insustentável, vulgo dito vazio, não teria havido a plenitude do amor. A própria feitura exige trabalho, esforço, anulados, melhor - sublimados pela ideia, energia criativa do amor. O mundo foi feito pelo amor, com amor, tudo sofreu a catarse do amor, e só com amor se pode pagar esse acto que foi a criação da vida na terra num Universo em constante expansão até ao inverso, à regressão /implosão.

Busca-se um amor de conjunção anatómica, ergonómica, como andasse o pé da Cinderela à procura do seu sapato perdido e achado ou o inverso? Ou um amor duplo, química, energética, empática, espiritualmente tendente à unificação? Quando os escritores eróticos descrevem as mulheres, e os poetas as ninfas, no Renascimento, não é o amor a mola vital de tanta avidez, mas o desejo. Nem sequer a adequação meticulosa das formas anatómicas ou da adaptação física perfeita à ergonomia de dois corpos ajustáveis. Nem a sedução que os espíritos produzem, aqueles que são dignos dela (sedução). Se nos referirmos a Luís de Camões nOS LUSÍADAS, toda aquela correria ofegante atrás das ninfas esculturais num paraíso de delícias maravilhosas, parecido com os nossos jardins famosos (1), o do Paço Episcopal de Castelo Branco, o do Parque de Monserrate, o da Quinta da Bacalhoa, construídos estes na época renascentista, não é mais do que fruto de desejo de agarrar o corpo formoso de alvas carnes, com cabelos de ouro, e depois de preso penetrá-lo, gozá-lo pela submissão virtual, na realidade pela domação. É incêndio do desejo “Acende-se o desejo” (3º verso da estância 71, do Canto IX), apanhadas pelos argonautas as ninfas puras despidas na arenosa praia.

A alegoria da Ilha dos Amores é a proposta figurativa de Vénus aos exaustos, ínclitos e fortíssimos barões lusos - toda esta adjectivação a imitar o Poeta, porque a este todo o exagero é permitido por viver num mundo figurativo; uma ilha de paisagens ibéricas, criada no imaginário camoniano pela saudade do regresso às terras lusas. Não era, como se preveria supor, uma ilha com coqueiros e palmeiras, aves tropicais profusas em tonalidades fortes, e flores equatoriais luxuriantes, cores de fogo, de intenso amarelo, verde lustrado, azul rutilante. Nem sumos de cocos e ananases para o banquete em honra dos marinheiros super-heróis, libertados da lei da morte. De outro modo, nela se descreve o jardim tipicamente nacional. A ínsula divina está ornada de esmaltado e verde arreio (Est. 21, Canto XIX), e é neste cenário que o fero Cupido punge corações, e os lascivos beijos se vão dando (23, idem). A aparição do signo verde é profusa Mas já no verde prado o carro leve/ Punham os brancos cisnes mansamente (36, idem). No coração do ínclito poeta não moravam as terras que lhe foram adversas, nem a lógica do ambiente vivido sem grande ou pouca empatia, que apenas lhe traziam rejeição causada pelo cansaço da luta e dos trabalhos forçados em terras que não adoptou minimamente, distanciando-o assim poeticamente de uma flora e fauna exuberantemente tropicais ou equatoriais; consequência deste pressuposto, um prado verde com cisnes, e uma deusa trazendo no rosto as rosas entre a neve (sic), sugerem não só o jardim da cultura lusa e do seu imaginário estético, mas também o simbolismo da origem duma natureza europeia, sendo que no amor, este se traduziria por corpos prontos a agarrar-se com paixão numa perspectiva culturalmente masculina e num lugar idílico tipicamente lusitano.

Na descrição e narração, durante a epopeia, da descoberta/infiltração/introdução e dos acontecimentos deleitosos na Ilha dos Amores, Luís de Camões obedece aos cânones do pudor expressivo da época. A descrição é delicada e a narração é escondida, apenas sugerida. Não se falam de pormenores que para os renascentistas seriam escabrosos, violentos, pornográficos “avant la lettre”.
Depressa as ninfas se cansam:

Volvendo o rosto, já sereno e santo,
Toda banhada em riso e alegria,
Cair se deixa aos pés do vencedor,
Que todo se desfaz em puro amor.
Oh! Que famintos beijos na floresta,
E que mimoso choro que soava!
Que afagos tão suaves, que ira honesta,
Que em risinhos alegres se tornava!
O que mais passam na manhã e na sesta,
Que Vénus com prazeres inflamava,
Melhor é experimentá-lo que julgá-lo;
Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo.
.(Canto IX, est.s 82,83)
O amor sai deste panorama surreal, amputado da parte espiritual. No entanto, o poeta não se coíbe de alimentar a ideia de que o acto da fornicação é amor, onde não faltam beijos famintos e choros mimosos, gemidos afagados, com risinhos de felicidade à mistura. Parecia amor, o que de amor pouco havia, mas se Vénus inflamava assim, isso quer dizer que qualquer influência estranha/provocada poderia tornar amor, o que amor não é. Poderiam ser efeitos de alucinogénios, se for verdade o que sobre estes dizem, capazes de predispor os actores para desempenhar papéis para os quais não estão/não foram preparados. Esta visão renascentista do amor, faz parte da ingenuidade epocal masculina em matéria de amor. Quando muito e tentando ajudar a uma explicação, que de racional ou sentimental pouco tem a ver com a verdade, explodiram com certeza paixões súbitas naquelas paragens da Ilha dos Amores, só possíveis porque elas tinham estatuto virtual/ilusório de ninfas/Nereidas, capazes por isso de praticar e viver intensamente actos anormais, como são todos os imaginados personagens divinos. Porque para os normais, a estas fornicações chamam-se-lhes violações, exploradas com ar de candura em certos romances e filmes pornográficos, como se se tratasse de mulheres propensas ao amor desinibido, sem tabus, capazes de fornicar sem reservas como se fosse um acto de puro amor, facto insólito que deixa surpreendido ou confuso qualquer adolescente.

Ainda segundo o poeta o amor na sua comemoração exige um manto de lírios e jasmins; a boda, vinhos odoríficos; o acto, mil práticas alegres, risos doces, subtis e argutos ditos; a apoteose é o despertar dos alegres apetites. A ambiência exige música; a oferta, uma recompensa - a coroa de grinaldas.

No fundo é viver “a bonança no centro do ciclone”, a bonança sendo a felicidade cheia de deleites, um prémio bem merecido para quem navegou em trabalhos forçados mais do que prometia a força humana, com danos sofridos até à exaustão, e a luta para alcançar os favores das deusas que só se renderam depois de muito esforço e cansaço, perseguidas pelo ardor do desejo que os seus corpos inspiravam, e também onde não faltaram as palavras piedosas, argutas e comoventes de simples mortais que queriam assim rapidamente convencer/seduzir as ninfas de que estavam apaixonados até ao fim das suas vidas.
No final das lutas e dos jogos de sedução, Camões canta:

Ali, com mil refrescos e manjares,
Com vinhos odoríficos e rosas,
Em cristalinos paços singulares,
Formosos leitos, e elas mais formosas;
Enfim, com mil deleites não vulgares,
Os esperam as ninfas amorosas,
De amor feridas, para lhe entregarem
Quanto delas os olhos cobiçarem.
(Est.41, Canto XIX)
Esta visão denuncia a mulher confinada a um objecto do amor sensual, carnal, o corpo sendo instrumento finito do amor, a mulher sempre propensa a ser ferida pela flecha de Cupido, rendendo-se aos pés do vencedor, sangrando mas pronta à entrega apaixonada, no fim implorando ao vitorioso fauno por um amor eterno, como se isso fosse possível entre humanos, embora quiçá possível virtualmente entre divinos, já que os heróis deixam de ser mortais, no pressuposto verdadeiro de uma lendária e real crença helénica. A mulher para os renascentistas é uma continuação da natureza que nunca participava como sujeito dos seus próprios feitos, das suas próprias e inerentes força e energia singular. Mesmo quando Lianor vai pela verdura, formosa e não segura, os arbustos rendem-se-lhe, mas quem fala é ele, poeta, que lhe empresta a sua personalidade masculina para que a Natureza seja a ela rendida. É uma pura contradição. Dando o carácter próprio à mentalidade cultural renascentista, não se diz que a mulher é a medida de todas as coisas, é o centro do Universo, mas o homem, sim, ele é - a/o. Um paradoxo que se anula nas premissas antitéticas. Ao desejar apoderar-se da perfeição da mulher, o homem pretende identificar-se com ela, quer sê-la, busca concretizar nela a sua forma, porque quer ser o que ainda não é ou julga não ser. Há uma parte que lhe falta, sendo esta ideia desenvolvida por Platão, na cultura helénica, ainda duradoura. É o melhor tributo que o homem pode render à mulher. Ao glorificá-la, glorificar-se, ao querer ser ela. É tão forte este oxímoro - anulado pela antítese correspondente ao seu vai e vem - na relação desejo (como aspiração)/ amor permanente (jamais estável, jamais infinitamente concreto e duradoiro), que Natália Correia diz num estudo sobre poesia erótica e satírica “Kierkegaard ... faz dizer ao seu D. Juan que a mulher não é uma ideia; D. Juan pode realmente dizê-lo porque não ama. Ou melhor só ama «ser amado». Como sedutor, ele assume a feminilidade que nele é causa e não resultado de uma indiferenciação sexual e esta (causa) pode arrastá-lo ao desvio da mesma, não para comprazer os excessos de uma fantasia erótica, mas para fruir a volúpia de ser desejado. O seu jogo erótico é hermafrodita.”. D. Juan não ama, só ama ser amado; então, se assim é, o ser amado é logicamente ele e não ela... no fundo o processo é o mesmo, ele sempre ama alguma coisa, ama muita coisa, poderíamos dizer, ama, no diverso, o uno que é ele e ela ou elas... e porque sem ela ou elas, ele não se amaria a si próprio. O amor é deste modo uma transferência egoísta, no caso marialva D. Joanino, pois ele ama-se ao obter dela o prazer de ela o amar. Se, em princípio, e contrariamente ao marialva, é à mulher que compete o papel de sedutora, assumindo ela o princípio da feminilidade, procurando interpretar o pensamento de Natália Correia, é ela a causa do amor e então é à mulher que compete o marialvismo da relação. O resultado é sempre ambivalente, quer seja o homem ou a mulher a representar o papel de marialva. No fundo, quem mais usufrui é quem ama o outro/a. É o/a amante, o/a amador/a, e não a coisa amada, se for só coisa amada. Porque no/a outro/a, ele/ela encontra a unicidade do amor, sem necessidade de mais tentativas, e encontra o infinito/finito numa vida preenchida pela parte que lhe falta. Mas se o amor for recíproco, e aqui por vezes é que está o grande equívoco, contrariando a passividade de uma das partes, então sim ele pode ser plenamente usufruído por ambos e atingir a excelência do amor e do seu consequente desempenho inefável (nem se pode dizer propriamente que é consequência, porque causa e efeito se diluem na relação empática).

A lírica de Luís de Camões, evolui de uma consideração platónica para uma estatura em que a mitologia a humaniza. “Se Beatriz sorri do sétimo céu, de entre as almas, de entre as almas e os anjos, onde também se encontra Laura, Vénus parece emergir da terra, ou, como o imaginava a mitologia dos Antigos, do mar, fecundado pelo esperma de Saturno. Não é mais do que a natureza física ganhando forma humana.”, assim se exprime António José Saraiva no seu ensaio sobre Luís de Camões.

Para Camões se expressar eroticamente precisou da mitologia, infiltrando-se onde o platonismo nunca permitiria, mas, mesmo no abrangimento daquela, o acto anatómico ficou sempre encoberto, deixando apenas extravasar os efeitos sentimentais/emocionais: a alegria, o deleite, e alguns efeitos físicos: o riso alegre, o afago suave, o choro mimoso. Foi a película soft-core, o meio capaz para Camões de dar asas às suas fantasias eróticas. Um soft-core muito, muito suave mesmo. E já esse era demasiado ousado para a época, tal como aconteceu com as telas de Agnolo Bronzino (ver Vénus e Cupido, 1540-45), de Miguel Angelo (Leda e o Cisne, 1525) e Ticiano (A Vénus de Urbino, 1538), todas estas de carácter erótico, onde o sensualismo emana, aproximando a divindade Vénus de qualquer luxuosa, libidinosa e bela cortesã.

A epopeia inclui o amor promíscuo recorrido à mitologia greco-latina para se exprimir dum modo não teorizado, mais terreno, linear, de carácter eminentemente masculino, ao contrário da lírica, esta recorrendo sim às teorias helénicas, das quais Platão foi teorizador, e mais tarde Petrarca, no renascimento italiano aproveitou para reanimá-las e expressar poeticamente o Amor.

Este Amor chamado platónico, embora a origem venha de Aristófanes, mas retomado por Platão, admite a busca da metade que lhe falta, sendo esta o ser que se ama e que só assim se completa. Isto é, o Amor é plenamente conseguido na união de uma à outra metade, fazendo-se um todo. Dois seres amando-se, formam o ser original e singular. Posta esta ideia em circulação literária, uma espécie de ideário metafórico, no Renascimento por Petrarca, ela é seguidamente, antes de Camões, que decerto conhecia já como ninguém as produções do seu tempo e do seu lugar, exercitada poeticamente no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende.
Acontece amor platónico na poesia Aquela cativa/ que me tem cativo, e elucida esta reciprocidade no amor, em duas metades que se completam.
Neste soneto de Camões:

Transforma-se o amador em cousa amada,
Por virtude de muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
o amor completa-se porque quem ama também é amado... quer dizer que o amor é recíproco, é a qualidade ambivalente que une dois seres, incompletos sem o outro, totalizando-os num só. Só assim o amor se realiza na plenitude.
Camões termina o soneto no plano das ideias. As semideias (amador/amado e vice-versa na reciprocidade e na complementaridade) permanecem no pensamento como uma completa ideia do amor e
O vivo e puro amor de que sou feito,
Como a matéria busca a forma.
A ideia do outro mundo das ideias puras, ou da matéria original, de que este nosso mundo é apenas a sombra delas, levanta esta questão da busca da forma, da procura do mundo exterior, aquele que idealizamos e que é o mais puro e virgem. A filosofia determinando que as concepções abstractas estão num mundo extraterreno e não as conseguimos conceber na perfeição, destacando que apenas somos investigadores a adoptar as que mais perfeitas nos parecem, concebidas pelo estudo, pelo raciocínio, pelas mais lógicas conclusões, e assim as adoptamos como arquétipos, depois esquematizadas e transformadas em sistemas, que programam o nosso sentir e as crenças que adoptamos, em que piamente acreditamos, e pelas quais nos guiamos quotidianamente, não é verdadeiramente a mesma que uma outra que idealiza uma concepção do mundo, de certo modo semelhante, mas radicalmente diferente. Refiro-me a uma concepção de forma-origem, que precedeu a aparição do mundo físico, que se materializou neste e busca materializar-se continuamente, porque imperfeito surgiu, numa evolução ininterrupta, tendente à perfeição. Esta é mais verosímil, ainda não explorada por pensadores, filósofos, idealistas e sábios. Mas a esta havemos de voltar, quando for propício, até para revelar uma ideologia pessoal, que nada tem a ver com um mundo sombreado de Platão, porque a Perfeição não existe no mundo material em que vivemos, mas a própria Forma procura a perfeição na conjunção entre Forma e Matéria, sendo contudo a Forma a Perfeição, que se pode consubstancializar na íntegra, num estado final da conclusão da Obra.

2. OS MITOS DO AMOR

Eros, filho de Afrodite (deusa da Beleza, do Amor, da Vida Universal, figurada mais tarde pela Vénus dos Romanos), é o deus do Amor em casa da mitologia grega, muito representado nos monumentos antigos, além de se lhe atribuir outros atributos, como os símbolos do desejo e da paixão. Este mito passou de geração em geração até aos nossos dias, referenciado por todos os intelectuais activos, sendo tradutor de fortes emoções, sentimentos, da força que nos agarra à vida, e a torna apetecível. Na psicologia moderna e especialmente na psicanálise, o eros designa tudo o que diz respeito ao Amor (libido, sexualidade). Para Freud é o princípio da acção cuja energia é a libido.

Édipo, filho de Laios, na velha Grécia, criadora duma civilização cheia de mitos, lendas, fabulosa de imaginação, mata o pai para casar com a mãe, com a finalidade de usurpar o poder que o pai detinha sobre ela... e o amor do filho pela mãe transforma-se em paixão. O inverso também acontece na fabulação helénica: Electra mata a mãe para poder amar o pai, usurpando assim o lugar da mãe por inveja. No fundo, é o incesto que norteia muitas das tragédias clássicas, originárias da cultura grega, mas adoptadas no percurso da história na civilização ocidental. Eça de Queirós também abordou e desenvolveu este mito no seu percurso romanesco.

Quando Herodes manda matar todos os recém-nascidos para que nenhum aspirante a Rei dos judeus lhe dispute o trono, é, no fundo, o complexo de Édipo que o inspira, não querer que um filho dos judeus, podendo ser até um seu próprio filho, o destrone, subtraindo-lhe o poder... ele julga-se capaz de contrariar a morte, lutando com o estilo de Maquiavel, avant l homme, por ficar no índex dos governadores imortais.

“O que não temos, o que não somos, o que nos falta, eis os objectos do amor”, assim ele (amor) é tratado nO BANQUETE de Platão, no discurso de Aristófanes, defendendo este que o homem busca a outra parte que lhe falta. Em princípio, o homem só atinge a felicidade plena unindo a ele a parte que é a metade de que carece. Mas este teoria é contraditada por Sócrates, que desenvolve a teoria de que o alvo do amor não é o Belo, mas sim gerar e criar no Belo, perpetuando a descendência, tornando infinita a geração... o leit-motif é uma manutenção física vital da natureza, dando livre curso ao irresistível impulso instintivo com que a própria natureza nos dotou, só que esse impulso pode ser sublimado por outro instinto, este mais espiritual como seja a continuação dum nome pelos feitos de bravura e coragem, pelas acções notórias a favor do engrandecimento duma nação, ou pelo amor e ajuda ao próximo, ou pelo ensino da sabedoria aos discípulos ou ao povo, ou ainda pelo deslumbramento do acto e da obra produzidos pela criação artística.
Ainda nO BANQUETE, Alcibíades declara amor a Sócrates na tentativa de aquele, continuando a ser discípulo passar a ser seu amante, a melhor forma de se aperfeiçoar até ao extremo das suas possibilidades e capacidades. O mestre (Sócrates) teria assim um poder especial confinado ao poder de o tornar melhor numa aprendizagem espiritual e afectiva, e em que a interpenetração física posse plena. Num dos seus ensinamentos Sócrates diz que a beleza espiritual sobreleva à beleza física, de tal modo que uma alma bem formada, mesmo num corpo sem atractivos, será o suficiente para lhe inspirar amor e solicitude.
Platão parte do pressuposto de que a sexualidade humana não é a fonte de o agir humano, mas apenas uma das formas de concretização de um impulso mais vasto à qual caberá a designação de eros - a aspiração ao Bem e à imortalidade. Freud no início deste século contradiz Platão.
Para Sócrates o amor é um desejo de alcançar o Belo ou o Bem, representantes do meio em que o eros actua, permitindo que o indivíduo se perpetue física e espiritualmente noutros seres. O desejo de imortalidade pode apresentar-se na geração do corpo (a descendência) ou na geração do espírito (a notoriedade), manifestações divergentes e todavia idênticas, do mesmo amor pela Imortalidade.
Sócrates nega a teoria de que amar é andar à procura da sua outra metade, e afirma que o amor é o desejo de possuir o Bem para sempre.
A natureza mortal procura perpetuar-se e ser imortal, e o que dá força aos homens para se sacrificarem é o desejo de imortalidade, ou seja, o amor a si mesmos.
As características essenciais do Belo são: 1- Eternidade e imutabilidade; 2- Ausência de geração e morte; 3- Existência própria.
É pelo conhecimento do que é bom que se avança para o conhecimento do Bem com o auxílio do amor. O Belo divino está na simplicidade da natureza. Vide M.H.Rocha Pereira, Concepções Helénicas de Felicidade no Além (pp. 179-183). (2). Sócrates usa recursos estilísticos para desenvolver os seus raciocínios e os tornar mais convincentes ; deste modo, não é o filósofo que produz ao opiniões mais sábias, mas põe as suas palavras na boca de criações humanas. É uma mulher versada de Mantineia, Diotima, que lhe fornece uma temática desenvolvida sobre o Bem e o Belo, associados ao Amor. Este recurso socrático é muito pessoal nele ; faz-se discípulo de Diotima para se inquirir a si mesmo, como faria qualquer aluno numa relação de aprendizagem didáctico-pedagógica. Para além de se mostrar humilde, recebe do discípulo redobrada atenção e simpatia.

Nem os gregos que construíram o Parthénon no alto da colina sobranceira a Atenas, nem os indianos, que edificaram esculturalmente o Templo do Sol em Orissã, se coibiram de retratar o sexo explícito, exposto, aqueles nas suas pinturas de cerâmica, estes nas esculturas que rodearam os lugares sagrados. Esta adoração pela natureza em todas as suas formas e conteúdos, era tão simples que nada viram de maldade ou malícia em expor tudo o que se relacionasse com o sexo explícito, não sendo acto de verdadeira censura a amostragem, mas tão só uma opção de vida social, religiosa, embora pudesse haver algum juízo moral para fazer prevalecer uma ou outra escolha mais apropriada à prossecução da actividade geracional, isto é à propagação da espécie, e essa só se consegue no amor que completa dois sexos diferenciados. Para os indianos a opção é mais clara, pois que era pelo exercício do sexo entre macho e fêmea que se atingiria a felicidade, melhor dizendo a divindade, como se a divindade fizesse parte de nós e nós fizéssemos parte dela e a relação de felicidade humana fosse um elo extremamente íntimo, integrador da/na unificação cósmica. A civilização católica que se lhe seguiu no Ocidente viria a subverter e inverter estes conceitos, danando o sexo, coarctando a livre expansão do gozo sensorial, dando primazia aos prazeres do espírito, tornando o coito maldito, um acto de repulsa, submerso na maldição do pecado, unicamente aceitável para a continuação da espécie humana, amarrando-o a tabus de castidade, que sublimariam os seus seguidores ( na sua doutrina). Enquanto as mulheres vítimas da concupiscência se recolhiam nos conventos, num acto sequente e contínuo de arrependimento e sacrifício para curar os seus males e as tornar dignas de aceder ao Céu onde Deus as aguardava, os homens optavam por mosteiros e ordens de recolhimento, onde exercitariam a cultura gastronómica e pantagruélica que se tornou famosa por toda a Idade Média e ainda são temas de referência quando deste tema se trata. O sexo deu lugar ao estômago, que inchou como sabemos, mas isso era apreciado, e a religião pouco se importou com isso... a cultura física passou a ser desprezível, apenas sugerindo jejuns de quaresma como castigo e penitência, e cuidados de sacrifício na Sexta-feira santa, retirando a carne das ementas, mesmo assim podendo ser esta penalização objecto de compra, e objecto de bula, para que os pecados da carne não fossem causa mortal da subida final aos infernos mitológicos.

No Templo de Sol, ou Sûrya, em Konâraka (Orissã), a cena de mithuna, ou amplexo moroso, é um tema oriundo da Índia no século I, sem o carácter obsceno que os ocidentais lhe atribuem - esta cena escultural onde o sexo é posto em relevo, como se os protagonistas se preparassem para a cópula ou nela estivessem envolvidos com uma mulher levantando a perna para que o pénis erecto seja bem visível ao espectador, era interpretada à luz da filosofia hindú como a união dos princípios cósmicos ou do ser humano com a divindade. Sobre estas esculturas que aos olhos dos ocidentais podem parecer pornográficas hard-core, diz Jeannine Au-boyer:



reprodução do baixo-relevo de mithuna




«Pela beleza das suas atitudes, pelo ritmo ardente dos seus amplexos... Por muito ousadas que sejam, as posições amorosas jamais parecem vulgares ou realmente obscenas, mas espontâneas, sinceras, libertas de falsos pudores. De todo o conjunto se desprende um sentido plástico tão notável que essas criações se igualam às mais depuradas obras-primas de todos os tempos e exprimem o amor carnal sob o mais belo aspecto que alguma vez lhe foi dado na escultura de qualquer parte do mundo. Erótica ou não, a escultura de Orissã e de Bundelkhand são testemunhos de uma visão estática diferente, inspirada em correntes anteriores, mas que imprimiu um cunho novo às concepções plásticas, traduzido na preferência pelos movimentos muito acentuados dos corpos humanos ou dos animais, conferindo-lhes um dinamismo, intenso e voluptuoso, como nunca foram tratadas antes na Índia.»

Tudo o que se faz em escultura e se torna notável no seu tempo, é um mito que o referencia, assim como tudo o que se faz em literatura e se perpetua na sucessibilidade geracional.
Enquanto Édipo deseja morrer depois de ter matado o pai e por causa de o ter feito na usurpação do lugar que cobiçou, Sade leva os protagonistas à morte como consequência das suas perversões levadas ao extremo na sua virtualidade figurativa.

Só o amor romântico de Romeu e Julieta, ou do Amor de Perdição, é do tipo fusional - é uma parte à procura da outra parte que a completa, completando-se mutuamente, só realizadas plenamente enquanto foram projecto e sobretudo depois da morte ; é a revigoração da teoria platónica acerca do amor, uma especulação peregrina do conhecimento, que se referencia de tempos a tempos, umas vezes para se fortalecer, outras para se diminuir ou anular... na morte, sim, o amor atinge a imortalidade pela notoriedade com que esta ideia (a abstracção do amor) é celebrada de geração em geração, e nelas e por estas é equacionada. Esta conexão do amor à morte, é mote de muitos desenvolvimentos na criação artística. É a morte que eterniza o amor, sendo o duo homem/mulher o seu veículo. Este conceito vai perdurar na literatura ocidental e é retomado com insistência em algumas correntes literárias no modo como neste ensaio vai dito, sem que esteja esgotado obviamente o seu tema, porque neste mundo não há nada definitivo.

O SEGUNDO SEXO de Simone de Bauvoir levou muitas leitoras e descobrir a arte do gozo sexual levando-as a masturbarem-se e a experimentarem o desejo por outras mulheres. Embora esta seja uma asserção redutora, porque nela se prepondera a parte negativa da cultura ainda oficial/iazada, Simone e a sua obra são, mais do que isso, um grito emancipador do status a que a mulher estava confinada, não usufruindo pelos arquétipos mentais aprendidos do seu próprio corpo em liberdade, coisa que faria totalmente depois desta tomada de consciência e assim emancipar-se-ia de todos os tabus produzidos pelas gerações anteriores esclavagistas da sua condição de fêmeas destinadas ao prazer masculino, à procriação, sem usufruto do prazer recíproco.

Um pouco ainda em ligação com a masturbação revelada em destaque por Simone de Bauvoir, surge na actualidade uma novidade surpreendente! Em 1997, como é possível serem vendidos/comprados setenta mil livros em poucos meses na Argentina, contendo uma narrativa porno-satírica (uma paródia com laivos de crónica)? Tendo sido considerada um escândalo pelo júri do prémio Fortabat, concedendo-lhe o respectivo quantitativo em divisas, o ANATOMISTA do italiano Federico Andaluzi, não é um facto para menosprezar por causa do interesse do público leitor de narrativas deste jaez. Com uma estrutura narrativa simples, encastoada por analepses e prolepses, o protagonista, Mateus Reinaldo Colombo, aviva, numa aturada remissão histórica, a época renascentista (como fizeram os escritores românticos, cujo mais digno exemplo na nossa literatura é Alexandre Herculano), - e referir a época renascentista é o mesmo que falar em descobertas, ou mais pomposamente em Descobrimentos; esse tempo em que a Inquisição ainda encobria a todo o custo os novos saberes, de experiência feitos, recorrendo à perseguição das ideias e atitudes heréticas, condenando os seus autores, implacável, impiedosa e inclementemente, à fogueira, incendiando relatos escritos e cremando os corpos dos potenciais sábios sabedores e/ou cientistas, num churrasco frenético de histerismo popular, esse sim sumamente sado-pornográfico (como se de um espectáculo hiperpornográfico se tratasse pelo sadismo remanescente no qual era enformado!)... o protagonista de O Anatomista, dizia eu, descobre e pretende dar a conhecer a maior descoberta de sempre sendo esta o pequenino clitóris da mulher, o Amor Veneris, como ele lhe chama. A descoberta desse pequeno casulo, imagem reduzida dum lírio de maiores ou menores proporções, que a isso se assemelha em algumas, noutras a uma ervilhinha de cor rosada, noutras ainda a um reduzido pénis hermafrodita, só é igualável de forma burlesca à maior descoberta do século para os italianos, a descoberta da América concretizada questionavelmente por Cristóvão Colombo, e vai dar origem aos mais refinados bordéis de putas chiques e caras de toda a Itália e Hispânica, sendo Mona Sofia (e não Mona Lisa! - a obra prima de Leonardo da Vinci - outra referência paronomásica ambígua e parodiante) a atracção espantosa (de deixar as pessoas boquiabertas!), ou seja, “ a puta mais cotada de Veneza e, por certo, a mais esplêndida do Ocidente” (in O Anatomista de Federico Andalazi, Ed. Presença, 1998, pág. 17). É esta menina diabólica (que no acto circunstancial da felação amputa com os dentes o pénis do velho quase renascido pelo fogo do desejo atiçado!), quem vai criar uma paixão à espera de se concretizar num percurso de encontro adiado, e da qual o protagonista só se vê frustradamente liberto no fim. A inclusão de Inês de Torremolinos na estória associada aos bordéis mediterrâneos, refere uma mulher inicialmente virtuosa, mas que a natureza dotou caprichosamente com um pequeno pénis cegamente despercebido, até ao momento em que o protagonista o descobre e o/a masturba ; esta masturbação e as seguintes, em dias sequenciais, nesse pénis embutido num corpo de mulher... a Inês era alheia, por ignorância da anatomia relativa aos órgãos sexuais e ao prazer sexual, mas a sua descoberta, a sua manipulação, o exercício da sua excitação até ao orgasmo foram a cura de todos os seus males psicossomáticos, dos quais ia falecendo se não aparecesse na sua vida Mateus Colombo, o génio da descoberta clitoriana. Esta alegoria retratando a ignorância suspeita da mulher quanto ao seu corpo do início do mundo até ao Séc. XVI, a negligência mais ou menos suposta como encarava os seus órgãos sexuais, o mistério só então revelado do prazer carnal, é, isso sim, uma paródia que pode associar-se muito bem aos relatos humorísticos de Boccacio e Marquês de Sade.

3. ARTE E LITERATURA ERÓTICAS

Adolf Hoss, no início do século XX, in ORNAMENTAÇÃO E CRIME, diz que a fonte da arte está no erotismo - um traço horizontal é uma mulher deitada, um traço vertical um homem que a penetra, e define: “O primeiro objecto de todos os tempos, ou seja, a cruz, era de origem erótica. A primeira obra de arte, o primeiro gesto erótico através do qual o primeiro artista deu livre curso à sua exuberância ao rabiscar numa parede, era erótico.”

De opinião idêntica a Adolf Hoss, é Gilbert Lascaut , pág.229 in A PSICANÁLISE, Ed. 70, “Um único ponto parece certo - a emoção estética deriva da esfera das sensações sexuais, e seria um exemplo típico de pulsão inibida quanto ao fim. A beleza e a sedução são atributos do objecto sexual. A beleza é subjectiva e os órgãos sexuais nunca foram belos; resta à beleza situar-se em alguns sinais sexuais secundários. A sedução no domínio artístico é ainda mais individual que colectiva e é lugar de derivas, dos desvios das pulsões, porque os juízos estéticos “quase nunca são considerados como belos” (Freud).
Freud, de modo semelhante e mais acutilante, acusa as mulheres de terem inveja do pénis e garante que tudo na vida tem como leit-motif o sexo.

Ao contrário de Luís de Camões que construiu a ilha dos prazeres oferecidos como recompensa, numa perspectiva totalmente diferente, mas exemplarmente nacional, resultado de frustrações que só a marinheiros insatisfeitos se poderiam atribuir, Charles Baudelaire ansiava a ilha do sonho, relembrando a sua passagem por uma ilha do Atlântico, onde vivera esporadicamente em idade da meninice, acompanhando o seu pai. LES PARADIS ARTIFICIELS registam a sua necessidade de evasão ao constante aborrecimento dum quotidiano maçador e monótono, repetitivo e sem horizontes de novidade, vivido em Paris, onde o sexo lhe acontecia requisitado e pago ou dado por compaixão ou generosidade nos bordéis (aborrecimento que confluiu na adopção do signo spleen para caracterizar a existência assim enferma, fechada, asfixiante). De facto, para a crítica burguesa é muito mais fácil tratar do amor como forma de evasão, isso é que o torna poético/artístico, do que do amor na forma de descrição ou narração demasiada pormenorizada de actos, onde o comprazimento sincero e vulgar se torne forma do desejo, possível prazer subterrâneo, como uma cartilha de actos de bem-fazer amor.

Guillaume Apollinaire é o mais conhecido poeta francês (com razões de sobra para o ser), que, numa cultura repressiva das manifestações expressas, ditas obscenas, “pornográficas” (avant la lettre), se abalançou a escrever AS ONZE MIL VERGAS, obra não editada na ocasião mas que passou de mão em mão por muitos milhares de leitores que se deliciaram com a escabrosidade das relações sexuais perversas. Porém, se estes relatos de actividades sexuais, que de amor têm quase nada, senão mesmo nada de nada, eram quase só lidos pelo sexo masculino, mais propenso do que o feminino à prática do sado-masoquismo, - hodiernamente, levantam-se já vozes femininas a entrar neste jogo do desejo carnal, como esta escritora dos Estados Unidos, chamada Susie Bright, para quem a exploração do sexo já não é um privilégio masculino ; diz ela: “Sou uma máquina de sexo. Escrevo livros, ensaios e comentários políticos. O meu dia-a-dia é normalmente preenchido com uma boa dose de masturbação, um chocolate quente, um banho de espuma e uma sessão rápida de espancamento.”. Depois disto, tudo é possível, numa sexualmente reprimida América de hipócrita cultura puritanista e repressiva, essa que gerou já os seus “gurus” de total libertação dos conceitos, valores e virtudes tradicionais, e o sexo não se encontra mais ligado à ideia de pecado e do obrigatório, necessário e consequente castigo. (3)
Mas, se há vastos campos de análise do comportamento sexual dos nossos tempos, um deles procura uma harmonia completa na interligação entre sexo e amor, ideia esta explorada até mesmo em bandas musicais, que estão em voga. (4).

Para que Henry Miller chegasse ao ponto de escrever obras que a crítica não poupou no seu início, não deixou ele de ler certamente as Confissões de Abelardo, o Decameron de Boccacio, a autobiografia de Cellini, o Refus d’ Obeissance de Jean Gionno, o She de Rider Haggard, o Ulysses de Joyce, o Satiricon de Petrónio, as Vidas de Plutarco, as obras de Rimbaud e de Romain Rolland, a Autobiografia de Herbert Spencer.
O que o romance SEXUS do autor retrocitado revela é uma insubordinação contra a sabedoria oficial/izada das nações ocidentais, abrindo uma brecha tremenda no seu status, uma vez que ele opta pela aceitação de diversas formas de expressão tradicional. A crítica feita ao Sexus no seu tempo, e que Henry Miller reteve com mais incisão, apelidou-a de escrita da vulgaridade, crítica esta que ele digeriu com relutância. Desta qualificação, ele pede uma nova avaliação como tinha já acontecido com outra - a obscenidade, e justifica-a dizendo que ele não passa dum filho de Brooklin. A recuperação da obscenidade dá-se nas obras de James Joyce e de D. H. Laurence na década 40 deste século.
A sinceridade de Miller nada tem a ver com a fingida do donjuanismo de Casanova, nem com as maquinações fantásticas do Marquês de Sade. Miller constrói o amor a partir do sexo e procura a total realização de si-mesmo na mulher que idealizou e que virtualmente existe em carne, em osso e sentimento. Ele constrói Mara numa traição sucessiva de expectativas frustradas. A construção insistida e insistente de Mara corrói-lhe as entranhas, rejeitando todas as hipóteses de ser feliz com uma mulher mais terrena, mesmo quando o Amor está ali ao lado, pronto a ser integrado. Sade, ao contrário, é um libertino, enquanto Miller é um boémio militante, apaixonado e romântico.
É muito curiosa a maneira como sua principal amante Anais Nin se refere ao seu envolvimento sexual com Henry Miller no seu diário que se pretende, além de confessional, literário. De facto, os seus relatos demonstram uma visão feminina totalmente diferente do amante, muito mais sugestiva dum amor ardente que não consegue viver com reciprocidade, só porque Miller amava uma mulher ideal, incapaz (por mera suposição) de existir no mundo real. Também ela ansiava por um amante que se lhe rendesse sem as frustrações que lhe causavam viver um amor não totalmente correspondido. A referência a pequenos pormenores, como o pénis chupado, que no início, a perturbava, mas depois seria um acto praticado por gosto como uma extensão natural do acto de amor, assim como a referência às nádegas que Miller dizia adorar, as mordidelas, os desvios e fantasias são apenas indícios de actos amorosos descritos sem o pormenor incisivo a que Miller iria sujeitar boa parte da sua obra. Nesta, ele não se coíbe de falar aberta e em pormenor dos actos mais selvagens. Dá até uma nítida ideia de que a literatura também tem género, a despeito de todas as pretensões querendo igualá-la, ou considerar que homens e mulheres escrevem da mesma maneira. Contudo, a condução da narrativa é diferente, a observação das pessoas e das situações diferente é, a perspectiva da visão sexual é distinta, parece-se com a dança onde o homem activo conduz os movimentos, e a mulher passiva deixa-se levar, ao sabor dum prazer que no sexo mais apaixonado, onde o sado-masoquismo colhe influência, é ao homem que compete dar tudo, mesmo que esse tudo produza dor, para receber de acordo com a sua impetuosidade, o seu ardor, a sua pujança, e à mulher compete receber esse ímpeto para dar todo o seu ser à paixão devoradora, que a pode devorar por reflexo também. Até que a dor seja retribuída como forma de amor selvagem em pagamento com saldo zero, para que as contas entre o deve e haver se ampliem até ao infinito. Mas, o que parece geral, impor-se-ia como regra, admissível de excepções. E nessas excepções, que podem não ser tão poucas como há primeira vista podem parecer, há também as mulheres que conduzem a relação a seu bel-prazer, secundadas por homens que gostam de ser guiados numa aceitação tácita dum prazer especial de gozar a impetuosidade duma mulher felina. E há ainda os que podem exercitar o jogo duplo, ora activo, ora passivo, num processo lento de aprendizagem, para uns mais fácil do que para outros, tendente a uma mestria na arte do amor, que pode corresponder à consecução do estado de felicidade mais apurado, satisfazendo ambos os amantes jogadores.

A natureza da literatura feminina ganha assim foros de um estudo a fazer. Quando Agustina Bessa-Luís se refere ao sexo masculino, dá-lhe uma visão feminina: é algo de terrivelmente distante, mal compreendido, dito como de um conjunto de chavões se tratasse, em homens que se movem como animais cheios de manias, de taras, de instintos perversos, ao contrário das fêmeas que vão anotando desvelos que só as mulheres sabem apreciar, e os seus interesses pautam-se por inúmeros afazeres de ordem doméstica e de asseio casual. Segundo Eduardo Prado Coelho, para Agustina Bessa-Luís o sexual é algo intratável, indomesticável, enigmático. Esta distância, mas num sentido inverso, proporcionalmente correspondente à diferenciação sexual, verifica-se em Vergílio Ferreira, para quem a mulher se distancia numa tomada por vezes de atitudes que ele tem dificuldade em diagnosticar. Estas duas visões, não têm muito a ver com este trabalho, que se pretende mais inquiridor da redacção e explicitação do acto sexual em obras literárias, do que das visões intimistas de apreciação dos comportamentos que a ele (sexo, aqui referenciado como coito) vão derivar por parte do homem e da mulher.

É precisamente na explicitação do coito que nos vamos agora deter por algum tempo e espaço: para Roland Barthes o erotismo não está na descrição nem na narração dos actos, mas na sugestão, na sedução, no indizível. Les livres dits “érotiques” (il faut ajouter: de facture courante, pour excepter Sade et quelques autres) représentent moins la scène érotique que son attente, sa préparation, sa montée; c’est en cela qu’ils sont «excitants»; et lorsque la scène arrive, il y a naturellement déception, déflation. Autrement dit, ce sont des livres du Désir, non du Plaisir. Ou, plus malicieusement, ils mettent en scène le Plaisir tel que le voit la psychanalyse. Un même sens dit ici et là que tout cela est bien décevant (In LE PLAISIR DU TEXTE).

Para Barthes, na Literatura de Cordel erótica, a cena de sexo descrita é literatura do desejo, não de prazer ; o prazer está em tudo aquilo que envolve o acto concreto, as tecituras antecedentes e os efeitos posteriores e só nestes é que poderíamos tê-los como clássicos. O acto sexual em si é decepcionante, não responde a uma esperança, é enganador, e pode ter apenas um prazer científico para o psicanalista. Não o tem para o leitor ou crítico que gostam da obra de Arte.

O problema principal, o nó crucial é esse mesmo, apontado por Barthes. Serão as cenas descritas escabrosas quando se fala em pormenor do acto anatómico da penetração sexual numa linguagem obscena, profusa de calão? E esta não atestará qualquer qualidade literária, antes pelo contrário, ela não passará de vulgaridade ordinária, que qualquer espírito culto rejeita, porque mal sã? Ou mesmo assim, ela pode ser recuperada para estudo, como preciosa sinceridade, reveladora íntima de gostos vulgares que também podem atrair pela arte da licenciosidade? O que Barthes faz é estabelecer uma fronteira, a censura do acto concreto. O que se pode dizer, e o que não interessa a ninguém, a não ser aos psicanalistas. Ou ao homem tão vulgar como a linguagem. O problema assim exposto por Barthes levanta muitas questões, de ordem ética, estética e crítica, que se sujeitam à confirmação de que ele recupera a crítica oficial/izada. Se aceitarmos que Barthes tem razão no que afirma do alto da sua cátedra, e tomarmos os seus pressupostos como inegáveis, as anedotas picantes, as brejeirices com calão à mistura, e que têm muitos adeptos, confinam-se a quem delas gostam, por perversão de sensibilidade, ou sensibilidade popularucha, talvez doentia, de modo nenhum por requinte artístico, nem tão pouco por refinamento espiritual. Dá até a impressão que a Literatura terá de ser nobre no tratamento de temas eróticos, deixando qualquer resquício de tradução da sensibilidade popular para o vulgo que não aprecia arte, nem a ela tem direito. Havendo assim, se admitirmos que as premissas traduzem indubitáveis ou inegáveis verdades absolutas, duas literaturas: a culta, erudita, nobre, e a outra de cordel com públicos próprios e apartados. Misturá-las é interdito. Nem pode haver quem goste de ambas. Ou quem queira dar uma espreitadela a outra por simples curiosidade, e que aprecie uma ou outra forma de arte escondida. Então, se assim fosse como classificamos essa gente com dinheiro para comprar obras de autores outrora interditos, artistas que desenharam e pintaram o acto sexual, adquiridos por espíritos cultos, foliões é certo, e os conservaram nas suas bibliotecas particulares? Se só à populaça (termo só admissível na perspectiva oficialmente burguesa) ignorante e mal educada e menos formada dizem respeito, qual o interesse na sua aquisição pela própria burguesia educada e superiormente formada?

4. LITERATURA PORTUGUESA ERÓTICA

A nossa pudicícia é tão radical e fundamentalista que foi preciso Natália Correia compilar e fazer publicar a ANTOLOGIA PORTUGUESA ERÓTICA E SATÍRICA, para que se conhecesse a poesia inédita de António Botto, até aí nunca vinda a público: A puta dança... a puta fode. António Botto foi sempre para a cultura oficial um poeta maldito, catalogado no índex dos poetas a abater, apesar de ser um dos nossos bons poetas, assim como o foi Guerra Junqueiro, por razões de ordem clerical, e de Bocage só foram conhecidos dois sonetos de lamento e humildade ; a Poesia cómica-satírica deste último é quase desconhecida do grande público, apesar de toda a sua suprema arte brejeira, original e humorada. Nos dicionários portugueses a palavra foder não existe; ainda que seja a palavra mais usada aí pelas ruas, pelas vielas, pelas escadarias, e nas conversas entre jovens ou adultos num encontro de amigos, nas intercalações menos humoradas e demais situações, as quais não é necessário descrever. Para os académicos conservadores, os puristas da hipocrisia, é palavra extraterrestre, que só ETÊS articulam na sua língua desbragada. No entanto, é um signo usado à mesa da casa mais pobre, na tasca, à mesa da casa mais lauta, num casino ou à saída dum cinema. Hoje, é o que mais se houve à saída duma Escola, por jovens de ambos os sexos que se acham muito adultos por usarem este signo! De facto, é uma palavra como outra qualquer, e as que deveriam ter mais carga simbólica, cultural, negativa, deveriam ser por exemplo torturar, amputar, violar, assassinar. A cultura reflecte-se na definição das palavras do dicionário. A castidade e a honestidade por exemplo estão integradas na definição da palavra pudor, que muito pouco tem a ver com a mesma. Nas circunstância e eventualidade, só terá sentido, por muito excesso de zelo por parte dos puritanos, porque na realidade andam os costumes noutras águas à procura duma sanidade mais comprometedora e abrangente. Efectivamente, os especialistas em linguística dos dicionários portugueses, talvez melhor: a equipa de censores são tão pudicos que a palavra felação não existe. Deve ser coisa do outro mundo. Mas, não é só o Dicionário português que ignora palavras de uso corrente, são também os das outras línguas europeias. O que significa que o encobrimento, a manutenção da cabeça enterrada na areia (como faz a avestruz ao esconder-se), por vergonha oficial faz parte da nossa civilização, isto é: afasta-se por incomodidade, e prefere o encobrimento, a omissão, a repulsa no fundo gerada por mentirosa ignorância, falso pudor... a equipa ou a elite censória sabe e conhece bem estes signos, e o pior de tudo é que tem membros que sabem e possivelmente até fazem o que escondem, numa prática conselheiral queirosiana, igual à que acontece por aí em comentários a pregadores que dizem: fazei o que vos digo, não o que faço. O povo tem razão no tropo: gato escondido com o rabo de fora. É nessa ANTOLOGIA que se conhecem alguns dos nossos poetas eróticos mais representativos, mas faltam alguns escritores notáveis.

Afinal, a nossa cultura é ainda puritanista, vigiada pelos intelectuais de seitas religiosas cáusticas de forte pendor inquisitorial, ainda que afastados com muita evidência das realidades comezinhas do nosso quotidiano nestas paragens planetárias. O que acontece com António Botto, esse poeta maldito a quem a inteligência oficial inquisitorial reserva lugar para os danados, empurrados brutalmente para o esquecimento, ou a isso condenados pela intransigência e intolerância da nossa cultura oficial, excepto se algum curioso se lembrar de os desenterrar, e lhes dar por algum tempo o valor que merecem as suas criações admiráveis, que não se confinam à rebeldia de desmascarar a hipocrisia, o hipócrito pudor, a mentira evidente, a maldade institucionalizada, a monstruosa duplicidade de quem prega uma coisa e faz outra escondida, totalmente contrária aos princípios defendidos, acontece também com Eugénio de Andrade: Maria e o Carpinteiro. Luís Pacheco avança no erotismo com cenas de «Os Namorados»: Bebe o mel do meu sexo, Amada!... o meu sangue, todo o meu sangue, Amada!, como se o amor tivesse como aliado confundível a morte. Sem sangue o macho morreria como se houvesse, pelo hausto, o aniquilamento completo da vida do macho, causado pela fêmea devoradora, depredadora. Aliás esta associação entre a mor e morte é um tema muito desenvolvido em todas as literaturas universais. David Mourão-Ferreira, movendo-se numa herança literária que remonta a Ovídio e Catulo, num inédito, dá-nos conta dum erotismo, arredio às convenções da parda moral católica, no âmbito do êxtase carnal, que normalmente sacraliza o corpo da mulher, ao desempenhar esse acto do universalismo plural e uno:

RE(LI)GATA
Quando em lugar de feltro é de barro de Outubro
o calor interior das coxas habitadas
Quando a língua é um barco avançando no escuro
de um canal de Corinto entre pardas escarpas
Quando o cheiro do Mar se desdobra em veludo
Quando rompe na boca o mistério das algas
Quando em baixo o teu pé a triturar-me o surdo
perímetro do sexo encontra a madrugada
Quando mais se aproxima a náutica do culto
Quando mais o altar se mostra navegável
Quando mais eu descubro e restauro e misturo
na crista litoral de súbito ampliada
o ritual do grito o ritual do cuspo
e vês que ninguém mais merece esta homenagem
é que enfim te possuo é que enfim te reduzo
a uma luva uma esponja uma deusa uma nave
E.M. de Melo e Castro em «cara(lh)amas» subverte todas as normas convencionais :

Enquanto o dedo esmaga
uma curva ou um aro
outros dedos distendem
os tendões que entendem
nu súbito da água
a luz vértice faro
os membros que se fendem
lábios não dizem, rendem
(quem diz cu diz cona
em masculino estilo / as pro
curadas fendas afluentes
que no homem se excluem
na fêmea se completam
delta logo de lagos mijo nilo)

Jorge de Sena, não antologiado, em SINAIS DE FOGO, diz a determinado momento do seu romance, durante a prática de um acto amoroso:
O nosso próprio cheiro de todas as secreções que as mãos e a boca e o nariz tocavam, cheiro que lambíamos esquecidos de todas as repugnâncias, mas sem a audaciosa loucura com que, à tarde, havíamos rompido as últimas barreiras, esse cheiro pairava confundido. Como se vê Jorge de Sena, conhecido pela sua fogosidade em tudo o que metia mãos, avança muito cautelosamente nas matérias que compõem os pensamentos e argumentos deste ensaio, desviando-se com alguns pudores convencionais, até onde a sua sensibilidade lhe permitiu avançar nesta temática delicada, e que aceitei como desafio e teste ao leitor, seja ele escritor ou crítico de Arte. Se calhar, não será lido por quem poderia contestar ou subsidiar, debater ou desenvolver ainda mais, porém se não acontecer o que avento, também não acabará o mundo por este facto, embora não o melhore em nada enquanto continuarmos a aceitar os conceitos culturais tradicionais sobre Arte erótica. Eles já não são iguais às do século anterior, mas isto só é claro para poucas pessoas que se apropriaram de conceitos muito actualizados.
Na esteira dos nossos tradicionais escritores e poetas da contenção erótica, talvez um pouco mais criativo e timidamente ousado, apraz-nos chamar e registar aqui o prémio Nobel José Saramago. Para além de toda a inovação temática e argumentação muito característica, é muito curiosa a incursão que faz no platonismo tradicional, alterando as premissas, confundindo os pólos de referência, processo algo genuíno, embalado na sequência de palavras, que o aproxima da poética, narrativa, história vernácula e discurso medievais: «... difícil é saber que parte há em cada parte, se está perdendo ou ganhando a alma, quando Blimunda levanta as saias e Baltazar deslaça as bragas, se está a vontade ganhando ou perdendo quando ambos suspiram e gemem, se ficou o corpo vencedor ou vencido quando descansa em Blimunda e ela o descansa a ele, ambos se descansando.» (in MEMORIAL DO CONVENTO). Ainda, recorrendo à ideia central deste ensaio, que é a explicitação e seus limites do acto sexual, a propósito do amor, mesmo não o sendo como verificámos em Camões na epopeia, Saramago faz de facto a distinção entre erotismo e pornografia, sem dizer o que é um e outra - deixando-nos libertos para os descobrirmos pelos conhecimentos que já adquirimos ao desenvolvermos estes conceitos nas partes certas deste trabalho:
... e lá vai o touro crivado de flechas, esburacado de lançadas, arrastando pelo chão as tripas, os homens em delírio apalpam as mulheres delirantes, e elas esfregam-se por eles sem disfarce, nem Blimunda é excepção, e porque havia de o ser, toda apertada contra Baltasar, sobe-lhe à cabeça o sangue que vê derramar-se, as fontes abertas nos flancos dos touros, manando a morte viva que faz andar a cabeça à roda, mas a imagem que se fixa e arrefece os olhos é a cabeça descaída de um touro, a boca aberta, a língua grossa pendendo, (ibidem, pág. 100). A tortura, a morte do touro, a excitação sexual que acompanha ambas as coisas, é todo um espectáculo que produz delírio e provoca esfregadelas entre humanos, e o tratamento desta ligação mulher/ homem/ touro é muito bem conseguida para a distinção da gradação entre erotismo e pornografia - será um desafio distinguir essa gradação sem mais análises e comentários de ajuda, pois que são quase evidentes. E porque há pornografia que chegue, e da melhor, neste trecho, sendo ela da mais artística, não vamos adiantar mais sobre o assunto, por agora. Exceptuando, o que se segue : a pornografia pode ser gratuita, ou não, ela está desfocada na sensibilidade da cultura oficial.

5. EXPANSÕES/REDUÇÕES MODERNAS DO EROTISMO OU O SÉCULO DO SEXO

Assim como os socialistas afirmam que vivemos o século do povo, só porque este consegue legitimar em actos democráticos através do voto e orientar até onde pode as suas escolhas políticas, os críticos dos costumes dizem que vivemos o século do sexo, dadas as emancipações que se têm vindo a operar especialmente no que diz respeito à liberdade com que as mulheres podem fazer as suas opções de vida: solitárias mas aprazendo-se na masturbação sem os preconceitos de outrora, juntas no lesbianismo, que em princípio é um amor não irrequieto, nem competitivo, ao contrário do que acontece entre homem e mulher, cujo envolvimento provoca uma inevitável luta sexual, geradora de conflitos, de discussão, de sadismo e masoquismo. E podem ainda, e também, numa terceira via, comportar-se como felizes nessa luta onde ninguém sai vencedor, nem vencido, apenas cada vez mais ajustado ao complemento que se vai aperfeiçoando com o desenrolar dos tempos. É em suma uma luta de primazias, imposições, exigências, condescendências e anulações. O amor a dois géneros é majoritário neste final do milénio e início de outro, capaz de continuar a sê-lo pelos séculos dos séculos advindos, mas isso não pode ser prerrogativa para impedir, e é bom que nunca se faça, o direito à diferença das minorias que adoptam o lesbianismo, o homossexualismo ou a masturbação solitária como via duma felicidade particular do foro íntimo de cada ser (ainda que as frustrações sejam minimizadas ao sabor de cada um pela sua própria incapacidade de realização pessoal) (5) .

Num artigo sobre sexo na revista VISÃO, a jornalista Ana Pereira da Silva assume uma posição de guerra contra os homens, minimizando-os nas comparações: “as mulheres assumiram, em definitivo, o prazer como um direito, e conversam hoje sobre sexo sem nenhuma espécie de constrangimento, porventura como nunca os homens ousaram fazer. E as revistas femininas reflectem esta realidade. Histórias e questões do fim de um tabu.” As mulheres são assim as conquistadoras de um novo império dos sentidos e estão mais francas e audazes do que os homens. Subtilmente, numa ilustração em banda desenhada, tenta dizer que à masturbação feminina, que começa a ser generalizada, se opõe a mulher que goza e usufrui de orgasmos múltiplos, o que já é coisa rara entre mulheres, essa sim, sabedora da diferença entre o prazer solitário e o completo, rejubilando do privilégio anatómico com que nasceu (6). A naturalidade do amor sem limites não parece ser bem a característica das mulheres dominadoras do sexo, julgando-se despudoradas e despreconceituosas, pois os seus comentários são contraditórios. Ally McBeal trata assim o amante: “Não posso acreditar que as coisas que estou a ouvir saem da tua boca. Mas tendo em conta os sítios por onde ela passou... não deveria ficar chocada!”(7).
Há uma Arte mais recente traduzindo a vida, vivida a vários ritmos diferentes, e com conteúdos nem sempre reais, à qual chamamos Cinema, e é a que mais sonhos e mitos tem criado num público infinitamente numeroso, e, que a ela se refere com muita frequência, tendo até influenciado determinados estados de comportamento social. Desde o seu aparecimento em 1895, o erotismo aí tratado muito tem evoluído desde o simples amplexo, que pela primeira vez se estampou vivo e ardente no écran um ano depois, até ao desnudamento do corpo. Sete anos após esta descoberta dos irmãos Lumière, a censura saiu-lhe no encalço nos Estados Unidos (Chicago), dois anos depois em França, proibindo os filmes nórdicos por serem excessivamente eróticos. A fita L’ÂGE D’OR de Buñuel é proibida em Paris em 1930 (8). Desde aí, até aos nossos dias, os filmes vêm a ser cada vez mais ousados, um outro ramo de filmes aparece no mercado, dizendo-se uns eróticos, outros pornográficos, e aquelas pessoas cuja formação sexual é ainda deficiente encontram nestes a cura, ou uma espécie de terapia, ou até uma esconjuração para os seus males psíquicos. De facto, aqui sim, o amante doentio, obsessivo, da pornografia é um caso para estudo psiquiátrico, mas não pode ser por isso motivo de repulsa ou desprezo social. O Cinema veio atrair, mais do que a Literatura, o público, ávido de viver as vivências dos artistas, de os imitar, e há uma grande diferença nos tempos de ocupação do tempo livre: se para um romance é preciso dois ou três dias de leitura, mais ou menos, ininterrupta até onde for possível, porque a atenção não é eterna e tem limites naturais, para um filme são gastas duas horas com intervalo, e a presença do espectáculo não exige tanto esforço de compenetração. Facilmente, assiste-se passiva e confortavelmente ao mundo do sonho que se nos apresenta a película em movimento e vê-se esse mundo sem necessidade de manuseamento de folhas ou de correcção de posições corporais, além de se ver a imagem, de se ouvir o diálogo, de se apreciar os comportamentos dos protagonistas com o agrado que os realizadores souberem imprimir no talento e arte de cada comediante/farsante/actor/actriz. Em duas horas cria-se um mundo de sonho, verosímil até, sumariam-se em minutos vidas que duram gerações, e o espectador vive, aspira, encarna os protagonistas, de tal modo que exterioriza durante a cena as suas emoções, alegrias, tristezas, risos, choros, prazeres infindos, suspiros, sem sequer se aperceber de que aquele mundo não é o seu... é apenas uma criação simulada dum outro mundo que é virtual, fantástico, maravilhoso, uma alegoria da vida que não é a nossa. O erotismo nele campeia, cada vez com mais intensidade. Quando John Ford comentou O HOMEM TRANQUILO, disse muito prosaicamente que o filme “revela um homem que quer ir para a cama com uma mulher”. Disse mais ou menos o que são quase todos os filmes de amor: é a abordagem, o convite, a recusa, o encanto, a paixão, a cama, o ciúme, a traição ou a tentação do engate da outra mulher ou do outro homem, a reconciliação, ou simplesmente a perda dum sentimento sublime. Mais coisas podem ser, mas esquematizamos o que é mais vulgar e evidente.

Enquanto no erotismo tudo é permitido, pode ser descrito, narrado, visualizado (no cinema ou vídeo), se partirmos do inconfundível pressuposto de que existe mesmo amor, isto é, a conjunção, a conjugação, entre as atracções física e espiritual, condição sine qua não existe Amor, aquele não se pode confundir com pornografia, onde impera somente o instinto sexual, motorizado, animal, corporal, os actos repetidos sem contexto espiritual, sem o complemento amoroso representado pelo termo grego agapè, o mesmo que foi adoptado pelo latim charitas (sacrifício desinteressado de ajuda, motivado pela compreensão do estado carente do outro, necessitando este de apoio, carinho, confiança, entrega mútua sem restrições, sem repulsas, ainda que disciplinada e regradamente). Hoje, a tradução e a prática da caridade não traduzem o espírito helénico, a não ser em muitíssimos poucos seres humanos, cuja vida servem de exemplo.

Ao falarmos de realidade, ela é o que é a instituição - o casamento. O que liga realmente os sexos opostos é esta instituição. O amor e o sexo não fazem parte, na maior parte dos casos, dessa imensa realidade. Pelo contrário, o amor e o sexo subvertem, na maior parte dos casos, o casamento. A realidade é o que se vê, o que se toca; o conjunto das coisas materiais, são corpos asperosos, odoríficos, são átomos em contínuo movimento, que sem energia, ou seja sem o espírito, sem a alma, também não existem. Mas também as instituições, as convenções, as culturas, ainda que discricionárias neste aspecto, não são todas iguais. A instituição casamento, por exemplo, é bastante diferente na religião muçulmana, base de apoio da sua cultura própria. Mas é uma realidade tão grande como a cristã.

No fundo o que verificamos é que as relações matrimoniais são quase todas parecidas. João de Melo ao escrever dez estórias de gente comum, em IMITAÇÃO DE SARTRE & SIMONE DE BEAUVOIR, salienta nelas o machismo do homem angolano. Na introdução à obra, José Eduardo Agualusa, textua: “O personagem masculino é invariavelmente brutal, grosseiro (...). As mulheres choram . Deixam-se usar pelos homens e, é claro, são abusadas. Mas leiam-se estes contos até ao fim. No fim são as mulheres que vencem: elas dominam tudo, decidem tudo, enganam os homens.”

É a ideologia dominante no Século XX, a do engano, a da hipocrisia, a do artifício, da aparência, dita assim porque não há hoje outro modo de a dizer... Eles a abusar das mulheres, elas retribuindo enganando os homens. No fim, assiste-se ao domínio da mulher. O homem é o tal bicho brutal que ingenuamente se deixa enganar. Porque só isso ele merece. São dois prazeres diferentes: o de abusar e o de trair. Ambos consentidos, à falta dum diálogo aberto; à falta de uma cultura que rectifique o saber-se conservar uma relação a dois, que a ambos agrade. Mas, se ela tende a perpetuar-se, é porque ambos se dão bem com ela, ou então não estão igualmente esclarecidos e conscientes do valor ridículo e paradoxal do seu comportamento social. A seguir, explanamos as contradições entre duas subculturas, dentro da mesma civilização, uma pertencente à mulher, outra específica do homem.

6. COMPREENSÃO DE DUAS SUBCULTURAS DIFERENTES ACERCA DO AMOR

O que está em causa nesta luta de sexos é a incompreensão entre duas mentalidades diferentes, uma arreigada na mulher outra no homem, distintas, duas subculturas incutidas desde a o berço em família, no ensino da doutrina religiosa, na escola conservadora, na prática social da comunidade. Duas subculturas separadas nos arquétipos psíquicos e no tratamento e desempenho de tudo o que se relaciona com a área do sexo, interiorizadas desde a meninice, reforçadas pela educação, pela prática religiosa, e pelo convívio social. Subculturas distintas entre homem/mulher, produtos arreigados por uma civilização secular, milenar, arreigadas dentro das colectividades, e por uma civilização (não diria universal, mas grosso modo ocidental). Francesco Alberoni em 1986 publica em Itália o ensaio L’ÉROTISMO, fazendo uma análise muito acertada sobre estas questões. As suas constatações são extremamente actuais e lúcidas, de tal modo que ninguém devia desconhecer o conteúdo deste ensaio clarividente.

Há duas diferenças abismais, de conhecimento necessário, entre o homem/a mulher, produtos concretizados e congelados nas filosofias individuais e nos procedimentos das gerações que nos antecederam:
- o erotismo masculino é mais visível, mais genital;
- o erotismo feminino mais táctil, muscular, auditivo, mais ligado a cheiros, à pele, ao contacto.

Fazendo uma observação mais meticulosa aos gostos do homem, este, no que se refere a leituras é capaz de comprar o Playboy e Penthouse, imprensa de cordel que à mulher não diz nada. A mulher gosta de romances cor-de-rosa, que o homem repudia. O vedetismo é um fenómeno feminino, ela adora o voyeurismo, a bisbilhotice acerca do/a artista, do guru, do magnata. A Imprensa cor-de-rosa vende-se aos milhões. Ao homem quando muito poderá interessar os préstimos do actor, do cantor, o modo como eles atingem o êxito, os objectivos e os conteúdos do seu desempenho artístico, relativos à sua profissão. Terminado o espectáculo pelo qual ele se interessa e procurará decifrar a razão do sucesso, o que ele faz em casa com a mulher ou a/s amante/s deixa de o interessar completamente e não lhe diz absolutamente nada. O homem é capaz de comprar um jornal diário e lê-lo do princípio ao fim. A mulher nunca o faz.

Mas o que se disse dos gostos e apetências de e pela leitura entre adolescentes, havendo uma enormidade de outras diferenciações, demonstra que a distinção é concreta e esta é um sedimento , melhor: são sedimentos da cultura e da história. Os arquétipos apreendidos, e vividos assim, são na realidade sempre uma síntese entre o passado e o presente, este mais tolerante porque aceita as premissas evidenciadas num comportamento de tolerância. Contudo, há que as fazer relevar, de modo a serem aceites, compreendidas e interiorizadas. O homem e a mulher, não há dúvida, têm uma memória programável. E não obstante o que se diz, também há os/as que apreendem com facilidade e encaixam as premissas nas diversas linhas de pensamento que levam a um determinado comportamento, construindo outros arquétipos, dando-lhes uma coerência ideológica, assim como há aqueles/as que estão empedernidos/as que nem calhaus/pedras... são os/as pouco ou nada inteligentes, os/as apoucados/as, os/as estúpidos/as num deserto de mediocridade.

A evolução social é, estamos todos de acordo, notoriamente lenta. E temos que concordar também que às vezes há retrocessos. Todo a região que admite como chefe um ditador, tanto está sujeito a que haja evolução, como involução. E quando há involução há, é evidente, uma factura muito pesada para pagar, muito complicada e difícil para recolocar a ideologia ao serviço do progresso do povo. Parece não haver dúvidas para ninguém que o conservadorismo atrasou sempre a evolução social nesta temática do erotismo, assim como em todas as outras nos domínios ideológicos das filosofia, política, economia, religião, usos e costumes, práticas e desempenhos.

Ao comprar os romances cor-de-rosa, revistas de fofoquices, jornais de escândalos e casamentos de fadas princesas, a mulher é tão adúltera ao desejar que lhe aconteça o mesmo, isto é: ao sonhar que pode ser ou vir a ser a protagonista desses relatos com quem se quer identificar, excitando-se, confrangendo-se, extasiando-se, orgasmando-se, é tão adúltera dizia eu, como o homem que fica seduzido e que se masturba em frente duma estampa nua de alguma Vénus do cinema, sonhando e julgando possui-la pelas fricções do êmbolo numa punheta. E a diferença está em que nem ao homem interessam as estórias de homens que são a sedução de mulheres ou de mulheres que são a sedução de homens, nem a mulher se interessa por homens nus, tão pouco por películas pornográficas para se satisfazer pela masturbação (antes pelo contrário fica bloqueada e inibida diante deles/as, não obstante haver aqui excepções também).

“A mulher é, certamente, mais possessiva, tenaz, fiel do que o homem... um gesto, uma farda, as botas podem confranger a mulher... A masculinidade é para ela um atributo físico e social, é um olhar e um gesto de comando, é uma maneira de falar e um carro de desporto, é um cheiro e uma superioridade” ( in O EROTISMO, pág. 15 , de Francesco Alberoni). O homem vê a realidade de modo diverso, deseja o prazer de viver em liberdade, sem compromissos, um prazer de variar de mulher (logo defraudado após a relação, constata ele no fim). Para a mulher a relação amorosa, sexual, implica continuidade e longevidade de afectos e protecção num terreno delimitado e ciosamente guardado... Tal e qual como fazem os canídeos. À satisfação preponderantemente genital do homem, contrapõe a mulher uma satisfação de todo o corpo, que não deseja só por um dia, nem dois, mas para sempre. Quando falhar, falhou o amor, e o sexo muito mais falhou.

Henry Miller nos seus romances configura a mulher como uma prostituta, que não cobra dinheiro, antes este lhe é cobrado na forma de empréstimos sem retorno, porque curiosa e estranhamente ela é ávida e depredadora de sexo, húmida nas partes onde o mexilhão se abre com pouca fervura, disponível (como uma cadela com cio), sacia-se e desaparece. Nada é mais errado do que falar assim da mulher. Ao contrário, ela quase só responde a estímulos e só ama se houver entrega e rendição aos seus supostos encantos, tendo o sedutor que a convencer que os tem para ele, como acontece nos romances cor-de-rosa, nas telenovelas e revistas femininas, numa relação duradoura que ela adora cultivar, enquanto não se decepcionar.

A interpretação do amor e desempenho do sexo são, desta arte, diametralmente opostos. O homem deseja a mulher e satisfaz-se sem querer continuidade segundo a segundo, embora goste da continuidade espaçada, mas não a contínua, selecciona uma que seja intermitente, ou seja a contínua na descontinuidade. Quer desligar quase sempre, quer sair desta relação que o humilha por ter sido vencido pela força do amor oposto, por ter sido derrotado na sua superioridade interiorizada desde tempos imemoriais , rendendo-se ao prazer da mulher que lhe faz desfrutar outro tanto, mas simultaneamente lhe dá a aparência duma subjugação, desgosta-se, quer separar-se logo a seguir, um pouco enjoado, e desgastado da/pela relação... ele está convencido que, conservando a sua independência, poderá repeti-la depois, um, dois, três dias, uma semana mais tarde, ou seja, quando lhe apetecer. Quererá repeti-la, se a relação e o desempenho foram agradáveis. A mulher não entende, repudia mesmo, este procedimento. Para ela uma relação afectiva é para todos os minutos seguintes, não pode ser de maneira nenhuma um acto isolado, tem de continuar a ser uma relação íntima, próxima, longa, duradoura, contínua, sem desistências nem intermitências, sem livre circulação e carta branca para sonhar outras experiências com mulheres bonitas ou atractivas diferentes com as quais ele possa concretizar e satisfazer esse desejo. Se ela tiver conhecimento de que ele está relacionado intimamente com outra, ela considera isso uma rejeição da sua pessoa, ainda que assim não seja, e é ela quem toma a iniciativa do rompimento quando tal acontece.

A mulher só muda de amante quando este a decepciona, quando ele fornica com outra ou com outras, porque nesse momento ela não consegue estabelecer uma relação contínua de afectos com o amado/amante. Nessa ocasião, ela procura um novo enamoramento e rejeita o anterior, infernizando-lhe a vida. O gozo anterior de o ter só para ela em todos os momentos da vida, é substituído por outro gozo: o de arranjar pretextos estudados, reflectidos para o aborrecer, rejeita-lhe as palavras e as ideias, os actos, os cheiros, os gostos, os sabores, as carícias. Fica fria e cruel com o objectivo de o fazer distanciar-se dela, tenta obrigá-lo a sair de casa, faz tudo para que ele se retire do seu território. Obriga-o mesmo, quando lhe é possível, a mudar de poiso. Ou diz-lhe abertamente: não te quero mais, vai dar-te à outra que eu vou arranjar um homem que corresponda ao meu tipo... ao seu protótipo, ao estereotipo de qualquer mulher, no fundo, que é assim descrito : um homem manso, solícito, inteligente, resignado, abnegado, habilidoso, bem sucedido nos negócios, bem apresentado, considerado nas reuniões entre amigos e colegas, dominador fora de casa, chefe seja de que conjunto for, impositivo a todos, excepto à sua amada, a quem deverá delicadamente tratar com toda a deferência e carinho como se ela fosse a sua princesa encantada. A ela, ele deve render-se a toda a hora, inclusive na cama, para que ela, a ele, se renda numa mútua glorificação do amor. Este é o objectivo cultural que a mulher interiorizou. Para o homem não é nada disto o amor. Não é no início da relação, nem durante, nem no fim. Ele quer a mulher submissa, às suas ordens, inferior em quota de inteligência, ávida e rapace de sexo, sempre disponível para a prática da penetração vaginal, quere-la carinhosa, sempre terna, húmida na vulva pelos sucos da excitação do desejo e da avidez, gemente na cama, solícita, feroz e devoradora no desempenho sexual. O acto sexual deverá ser um incêndio em que tudo fique aniquilado como se ela fosse uma gueixa primorosamente amestrada, autêntica profissional com o máximo do prazer no desempenho, e em que os orgasmos suceder-se-ão numa velocidade alucinatória até à exaustão, numa espécie de morte de/pelo amor.

Não é possível conciliar as duas atitudes masculina/feminina atrás descritas, mas que são os protótipos das diferenças, face ao amor. Podem aproximar-se os dois pontos de vista nas pessoas cultas que apostem no futuro da relação, encontrar um elo de ligação, mas os impulsos sexuais continuarão a ser diferentes e nunca cessarão, e permanecerão certas práticas no fundo opostas mas consentidas. Não é em vão, nem inocente, falar em guerra dos sexos. Porque é de facto de uma guerra que se trata em que um quer sobrepor ao outro o seu domínio e a ordem que dão sentido ao amor e ao sexo, sem que no fundo nenhum deles consiga dominar. Destas distintas visões subculturais nascem as discussões, a ira, a ofensa inócua primeiro, a mais grave depois, seguindo-se a rejeição mútua. Desejarão, como reacção natural, novas experiências diferentes das experimentadas até aí, para ver se acertam com o seu modelo interiorizado, mas nunca acertarão. Todo o esforço na procura do acerto será em vão e decepcionante. Estão condenados à vivência de Sisifo... à condenação de viver sempre a mesma luta inglória, decepcionante, frustrante, irritante. Condenados à danação.Chegará o momento em que o homem e a mulher viverão de costas voltadas um para o outro, ou aceitar-se-ão sem amor nem paixão, ou desinteressam-se do sexo, pura e simplesmente... separam os corpos um do outro porque já não conseguem lidar com eles, rejeitam-se e recusam-se. Ao homem não é indiferente a desunião, ele ainda tentará ficar como amigo; ela não... ela põe-no de parte, como um vestido do qual já não gosta, do sapato que passou de moda, e não mais quer vê-lo. Contrariamente, ele só se lembra dos melhores momentos por que passaram. Ela esquece-o obstinadamente, nunca mais deseja lembrá-lo, uma vez que ele morreu no seu afecto. Acha que só lhe faz bem liquidá-lo, pô-lo fora do seu pensamento, uma vez que a desiludiu definitivamente.

Na guerra o dominado nunca se deixa vencer. Se perdeu uma batalha, tentará sempre ganhar um dia a guerra. E a submissão é sempre só aparente. O submisso anda constantemente à espera e à procura duma oportunidade de vingança. Prepara-se periodicamente ou sistematicamente para a guerra. É por isso que o casamento é um absurdo nesta permissividade de valores com que nos defrontamos numa sociedade que aceita poucos deles e subverte a maior parte, registando-se nos dias de hoje a hipocrisia generalizada em crescendo. Cultiva-se a aparência e o artifício. A própria cultura do sacrifício sendo o substrato ideológico do Cristianismo, é a cultura do artifício. O casamento, numa sociedade em que a guerra dos sexos é evidente, atingindo a notoriedade não mais oculta (ela está mais do que declarada), não tem razão de ser e a sua manutenção uma falsidade monstruosa. É até um entrave para o homem, às vezes uma aspiração ilusória para a mulher, outras vezes como escape à inevitabilidade, para esta é uma ascensão social premeditada, um interesse fundado na sua libertação das regras rígidas impostas quando ainda é solteira, e ainda outras vezes um risco que ela corre consciente: sabe que o casamento não lhe vai dar felicidade... aquela que ela aspira dentro dos parâmetros ideológicos e dos arquétipos interiorizados, mas vai traindo o companheiro, com artes mais ou menos dissimuladas, até toda agente saber, porque a verdade é como o azeite, vem sempre ao de cima... saberá o esposo, que é sempre o último a descobrir... isto é, trai até ao fim da relação, e então é ele que a expulsa de casa e da sua vida, com estigmas sociais para sempre, como sejam: a desconsideração e crítica da comunidade mais ou menos alargada, a rejeição especialmente da mulher mas também do homem, no seu meio e convívio. Refugiam-se então uns e outros nas grandes urbes tendo como convívio pessoas com iguais problemas, párias que vão também aumentando, engrossando todos os anos, vivendo amputados de várias regalias e homenagens que a sociedade, onde estão inseridos, só presta aos seus pares, vivendo estes pelo menos aparentemente uma vida de sólida, sábia e mútua felicidade, conseguida com muito sacrifício de todas as partes. Em princípio.

7. O QUE PREVALECE NA ARTE

A Arte é uma forma de erotismo, como tudo o que se cria no Universo do Nada e do Tudo. O Nada que é Tudo, no dizer sabedor e eclético de Fernando Pessoa, que não era arredio ao Rosacruzismo. A definição de ecletismo nos dicionários oficiais, está errada. Assim, ao contrário do que a cultura conservadora afirma, a síntese e a descoberta são formas de originalidade. A imutabilidade é que é falta de originalidade. Intimamente, todos sabemos isto, mas não o queremos aceitar, melhor, dizer declaradamente como gente lúcida e transparente... como gente que nunca se habituou à sinceridade.

A primeira alegoria erótica, que conheço, está na Bíblia, é o CÂNTICO DOS CÂNTICOS de Salomão, um punhado verbal cheio de metáforas que descrevem o amor paixão pela imortalidade, servindo-se de todos os prazeres terrenos. No entanto, os i/limites são de tal modo contidos que é preciso muita maturidade para não confundir o que é humano e divino. Ou melhor: como pode tornar-se divino, o humano.

Os temas são naturalmente duma importância extrema, especialmente o seu tratamento e desenvolvimento, e é campo de semente e ceifa na originalidade empregue para gerar teses novas ou renovadas, condizentes com a época da escrita.

Muito embora, tenha a civilização cristã reduzido o amor à procriação, dando-se muito destaque ao platonismo, incutindo-se parâmetros de raciocínio alicerçados até no amor puro, imaculado, capaz de negar a entrega corporal por ser pecaminosa, conservando mulheres castas até ao casamento e depois dele resignadas à negação do prazer e à repressão íntima do desejo, ao contrário da civilização oriental, numa boa dose de culturas que por lá existem (observem-se as esculturas do templo de Devi Jagadamba, sécs. X e XI, em Khajurâho, ou as pinturas chinesas, japonesas, onde se visualiza uma nítida representação da penetração genital de carácter sexual), obras artísticas que dão prevalência ao prazer corporal como meio de atingir a áurea da divindade, o certo é que existe hoje uma subversão numa vaga de fundo feminina, que mina a cultura herdada no ocidente de geração em geração, e se alastra na sociedade de modo a criar-lhe a consciência de que o corpo é uma fonte de prazer, além do desejo, e que a felicidade não se encontra se não se der livre aso e pleno curso a cada ego, rejeitando o que nos torna escravos do sofrimento: os tabus, as convenções morais, insanas, os pressupostos ilógicos, as premissas falaciosas duma cultura do sofrimento destinada a assegurar um lugar entre os anjos depois da morte, quando ela (a cultura) é origem de todos os nossos males físicos e mentais. Físicos porque um corpo que não pratique sexo, se a ele requisitar apetência, não pode ser saudável, e mental porque as paranóias, neuroses, epilepsias, o stress, a loucura, as disfunções da razão e comportamentos aparecem e aumentam pela mesma razão: a falta de sexo compensador, que não seja naturalmente só sexo, mas também amor. Amor que aparece numa panorâmica o mais abrangente que me foi possível atingir neste ensaio para que dele se tire as conclusões que melhor se ajustarem a cada sensibilidade.

É a descrição e narração da fabulação duma estória de Amor, com os pormenores que abrangem a sua sublimação, e isso só se consegue por sensibilidades que sabem quais os limites até onde se pode ir para não chocar, que criam o prazer no leitor, e deve assinalar-se o modo como se diz, o estilo original no tratamento dos temas e seus desenvolvimentos.

Ao ler-se uma narrativa como AS ONZE MIL VERGAS, e ao ler-se o CRASH, um abismo abre-se na nossa apreciação artística, que faz distinguir o que é literatura de cordel e literatura propriamente dita, não obstante os espíritos mais redutores a apelidarem com um qualificativo de erótica, estando ainda por escrever o melhor romance erótico universal. Mas nem por isso seremos tentados a dizer que o qualificativo não lhe dá menor importância. Será como chamar-lhe literatura romântica, literatura realista, neo-realista, etc... Não a desprestigia por isso.

Se em Luís de Camões, na Ilha dos Amores, se põe em evidência um amor cheio de sensualidade, de lascívia num arrebatamento tipicamente masculino (as Nereidas comportam-se como animais de selva ou galinhas de capoeira), ambientes nos quais o macho tem apenas de mostrar que é o mais forte do que os outros, para que elas se deixem copular, confundindo-se o desejo com o gozo do sexo praticado, despojando-se assim o amor platónico que foi versado nos sonetos, a evolução do erotismo na literatura portuguesa (tema que explodiu no romantismo com Bocage, um tanto ou quanto satírico), arrisca novas subtilezas na adoração do corpo da mulher, mas muito pouco se lê o que tem esta (a mulher) a dizer na retribuição do acto correspondido, quando o é ou não é. Nem o que ela sente, nem o que lhe agrada definitiva e fatalmente.

Quando a Poetisa Florbela Queirós escreve o soneto Amar, a primeira quadra não nos mostra a face de uma mulher igual a todas as outras com as quais deparamos no quotidiano. Mostra-nos uma mulher/homem, que não assume mais o seu estatuto específico corrente... Ou melhor: está a assumir o perfil muito particular da mulher/imitação do homem, continuamente decepcionada com os amantes que foram participantes de amores que só a frustraram. A mulher só é igual ao homem normal quando o seu modo de vida se anormalizou pela incapacidade dela compreender a natureza do macho deste tempo. A mulher frustrada na continuidade, põe-na doente e revoltada contra o mundo. Ela atinge nesse novo estado, o estatuto do homem comum que quer amar esta, aquela, a outra e toda a gente. É um espantoso paradoxo. É muito possível que o estado aleatório assim visado, seja mesmo o normal para uma mulher continuamente decepcionada com a sucessão falhada da relação heterossexual estatuída na sua mente... resultado final, lógico e conclusivo duma existência que não aceita a descontinuidade do amor. Por que razão é tão conhecida assim a Florbela, como pode ser deificada pelo homem? É que este entende bem a mensagem desta Poetisa. A dela , num estado estressado é igual à dele num estado normal e corrente... Por consequência gosta dela, ele adora-a e vive a sua Arte. Duvido todavia que as mulheres normais gostem dela, a não ser pela qualidade superior da sua Poesia, pela obra de arte pura que ela produziu... como gostariam da Poesia assim modelada, se fosse a de um homem a produzir Arte do mesmo modo. Contudo, o homem identifica-se plenamente com o que ela sente, o que expressa, e por isso aprecia-lhe a forma e o conteúdo... como se estivesse a gozar a Arte doutro homem. Efectivamente, o poeta/homem quando sacraliza a mulher não é a uma em particular a que se refere, mas a mulher ideal, a soma de todas as que poderão existir, e ele imagina como suas, sumariando, desta arte, o que em todas elas mais lhe agrada. A sua ânsia de um amor repartido, levou Sá-Carneiro a inconfidenciar o que se reprime por pudor normalmente. É este, Mário de Sá-Carneiro, o Poeta da utopia sonâmbula, do redemoinho imagístico, da dispersão anímica, do delírio desconexo, quem assume por completo esse inquietação e desejo veemente de amor universal, disperso, múltiplo, tipicamente masculino: 'do meu lugar distante, desejo pôr-me em todas as mulheres que avisto, e passam na rua em frente...'.

Alvitro, finalmente, que é David Mourão-Ferreira um dos eminentes poetas que ao Amor dedicou os melhores poemas eróticos da Literatura Portuguesa:
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ILHA
Deitada és uma ilha E raramente
surgem ilhas no mar tão alongadas
com tão prometedoras enseadas
um só bosque no meio florescente
promontórios a pique e de repente
na luz de duas gémeas madrugadas
o fulgor das colinas acordadas
o pasmo da planície adolescente
Deitada és uma ilha Que percorro
descobrindo-lhe as zonas
mais sombrias
Mas nem sabes se grito por socorro
ou se te mostro só que me inebrias
Amiga amor amante amada eu morro
da vida que me dás todos os dias.
In Música de Cama
Notas:
(1) Aurora Carapinha num artigo publicado no GUIA EXPRESSO, O Melhor de Portugal, compara a paisagem da Ilha dos Amores ao típico jardim português, reforçando a ideia de que nas relações entre uma cultura e a ideia de natureza, a Ilha dos Amores é, afinal, e pouco mais do que isto, uma lusitana ilha-jardim.
(2) Maria Teresa Schiappa de Azevedo, comenta a publicação de O BANQUETE de Platão, e socorre-se da esquematização, M.H. Rocha Pereira, in CONCEPÇÕES HELÉNICAS DE FELICIDADE NO ALÉM. Coimbra, Atlântida, 1955.
(3) Helena Gonçalves é autora dum artigo no PÚBLICO, 28FEV98, onde disseca a PORNOGRAFIA E FEMINISMO, actuais, explorados pelas escritoras Susie Bright e Jane Gallop, a primeira sendo pornógrafa criticando a vitimação feminista, submetida pela Cultura, e a segunda sendo professora feminista acusada de assédio homossexual e de pederastia. Segundo Susan Bright uma mulher amarrada a uma cama onde o homem a violenta com uma boa dose de sado-masoquismo não significa que ela não goze e tenha de se sentir uma vítima. Além disso, a libertação dos tabus clássicos, libertam o espírito criador e são ideais para o nosso processo evolutivo. Jean Gallop pretendeu sexualizar a sua atmosfera de trabalho para poder alcançar bons resultados As relações delas com as alunas era perfeita e intensa incluindo “irmos às compras juntas e levá-las para a cama. Gallop faz uma leitura de Sócrates na relação professor/aluno: “uma das contribuições de Sade para as técnicas pedagógicas... foi a do exame anal. Os libertinos sadeanos usam um termo para este tipo de exame, o verbo “socratizar”, que significa enfiar o dedo no ânus. Esta associação entre o nome do grande professor e filósofo e esta forma de penetração anal recorda o elo grego entre pedagogia e pederastia... Pederastia é indubitavelmente um paradigma de pedagogia clássica europeia. Um homem superior penetra um ser inferior com o seu conhecimento...”
(4) As LIPSTICK produzem CD’s de carácter sensual onde falam claramente de amor, prazer e sexo, para alguns de origem libertina, na fuga aos padrões convencionais para atingir o êxtase, a loucura, mas põem também a tónica numa sexualidade responsável, a única que pode fazer perdurar uma relação a dois.
(5) É curiosa a divulgação que se dá no fim deste século ao estado das emoções e os sentimentos relacionados com o amor em várias revistas portuguesas. A VIDA MUNDIAL, n.º 19 de Agosto de 1999, num artigo de Cristina Portela confronta o CRASH, romance, com o filme homónimo, e se na escrita se exibe o pesadelo erótico motivado pela obsessão sexual, resultado de acidentes de carro, é no filme que se visualiza uma depressiva e neurótica estória de amor, louca mas sublime. Este artigo apresenta também casos de figuras emblemáticas do século, escolhas feitas por Eduardo Prado Coelho, tais como: Louis de Aragon e Elsa Triolet, F. S. Fitzgerald e Zelda, dando especial destaque a Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre, num triângulo amoroso, consentido pelo filósofo francês, em que há um ardente amante daquela, o escritor Nelson Algren, e por Luís Francisco Rebelo que prefere citar o casal: Óscar Wilde e o lorde Alfred Douglas, uma estória de amor sublime que ultrapassa todos os limites da fantasia e do maravilhoso. Namorar, trair e casar pelo Ciberespaço é já hoje também possível e utilizado, recriando-se assim o amor romântico com missivas escritas em E-mail. Este recurso actual leva Prado Coelho a dizer: “É a possibilidade de o indivíduo poder recriar uma imagem fictícia de si mesma. Há o maior grau aleatório do encontro, é a sua dimensão surrealista, levada a uma espécie de anonimato.” A autora adianta depois: “É no espaço virtual que o refinamento tecnológico tece uma concessão ao romance, e o fim do milénio encontra-se com os seus primórdios.” Outra conclusão curiosa é admitir que nas tendências actuais dos afectos de amor, não é ao sexo que as pessoas se ligam, mas a elas (pessoas), independentemente de serem macho ou fêmea. É o momento de considerar que voltamos às sociedades antigas em que a bisexualidade era natural. Ama-se a pessoa não o sexo que a diferencia.
(6) Silva, Ana Pereira da, artigo da VISÃO n.º 328, de 99/07/01
(7) McBeal, Ally, advogada, animadora duma série da TVI. Luísa Machado da revista Cosmopolitan não se admira da razão por que as pessoas falam tanto de sexo “Porque o sexo é bom, das melhores coisas que há na vida”. Nesta revista chega-se mesmo a afirmar que o século XX fica na História como “o século do sexo”. O seu culto fez-se cultura, o seu domínio ideologia. Fernando Dacosta compara mesmo a Lisboa de hoje a Sodoma e Gomorra, “O corpo da mulher, primeiro, do homem, depois, estão a perder pela banalização a que os expuseram, o mistério, base de todo o glamour. Algumas mulheres também fazem hoje, como clientes, os percursos do engate prostituto, sozinhas ou acompanhadas, o que mostra que estas imitam cada vez mais os homens sem complexos, e fazem, nestes tempos em que vivemos, o que a maior parte dos homens fez, mas faz cada vez menos.
(8) Alves, Ísis, artigo na VIDA MUNDIAL nº19. Alguns dados cronológicos, e a referência a John Ford, foram buscados neste artigo; assim como, os melhores filmes de amor, numa escolha de dez, apenas três são referenciados simultaneamente por Margarida Gil e João Bénard da Costa, deste modo: AURORA, de F.W. Murnau, em ambos em primeiro lugar, OS AMANTES CRUCIFICADOS, de Kenji Mizoguchi, sexto lugar para Margarida, oitavo lugar para João, e em décimo lugar para ambos, AMOR DE PERDIÇÃO, de Manoel de Oliveira. Todas as outras escolhas não são coincidentes.

Bibliografia:
Carapinha, Aurora, A ILHA DOS AMORES, artigo no Guia Expresso das Comissões de Coordenação Regional
OS LUSÍADAS DE LUÍS DE CAMÕES, 4ª Ed., Editorial Domingos Barreira
Saraiva, António José, LUÍS DE CAMÕES, 2ª Ed., Publicações Europa-América, 1972
Platão, O BANQUETE, Tradução, introdução e notas de Maria Teresa Schiappa de Azevedo, Edições 70, 1998
Correia, Natália, ANTOLOGIA DE POESIA PORTUGUESA ERÓTICA E SATÍRICA, Selecção e Notas de Natália Correia, Afrodite, 1966
Muthesius, Néret, ARTE ERÓTICA, Taschen, 1994
Auboyer, Jeannine, HISTÓRIA DA ARTE, Vol. 4, Publicações Alfa
Lescaut, Gilbert, A PSICANÁLISE, Edições 70, 1975
Barthes, Roland, LE PLAISIR DU TEXTE, Coll. Tel Quel, 1973
Ferreira, João Palma-, PREFÁCIO DE SEXUS de Henry Miller, Edição Livros do Brasil, 1975
Saramago, José, MEMORIAL DO CONVENTO, 24.ª Ed., Caminho, 1995
Andahazi, Federico, O ANATOMISTA, Ed. Presença, 1998
Alberoni, Francesco, O EROTISMO, Bertrand Editora, 1999

1999 / 0

Armando de Figueiredo
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