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Ensaios-->No encalço de uma lenda: Robert Walser -- 25/02/2003 - 21:49 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Berlim, fevereiro de 1993, eu atravesso a Ku’damm – a rua principal tem esse apelido – coberta de neve, para chegar a uma galeria que fica atrás das ruínas da igreja-monumento, a que se vê nos postais. Estou a caminho de um cinema de arte.

A sinopse é um alerta: 'aproximadamente uma hora com a tela em azul-cobalto, sem imagens, com a voz do diretor, em off, a ler passagens do seu diário de aidético em estado terminal'. Mas, os jornais me fizeram achar que 'Blue', de Derek Jarman, fosse imperdível?!

Ao entrar no cinema, suponho que poucos leram as críticas que me encheram de coragem. Depois de um quarto de hora, experimento uma espécie de delírio. Como se o azul abrigasse uma população de fantasmas, prestes a irromper na tela.

Mas, o que isso tem a ver com Walser ou Kafka?

À minha frente, ao lado do computador, umas 180 páginas colhidas em duas ou três sessões de internet. Num passe de mágica, ou melhor, num clique de mouse, eu reúno uma amostragem razoável da prosa curta do escritor suíço, alguns ensaios e artigos em vários idiomas, notícias de uma recepção que só faz crescer nos últimos anos.

Detenho-me em acontecimento recente: 'Branca de Neve', filme de João César Monteiro, cuja estréia no Festival de Veneza, em 2001, é saudada pelo o jornal francês Libération, citado em português, como 'uma primeira sacudidela do festival'. E mais: 'A língua de Walser tinge-se de uma sensualidade particular na tradução portuguesa'. Argumento do filme: o dramolete homônimo de Robert Walser.

Mas, o que isso tem a ver com 'Blue', de Derek Jarman? Cito Eurico de Barros: 'são 75 minutos com o ecrã quase sempre negro, acompanhado pelas vozes dos actores que interpretam o texto [...] Exceptuando o genérico inicial, a ficha técnica, 3 fotos em p & b de Walser morto na neve, alguns ‘flashes de azul’, imagens do céu com nuvens a separar as várias partes do texto, um plano de umas ruínas e outro do realizador a fechar, ‘Branca de Neve’ deixa o espectador completamente no escuro o resto do tempo'.

Em Veneza, na mostra 'Novos Territórios', a sessão para a imprensa começou com a sala cheia e chegou ao final com um terço da platéia. Em Portugal, os jornais falavam em 'blague estética', 'anticinema' ou 'rádio-cinema', e no escândalo de o governo financiar com dinheiro público um filme sem imagens, um filme 'assumidamente espanta-espectadores'. Um crítico, mais ferino, vai ficar mesmo com a versão de Walt Disney.

Robert Walser pega o conto dos irmãos Grimm e quer saber o que teria acontecido à personagem depois de ter sido levada para o castelo do príncipe. Na edição da '& etc.', que inclui dois outros dramoletes em versos, Walser chega, com atraso de quase um século, ao mercado editorial português.

Para Peter Bichsel, a obra de Walser é o mais triste de todos os contos de fadas, porque o mais intimamente colado à realidade. Com a técnica de distanciamento própria do gênero, os personagens monologam no tom do narrador, no tom de Walser, que remete inevitavelmente à voz da mãe, a ecoar na infância perdida, na transmissão de segredos e mitos da humanidade.

Para Walter Benjamin, cito o escritor brasileiro Bernardo Carvalho, 'Walser vê a modernidade como um conto de fadas desencantado'.

Mas, de onde vêm seus personagens? Agora Benjamin, em tradução portuguesa: 'Saem da noite, de onde ela é mais negra (...), com o brilho das festas nos olhos, mas perdidos e tristes até às lágrimas. Aquilo que choram é prosa. Porque o soluço é a medida da loquacidade walseriana. Ela revela-nos de onde provêm os seus preferidos. Da loucura, e de mais lado nenhum'.

Suponho o leitor pasmo, como eu, diante dos fantasmas que ameaçam irromper do ecrã negro ou azul-cobalto, ou da paisagem suíça, branquinha de neve, onde o corpo de um desconhecido parece tinta lançada sobre papel. Vai ter paciência e fôlego para atravessar, comigo, a noite do tempo? Prosseguir no encalço de uma lenda?

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