João João
Acorda de bom humor, como que antevendo o inusitado, e desfruta o descompromisso de um dia de verão. Ouve clamar, de longe, o seu nome: - João João! – Mas não identifica, pelo alto da janela que abre, de quem vem.
Demora-se no banho frio, muito embora o adiantado da hora e nem a perspectiva de atrasar-se inibe o prazer da água escorrendo e formando bolhas.
João João adentra no metrô lotado e olha displicentemente para o lado, até por falta de opção de onde fixar a vista. O que vê, entretanto, o lisonjeia: uma mulher bonita, de cabelos longos e vestido amarelo, o encara provocante.
Experimenta o gesto feminino invadindo a sua privacidade, confronta-o e só se apercebe paralisado quando passa, por entre as janelas, a estação que deveria descer.
Passageiros entram e saem, já é a terceira vez que o transporte inicia o mesmo percurso e o homem permanece hipnotizado e sem movimento. Uma descarga elétrica atravessa o corpo, esquenta as veias e explode no ar, da mesma forma que o raio cortando o relâmpago.
João João é atraído pela fantasia do mistério: o cérebro entorpece; a realidade perde o sentido; Eros venda seus olhos e contrai o peito – tal qual uma flecha o atravessando; e espelha-se na beleza de Narciso, magicamente refletida no casal.
- O quê estou a sentir? – pergunta-se, contemplando-se. – É um encantamento e um desvario! Quando repõe a atenção, constata a mulher desaparecida por entre a multidão. O coração enfim desacelera, o sangue recompõe-se, situa-se no tempo e no espaço e senta-se na cadeira vazia.
- Apaixonei-me! – constata João João. – Mas ela é uma desconhecida! – Será por isso que desfrutei tamanho deleite?
E o moço segue caminho rumo ao serviço.
19.12.02
Lêda Nova
|